Resumo: Inspirado pela jornada de Dorothy, em O Mágico de Oz, este trabalho tem por objetivo refletir, em uma perspectiva (auto)biográfica, a trajetória pessoal do primeiro autor acerca de suas aprendizagens relacionadas à Geometria e ao ensino desse tópico a partir da participação em um Grupo de Estudos em Geometria, estabelecendo, sempre que possível, relações com os Domínios do Conhecimento Matemá-tico para o Ensino, propostos por Ball, Thames e Phelps (2008). Por meio da reflexão do vivenciado até então, busca-se estabelecer possíveis contribuições dessa participação na (re)construção de meu conhecimento, além de visitar reverberações dele ao longo de minha trajetória enquanto professor. Após as reflexões, é possível constatar que a participação em grupos de estudos pode promover, de fato, o desenvolvimento profissional de seus participantes, favorecendo a aprendizagem em um ambiente posterior à formação inicial.
Palavras-chave: Narrativas docen-tes, Reflexão, Formação de pro-fessores.
Abstract: Inspired by Dorothy’s journey in The Wizard of Oz, this paper offers a reflective (auto)biographical account of the author’s personal journey in learning and teaching Geometry. Through participation in a Geometry Study Group, the author explores connections to the Domains of Mathematical Knowledge for Teaching as proposed by Ball, Thames, and Phelps (2008), drawing parallels wherever applicable. Through reflection of my experience so far, I aim to establish possible contributions of this participation in the (re)construction of my knowledge, as well as to explore its reverberations throughout my trajectory as a teacher. Upon reflection, it is possible to verify that the participation in study groups can indeed promote the professional development of its participants, fostering learning in an environment after the initial formation.
Keywords: Teacher narratives, Reflection, Teachers formation.
Resumen: Inspirado en el viaje de Dorothy en Oz, este trabajo tiene por objetivo reflexionar, desde una perspectiva (auto)biográfica, la trayectoria personal del autor en cuanto a su aprendizaje relacionado con la Geometría y la enseñanza de este tema a partir de su participación en un Grupo de Estudios de Geometría, estableciendo, siempre que sea posible, relaciones con los Dominios del Conocimiento Matemático para la Enseñanza propuestos por Ball, Thames y Phelps (2008). Al reflexionar sobre lo vivido hasta el momento, intento establecer los posibles aportes de esta participación en la (re)construcción de mi conocimiento, así como visitar sus reverberaciones a lo largo de mi trayectoria como docente. Tras las reflexiones, es posible constatar que la participación en grupos de estudios puede, de hecho, promover el desarrollo profesional de sus participantes, favoreciendo el aprendizaje en un ambiente posterior a la formación inicial.
Palavras-chave: Relatos de profesores, Reflexión, Formación de profesores.
Temática livre
Pela estrada de tijolos amarelos: narrativa (auto)biográfica de um aprendiz de Geometria
Down the yellow brick road: (auto)biographical narrative of a Geometry apprentice
Por el camino de ladrillos amarillos: la narrativa (auto)biográfica de un aprendiz de Geometría
Recepción: 27 Marzo 2024
Aprobación: 16 Octubre 2024
“Toto, I have a feeling we’re not in Kansas anymore” (O Mágico de Oz, 1939).
Este texto é uma das minhas primeiras tentativas (primeiro autor) a uma escrita narrativa (auto)biográfica. Um primeiro respiro em um mundo de estruturas, modelos e protótipos do que seguir e não seguir. Pensei muito em como gostaria que este artigo fosse uma conversa sobre o pesquisador, professor, formador e formado Gabriel; aquele que fala, vive, reflete e, a partir deste momento, também escreve sobre tudo isso em uma narrativa.
Meu primeiro contato com as narrativas, como uma forma de escrita acadêmica, deu-se bastante recentemente. Na graduação, pouco havia lido sobre tal tópico. Talvez porque passasse bastante tempo entre grandes listas de Cálculo Diferencial e Integral, ou debruçado em textos sobre política educacional, não havia escutado sobre essa forma de pesquisa em Educação Matemática.
É provável, também, que a visão que possuía sobre meu papel ao me formar em um curso de Licenciatura em Matemática me afastasse um pouco disso. Eu tinha a ideia de que concluir a graduação me faria professor de Matemática, mas não entendia a tarefa da docência como algo principal.
Muitos estudantes, de fato, ainda têm esse entendimento em momentos iniciais de sua trajetória formativa. Soares e Scheide (2004, p. 4) citam que “a falta de clareza com relação ao papel que a Matemática deve desempenhar no corpo de conhecimentos sistematizados pode ser a principal responsável pelas dificuldades encontradas no seu ensino”.
Nesse sentido, essa visão ficou comigo por algum tempo. Foi somente ao concluir os primeiros estágios obrigatórios, quando me vi professor, que meu olhar recaiu sobre a tarefa que é ser docente, e que eu, de fato, talvez tivesse uma ideia errônea dos principais processos envolvidos ao me formar, acima de tudo, um professor. Esse momento, com certeza, foi um dos mais importantes na minha trajetória formativa e um dos meus primeiros contatos com uma narrativa.
Naquele instante, eu não tinha ideia do que compunha uma narrativa, o formato que teria ou algo do tipo. Somente escutei as palavras de uma professora que avaliava meu trabalho, as quais, costuradas pela história de Perseu e Medusa, ajudaram-me a entender quem eu era e quem eu queria ser.
No texto escrito pela professora, um dos principais elementos apontados em pesquisas que envolvem as narrativas me veio: a reflexão. Refletir sobre esse momento me fez perceber o professor que estava a se formar e que atitudes eu teria que desenvolver dali para frente.
