Temática livre
A aplicação do método regressivo-progressivo de Henri Lefebvre para análise de espaços públicos em Ponta Grossa (PR)
The application of Henri Lefebvre’s regressive-progressive method for analyzing public spaces in Ponta Grossa (PR)
La aplicación del método regresivo-progresivo de Henri Lefebvre para el análisis de espacios públicos en Ponta Grossa (PR)
A aplicação do método regressivo-progressivo de Henri Lefebvre para análise de espaços públicos em Ponta Grossa (PR)
Revista NUPEM (Online), vol. 17, núm. 40, e2025010, 2025
Universidade Estadual do Paraná
Recepción: 17 Abril 2023
Aprobación: 20 Noviembre 2023
Resumo: As praças são espaços públicos importantes e fazem parte da história e memória das cidades. A justificativa do estudo se dá por compreender que as praças são objetos marcantes no espaço urbano, possuem usos e formas variadas e são organizadas e mantidas pelo poder público. Objetivamente, o artigo apresenta a aplicação do método regressivo-progressivo de Henri Lefebvre para o estudo de praças. O recorte espacial é a cidade de Ponta Grossa (PR). Metodologicamente, foram realizadas visitas a algumas praças, pesquisa no Diário Oficial do Município, download de shapefiles, disponibilizados pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPLAN) de Ponta Grossa, para criação de mapas, bem como se apoiou em referencial teórico. Como resultados, conclui-se que a distribuição espacial das praças ocorre de forma desigual, o que pode favorecer um espaço urbano segregador, e se espera contribuir para o debate da cidade mais equânime em relação à distribuição de espaços públicos.
Palavras-chave: Urbanização, Áreas livres, Lazer, Distribuição espacial.
Abstract: City squares are important public spaces that play a vital role in the history and memory of cities. This study is justified by the understanding that squares are noteworthy features in urban spaces. Squares serve diverse purposes, come in various forms, and are organized and maintained by public authorities. Objectively, this article presents the application of Henri Lefebvre’s regressive-progressive method to the study of squares. The city of Ponta Grossa, Paraná, was chosen as the study area. Methodologically, the research involved visiting several squares, examining the municipality’s Official Gazette, and using downloaded shapefiles provided by the Ponta Grossa Institute of Urban Research and Planning (IPLAN) to create maps, along with consulting theoretical references. The results show that the spatial distribution of squares is uneven, which can contribute to a segregated urban environment. Ultimately, this research aims to contribute to the discussion about creating a more equitable city in terms of the distribution of public spaces.
Keywords: Urbanization, Open areas, Leisure, Spatial distribution.
Resumen: Las plazas son importantes espacios públicos y forman parte de la historia y memoria de las ciudades. Ese estudio se justifica por comprender que las plazas son objetos notables en el espacio urbano, tienen usos y formas variadas y son organizadas y mantenidas por los poderes públicos. Objetivamente, el artículo presenta la aplicación del método regresivo-progresivo de Henri Lefebvre para el estudio de las plazas. Se eligió la ciudad de Ponta Grossa (PR) como recorte espacial. Metodológicamente, se realizaron visitas a algunas plazas, investigación en el Boletín Oficial del Municipio, download de shapefiles puestos a disposición por el Instituto de Pesquisa y Planeamiento Urbano (IPLAN) de Ponta Grossa para la creación de mapas, así como se apoyó en referencial teórico Como resultado, se concluye que la distribución espacial de las plazas ocurre de forma desigual, lo que puede favorecer un espacio urbano segregador, y se espera contribuir con el debate de una ciudad más ecuánime en relación a la distribución de los espacios públicos.
Palabras clave: Urbanización, Áreas libres, Ocio, Distribución espacial.
Introdução
O município de Ponta Grossa está situado no Segundo Planalto Paranaense (Imagem 1), compõe a região dos Campos Gerais, é reconhecido por suas paisagens e potencialidades naturais e turísticas, como o Parque Estadual de Vila Velha e o Parque Nacional dos Campos Gerais. Até hoje, é um importante entroncamento rodoferroviário e localidade de grandes indústrias do ramo alimentício, com destaque nacional. No último Censo, em 2022, a população de Ponta Grossa chegou a 358.367 pessoas (IBGE, 2022).

