Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
Os historiadores do lado de fora: uma historiografia pública dos sites das prefeituras do Estado do Paraná
Thiago Reisdorfer; Jorge Pagliarini
Thiago Reisdorfer; Jorge Pagliarini
Os historiadores do lado de fora: uma historiografia pública dos sites das prefeituras do Estado do Paraná
Historians from the outside: a public historiography of the websites of city halls of Paraná State
Historiadores desde afuera: una historiografía pública de los sitios web de las alcaldías del estado de Paraná
Revista NUPEM (Online), vol. 16, núm. 39, e2024046, 2024
Universidade Estadual do Paraná
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: A pesquisa analisa narrati-vas históricas de 323 dos 399 sites municipais do Estado do Paraná, Brasil, os quais possuíam campo destinado à apresentação das suas histórias, e destaca um diagnóstico temático dessa abordagem. O debate conceitual acionado problematiza os usos potenciais da narrativa não acadêmica no suporte digital, aqui abordada e ancorada nos preceitos da História Pública. A metodologia discute elementos do trabalho de análise interna dos documentos, tendo por destaque o exercício de categorização das narrativas textuais. Os resultados indicam um potencial campo de atuação do historiador na produção de narrativas voltadas ao grande público.

Palavras-chave: Sites da Web, História Pública Digital, Temporali-dade.

Abstract: The research analyzes historical narratives of 323 of the 399 municipal websites in the State of Paraná, Brazil, which had a section dedicated to presenting their stories, highlighting a thematic diagnosis of this approach. The resulting conceptual debate problematizes the potential uses of non-academic narrative in digital formats, here addressed and anchored in the precepts of Public History. The methodology discusses elements of the internal analysis of documents, with an emphasis on the exercise of categorizing textual narratives. The results suggest a potential field of action for historians in the production of narratives aimed at the general public.

Keywords: Websites, Digital Public History, Temporality.

Resumo: La investigación analiza narrativas históricas de 323 de los 399 sitios web municipales del Estado de Paraná, Brasil, los cuales poseían un campo destinado para presentar sus relatos, y destaca un diagnóstico temático de ese abordaje. El debate conceptual accionado problematiza los usos potenciales de la narrativa no académica en el soporte digital, aquí abordada y anclada en los preceptos de la Historia Pública. La metodología discute elementos del trabajo de análisis interno de los documentos, destacándose el ejercicio de categorización de las narrativas textuales. Los resultados indican un potencial campo de acción del historiador en la producción de narrativas dirigidas al gran público.

Palabras clave: Sitios web, Historia Pública Digital, Temporalidad.

Carátula del artículo

Temática livre

Os historiadores do lado de fora: uma historiografia pública dos sites das prefeituras do Estado do Paraná

Historians from the outside: a public historiography of the websites of city halls of Paraná State

Historiadores desde afuera: una historiografía pública de los sitios web de las alcaldías del estado de Paraná

Thiago Reisdorfer
Universidade Estadual do Piauí, Brasil
Jorge Pagliarini
Universidade Estadual do Paraná, Brasil
Revista NUPEM (Online), vol. 16, núm. 39, e2024046, 2024
Universidade Estadual do Paraná

Recepción: 02 Julio 2024

Aprobación: 02 Septiembre 2024

Introdução

Como situar uma narrativa disponível na rede, produzida por um canal oficial, espécie de primeira aproximação textual on-line para curiosos e não especialistas da história, interessados em determinada história municipal? Essa problemática ancora nossa abordagem, aqui apresentada em forma de um relato de pesquisa, composta por um denso estudo de fontes.

Potencial espaço de disputas, de trocas e de dinâmicas dialógicas, o site oficial de um município pouco tem interessado aos trabalhos do historiador, quer se trate aqui da acepção analítica do termo trabalho, atenta ao desenvolvimento de pesquisas acadêmicas, quer se refira ao sentido laboral, de atuação para além da academia. Diante dessa lacuna na abordagem acadêmica, é significativo o exercício de entendimento desse espaço virtual, o qual pode agregar ao nosso campo uma discussão histórica pautada na problematização de memórias locais, no trabalho heurístico e conceitual das fontes, nas potencialidades da interatividade do ferramental da internet 2.01 e no reconhecimento de demandas por História da nossa sociedade.

A título de introdução, podemos pensar no desafio do estudo de temporalidades que constituem tais narrativas, bem como nos usos que elas fazem de temas históricos. Uma primeira leitura que permite mobilizar os usos da história na sociedade contemporânea é Rousso (2016) e sua abordagem daquilo do que denomina por recortes de “passados próximos”, a partir dos quais procura cotejar, historicamente, o presente. A análise de Rousso pode ser complementada com o entendimento do passado enquanto uma preocupação por memória, fenômeno demarcado por Huyssen (2000) na proximidade do início do século XXI. Segundo Huyssen, a atual busca exacerbada por memória seria uma resposta ao nosso medo do futuro e falta de reconhecimento da tradição, situação que corresponderia ao processo de musealização da memória e construção de um presente estendido. Nesse sentido, nossas temporalidades carregariam mais passado do que futuro. Sobrecarga informacional, entropia, e as formas de arquivo local produzidos mediante novos desafios globais servem de panorama desta realidade.

A análise da consolidação desse cenário, marcado por “passados próximos” (Rousso, 2016) e por “passados presentes” (Huyssen, 2000), provoca a discussão histórica e, no caso de nossa pesquisa, gravita em torno do desafio da problematização dessas forças de arquivo e das suas respectivas narrativas.

As narrativas históricas de sites municipais encontram, no seu público geral, dois tipos de leitores: um deles, o conhecedor das memórias que são ao mesmo tempo produto e resultado de uma moral local; e outro, o forasteiro que se aproxima da apresentação histórica (Ricoeur, 2010; Pagliarini Junior; Reisdorfer, 2019)2. A narrativa prima pelo esforço de didatização de conteúdos e procura alcançar uma força explicativa. A sua lógica é, também, a lógica do seu leitor, e sua tessitura envolve posicionamentos diversos, todos eles concatenados com a definição de recortes temporais e temas históricos. São dessas formas de narrativa oficial e suas configurações temáticas e temporais que trataremos na sequência.