Logo, assim como para mim, uma narrativa pode auxiliar que professores tenham “um maior conhecimento sobre si próprio, reflita sobre como suas atitudes afetam o próximo, assim como passe a ter um maior conhecimento sobre seus limites pessoais e possa redefinir modos de agir” (Oliveira, 2011, p. 290).
A primeira vez que li, de fato, uma narrativa em um contexto acadêmico foi quando participei do Encontro Brasileiro de Estudantes de Pós-Graduação em Educação Matemática (EBRAPEM), no ano de 2016, em Curitiba. Eu, estudante de mestrado na época, participei do Grupo de Discussão 4 (GD4), que tratava sobre Educação Matemática no Ensino Superior. A dinâmica do evento favorecia a participação de todos, sendo que os trabalhos dos participantes de uma mesma sessão de apresentações eram enviados anteriormente aos demais, para uma leitura prévia e realização de possíveis apontamentos e sugestões.
Foi ali que me deparei com o trabalho A Matemática que emerge em uma investigação sobre curvas cônicas, de Ferreira (2016), e entendi que talvez houvesse uma forma de escrever academicamente que não era aquela à qual eu estava habituado, ou seja, encontrava-me “amarrado” a um modelo estruturalista do conhecimento.
Afinal, remetendo-se a Larrosa (2001, p. 281), esse tipo de escrita
visualmente, se parece com uma colagem, ou melhor, com um desses murais de cortiça nos quais se vai cravando, com percevejos, diferentes papeizinhos em torno de um assunto. Musicalmente se pareceria a uma série de variações sobre um tema. Mas talvez, simplesmente, minhas notas não sejam nada mais do que anotações preparatórias para o texto [...] que eu até agora não fui capaz de escrever.
Nesse sentido, assim como Pimentel Júnior, Carvalho e Sá (2017, p. 204), compreendo este texto como uma “conversa, entendida como um tecido oral sem fixidez interlocutória, por compreendermos que, em um movimento ensaístico, o diálogo que propomos se faz sem a gana de fixação de pensamentos, posturas e sujeitos”.
Ademais, especificamente uma narrativa autobiográfica conta trechos de uma reflexão pessoal do autor a partir de seus valores e trajetória de vida, dialogando consigo mesmo e com o texto, em uma forma de relacionar a sua identidade no meio.
Delory-Momberger (2006, p. 362-363) define essa narrativa de vida como sendo
um ato de passagem pelo qual o narrador retoma, de acordo com os processos associativos, os espaços e os tempos esparsos e polimorfos de sua existência em um espaço-tempo construído e unificado [...]. A narrativa não é, portanto, somente o sistema simbólico no qual o pôr em forma da existência encontraria sua expressão: a narrativa é o lugar onde o indivíduo humano toma forma, onde ele elabora e experimenta a história de sua vida.
Assim, em se tratando de professores, essas narrativas possibilitam trazer luz ao caráter singular de cada indivíduo na construção de sua própria identidade docente, tendo em vista que a história de vida narrada age como uma “mediação do conhecimento de si na sua existencialidade que oferece, para a reflexão do seu autor, oportunidades de tomada de consciência dos vários registros de expressão e de representação de si, assim como sobre as dinâmicas que orientam a sua formação” (Josso, 2008, p. 19-20).
Dessa forma, com o andamento da minha pesquisa de doutorado sobre conhecimentos e aprendizagens vivenciados a partir da participação no Grupo de Estudos e Pesquisas em Geometria - GEPGEO, ligado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Franciscana, senti que seria necessário parar e refletir sobre essa jornada de mais de seis anos de participação no grupo, buscando perceber como me transformei, aprendi, compartilhei e vivenciei nesse espaço formativo.
Acho importante também destacar diferentes versões de mim ao longo do tempo, trazendo um pouco do que veio anterior à minha participação no GEPGEO, para que seja possível entender como eu me sentia em relação à Geometria; sobre meu período de pós-graduando e participante do GEPGEO, ou seja, o durante; e também como docente de Matemática há muito pouco tempo, nessa jornada por diferentes caminhos e experiências.
Afinal, assim como Dorothy em O Mágico de Oz, muitos leões covardes, homens de lata sem coração e espantalhos sem cérebro foram aparecendo no caminho até a Cidade das Esmeraldas, relacionando-os às dificuldades, experiências e aprendizagens refletidas por mim.
Logo, este texto tem por objetivo refletir, em uma perspectiva (auto)biográfica, a trajetória pessoal do primeiro autor acerca de suas aprendizagens relacionadas à Geometria e ao ensino desse tópico a partir da participação em um Grupo de Estudos em Geometria, estabelecendo, sempre que possível, relações com os Domínios do Conhecimento Matemático para o Ensino, propostos por Ball, Thames e Phelps (2008), os quais servem como aporte teórico da pesquisa de doutoramento em questão.
Tentei buscar, em minhas vastas memórias do Ensino Fundamental, minhas experiências com a Geometria. Infelizmente, poucas remetem à aprendizagem desse tópico.
Lembro de pintar as formas geométricas e desenhá-las inúmeras vezes em meu caderno da pré-escola. Inclusive, um dos primeiros desenhos que fiz naquele ano envolvia as formas e sua identificação. Acredito que essa memória é mais viva, pois recriei tal ilustração em um trabalho em alguma disciplina na graduação, e essa imagem, de transpor um desenho para outro, faz com que eu me recorde desse primeiro fato.
Sei que, em algum momento, eu aprendi conceitos de Geometria, só não tenho lembranças de quando aconteceu, a forma como aprendi, métodos empregados e quais conteúdos trabalhados. Talvez porque minhas memórias mais afetivas desse período envolvam a aprendizagem de números, da tabuada, dos cálculos e mais cálculos que fiz.