Em todo o seu perímetro, existem dezesseis bairros que contam com diversos espaços públicos que compõem as sociabilidades dos moradores, entre eles, parques públicos como o Parque Ambiental (bairro Centro), Lago de Olarias (bairro de Olarias), Parque Monteiro Lobato (bairro Jardim Carvalho) e Parque Linear (bairro de Oficinas). Além disso, há também as praças públicas, que são cento e dezesseis ao todo.
Sobre esses equipamentos urbanos, importantes espaços públicos de Ponta Grossa, é possível notar diferentes usos pela população e tratamento diferenciado pelos órgãos responsáveis. No Parque Ambiental, localizado no Centro da cidade, é possível notar, durante todos os dias da semana, a presença de diferentes indivíduos: muitos utilizando a pista de caminhada; alguns praticando esportes; há aqueles com seus animais de estimação; nota-se a presença das crianças no parquinho sorrindo e gritando; há também aquele grupo de pessoas mais silencioso, que apenas senta nos bancos ou na grama e, aprecia sua música nos fones de ouvido ou lê um livro; há as pessoas que passam por ali apressadas, cortando caminho até o destino final. Por fim, as práticas são inúmeras.
Em outro local da cidade, no mesmo horário e no mesmo dia, é possível notar o “silêncio”, escuta-se apenas o barulho de ações que ocorrem ao redor, não se ouve risos de crianças, nem conversas distintas, não há ninguém praticando esportes, raramente é possível notar passos apressados de uma ou outra pessoa que corta caminho por ali. Esse local, diferente do Parque Ambiental, encontra-se em um bairro distante do centro urbano da cidade, trata-se da praça Felipe Chede, localizada no bairro Contorno, periferia da cidade.
As ações apresentadas anteriormente ocorrem em dois espaços públicos da cidade. Esses espaços públicos deveriam servir à população do mesmo modo. De acordo com Gomes (2002), são lugares de encontro de diferentes, de diversidade, equidade de direitos, afinidades sociais e lugar onde possa viver a cotidianidade. Entretanto, essa não é a realidade identificada. De um lado, pode-se notar um espaço público localizado no centro urbano da cidade, extenso, que possui conexões com equipamentos urbanos ao redor: shopping, Companhia Paranaense de Energia (Copel), lojas comerciais, terminal de transporte, agências bancárias, ligação com ruas de grande movimento. É um lugar aberto, sem restrições ou barreiras físicas, possui várias árvores, bancos, pista de caminhada, academia ao ar livre, quadras de esportes, parque infantil, redários e gramado amplo, é um espaço aparentemente limpo e seguro. Todas essas características fornecem ao Parque Ambiental o status de espaço público bem-sucedido, de acordo com o Guia do Espaço Público (Conexão Cultural, 2016).
Em contrapartida a praça Felipe Chede possui parque infantil, academia ao ar livre, quadra de esporte, bancos, gramado e árvores. Tem conexão com equipamentos urbanos importantes de um bairro residencial, como escolas, posto de saúde, igrejas e Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI). Mas nem por isso as pessoas frequentam e se apropriam desse local. Ao contrário, é possível notar o abandono desse espaço público: grama sem cortar, falta de pintura, falta de conserto nos poucos equipamentos do parque infantil e da academia ao ar livre, falta de iluminação e segurança.
Após observar outros espaços públicos da cidade que também estão em estado decadente, sem uso e sem manutenção (praças no bairro Contorno, Chapada e Colônia Dona Luiza), ao mesmo tempo que é notável maior investimento em espaços públicos seletivos como Parque Ambiental e Lago de Olarias, evidencia-se o interesse em preservar alguns espaços em detrimento de outros. A partir disso, este artigo tem como objetivo analisar as áreas livres públicas da cidade de Ponta Grossa (PR), principalmente as praças, sob a perspectiva do método regressivo-progressivo de Henri Lefebvre, que identifica e relaciona elementos históricos das relações sociais ocorridos no espaço-tempo.