Para a análise, partimos de textos disponíveis e coletados no ano de 2018. Estes textos foram salvos por meio de prints e/ou download das páginas em Portable Document Format (PDF) e arquivados em equipamentos dos pesquisadores. A fluidez da Web não nos permite afirmar que estes textos/memórias registrados seriam “definitivos”. Novos grupos políticos, interesses, disputas locais, regionais e nacionais mobilizam alterações nas escritas públicas oficiais dos sites. Assim, chamamos a atenção para o fato de que nossa problematização recaiu sobre os textos disponibilizados pelas prefeituras municipais em 2018. Partindo dessa compreensão, durante o ano de 2018, realizamos a leitura dos trezentos e noventa e nove sites oficiais municipais do estado do Paraná e, deles, mapeamos os trezentos e vinte e três que, na época, possuíam um campo destinado à apresentação da história municipal. Focamos na apresentação de uma historiografia pública desenvolvida a partir do estudo de conteúdos históricos disponível na internet, os quais, embora apresentados pelas prefeituras como a versão oficial das suas histórias, não foram produzidos, na sua maioria, por historiadores.

Realizamos, anteriormente, outros estudos com essas fontes. Nosso primeiro estudo de sites municipais foi concluído em 2016. Naquele contexto, preocupava-nos especificamente a noção de tempo engendrada nas narrativas de sites oficiais municipais de uma região do estado do Paraná, tendo por base as contribuições de Hartog (2015). Em 2018, esse estudo ampliou-se para um recorte maior, as prefeituras do estado do Paraná e a essa pesquisa somaram-se os pressupostos da História Pública (Mauad; Almeida; Santhiago, 2016; Ashton; Trapeznik, 2019). Na sequência deste texto, apresentamos um “diagnóstico” dessa escrita histórica oficial municipal e argumentamos que, para uma possível atuação profissional de historiadores nesse tipo de canal de comunicação e produção de conhecimento histórico, faz-se necessário o reconhecimento desse espaço virtual na sua dimensão conceitual e heurística, seja ele reconhecido enquanto fonte e/ou campo de atuação.

No primeiro momento do texto, em um único fôlego, delineamos o percurso da pesquisa e, com isso, a partir de uma abordagem ancorada na História Digital e na História Pública, tratamos de elementos do suporte narrativo das fontes, sendo eles a escrita não acadêmica no suporte digital e a internet como espaço de comunicação e produção de narrativas. Para o desenvolvimento de tal perspectiva, entendemos a produção realizada pelo público não acadêmico, pontualmente, a narrativa dos sites, como fonte, e as discussões advindas do campo da História Digital e da História Pública como um suporte metodológico. Tal empreitada utiliza discussões teóricas sobre táticas, representações sociais e regimes de temporalidade.

No segundo momento do texto, expomos, em forma de relato de experiência, a problematização dos conteúdos de história dos sites analisados e nosso percurso de categorização dessas fontes, ou seja, uma discussão metodológica a partir de uma análise interna das fontes. A junção da análise sobre a narrativa digital on-line e a análise interna dos textos de história dos sites permite, ao final do texto, uma aproximação com os questionamentos direcionados aos usos do passado, pensados a partir de um potencial campo de diálogo público e de atuação profissional do historiador, um horizonte de expectativa da História Pública.

Do digital enquanto lugar de produção de memórias por não especialistas

Hoje temos uma história enraizada no passado. Mesmo que o presente muito já foi mudado, não há como desligar-se de tudo o que foi real e vivido pelos mariopolitanos (Mariópolis, 2024).

Diante das possíveis abordagens de fontes disponíveis na internet, iniciamos nosso trabalho reconhecendo a força desse tipo de mecanismo de produção de memórias e ressaltando o fato de a internet se tratar de um espaço de produção narrativa, entre elas, a narrativa histórica. Importa destacar que trabalhamos com as narrativas disponibilizadas e não com sua recepção, tarefa que consideramos pertinente e importante, ainda que fora do escopo do presente texto. No caso do conteúdo de história dos sites municipais, essa produção passa pelo controle de não especialistas. A apresentação desse tipo de pesquisa demanda uma análise do aporte conceitual aplicado ao estudo do on-line. Assim, como introdução, destacamos o mapeamento de um triplo potencial de quebra de autoridade da internet, quando comparada aos mecanismos de controles que envolvem outras formas de escrita, como a historiográfica. Aqui, nos referimos ao reconhecimento da quebra da autoridade da autoria, do lugar e do tempo.

O primeiro potencial, o da quebra da autoridade da autoria, pode ser pensado conceitualmente a partir das considerações de Foucault (2012) a respeito do controle exercido pela autoria no discurso. Paradoxalmente, se, por um lado, a Web 2.0 e, com ela, a expansão de redes sociais, como o Twiter®, Instagram® e WhatsApp®, exige dos seus usuários algum tipo de identificação, por outro, seus mecanismos criam uma sensação de não personificação e de livre posicionamento a respeito de qualquer tema ou fenômeno em voga na rede. A velocidade de produção e troca de informações, mesmo não garantindo sucesso ou total segurança, tem potencial de subverter as demandas por vigilância, garantir audiências e questionar a autoridade do saber científico. Metaforicamente, agora, com a internet, comenta-se ao tempo em que se lê. Desse modo, a escrita digital disponível de forma on-line e aberta diferencia-se do movimento de escrita bibliográfica, na qual a evidência do lugar do autor, distantes do imediatismo da internet, é pré-requisito para a sua aceitação e divulgação. No caso dos sites, a autoria é colocada na institucionalidade. É um discurso da prefeitura, do poder público, da municipalidade e não de um sujeito específico, deslocando, dessa forma, a autoria e autoridade do sujeito historiador ou memorialista para a institucionalidade.

O segundo potencial é o da quebra da autoridade do lugar (institucional, político, econômico, religioso, sindical etc.). Evidentemente, não ignoramos o fato de o grau de condições de comunicação via internet depender de fatores que vão desde as realidades dos cenários socioeconômicos, formação sociopolítica e cultural dos usuários até as particularidades físicas e regulatórias de seus ambientes de acesso, de sociabilidade e de trabalho. Todavia, não seria exagero ressaltar o fato de parte significativa da população estar permanentemente conectada e constantemente retroalimentando o fluxo das informações na rede, em especial, nas redes sociais. Embora esses novos lugares de disseminação de informação e criação de opinião contem com formas de regulamentação, os ritmos de reprodução dessas informações ganham novos contornos, sobretudo, quando comparado com o suporte historiográfico.