Esse é um fator importante de ser pensado, principalmente a partir das indicações de Delmanto et al. (2007, p. 38), ao apontarem que, de modo geral, os conteúdos mais trabalhados estão relacionados a “Números e Operações, com ênfase no cálculo aritmético (séries iniciais do ensino fundamental) no cálculo algébrico e resolução de equações (séries finais)”; e de Nacarato e Passos (2003), ao afirmarem que a prática pedagógica de Geometria tem sido realizada simplesmente pelo uso do desenho de suas formas, negligenciando-se elementos importantes para a formulação dos conceitos geométricos.
Será que a forma com que o trabalho ocorreu foi incapaz de gerar aprendizagens que relacionaram esses elementos importantes para a formulação dos conceitos, como indicado por Nacarato e Passos (2003), ou não lembro, pois a mera recordação de desenhar e pintar as formas foi uma das memórias que perdi ao longo do tempo?
Infelizmente, talvez essa seja uma pergunta que não tenha resposta para este texto. Mas é um importante indicativo para o Gabriel professor, que atua na Educação Básica atualmente. Que memórias educativas perduram ao longo dos tempos, e quantas dessas estão relacionadas aos conteúdos estudados na escola? Ademais, o que queremos que seja lembrado?
Tenho muitas memórias das minhas professoras de Matemática dos Anos Finais do Ensino Fundamental. Lembro vividamente de aprender números inteiros com minha professora da sexta série - atual sétimo ano - tirando o casaco da escola na cor verde e invertendo-o, vestindo do lado contrário, para mostrar que o número era o mesmo (assim como o casaco), mas que ele trocava de sinal. Também me vem à memória essa mesma docente cortando um grande bolo de chocolate em muitas partes e recortarmos círculos de diferentes tamanhos para aprendermos frações, do clássico método de escrever os números de 0 a 9 e, após, reescrevê-los de 9 a 0 para construir a tabuada do nove.
Entretanto, em poucos momentos me recordo de estudar elementos da Geometria no Ensino Fundamental. Pavanello (1993) aponta um grande abandono do Ensino de Geometria no Brasil nessa época. As mudanças curriculares ocorridas previamente à década de 90 influenciaram o Ensino de Matemática por muito tempo e eu, estudante do Ensino Fundamental do começo dos anos 2000, posso ter sido afastado do estudo desse tópico devido a algumas dessas alterações.
Já o Ensino Médio foi um espaço de grandes aprendizagens de Geometria. Minha apostila de capa azul do terceiro ano do Ensino Médio me acompanhou por muitas das minhas primeiras interpretações do mundo por meio dessa disciplina.
A identificação de muitos apótemas em pirâmides de bases distintas, a descoberta do número π (pi) em cálculos de áreas e volumes, as brincadeiras de como eu deveria rezar para calcular áreas e volumes das esferas - por causa dos quatro terços nas fórmulas - foram alguns dos meus momentos mais marcantes do estudo da Geometria nessa etapa de ensino.
Tenho consciência de que a organização curricular do Ensino Médio, cursado no começo dos anos 2010, fez com que esses momentos fossem possíveis, mas que havia muitos outros elementos de Geometria que poderiam ter sido explorados ainda nessa etapa, principalmente quando adentrei no Ensino Superior.
A entrada no Ensino Superior foi tranquila e segui com os meus instintos sobre a faculdade que gostaria de cursar. Fui um aluno com notas muito boas em Matemática durante toda a minha trajetória, fato que se comprova pela Imagem 1, com os resultados da primeira série. Mas foi somente no final do Ensino Médio que entendi que esse gosto por estudar Matemática era maior do que ser minha disciplina preferida. Eu sabia que havia algo ali que me chamava para esse mundo.

Assim como Dorothy, senti-me perdido no começo da jornada que foi a graduação. Em meu primeiro semestre, vi que existia muito mais do que aquilo que conhecia anteriormente. E, logo de cara, já havia uma disciplina de Geometria Plana na matriz curricular.
Achei que cursar Geometria no primeiro semestre da faculdade seria benéfico, pois havia estudado muita Geometria no ano anterior, no Ensino Médio, o que, de fato, ajudou-me. Entretanto, ao avançar mais no curso, percebi que a abordagem trabalhada nessa disciplina dificultou minhas aprendizagens de muitos outros componentes curriculares. Digo dificultou pois, muitas vezes, eu me via em uma aula similar àquela que tive no Ensino Médio, com pouca profundidade nas estruturas Matemáticas que deveria estudar ali.
Leivas (2009) aponta que, para o Ensino Superior, pouco havia se movimentado em relação aos currículos das disciplinas de Geometria em cursos de formação de professores, e a disciplina que vivenciei ali foi um exemplo de repetição de um modelo que não me favoreceu. Eu queria mais, eu podia mais, tanto que, após, participei de um grupo de estudos proporcionado por outra professora da instituição para que conhecesse Geometria em uma abordagem superior, diferente da estudada nos níveis de ensino anteriores e pude reconhecer essa dificuldade.
Ademais, poucos conteúdos relacionados ao ensino desse tópico foram tratados. Leivas (2009) traz sugestões sobre diferentes abordagens que poderiam - e deveriam - ser exploradas em cursos de Geometria nas licenciaturas, as quais têm o potencial de propiciar aos estudantes diferentes possibilidades para o estudo de tópicos bastante abstratos, com apoio de tecnologias, materiais concretos, entre outros exemplos. Entretanto, só lembro de visitar aspectos relacionados ao ensino nas disciplinas que tratavam dessa intersecção dos conhecimentos matemáticos e pedagógicos, como os estágios e as disciplinas específicas de metodologias para o ensino de Matemática.