Sobre a metodologia, para o levantamento das informações em relação ao número e ano de criação dessas praças, inicialmente foi utilizada a pesquisa bibliográfica e, em seguida, verificadas as informações, bem como atualizações através do Diário Oficial do Município e visitas em algumas praças durante os finais de semana. Para a elaboração dos mapas, foram utilizados os shapefiles disponíveis no site do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Ponta Grossa (IPLAN), também foram analisadas imagens através da plataforma Google Earth. A partir dessa base de dados foi utilizado o software ArcGis para elaborar mapas e cartogramas.
O trabalho está dividido da seguinte forma: Além desta introdução, usos e conceitos de praças; como ocorre seu surgimento no Ocidente e no Brasil; em seguida, é apresentado o método regressivo-progressivo de Henri Lefebvre, sua aplicação para o recorte espacial dessa pesquisa, que é dividido em três momentos: momento descritivo, em que se descreve o objeto de estudo no presente; o segundo momento é o analítico regressivo, em que há uma regressão na análise temporal do objeto de estudo; e o terceiro momento, histórico genético ou regressivo-progressivo, quando há o encontro entre passado e presente. E, por último, as considerações finais.
Praças: seu papel e usos no espaço urbano
As praças podem ser entendidas como “espaços livres de edificação, públicos e urbanos, destinados ao lazer e ao convívio da população, acessíveis aos cidadãos e livres de veículos” (Robba; Macedo, 2010, p. 17). Sendo um espaço público, de acordo com Gomes (2002, p. 162) é “antes de mais nada, o lugar, a praça, rua, shopping, praia, qualquer tipo de espaço, onde não haja obstáculos à possibilidade de acesso e participação de qualquer tipo de pessoa” e tratada dessa forma é, também, o “lugar das indiferenças, ou seja, onde as afinidades sociais, os jogos de prestígio, as diferenças, quaisquer que sejam, devem se submeter às regras de civilidade”. Segundo Sousa e Oliveira (2010, p. 3) a praça é o “local de celebração da convivência e do lazer dos habitantes” e marco arquitetônico, um palco de transformações históricas e sociais, fundamental para a vida da cidade e dos cidadãos (Dizeró, 2006), bem como é parte importante do espaço urbano.
De acordo com Corrêa (2003, p. 11), o espaço urbano é “fragmentado, articulado, reflexo, condicionante social, cheio de símbolos e campo de lutas - é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço” e, através das práticas sociais, há uma reorganização do espaço urbano, pois suas formas espaciais podem ser alteradas, mas este nunca deixará de ser simultaneamente fragmentado e articulado. Desse modo, as ações dos agentes modeladores do espaço possibilitam ora a valorização, ora a desvalorização de certas porções desse espaço urbano, bem como seu acesso ou restrição, como é o caso de praças.
Desse modo, um olhar geográfico sobre esses espaços deve nortear-se pela sua concretude, considerar as “práticas e dinâmicas sociais que aí se desenvolvem” (Gomes, 2002, p. 172), e é necessário “relacionar as dimensões políticas, sociais e aspectos formais e estruturais desses espaços” (Serpa, 2004, p. 22).
Sabendo que as praças sempre estiveram presentes nas histórias das cidades, que fazem parte do imaginário e da memória individual e coletiva, que são importantes para a sociabilidade urbana, bem como para se localizar em uma cidade, a seguir, apresenta-se como surgiram as praças no “mundo ocidental” e no Brasil.
Breve histórico do surgimento das praças: no Ocidente e no Brasil
De acordo com Robba e Macedo (2010, p. 15), muitos estudos entram em consenso em relação ao surgimento das praças, considerando a “força cívica das ágoras gregas e dos fóruns romanos e a vitalidade da praça medieval europeia como o grande espaço não oficial e polivalente de manifestação popular”, surgidas na malha urbana e que proporcionam uma mudança na paisagem de um espaço composto majoritariamente de estruturas físicas densas (prédios e edifícios, ruas e meios de transportes) para um espaço aberto e arejado (Eurich, 2018).
As praças sempre tiveram funções importantes na vida das pessoas e suas comunidades, desde o período medieval, seja como pontos de encontro ou comunicação. Era onde a informação era passada de cidade para cidade, palco de manifestações políticas e artísticas, julgamentos e execuções, casamentos e festas típicas, também parada de comércio e local onde se demonstrava o poder das leis (Caldeira, 2007; Eurich, 2018).