O terceiro potencial é o da quebra da autoridade do tempo, notadamente, do controle do tempo. É notória, na comunicação do ciberespaço, a prática da (re)utilização de notícias: tipo de exercício anacrônico percebido, por exemplo, no processo de compartilhamento de notícias desacompanhado do trabalho de verificação do contexto de produção da informação disseminada3. Tal característica, assim como no caso das duas formas de quebras de autoridade citadas acima, evidenciam a constatação de um “regime presentista” do tempo histórico (Hartog, 2015)4. Adiantamos: mesmo que os textos dos sites oficiais que apresentem a história municipal, grosso modo, não estejam estruturados em narrativas marcadas pelo presentismo, seu suporte narrativo - a internet - representa tal posicionamento temporal, característica que permite confundir ainda mais as fronteiras entre a esfera púbica e a esfera privada, a partir da presença de uma esfera social (Habermas, 2003; Arendt, 2008; Perlatto, 2018).

A preocupação com a valorização da leitura e mesmo com a escrita do “senso comum” direcionou nossa análise conceitual para outra reflexão teórica ancorada no significado das representações sociais (Moscovici, 2017). Com isso, a narrativa histórica de sites oficiais pode ser entendida a partir das representações sociais. A constatação heurística de que a produção dessa escrita oficial está atrelada ao “senso comum” - de memorialistas locais - corresponde à proposta de Moscovici (2017) de se perceber na escrita do senso comum um norte conceitual, ainda que não declarado. Enquanto um instrumento explanatório referente a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito, religião etc.), as representações sociais possibilitariam atribuir aos fenômenos a descrição e explicação ou familiaridade/ancoragem e objetivação. Tal inferência recorre ao trabalho de especificação de critérios de identificação das representações sociais (Wachelck; Camargo, 2007), de sorte que, numa síntese, indicamos: suas caraterísticas de produção de consensos; seus mecanismos de compartilhamentos por grupos reconhecidos, a partir da irradiação dos sites; seus usos políticos diante dos munícipes; e a sua força identitária.

Para que possamos compreender essas discussões por intermédio de nossas fontes, convém aprofundar uma discussão historiográfica do Digital. A propósito, destacamos o potencial da História Digital (Bresciano, 2015) referente ao trabalho heurístico, focado nas demandas de pesquisa, arquivamento e interpretação de fontes digitais, e hermenêutico, preocupados com a análise do hipertexto. Conforme adiantamos, diante da amplitude deste campo, partimos de uma perspectiva ancorada numa historiografia digital, tendo o digital como fonte para uma produção historiográfica focada no estudo da relação entre usos da história e audiências, organizada metodologicamente em pressupostos da História Pública.

Assim, concordamos com os estudos do suporte digital de autores como Noiret (2015), Barbosa (2016), Cohen e Rosenzweig (2006) e Pons (2017) atentos às características de uma produção histórica digital voltada para o significado das audiências diante do entendimento de documento e das apropriações e manifestações de memória.

Como lembra Noiret (2015), não cabe apenas aos historiadores a autorização para que as pessoas tratem e/ou reproduzam memórias na rede. Além disso, uma história digital, pensada para efeitos de didatização de conteúdos historiográficos em diálogo com o público, isto é, ancorada na prática do crowdsourcing, seria uma história pública digital.

Seja como for, os responsáveis pela produção e divulgação dos conteúdos de história nos sites ora analisados estão distantes de uma perspectiva dialógica. Parecem desconhecer as contribuições historiográficas da História Pública. Em linhas gerais, tal perspectiva historiográfica está voltada para a compreensão, explicação e produção de debates e fenômenos públicos, seja junto com as audiências ou na produção de conteúdo para elas (Cauvin, 2019; Fagundes, 2019; Santhiago, 2016).

Dessa forma, na tentativa de melhor compreendermos as formas de produção de histórias dos sites municipais, recorremos a uma perspectiva contemporânea da História Pública, capaz de decifrar caminhos para novas formas de comunicação centradas nas audiências. Nessa contextura, podemos mencionar a contribuição de Cauvin (2020). Na sua metáfora, o tronco, lugar metafórico do método historiográfico, ou seja, da produção de conhecimento acadêmico, encontra nas raízes - metáfora para a apresentação das fontes - e nos seus galhos - metáfora para as formas de comunicação - um circuito que interage com seus usuários, alegoricamente representados pelas folhas, como no caso de usuários dos sites. Em todo esse processo, no emaranhado proposto por Cauvin (2020), fica a demanda da produção narrativa equilibrada entre método histórico, reconhecimento e usos de fontes históricas e formas de apresentação e apropriação da comunicação pela sua audiência.

Conforme destacaremos no segundo momento deste texto, os campos que tratam da história municipal nos sites oficiais municipais estão estruturados na temporalidade, predominantemente, passadista. Uma possível explicação para essa realidade, a qual contrastaria com o presentismo que demarca as narrativas da internet, em geral, pode ser provisoriamente explicada pela falta de interatividade com os públicos na construção e apresentação desses conteúdos nos sites. Dessa maneira, os textos sobre a história local deixam de ser atualizados; pouco dialogam com acontecimentos do presente; e não contam com a interferência dos leitores.

Nos sites municipais, diferentemente dos campos neles destinados aos canais de notícias, as seções que tratavam da história, normalmente intituladas por “História”, “Cidade”, “Nossa Cidade” ou “Município”, não possuíam caixas de diálogos com as audiências. Essa caraterística impede a oportunidade da produção histórica do tipo dialógica. Para ilustrar: embora cento e trinta e um municípios contassem, em seus textos, com fotografias, apenas 40% delas possuíam legendas. Ainda, dezoito sites dispunham de vídeos de divulgação, mas quatorze deles correspondiam a vídeos de entrevistas com prefeitos e/ou de divulgação da cidade, sem abordarem, propriamente, conteúdos históricos. Outros seis municípios indicavam redes sociais e/ou sites de divulgação turísticas, sem destacar, todavia, esses conteúdos no campo destinado à sua apresentação histórica. Apenas três municípios contavam no campo destinado para a apresentação da sua história com material complementar, como cartilhas, livros e guias em formato PDF. Em todos esses casos, percebe-se a potencialidade para uso de caixa de diálogos com os públicos.

Concluindo, do aporte teórico necessário para a apresentação da discussão dos usos da internet, passamos aos aportes metodológicos da pesquisa, no intuito da apresentação do trabalho de categorização das narrativas dos sites e dos resultados dessa abordagem. A classificação partiu do problema da pesquisa e, embora parte da investigação tenha sido pautada na verificação de informações das fontes, como o uso de autoria e de referências, tal ordenação expressou uma abordagem estruturada numa classificação semântica (Barleta, 2015) e na análise de conteúdo (Bardin, 1977).