Já no segundo semestre, havia a disciplina de Geometria Espacial, que finalmente teve o enfoque pelo qual eu ansiava. Aprendi nela minhas primeiras demonstrações relacionadas à Geometria, à estrutura dos elementos geométricos, e pude explorar esse ponto de vista superior, de que tanto senti falta nos níveis anteriores. Fiz muitos exercícios que exploraram diferentes olhares do ensinar e aprender Geometria em diferentes níveis de ensino.
Hoje, percebo grandes diferenças na mobilização dos diferentes domínios do conhecimento relacionados ao ensino de ambas as professoras que trabalharam essas disciplinas comigo. Na primeira, percebi que necessitava de uma maior mobilização dos domínios do Conhecimento Especializado do Conteúdo, aspecto que a segunda docente apresentava com muito mais clareza.
Por isso, creio que precisamos conhecer sobre aquilo que ensinamos. E essa era uma das minhas grandes preocupações ao longo do curso, pois sabia que havia lacunas na minha formação, principalmente relacionadas à Geometria, que precisavam ser sanadas. Hoje, entendo que esses lapsos fazem parte da formação de todo professor e, afinal, podemos - e devemos - buscar transformar tais hiatos em outras oportunidades de aprendizagem em diferentes espaços na formação contínua. Afinal, como diria Paulo Freire (1991), ninguém nasce educador, tornamo-nos na prática e na reflexão da prática. É nesses processos de reconfiguração que tenho compreendido como essas pequenas partes podem proporcionar novas aprendizagens, e minha experiência com GEPGEO claramente me mostrou isso.
Cursei, ainda, uma disciplina de Geometria Analítica no segundo ano do curso. Tive dificuldade em visualizar elementos da Geometria Analítica, principalmente porque a abordagem em disciplinas dessa natureza é geralmente muito mais algébrica do que geométrica. O ponto de vista de Leivas (2002, p. 44) é o de que “tratar os pensamentos algébricos e geométricos juntos me parece muito relevante para resgatar uma perda grande registrada pela história, a saber, a Álgebra desenvolvida para resolver os problemas geométricos”. Nesse sentido, hoje percebo dificuldades em visualizar esse horizonte do conteúdo que poderia ser explorado em uma disciplina como essa em um curso de formação de professores.
De fato, os comentários aqui realizados não são no sentido de apontar falhas de meus professores, mas de entender que todos esses processos que visualizo hoje em dia, de certa forma, interferiram - e ainda interferem - na maneira como eu aprendo e ensino Geometria. Fatos que serão comentados quando estivermos mais próximos à Cidade das Esmeraldas.
Logo, percebo que essa trajetória prévia ao meu ingresso na pós-graduação e, por conseguinte, no GEPGEO, contribuiu para que eu tivesse os primeiros contatos e aprofundasse - de algumas maneiras melhores que outras - o meu próprio Conhecimento Especializado do Conteúdo. Sei que a forma em que esse percurso formativo se deu me fez quem eu sou hoje, e sou grato por esses distintos intermédios no meio do caminho.
A entrada na pós-graduação trouxe muitos questionamentos a mim. Prestei algumas seleções de mestrado no último ano do curso de graduação e, quando tive que optar por uma área entre o Ensino de Matemática, Matemática Pura ou Matemática Aplicada, foi preciso olhar para dentro e perceber que Gabriel eu gostaria de ser, qual Gabriel eu me via sendo.
Foi um momento bastante difícil, pois sentia que a opção que eu escolhesse definiria quem eu seria dali para frente, fato que compreendo ser muito mais do que isso atualmente. Aquela escolha ajudou a construir o pesquisador que sou hoje, mas não me define. São as experiências que vamos construindo, ao longo dos anos, que nos tornam os professores e pesquisadores que somos.
Entretanto, ao optar pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade Franciscana (até então, Centro Universitário Franciscano), percebi que essa era a área que mais me cativava, em que já tinha experiências prévias na graduação e na qual me sentia mais confortável em seguir.
Quando eu entrei, sabia com o que gostaria de trabalhar no mestrado, tinha uma clara ideia do que seria minha pesquisa e que seguiria os passos que havia iniciado na faculdade, com o Ensino de Cálculo. Fiz pesquisa durante dois anos envolvendo a criação de uma proposta para o trabalho com noções de Cálculo para o Ensino Médio e tinha um grande apreço pela área.
A realização de meu estudo de mestrado foi um momento crucial para o Gabriel pesquisador. Pude aprender, com minha orientadora, passos importantes no desenvolvimento de uma pesquisa, e isso carrego comigo até hoje.
Foi somente no segundo semestre letivo, sob a indicação de minha orientadora, que decidi cursar uma disciplina intitulada Geometria: Ensino e Aprendizagem. Tive receio ao me matricular, pois sabia das dificuldades que havia enfrentado anteriormente e, querendo ou não, assumi-las é algo bastante difícil para um professor. Muitos de nós, principalmente enquanto professores pouco experientes, temos receio das clássicas perguntas em sala de aula que talvez não saibamos responder, e esse era um fator que me assombrava.
Na minha primeira aula da disciplina de Geometria, no dia dezenove de agosto de 2016, fui apresentado formalmente à Geometria Fractal. Registros do meu caderno nessa ocasião são apresentados na imagem 2.