Até o período renascentista, as praças não tinham valor estético. Foi a partir desse período que “surgem as cidades projetadas em um formato concêntrico, com a praça no centro para onde convergiam as principais ruas da cidade” (Eurich, 2018, p. 23) e “definida por uma rígida geometria” (Caldeira, 2007, p. 27). No período chamado moderno, as funções sociais das praças enfraquecem, cedendo lugar a outros espaços públicos como teatros, bares e cafés, espaços voltados às classes privilegiadas, assim, a função principal das praças seria a de orientação do trânsito.
No século XX, nota-se uma mudança significativa na vida das pessoas, seja em função das novas tecnologias de locomoção e comunicação, seja em função das preocupações voltadas às questões ambientais, “o espaço da praça ressurgiu como o protagonista dos espaços coletivos, principalmente nas ações de resgate de qualidade urbana concretizadas em intervenções de áreas centrais, de locais históricos, e mesmo de espaços reabilitados” (Caldeira, 2007, p. 35). Sendo assim, as praças atualmente têm como funções: convívio social, circulação, recreação, comércio, serviços e contemplação (Robba; Macedo, 2010).
Em relação ao Brasil, Caldeira (2007) afirma que esses espaços se concretizaram de duas formas distintas: nas aldeias e assentamentos indígenas (moradias ao redor de um espaço livre para socialização) e nas vilas e cidades implantadas a partir da chegada dos portugueses, geralmente ligadas a igrejas.
No Brasil República, há a influência francesa com fortíssimas reformas sanitárias, isso incluiu as praças que passaram a ser arborizadas e ajardinadas. Assim como em outras partes do planeta, no Brasil também houve intenso crescimento industrial e populacional que acarretou segregação social e espacial, desse modo, uma das intervenções nas praças brasileiras foi a intensificação do verde, como forma de amenizar os problemas em decorrência da intensa urbanização. Na década de 1940, diferentes ideias modernistas chegam ao país e acabam interferindo também nos usos das praças, sendo incorporado o lazer ativo através de atividades recreativas e esportivas.
No caso da cidade de Ponta Grossa, Eurich (2018, p. 33) afirma que as praças “tiveram sua história ligada aos adros das igrejas e aos largos assim como inúmeras cidades brasileiras e ocidentais”, essa afirmação será demonstrada no decorrer do texto. A seguir, apresenta-se o método utilizado para análise e interpretação da dinâmica espacial das praças em Ponta Grossa.
O método regressivo-progressivo
O trabalho aqui exposto faz parte de uma inquietação teórica mais ampla sobre a arte em espaços públicos em Ponta Grossa, que está sendo desenvolvida na tese de doutorado1. Para isso, tornou-se necessário entender a distribuição espacial e a história das praças da cidade. Para elaboração desse trabalho, busca-se, através do método regressivo-progressivo de Lefebvre, uma possibilidade de análise da dimensão socioespacial das praças em Ponta Grossa desde o seu surgimento até os dias atuais.
Henri Lefebvre foi um filósofo que nasceu na França em 1901, participou “ativamente dos debates que envolviam o campo político, econômico e social de seu país e do mundo de forma geral, morrendo aos 90 anos em Navarrenx, França” (Guilherme, 2017, p. 5). Foi um crítico do urbanismo funcionalista, debateu muito o papel do Estado e as desigualdades sociais e o capitalismo. Apesar de não ser geógrafo, esse autor tem papel fundamental na forma como analisamos o espaço. Muitos geógrafos2 renomados, como Milton Santos e Ana Fani Alessandri Carlos se inspiraram em seus trabalhos para elaborar seus próprios conceitos e análises espaciais, uma das obras utilizadas que trata da relação espaço e tempo é La production de l'espace, publicada em 1974; que mais tarde, em 2006, teve sua 4ª edição traduzida para o português.
Henri Lefebvre desenvolveu o método regressivo-progressivo durante a elaboração de sua tese para estudar a realidade rural, possibilitando “captar a historicidade da produção do espaço, estimulando o pesquisador a identificar e relacionar analiticamente os momentos históricos das relações sociais, concepções e objetos apreensíveis em qualquer ‘campo’ empiricamente pesquisado” (Scheffer; Kachaukje, 2018, p. 67).