Uma primeira classificação centra-se no fato de determinadas abordagens cumprirem uma função de aproximar a história municipal da história estadual ou mesmo nacional, relatando casos de conflitos armados, frentes migratórias, caminhos, transformações agrárias. Constatamos, dentre outras questões, o fato de as histórias municipais possuírem caraterísticas comuns de acordo com as microrregiões às quais pertenciam (trinta e nove no total), e mesmo de suas mesorregiões (dez no total). Apresentamos, a seguir, um mapa das Microrregiões (Imagem 1) para orientar a localização do(a) leitor(a):


Figura 1:
Mapa das Microrregiões do Estado do Paraná
Fonte: Ipardes (2019).

A título de exemplo, destacamos: nas microrregiões de Capanema e Francisco Beltrão, ganha ênfase a “Revolta dos posseiros”5, ora narrada mediante um discurso de neutralidade, apenas informando-se a respeito dos conflitos, ora atenta ao destaque da presença de posseiros e pela violência das “desocupações”. Outras abordagens: a história relacionada com os conflitos da Guerra do Contestado e com a Questão do Contestado6, como no caso de municípios da microrregião de União da Vitória; a interpretação dos processos de ocupação e de colonização atrelados aos séculos XVI e XVII, bem como com atividades dos bandeirantes, presentes em alguns municípios da microrregião de Guarapuava, de Pitanga e de Paranavaí; a presença das cidades espanholas, como nos municípios de Fênix, Campo Mourão, Peabiru e Mamborê, pertencentes à microrregião de Campo Mourão. Igualmente, as Companhias colonizadoras e o contexto de pós-Guerra Mundial, nas microrregiões de Londrina e Maringá; as expedições aos Campos Gerais no século XIX, caso das microrregiões de Ponta Grossa e Guarapuava; as Cidades e Colônias militares espanholas, na microrregião de Assaí; a Marcha para o Oeste e a Coluna Prestes, nas microrregião de Cascavel e de Toledo; o plantio do café, na microrregião de Assis Chateaubriand; o caminho de Viamão e/ou exploração aurífera na microrregião de Curitiba; o “ciclo” da Erva Mate na microrregião de Foz do Iguaçu; a perseguição do Estado Novo ao idioma alemão na microrregião de Irati; a Revolução de 30 na microrregião de Arapoti; dentre outros.

Mesmo tendo essa divisão por microrregiões contribuído à organização da pesquisa, o foco do estudo deteve-se em unidade de municípios. Na sequência, passamos para a apresentação de um diagnóstico das categorias temáticas e do campo “autoria” dos sites.

Portanto, mais que o suporte digital, é o próprio conteúdo histórico dos sites o objeto desta pesquisa. Pretendemos chegar a uma apresentação provisória construída a partir das formas como a narrativa histórica dos textos de história dos sites, organizada por temáticas - elemento constituinte da narrativa -, apresentam a relação entre presente, passado e futuro.

Da análise das perspectivas temáticas presentes nos sites municipais

Numa primeira abordagem, ocorrida entre os meses de janeiro a março de 2018, realizamos a coleta dos textos dos sites que possuíam campo destinado à apresentação da história local, bem como de outros campos que, mesmo não intitulados por História, cumpriam tal função, sendo o caso dos campos reservados para a descrição de lugares turísticos. Os sites acessados tiveram seus hiperlinks e conteúdos salvos no ano de 2018 em arquivo PDF e esse material foi analisado nos dois anos seguintes. Disto resultou a construção e primeiro preenchimento de uma planilha do Excel para município, composta por temáticas e dividida por unidades de municípios. Trataremos dos resultados dessa análise na sequência do texto.

O exercício de categorização e de interpretação das fontes partiu da verificação de uma hipótese, qual seja, a da verificação da presença de posicionamentos temporais relacionados aos temas centrais das narrativas históricas dos sites. O desafio da classificação dessas fontes direcionou para um estudo de conteúdo e essa análise indutiva resultou em novos temas norteadores da categorização. Todo esse processo foi marcado pela análise do emissor e da mensagem, sem que a observação possibilitasse uma análise da recepção e dos resultados da mensagem (Moraes, 1999).

O trabalho de categorização, seguindo pressupostos propostos por Bardin (1977), derivou na seguinte construção de categorias e/ou campos temáticos: pioneiro; etnia; toponímia; estado; cultura agrícola/extrativismo; natureza; caminhos; genealogias dos lugares; genealogias das instituições; companhias colonizadoras; empresas; formação política; além de outras temáticas percebidas no decorrer da pesquisa, mas não recorrentes como as anteriores, e registradas no campo “outros”, sendo elas: preservação ambiental; tamanho das propriedades; êxodo rural; conflitos armados; turismo; festas municipais. Além destes campos temáticos, apresentamos um outro campo semântico, denominado “Regime de Historicidade”, com o qual procuramos classificar as narrativas a partir dos seus posicionamentos temporais, conforme Hartog (2015), sendo elas, “presentista”, “passadista” e “futurista”, ou das possíveis combinações entre elas. Outros três campos de elementos técnicos e/ou sintáticos foram criados, quais sejam, “referências”; “inovação”; “narrativa”.

O campo intitulado “referências” atentou às citações de fontes documentais, bibliográficas e autoria nos textos. O campo “narrativa” procurou diferenciar os tipos narrativos dos sites entre textos narrativos (compostos de elementos como o enredo ou mesmo a catarse) ou textos expositivos (com elementos como a conceituação, a definição e comparação), com os textos descritivos, os quais se limitavam ao conteúdo estritamente informativo (foram identificados um total de cinquenta e sete, dos trezentos e vinte e três sites estudados, como textos históricos informativos). O campo “inovação” destinou-se ao mapeamento de técnicas de divulgação do conteúdo histórico que não se limitassem ao texto escrito. Na sequência, elencamos as categorias mapeadas e indicamos resultados desse exercício de categorização e análise.

1) Referências: presentes em setenta e três citações, aproximadamente, 26% do montante da pesquisa. Dentre elas podem ser encontradas diferentes menções ou a obras ou a fontes da pesquisa; deste total, cinquenta e cinco se referem a alguma citação bibliográfica, sendo, deste total, trinta e cinco livros ou obras publicadas. Oito sites citam obras clássicas, como dos historiadores Rui Washowicz e Romário Martins. Um total de vinte e três sites pautam-se em obras resultantes de estudos regionais/locais. Quatro informam o fato de a escrita do seu texto basear-se na produção via parcerias com universidades estaduais. Além disso, vinte e oito citam ou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ou o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) ou, então, páginas como a Wikipédia® e trazem nos seus textos fontes primárias. Dez sites discutem suas fontes e, dentre eles, sete citam relatos de moradores participativos de suas pesquisas. Apenas sete autores assinam o texto do site municipal.