Ao longo daquele semestre, construí fractais no papel e digitalmente, conheci as Geometrias não Euclidianas, ideias de homeomorfismo e topologia que eram totalmente novas para mim enquanto trabalho com a Geometria. Demonstrei teoremas que nunca havia escutado e até os construí no GeoGebra. Experimentei Geometria de uma maneira que jamais tinha visto. Discuti teorias de aprendizagem. Baseado em Piaget, Inhelder e Van Hiele, comecei a perceber o papel da intuição, da visualização e até mesmo da história da Geometria.
Nesse período, aquele medo foi se transformando em interesse, em curiosidade sobre o que mais eu poderia aprender acerca desse “mundo geométrico”. Assim, no terceiro semestre, cursei a disciplina de Fundamentos de Geometria Analítica e Álgebra Linear.
Mais uma vez, pude conhecer e (re)conhecer tópicos que antes já havia estudado, mas agora de uma forma nova, com outras interpretações e possibilidades. Talvez não precisasse afirmar sobre a mobilização dos diferentes domínios do conhecimento para o ensino nesses momentos de descoberta para mim, mas como esse também é um objetivo deste texto, aqui vamos.
Expandi minhas ideias de avaliação contínua e processual do conhecimento, ao não ter uma prova final da disciplina, mas sim pequenos textos que deveriam ser escritos ao final de cada aula com dúvidas, certezas e questionamentos. Construí um mapa conceitual que ia aumentando a cada aula e pensei que essa era uma boa estratégia a ser empregada posteriormente. De fato, eu utilizei a estratégia dos textos no meu período de docência orientada no Doutorado, no qual atuei em um curso de licenciatura em Matemática. Essa avaliação processual também apareceu em uma prova didática que prestei para um concurso em 2021.
Analisei livros didáticos de Geometria, mais especificamente sobre o tópico Distâncias, baseado na teoria de aprendizagem que utilizava em meu estudo de mestrado, a Teoria dos Três Mundos da Matemática, de David Tall (Soares; Leivas, 2020). Nesse, refleti sobre os livros didáticos de Geometria do Ensino Médio e Superior, e algumas contravenções que aparecem nos currículos de Geometria de ambos os níveis de ensino.
Os currículos levaram a discussões sobre como o ensino deveria ser para alunos de diferentes níveis, e como essas intersecções entre conteúdos são possíveis. Explorar esses horizontes matemáticos foi muito importante para mim naquele momento.
Naquela ocasião, o mais incrível de tudo foi perceber que, mesmo não sabendo muito de Geometria, eu adorava aprender mais. Conhecer a métrica dos catetos (Imagem 3) e aprender que uma circunferência poderia ser quadrada foi uma grande surpresa para mim, tanto que desenhei um grande ponto de exclamação no meu caderno ao lado da representação.
Essas diferentes formas de rever e aprender novos tópicos foram o que me incentivaram, ainda em 2016, a entrar no Grupo de Estudos e Pesquisas em Geometria (GEPGEO).
Conheci uma geometria que, assim como o proposto pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), não ficou reduzida à “mera aplicação de fórmulas de cálculo de área e de volume nem a aplicações numéricas imediatas de teoremas sobre relações de proporcionalidade em situações relativas a feixes de retas paralelas cortadas por retas secantes ou do teorema de Pitágoras” (Brasil, 2018, p. 272).
Além disso, explorar outros tipos de Geometrias auxilia em um processo de “rompimento com o pensamento geométrico culturalmente enraizado onde o plano euclidiano é o espaço mais comum utilizado em Geometria, podendo vir a ser um obstáculo epistemológico para a compreensão dos avanços teóricos da Matemática” (Santos Junior, 2020, p. 33).
Assim, reafirmo que esses momentos na minha trajetória me auxiliaram não só a entender bem mais da Geometria, enquanto conhecimento científico, mas também de como interpretar e ensinar esse tópico que discuti.
Minha entrada no GEPGEO deu-se no começo do ano de 2017, após cursar a primeira disciplina de Geometria na pós-graduação. Ao longo desses oito anos (até então), como participante do grupo, pude vivenciar diferentes momentos, temas, discussões, escritas e compartilhamentos de ideias que me ajudaram a ser o professor que sou hoje. Foi a partir da participação no grupo, também, que percebi que minha pesquisa de doutorado poderia explorar esse espaço do qual eu fazia parte, mas que não havia sido interpretado pelo viés da aprendizagem dos seus participantes.
Em 2016, integraram o GEPGEO, além do líder, alunos do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECIMAT) ligados aos cursos de mestrado acadêmico, mestrado profissional e doutorado, uma aluna do curso de psicologia da UFN e uma professora de outra Instituição de Ensino Superior (IES) do Estado do Rio Grande do Sul.
A partir de 2017, ano em que entrei, o grupo foi se expandindo e recebeu participantes de diversos locais: egressos do programa, professores da rede estadual de ensino do município de Santa Maria, alunos da graduação de cursos de Ciências Exatas, entre outros.
Em sua configuração atual, o GEPGEO conta com, além de todos os participantes já citados, professores da rede pública e privada de municípios distintos de Santa Maria, e de outros estados; docentes e alunos de graduação em Matemática de diversas IES, como da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); entre outros. Ao longo desses anos, muitos temas já foram explorados pelo grupo, conforme apresentado no quadro 1.

Quando adentrei no grupo, a temática trabalhada era referente a materiais didáticos para o ensino de Geometria, mais especificamente dobraduras, explorando diferentes recursos em sua construção. Sabe-se que as dobraduras são capazes “de despertar a criatividade e facilitar o entendimento de conceitos matemáticos, [...] saindo do abstrato e incluindo o concreto com a manipulação de simples pedaços de papel” (Guimarães, 2015, p. 30).