2) Formação política: citada em duzentos e vinte municípios, 70% do total, é o tema mais recorrente. Normalmente, este tema é apresentado em um campo desconectado do restante da narrativa, ou seja, ele se restringe a uma espécie de apêndice das narrativas: “Elevado à categoria de município com a denominação de Campina do Simão, pela lei estadual n.º 11180, de 16-11-1995, desmembrado de Guarapuava. Sede no antigo distrito de Campina do Simão. Constituído do distrito sede. Instalado em 01-01-1997. Fonte: IBGE” (Campina do Simão, 2024).

De maneira geral, essas descrições têm função de apresentar um histórico linear da evolução dos processos político-administrativos municipais.

3) Pioneiros: tema central em cento e noventa e dois sites, aproximadamente, 60% do total.

E foi assim que tudo começou...

O pioneiro Joaquim Severo Batista vivia sossegadamente em São Simão, Estado de São Paulo, casou-se com sua prima Maria Teodora. Formou uma fazenda de café e nas horas vagas trabalhava de alinhador de café nas fazendas vizinhas. Nos rumos do destino ocorre um acontecimento que viria torcer o caminho pacato e feliz de sua vida (Itambaracá, 2024).

Tema marcante no conjunto dos sites, a maior parte das citações refere-se aos pioneiros representantes de fases de ocupação e/ou colonização, inclusive, em alguns casos, pioneiros do século XIX, sem que se possa aferir se eles ou suas famílias ainda residem nos respectivos municípios.

4) Natureza7: um total de cento e quarenta e nove sites, aproximadamente, 46% do total enfatiza a natureza local e/ou regional. Na sua maioria, total de cento e seis sites, destacam a exuberância das matas e, não raro, destacam as adversidades advindas da conquista da natureza para o processo de ocupação ou de colonização. Outra linha de apresentação da natureza está dividida entre o destaque a reservas ambientais, quinze no total, e ao turismo ecológico ou rural, vinte e oito no total: “Quatro Barras é um dos 29 municípios que integram a Região Metropolitana de Curitiba. Sua economia é voltada ao setor produtivo e à indústria limpa, já que a cidade está localizada em Área de Preservação Ambiental” (Quatro Barras, 2024).

5) Cultura agrícola/extrativismo: destacada em cento e vinte e quatro municípios, aproximadamente, 39% do total investigado. Na maioria deles, a temática está relacionada aos ciclos econômicos; também é recorrente o destaque na sucessão de culturas enquanto motor do progresso. Alguns marcos ganham destaque, como o da “Geada Negra”: “Em 1968, Ibaiti chegou a uma população de quase 35 mil habitantes, mas o desgaste da cultura do café com a geada de 1975, desanimou os agricultores.” (Ibaiti, 2024).

6) Toponímia: esse tema consta em cento e sete municípios, aproximadamente, 32% do total:

Algemiro Mota (pioneiro), não gostavam do comportamento dos Rutes, e entraram em conflito aberto com a comunidade religiosa. Em 1954, em caravana, os seguidores de Rute levaram seus pertences em bruacas e cargueiros, o líder João Rute deixou um recado - não toquem no pinheiro, não o derrubem, pois quem fizer isto está amaldiçoado, assim como sua família - blasfemando que o lugar não iria se desenvolver caso a árvore fosse abaixo (Pinhal de São Bento, 2024).

Tal tema foi responsável pela maior parte da apresentação do “ouvir falar” presente em alguns municípios.

7) Etnia: um total de cento e quatro municípios destacam o elemento étnico, 32% do total: “Formada inicialmente pelos mineiros e nordestinos, a população são-pedrense ainda hoje tem como principal grupo étnico, os brasileiros da região Central e Nordeste, existindo também grupo teuto-germânico e italiano, oriundos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina” (São Pedro do Iguaçu, 2024). No geral, algumas vezes, apresenta-se certo pluralismo étnico, destacando-se migrações de “várias regiões”. Raramente, os municípios citam a origem indígena e, quando é destacada, cumpre função de elemento lendário e nem sequer os indígenas são apresentados no presente. Municípios das mesorregiões Oeste, Sudoeste, Sudeste e Centro Sul tendem a elencar como pioneiros os migrantes advindos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e/ou migrações de descendentes de europeus. Já as mesorregiões do Noroeste, Norte Central e do Norte Pioneiro tendem a elencar a migração advinda do Sudeste, principalmente, de mineiros e paulistas, e a migração nordestina em menor número de citações. Os municípios da mesorregião Centro Oriental e Região Metropolitana tendem a enfatizar as migrações internacionais ocorridas durante a segunda metade do século XIX; na Região Centro Ocidental é menor a recorrência dos municípios ao elemento étnico e não há uma etnia que sobressai em relação às demais.

8) Caminhos: tema presente em cento e dois municípios, aproximadamente, 32% do total. Foram aqui considerados como “caminhos” estradas, rodovias, ferrovias e picadas para transporte de animais, como de muares, gado e porcos: “Não se pode esquecer que a questão dos ‘caminhos’, leiam-se ferrovias ou rodovias, era fundamental para o Paraná no início do século XX, pois havia a inexistência, nas duas primeiras décadas, de um sistema de transporte adequado para escoar a produção” (Nova Fátima, 2024). Aqui, os caminhos, portanto, abrangem diferentes temporalidades e significados, sejam eles históricos, como aqueles relacionados à conjuntura do século XVI, ou utilizados para ocupar/conquistar a região, como aqueles do século XVIII; caminhos “lendários”, como o do Peabiru, ou mesmo aqueles que ainda estão ativos, como é o caso da Estrada Boiadeira, ou sendo alvos de debates em torno da sua eventual reabertura, como ocorre com a Estrada do Colono.

9) Companhias Colonizadoras: são citadas em cem sites, 31% do total; recebe destaque o seu quantitativo de citações nas microrregiões de Londrina, Floraí, Toledo, Umuarama e Capanema:

Por volta de 1950, surgiram as primeiras correntes imigratórias, predominantemente de origens alemã e italiana, vindas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina para o sudoeste paranaense. Naquela época, companhias de colonização vendiam terras sem controle, originando conflitos intensos pela posse das terras (Capanema, 2024).

Conforme pode-se perceber na citação acima, em alguns casos, principalmente, em municípios do Sudoeste do Estado, os processos de colonização por elas dirigidos recebem críticas.

10) Estado: com setenta e sete citações, aproximadamente, 24% do total. Dentre elas, recebe força a positivação do protagonismo do Estado nos processos de emancipação e de desenvolvimento da estrutura política local. O Estado é apresentado na maioria das citações como um marco do passado, com exemplos da relação do estado com jesuítas ou bandeiras; protagonismo do estado nas expedições de conquista territorial; tratados; família real; formação de vilas e colônias; iniciativa de governadores ou interventores; contexto de guerras e de migrações internacionais; conjuntura de conflitos internacionais e/ou conflitos regionais, como o do Contestado; autorizações de governos, inclusive aquelas do período imperial; e interferência no processo de colonização. Outra forma dessa apresentação deve-se ao destaque para a presença do estado na atualidade, como no caso da especificação de órgãos governamentais, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Companhia Paranaense de Energia (COPEL); relação entre governos e companhias internacionais. Em alguns casos, destaca-se o protagonismo de outros políticos locais e suas amizades com políticos influentes.

11) Genealogia de lugares: citados em quarenta e nove sites, aproximadamente, 16% do total. Servem de exemplos: encruzilhadas; pontes; colônias militares; colônias de povoamento; loteamentos; lugares marcados por elementos naturais, como um “pinheiro” ou um ribeirão; reassentamentos; cidades históricas; reduções jesuíticas; e, principalmente, fazendas: “Serafim Ferreira de Oliveira e Silva, alcunhado de Serafim Brabo, comprou, em 1889, a fazenda Sant’Ana do Herval e ali fundou um engenho de beneficiamento de erva-mate” (Quitandinha, 2024). Os lugares estão associados ao passado da ocupação e, na maioria dos sites, seus usos e formas atuais são ignoradas.

12) Genealogia de instituições8 e/ou de estabelecimentos comerciais: a temática consta em oitenta e três citações, aproximadamente, 25% dos sites: “Jaguapitã possuiu o primeiro cinema da região, chamado Cine Guairacá, que funcionou entre os anos de 1956 e 1983, sendo fechado por falta de recursos” (Jaguapitã, 2024). Essa temática, quando abordada no seu conjunto, demonstra a heterogeneidade das narrativas e daquilo que é, então, considerado significativo historicamente para cada município e se resumem em: colônias militares; usinas; pensões; hotéis; “bodegas”; casas comerciais; hospital; cinema; ginásio; Prefeitura e Câmara; linhas de ônibus; balsas; estação ferroviária; veículos de comunicação como rádio e jornais; reservatórios hídricos; cooperativas; cemitérios; penitenciária; distrito policial; parques industriais; empresas; usinas; universidades públicas; faculdades particulares; escolas; e o exemplo mais citado, o das igrejas, na maioria, as católicas (capelas). Duas informações complementam este cenário mapeado das genealogias: quinze sites citam uma diversidade de instituições e atividades comerciais; e dezenove mencionam tanto a genealogia das instituições quanto a dos lugares. Por fim, diferentemente das outras temáticas, não foi possível perceber um padrão temporal entre as genealogias de lugares, salvo a sua filiação com diferentes perspectivas de progresso.

13) Empresas: com destaque em treze sites, aproximadamente, 4% do total dos municípios (não foram consideradas neste tema como “empresa” as companhias colonizadoras), ocupam um lugar central nas histórias destes municípios, espécie de vetor ou mesmo marco de instauração do progresso local/regional:

A Lei Estadual nº 4668 de 31 de dezembro de 1962, criou o Distrito Judiciário, com a denominação simplificada para Cafelândia. Em 1963, foi constituída a Copacol - Cooperativa Agrícola Consolata Ltda, que tinha por objetivo a eletrificação de Cafelândia e Região e o atendimento aos agricultores no recebimento, beneficiamento e comercialização da produção agrícola (Cafelândia, 2024).

Cabe destacar que esta temática indica atenção ao futuro, embora o fato de ela estar combinada com outras temáticas indique para a predominância de narrativas presentistas nos sites nos quais foram citadas.

14) Outros temas: um total de cento e sessenta e sete citações, aproximadamente, 51% dos municípios. As temáticas selecionadas para o estudo não foram suficientes para sintetizar - não sendo também nossa intenção uma síntese totalizadora - todas as temáticas norteadoras das narrativas dos sites estudados, e diante desta situação, optamos pela construção e, agora, pela apresentação do campo “outros”.

a) Turismo9: constatado em cinquenta sites, aproximadamente, 16% do total dos municípios, o tema turismo está dividido entre: festas/gastronomia (vinte e dois); turismo ecológico ou rural (vinte e oito) - já contabilizados na temática “Natureza” -; turismo histórico ou museus ou patrimônio ou arquitetura (vinte e dois): “No centro do município podem ser vistos muitos edifícios que presenciaram o progresso do município, estes foram construídos no século passado” (Cambará, 2024). Em alguns sites, algumas destas atividades turísticas encontram-se combinadas.

b) Qualidades ou virtudes locais: com quatorze citações, aproximadamente, 3% do total, e estão divididos entre Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); educação e/ou saúde e/ou esporte. Foi o caso de Pato Branco: “Como reflexo, Pato Branco é uma das cidades mais desenvolvidas do país. A cidade ocupa o 4º lugar do Paraná no Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), com destaque para a Saúde, Educação e geração de emprego e renda” (Pato Branco, 2024). Outro exemplo: “passou a abrigar um campus da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e outro da Unipar (Universidade Paranaense) e a oferecer uma série de opções de entretenimento e lazer - outro setor em franca ascensão na economia local” (Cianorte, 2024).

c) Transformação agrária: embora esta temática esteja contemplada no assunto atividade agrícola/extrativismo, foi analisada em separado devido a sua preocupação com a apresentação das transformações sociais do/no campo. Consta em vinte e duas citações, aproximadamente, 7% do total dos sites. Está dividida entre o destaque atribuído à prevalência de pequenas ou médias propriedades (15) - sendo um deles um reassentamento -; e impactos negativos do êxodo rural (7): “A Companhia Maripá realizou uma divisão de terra em propriedades com área média de vinte e cinco hectares, dimensões estas que ainda hoje caracterizam uma estrutura fundiária com pequenas e médias propriedades na região de Quatro Pontes” (Quatro Pontes, 2024). Essas abordagens estão fundamentadas numa crítica ao processo de mecanização das terras.

d) Povos indígenas: constam em cinquenta e cinco sites, aproximadamente, 18% do total dos sites. Na maioria das citações, é destacada a existência histórica dos povos indígenas no contexto da ocupação de terras regionais, ou seja, exclusivamente no passado (“foram extintos”; “habitavam”; “foram vencidos” etc.): “Paulistas e mineiros movimentaram a região do atual município a partir do terceiro quartel do século XIX. Antes disso, estas paragens eram habitadas por hordas de nações indígenas. A história registra muitas ações desenvolvidas por conta do convívio dos primeiros exploradores e colonizadores com os silvícolas” (Joaquim Távora, 2024).

e) Bandeirantes e/ou jesuítas: com dezesseis citações, aproximadamente, 5% do total. A temática apresenta a história relacionada aos séculos XVI e XVII. As narrativas procuram contextualizar as relações de disputas por território:

As próximas notícias que se tem de Villa Rica são de 1770, quando o governador da capitania de São Paulo, D. Luis Mourão, enviou uma expedição ao Paraná, comandada por Francisco Lopes da Silva, que percebeu a impossibilidade de fixação de colonos naquele local. Depois desta tentativa, somente houve a efetiva fixação de colonos e a fundação de cidades naquelas circunvizinhanças a partir da metade do século XX (Fênix, 2024).