Assim, reconhecendo esse potencial, durante todo o primeiro ano, discutimos a questão dos materiais didáticos e investigamos diferentes modelos de obtenção de entes geométricos a partir de dobraduras. O modelo de construção das dobras que estudamos no primeiro semestre está descrito em Leivas et al. (2017) e foi o primeiro trabalho que construí como integrante do grupo de pesquisa. A imagem 4 ilustra essa construção.

O líder do grupo nos trouxe, nos primeiros encontros, um texto que tratava da construção desses polígonos a partir de faixas de papel e, então, desafiados, íamos tentando entender os passos necessários para a produção. Confesso que as dobraduras não eram o meu forte e tinha bastante dificuldade de construí-las. Felizmente, os colegas de dupla eram ótimos nesse processo e nos auxiliavam sempre que necessário.
Acredito que esse fator, talvez, seja um dos mais interessantes da participação em um grupo de estudos. Assim como Dorothy em sua jornada, você não aprende sozinho, aprende em comunidade. Estamos todos inseridos em um contexto de interesse próprio, e essa troca que ocorre nas explicações e processos possibilita que a aprendizagem seja mais efetiva.
André (2016, p. 24) comenta isso ao afirmar que “aprendizado na pesquisa inclui aprender a ouvir o outro, a trocar ideias, a compartilhar. No grupo, posso ampliar meu ponto de vista, conhecer perspectivas diferentes da minha, comparar, estabelecer relações, discordar, concordar, acolher críticas e sugestões que ajudem a melhorar meu trabalho”.
Nesse sentido, em um grupo de estudos, esse processo é livre, não-hierárquico. Não há alguém que ensina e alguém que aprende, todos ensinamos e todos aprendemos. Somos participantes do grupo, e esse sentimento de aprendizagem comum possibilita que desenvolvamos experiências de aprendizagem através das quais se adquiram ou melhorem os nossos conhecimentos, competências e disposições, permitindo-nos, também, intervir profissionalmente no desenvolvimento do ensino, do currículo e da escola um do outro, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que propomos aos nossos alunos (Garcia, 1999).
Então, recordo muitas vezes de me sentar e esperar que os colegas entendessem o processo descrito no texto e, então, começassem a explicar de maneira mais simplificada os procedimentos a seguirmos.
Paralelamente à construção das dobras, tínhamos sessões de estudos teóricos sobre os materiais didáticos, que, nesses primeiros encontros, eram meu momento de maior segurança. Sempre fui alguém que gostava de entender a teoria por trás dos processos e via que, nesse ponto, eu podia colaborar mais com os colegas do grupo.
Passamos muito tempo discutindo, lendo e entendendo diferentes concepções de materiais didáticos, recursos didáticos, recursos pedagógicos, entre outros termos. Criamos dinâmicas para discussão, apresentações de artigos e textos próprios, até que, mais seguros desses fatores, cunhamos uma definição própria de o que seria um material didático para o grupo.
Lembro desse momento com muito carinho, pois ali percebi o potencial que nós, enquanto coletivo, tínhamos: produzir uma definição nossa, o que nós entendemos por material didático.
No segundo semestre, seguimos com esse estudo e mudamos o foco das dobraduras, a partir de um segundo modelo para obtenção das figuras. Nesse período, o grupo ficou bastante reduzido em participantes, mas, como eu continuava ali, queria que os processos seguissem como anteriormente e assumi uma posição de tentar entender mais dos que estavam envolvidos nas dobraduras.
Em minha sincera opinião, o processo de construção das dobraduras que estudamos nesse período era bem mais simples que o primeiro, pois os passos estavam mais claros, as construções envolviam a utilização de réguas e transferidores, com a obtenção de alguns ângulos e, após, a realização das dobras.
O percurso de construção dessas dobraduras está apresentado em Leivas, Lara e Soares (2017) e, com o tanto que aprendi nesse semestre, em uma outra intervenção com o GEPGEO, cheguei a produzir um vídeo (Soares, 2021) ensinando como fazer essa dobra, narrado por outro colega.
Aqui vi meu conhecimento em relação às dobras expandir. Além disso, a Matemática explicada por trás dos processos era mais conhecida por mim do que a do anterior. Isso facilitou mais para que me apropriasse dessa construção e produzisse em várias outras oportunidades, como eventos de apresentação do curso e oficinas.
Revisitei muitos conceitos matemáticos, nesse primeiro ano, dos quais não recordava. Lembro de chegar em casa em um dia e pesquisar sobre polígonos inscritos e circunscritos em uma circunferência, pois a visualização existia em minha mente, mas a matemática necessária para essa obtenção era turva.
Em muitos momentos, essa mobilização do conhecimento especializado do conteúdo ocorreu de forma a fazer com que eu expandisse meus horizontes matemáticos em relação à Geometria, que sabia ser uma disciplina que eu precisava entender mais. Talvez até hoje eu não me sinta totalmente seguro com ela, mas, com certeza, essa busca fez com que eu soubesse encontrar melhor, entender conceitos que levam à obtenção dos processos e, então, conseguir acompanhar os processos geométricos com maior facilidade.
No ano seguinte, continuamos com as dobras de papel, mas agora com conceitos da Geometria Analítica, as Cônicas. Mais uma vez, lembro de estudar nos encontros as definições das cônicas enquanto lugar geométrico, revisar modelos matemáticos e a questão da interpretação geométrica dessas. As dobraduras de papel desse ano estão descritas em Fonseca, Lutz e Leivas (2019), em uma experiência na qual participantes do grupo propuseram uma oficina no Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM).
Talvez tenha sido o período da minha participação no grupo em que mais aprendi Geometria, pois os conceitos não me eram claros e, graças aos colegas, pude revê-los, conseguindo colocar em prática essas aprendizagens na realização de uma oficina sobre o tema.