Elas se dividem entre a reverência ou a crítica aos bandeirantes e a valorização dos jesuítas.

f) Revoltas/conflitos: com trinta e uma citações, aproximadamente, 9% do total: algumas delas contabilizadas no tema Companhias Colonizadoras. Deste total, 15 destacam conflitos regionais por terras, sendo deles nove narrados em tom de denúncia e seis deles isentos de juízo de valor:

Década de 50, iniciava a ocupação e colonização da região Sudoeste do Paraná, que ao contrário de outras, foi colonizada por livre e espontânea coragem de homens procedentes da própria região Sul do país. Jagunços da companhia CITLA (Clevelândia Industrial Territorial Ltda.), lutaram incansavelmente com posseiros, na chamada batalha do “Levante dos Posseiros”, que se findou no dia 10 de outubro de 1957, com a vitória dos posseiros (Realeza, 2024, grifos no original).

Outras revoltas totalizam 15 citações, sendo elas: Farroupilha (uma); Revolta de 30 (três); Revolta de 32 (uma); Guerra com o Paraguai (duas); Segunda Guerra Mundial (quatro); Questão do Contestado com Argentina (um); Revolta do Contestado (três); Intentona Comunista (um).

Concluindo, o diagnóstico apresentado contribui para a análise de um campo de produção e apropriação da História. O entendimento de sua produção e dos seus usos, assim defendemos, passa justamente pela análise da relação entre temáticas adotadas e as temporalidades delas decorrentes.

Considerações finais

Na pesquisa em tela, lidamos com apropriações da escrita da história realizada por sites municipais, tipo de prática de produção de narrativa ancorada na relação entre os usuários e a internet. O desafio da pesquisa pode ser agora resumido na dificuldade presente num estudo ancorado no suporte digital, de textos que não foram construídos a partir dos pressupostos da historiografia, e isto deve nortear e relativizar qualquer crítica acadêmica pautada na interpretação deste tipo de escrita, cujo alcance destina-se aos diferentes leitores que buscam uma síntese da história local. Não é o caso de se deixar de ressaltar o fato dessas narrativas históricas, suas temáticas e temporalidades denunciarem usos políticos de memórias. Numa máxima, pode-se recorrer ao entendimento de Huyssen (2000, p. 35) e afirmar que os sites são suportes para determinadas manifestações de memória local, e que, na atual “sociedade de memória”, cumprem uma espécie de conforto em forma de arquivo. Próximo ao autor, destacamos a importância do entendimento da utilidade das memórias pela História. Caminho possível de ser seguido a partir da inserção e negociação do historiador nos canais oficiais de comunicação de prefeituras, como estes aqui apresentados.

Acreditamos que o reconhecimento das temáticas centrais dessas narrativas e mesmo o entendimento de suas formas de contar a história local e/ou regional, bem como sua análise conceitual a partir das temporalidades, contribuam, de maneira significativa, para o seu entendimento e, quiçá, para uma futura atuação de profissionais da História em parcerias e/ou no gerenciamento desse tipo de produção histórica. Portanto, uma historiografia pública, útil para o desenvolvimento de práticas de história pública, encontra aqui um caminho de diálogo e aprendizado, no qual as características do hipertexto, as produções da e na internet, e o entendimento da aplicabilidade da história na sua apresentação pública e “didatizada”, necessitam ser considerados.

Concluindo, esse processo envolve conhecer elementos e dimensões da produção narrativa da história, suas ferramentas, suas estruturas de apresentação e mesmo de seleção de conteúdo, sua análise metodológica e, por fim, as temporalidades que constituem formas de apropriação e produção de memórias diante do objetivo da produção de debates democráticos sobre história.