Por muitas vezes, sentia-me muito inseguro por estar em um grupo de Geometria e não ter total domínio sobre os conceitos geométricos, mas percebia que não era julgado por isso. Via que os colegas estavam todos unidos em ressignificar essas aprendizagens para todos aqueles que tinham essas dúvidas. Isso também foi importante para que eu percebesse que somos sempre aprendentes nesse mundo da Matemática.
Quando mudamos para a questão das habilidades visuais, no segundo semestre de 2018, percebi meus entendimentos sobre o ensino expandirem. Conversávamos muito sobre o papel da visualização, da intuição e da criatividade em aprender Matemática e como processos investigativos eram importantes para a sala de aula dessa disciplina. Propusemos muitos desafios para nós mesmos, nesse semestre e no seguinte, bem como para alunos de diferentes níveis de ensino.
Aliás, essas experiências de estar em constante participação em diferentes espaços além da pós-graduação a partir das proposições do grupo foram muito importantes para mim. Como bolsista de doutorado, não atuava em sala de aula até o segundo semestre de 2021, e era por meio dessas intervenções que aprendia muito do que discutia em espaços da pós-graduação.
Pude participar, naquele ano, de experiências no Ensino Fundamental, em que propus e organizei atividades baseadas em problemas geométricos, levei-as até a sala de aula de uma colega integrante do grupo e discuti com seus alunos essa dinâmica do aprender a partir da investigação. Essa inserção no ambiente escolar me faz rever, por muito tempo, concepções sobre ensino e aprendizagem que eu carregava comigo e as que propunha nesses espaços, de forma a auxiliar a forma com que ensino hoje em dia. Sempre que possível, busco atividades que possam fazer com que os alunos testem, escrevam, criem a partir de elementos matemáticos, e sou muito feliz com os resultados.
Em 2019, com o começo dos estudos sobre os Gestos na aprendizagem em Matemática, percebi que o ensino, de fato, envolve muitos elementos. Jamais havia pensado antes de estudarmos, teoricamente, que os gestos produzidos pelos professores poderiam ressoar na aprendizagem dos estudantes.
Afinal, eles parecem coisas tão triviais, mas ao nos aprofundarmos no assunto, aprendi que
gestos não são apenas movimentos e nunca podem ser totalmente explicados em termos puramente cinéticos. Eles não são apenas o balanço dos braços no ar, mas sim, símbolos que exibem significados por si mesmos. Eles têm um significado que é designado livremente por quem fala [...] em outras palavras, o gesto é capaz de expressar toda a gama de significados que surgem de quem o transmite (Mcneil, 1992, p. 105).
Além disso, a produção de um jogo novo, totalmente criado pelo grupo a partir do Imagem e Ação, intitulado Geometria em Ação, foi um grande aprendizado para mim. Afinal, os jogos são elementos que podem favorecer a aprendizagem, mas, planejar um a partir do zero é uma tarefa que exige entendimento de diferentes processos envolvidos no ato de jogar.
Nesse sentido, realizamos inúmeros testes de cartas, conceitos, peões e tabuleiros até chegarmos a uma estrutura final para o jogo (Leivas et al., 2020). Além disso, discutimos durante muitos encontros aspectos relacionados ao currículo, investigando em livros didáticos e em documentos norteadores, como a Base Nacional Comum Curricular, quais conceitos poderiam ser trabalhados nos diferentes níveis de ensino, e o porquê de os selecionarmos para os níveis.
No entanto, no começo das experiências com o Geometria em Ação, fomos surpreendidos com a pandemia causada pelo Coronavírus e a reviravolta geral na forma em que o grupo foi desenvolvido a partir daquele momento. Até então, o GEPGEO realizava encontros presenciais e quinzenais com os participantes, os quais iam até a universidade e dividiam, entre outras coisas, os deliciosos lanchinhos e chimarrão que o professor líder do grupo nos trazia.
Todavia, a partir daquele momento, com a instauração do modelo remoto de ensino, a dinâmica teve de mudar e começamos a nos encontrar de forma online, o que fez com que mais pessoas, de outros locais do país, pudessem também participar de nossos estudos. Assim, apesar dessa mudança, foi a partir desse momento que o grupo começou a expandir e trazer diferentes realidades (além das que já estavam presentes) para discussão. Tínhamos participantes que estavam a 150 km de nós, mas também outros que se encontravam a 4000 km. Essa configuração diferenciada possibilitou que, com novas realidades, pudéssemos perceber diferentes formas por meio das quais o ensino ocorria no país, diversas estruturas curriculares e práticas escolares, variados contextos e alunos.
Utilizamos também, a partir dos gestos, um jogo on-line já existente para discutir imagens mentais de conhecimentos matemáticos, a saber, o Gartic. A partir daqui, pude perceber que, além de conhecimentos didáticos e matemáticos, muitos de cunho tecnológico foram desenvolvidos.
Tivemos que nos adaptarmos perante as incertezas e, certamente, as experiências que o grupo ia desenvolvendo ao longo desse ano me fizeram perceber o quanto aprender sobre as tecnologias era necessário para a atual configuração da educação.
Há toda uma teoria sobre o Conhecimento Tecnológico Pedagógico do Conteúdo, criada a partir da proposta de Shulman (1987), a qual pude perceber como um domínio do conhecimento que talvez não tivéssemos explorado tanto se o cenário não se colocasse de tal maneira.
Obviamente, já havíamos utilizado softwares para ensinar Matemática e Geometria, mas o momento fez com que esses não fossem suficientes. Aprendemos sobre softwares de apresentações, dinâmicas, coleta e organização de dados, entre outros, que ainda utilizo em diferentes momentos de minhas aulas.
Ainda em um modelo remoto, em 2021 nos propusemos a plantar sementes a partir de tudo o que havíamos produzido até então, com a criação de um projeto de extensão do GEPGEO e a escrita de um e-book (cf. Lutz; Leivas, 2021).
Com os cinco anos do grupo em operação, colocamo-nos a pensar a organização de um curso de extensão: elementos didáticos que deveria conter, referências, estrutura, enfim, tudo que pudesse favorecer a aprendizagem dos professores participantes.
Refletimos sobre a formação, acerca de contribuições que poderíamos trazer para os professores naquele período, bem como para nós mesmos e, a partir dessa experiência, acreditamos que seria importante marcar esse momento de alguma forma. Assim, o e-book produzido contou um pouco desse processo de criação do curso e dos resultados encontrados.
Quando projetamos a introdução do e-book, o professor líder do grupo, outra colega e eu pensamos em como podíamos expressar a visão que tínhamos a partir desse momento. Contamos o seguinte:
Há uma história antiga sobre uma senhora que viajava, diariamente, em um ônibus, e, a cada dia, jogava sementes pela estrada. Um homem, muito curioso, perguntou o porquê daquela senhora fazer aquilo todos os dias, e ela lhe respondeu que era devido ao desejo de viajar com o caminho cheio de flores.
Mesmo com as adversidades climáticas e da viagem, a senhora continuava a fazer isso diariamente, até que, um certo dia, o caminho estava florido, mas a senhora não estava mais presente no ônibus, porque havia falecido. O homem, então, perguntava-se se o esforço daquela senhora havia valido a pena, obtendo a resposta nas indagações de uma criança, muito entusiasmada, à sua mãe, sobre os tipos de flores e suas respectivas cores. Naquele momento, o homem teve certeza de que as atitudes da senhora eram louváveis e, por isso, passara a repetir o ato diariamente.
De fato, em nossa trajetória como professores, agimos como a senhora, lançando sementes por onde passamos, como o homem, que por vezes interroga os resultados de tal ação, e como a criança, aproveitando o trabalho que outros tiveram antes de chegarmos ao ponto em que nos encontramos (Leivas; Bettin; Soares, 2021, p. 7).
Era - e é - com essa visão que percebo minha participação no grupo até hoje. Como alguém que semeia, indaga e aproveita os efeitos da minha atuação, que percorre uma trajetória longa e constante pela estrada de tijolos amarelos, que ainda não tenha chegado à cidade das esmeraldas. Ou que talvez já tenha chegado e, por perceber que o mais importante é a trajetória, tenha voltado a caminhar por ela.
Pensei que talvez fosse interessante refletir também como a minha prática tem sido a partir de um pouco do que relatei nesse texto. Obviamente, até agora, foram lidas muitas das minhas experiências no grupo, nas disciplinas de Geometria na pós-graduação e graduação, entre outros momentos. Entretanto, creio ser importante refletir sobre o que veio depois dos que foram relatados, com minha inserção na escola.
Comecei a trabalhar como professor de Matemática na escola básica em 2021, ainda no modelo remoto e, após um mês de atuação, voltamos a um modelo presencial escalonado. Já desde o ano de 2022, estamos em um sistema totalmente presencial de ensino, com a volta de todos os estudantes para a sala de aula.
A jornada por esse outro caminho tem se mostrado cada vez mais inquietante, desafiadora, mas repleta de significados e construções para o professor Gabriel. Desde então, pude colocar em prática o que aprendi durante esses anos e, em muitas oportunidades, refletir sobre a importância de alguns momentos para tal. É muito bom quando conseguimos colocar em funcionamento o que aprendemos e ver os resultados brilhantes que essas ocasiões nos proporcionam.
Mesmo não comentado no texto até agora, minha participação no grupo me ensinou muito sobre cuidado, afeto e compartilhamento de momentos, além dos conhecimentos docentes. Essa forma de se relacionar nos espaços em que aprendemos é algo que tenho tentado reproduzir com meus estudantes, no sentido de mostrar para eles que aprender Matemática não tem de ser difícil e apavorante, mas sim, a ação de juntos, reestruturarmos o que sabemos e avançarmos.
Meus alunos já produziram fractais e estudaram potências a partir do que aprendi nas disciplinas de Geometria; já utilizaram muito da sua inventividade na criação de personagens utilizando e reconhecendo elementos geométricos; já jogaram; montaram quebra-cabeças geométricos; leram e aprenderam de diferentes formas. Muitas dessas práticas advêm de saberes que aprendi em minha jornada pelo Grupo, ao longo desses oito anos. A imagem 5 ilustra algumas delas.

Talvez eu não saiba mensurar o quanto cada uma das experiências vivenciadas no grupo contribuiu para as minhas aulas, mas já ensinei conceitos que revi, já pensei no currículo a partir do que estudei, já organizei materiais a partir de estruturas desenvolvidas e propus problemas que vi em razão da participação no GEPGEO.
De fato, talvez essa narrativa seja uma carta para todos os leitores, contando que a jornada pode ser extremamente significativa a partir de um espaço compartilhado de aprendizagens docentes.
Talvez não conheçamos o Mágico de Oz, porque somos todos um pouco Dorothy, em busca do conhecimento, e um pouco mágicos, aprendizes inseguros. O fato é que, como já dizia Paulo Freire (1991, p. 58), “a gente se faz educador, na prática e na reflexão sobre a prática”. Logo, a partir do apresentado durante o texto, reafirmo o potencial que grupos ou ambientes colaborativos de aprendizagens docentes têm para a construção de práticas, aprendizagens e desenvolvimento profissional docente.