Material suplementario
Fontes
CAFELÂNDIA. Nossa cidade. Prefeitura de Cafelândia. 2024. Disponível em: https://abrir.link/WyIjh. Acesso em: 12 set. 2024.
CAMBARÁ. A cidade. Prefeitura de Cambará. 2024. Disponível em: https://abrir.link/aBTBb. Acesso em: 12 set. 2024.
CAMPINA DO SIMÃO. História do Município de Campina de Simão. Prefeitura de Campina do Simão. 2024. Disponível em: https://abrir.link/HFiXs. Acesso em: 12 set. 2024.
CAPANEMA. História. Prefeitura de Capanema. 2024. Disponível em: https://abrir.link/Umngr. Acesso em: 12 set. 2024.
CIANORTE. História do município. Prefeitura de Cianorte. 2024. Disponível em: https://abrir.link/xWpjn. Acesso em: 12 set. 2024.
FÊNIX. Nossa cidade/aspectos históricos. Prefeitura de Fênix. 2024. Disponível em: https://abrir.link/PwWyu. Acesso em: 12 set. 2024.
IBAITI. História do município. Prefeitura de Ibaiti. 2024. Disponível em: https://abrir.link/ZXMJo. Acesso em: 12 set. 2024.
ITAMBARACÁ. História. Prefeitura de Itambaracá. 2024. Disponível em: https://abrir.link/lyEjD. Acesso em: 12 set. 2024.
JAGUAPITÃ. História. Prefeitura de Jaguapitã. 2024. Disponível em: https://abrir.link/raTdo. Acesso em: 12 set. 2024.
JOAQUIM TÁVORA. Aspectos históricos do município. Prefeitura de Joaquim Távora. 2024. Disponível em: https://abrir.link/VLlAy. Acesso em: 12 set. 2024.
MARIÓPOLIS. História do município de Marinópolis. Prefeitura de Mariópolis. 2024. Disponível em: https://abrir.link/axtfU. Acesso em: 12 set. 2024.
NOVA FÁTIMA. História do município. Prefeitura de Nova Fátima. 2024. Disponível em: https://abrir.link/sRrCM. Acesso em: 12 set. 2024.
PATO BRANCO. O município/a história de Pato Branco. Prefeitura de Pato Branco. 2024. Disponível em: https://abrir.link/pIldZ. Acesso em: 12 set. 2024.
PINHAL DE SÃO BENTO. História do município de Pinhal de São Bento. Prefeitura de Pinhal de São Bento. 2024. Disponível em: https://abrir.link/NLkpP. Acesso em: 12 set. 2024.
QUATRO BARRAS. História da cidade. Prefeitura de Quatro Barras. 2024. Disponível em: https://abrir.link/OBQWw. Acesso em: 12 set. 2024.
QUATRO PONTES. História. Prefeitura de Quatro Pontes. 2024. Disponível em: https://abrir.link/OvDBT. Acesso em: 12 set. 2024.
QUITANDINHA. A cidade/história. Prefeitura de Quitandinha. 2024. Disponível em: https://abrir.link/sdtOh. Acesso em: 12 set. 2024.
REALEZA. O município. Prefeitura de Realeza. 2024. Disponível em: https://abrir.link/yxYeA. Acesso em: 12 set. 2024.
SÃO PEDRO DO IGUAÇU. História do município. Prefeitura de São Pedro do Iguaçu. 2024. Disponível em: https://abrir.link/ccMYm. Acesso em: 12 set. 2024.
Referências
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
ASHTON, Paul; TRAPEZNIK, Alex (Eds.). What Is Public History Globally? working with the past in the present. London: Bloomsbury, 2019.
BARBOSA, Marialva. Meios de comunicação: lugar de memórias ou de história? Contraponto, v. 35, n. 1, p. 7-26, 2016.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BARLETA, Leonardo. Bases de datos y organización de la información histórica: por un modelo (supuestamente) universal. In: BRESCIANO, Juan Andrés; GIL, Tiago (Orgs.). A historiografía ante el giro digital: reflexiones teóricas y prácticas metodológicas. Montevideo: Ediciones Cruz del Sur, 2015, p. 159-192.
BRESCIANO, Juan Andrés. Los estudios históricos en la sociedad de la información. In: BRESCIANO, Juan Andrés; GIL, Tiago (Orgs.). A historiografía ante el giro digital: reflexiones teóricas y prácticas metodológicas. Montevideo: Ediciones Cruz del Sur, 2015, p. 15-56.
CAUVIN, Thomas. A ascensão da História Pública: uma perspectiva internacional. Revista NUPEM, v. 11, n. 23, p. 8-28, 2019.
CAUVIN, Thomas. Campo nuevo, prácticas viejas: promesas y desafíos de la historia pública. Hispania Nova: Revista de Historia Contemporánea, n. 1, p. 7-51, 2020.
COHEN, Daniel; ROSENZWEIG, Roy. Digital History: a guide to gathering, preserving, and presenting the past on the Web. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2006.
FAGUNDES, Bruno Flávio Lontra. História pública brasileira e internacional: seu desenvolvimento no tempo, possíveis consensos e dissensos. Revista NUPEM, v. 11, n. 23, p. 1-19, maio/ago. 2019.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2012.
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da esfera burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
HARTOG, François. Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumento, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2000.
IPARDES. Início. Instituto Paranaense de Desenvolvimento. 2019. Disponível em: https://www.ipardes.pr.gov.br/. Acesso em: 05 set. 2024.
KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre História. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.
MAUAD, Ana Maria; ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; SANTHIAGO, Ricardo (Orgs.). História Pública no Brasil: sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016.
MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.
MISKIW, Antonio Marcos. Colonos, posseiros e grileiros: conflito de terra no Oeste Paranaense (1961-1966). 201f. Mestrado em História pela Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002.
MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Rio de Janeiro: Vozes, 2017.
NOIRET, Serge. A História Pública Digital. Liinc em Revista, v. 11, n. 1, p. 28-51, 2015.
PAGLIARINI JUNIOR, Jorge; REISDORFER, Thiago. Temporalidades de norte a sul: história de municípios narrada nos seus sites oficiais. Projeto História, v. 65, p. 278-308, 2019.
PERLATTO, Fernando. Esferas públicas no Brasil: teoria social, públicos subalternos e democracia. Curitiba: Appris, 2018.
PONS, Anaclet. Archivos y documentos en la era digital. Historia y Comúnicacion Social, v. 22, n. 2, p. 283-296, 2017.
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa (tomo I). São Paulo: Martins Fontes, 2010.
ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente, o contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2016.
SANTHIAGO, Ricardo. Duas palavras, muitos significados: alguns comentários sobre a História Pública no Brasil, In: MAUAD, Ana Maria; ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; SANTHIAGO, Ricardo (Orgs.). História Pública: sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016, p. 26-36.
WACHELKE, João Fernando Rech; CAMARGO, Brigido Vizeu. Representações sociais, representações individuais e comportamento. The Interamerican Journal of Psychology, v. 41, n. 3, p. 379-390, 2007.
Notas
Notas
1 Tratamos aqui do potencial de interatividade com usuários, o qual não se limita ao texto escrito.
2 Nesse texto os autores destacam a categorização dos conteúdos históricos dos sites a partir de prevalências de temporalidades, classificadas como: passado forte; passado moderado; presente forte; presente moderado; temporalidades equilibradas.
3 Cabe ressaltar o potencial inventivo e, em parte, democrático dessas apropriações ou invenções narrativas pouco amparado numa ancoragem processual.
4 E, ainda, de maneira não explícita, na metáfora geográfica de “extratos” de tempo (Koselleck, 2014) e sua apresentação de categorias meta-históricas para a análise do passado nas fontes - espaço de experiência e horizonte de expectativa.
5 Conflito de terras normalmente estudado pelas dimensões políticas, econômicas e culturais, ocorrido no Oeste do Estado do Paraná, entre os anos de 1961-1967, o qual teve, entre suas causas, disputas agrárias que envolveram processo de titulações oficiais de terras e conflitos armados. Conferir Miskiw (2002).
6 Conflito armado ocorrido na Primeira República, na região de fronteiras entre os estados do Paraná e de Santa Catarina.
7 Uma observação, a relação entre Natureza e Cultura agrícola/extrativismo aparece combinada numa mesma narrativa em 38 sites.
8 Diferenciado de o tema Estado pelo fato de não ter sido associado à presença do Estado e às instituições públicas, sendo o ônus da existência de tais instituições atribuído ao município.
9 Embora represente lugares ou instituições, foi tratado em separado das temáticas anteriores devido a sua particularidade de atração para visitantes.

Figura 1:
Mapa das Microrregiões do Estado do Paraná
Fonte: Ipardes (2019).
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS por Redalyc