De acordo com José de Souza Martins (1996, p. 4), “o método regressivo-progressivo está referido a premissa da totalidade aberta, inconclusa, em que as superações propõem novas contradições e novas tensões, a sociedade movendo-se e transformando-se todo o tempo”. Esse método baseia-se em uma análise que parte do presente para o passado, no esclarecimento de processos em curso, e apontamentos para o futuro, em que o fenômeno supera a linearidade e os fatos devem ser compreendidos enquanto “processos articulados nas mais diferentes temporalidades” (Barros, 2018, p. 113).
O método regressivo-progressivo de Lefebvre consiste em três momentos; o primeiro momento é chamado descritivo e consiste na observação, em realmente “ver” o objeto de estudo e descrevê-lo, apoiando-se em embasamentos teóricos “cabe ao pesquisador reconstituir, a partir de um olhar teoricamente informado, a diversidade das relações sociais, identificando e descrevendo o que vê. [...] Nele, o tempo de cada relação social ainda não está identificado” (Martins, 1996, p. 21).
O segundo momento é o analítico-regressivo que prevê, a partir de pesquisa documental e bibliográfica em fontes primárias e secundárias, a análise da realidade considerando contradições e possibilidades e identificando a temporalidade das relações sociais que “apresentam conexões que não são contemporâneas” (Scheffer; Kachaukje, 2018, p. 68) e, como apresenta Martins (1996, p. 21):
Por meio dele mergulhamos na complexidade vertical da vida social, a da coexistência de relações sociais que tem datas desiguais. Nele a realidade é analisada, decomposta. [...] O que num primeiro momento parecia simultâneo e contemporâneo é descoberto agora como remanescente de época específica. De modo que no vivido se faz de fato a combinação prática de coisas, relações e concepções que de fato não são contemporâneas.
O último momento chama-se histórico genético ou regressivo-progressivo. Nele, cabe ao pesquisador fazer o reencontro do presente com o passado de forma clara e explicativa.
Nesse momento regressivo-progressivo é possível descobrir que as contradições sociais são históricas e não se reduzem a confrontos de interesses entre diferentes categorias sociais. Ao contrário, na concepção lefebvriana de contradição, os desencontros são também desencontros de tempos e, portanto, de possibilidades (Martins, 1996, p. 22).
Sendo assim, o método regressivo-progressivo de Lefebvre permite associar presente e passado e encontrar ou não contradições sobre o objeto através do tempo e espaço. De acordo com Scheffer e Kachaukje (2018, p. 68),
O potencial do método para desvendar empírica e teoricamente o objeto de pesquisa consiste em uma base de orientação teórico-metodológica, pois busca encontrar não somente a coexistência de relações sociais, que tem datas diferenciadas, mas também as possibilidades de modificação do problema investigado. Estudam-se as particularidades do presente a partir dos legados do passado, assim como indicam-se características futuras. Desse modo, o conhecimento vai sendo construído sob um rol de informações interligadas, em que o real existe num movimento ininterrupto que vincula passado, presente e futuro.
A seguir apresenta-se a aplicação do método regressivo-progressivo na análise socioespacial das praças da cidade de Ponta Grossa (PR).
Primeiro momento descritivo: as praças de Ponta Grossa em 2023
Nesse primeiro momento, foram realizadas incursões por praças em diferentes bairros da cidade sem um foco de análise específico, como o próprio método sugere. As praças e suas características físicas e sociais foram “vistas” e, em um diário de campo, foram anotadas informações que chamavam atenção, como será apresentado no decorrer do texto, bem como foram tiradas algumas fotografias.
As áreas livres e espaços públicos, dentre eles as praças, e sua distribuição constam como objetivos no Plano Diretor de Ponta Grossa, que teve sua última revisão no ano de 2022. Este plano visa “promover a distribuição dos equipamentos urbanos e comunitários, dos espaços livres de uso público e das áreas verdes, de forma a atender à população residente em todas as áreas do Município” (Ponta Grossa, 2022, p. 3). A partir disso, notou-se que alguns desses locais são mais equipados, possuem melhores estruturas que outros e existe maior movimentação de pessoas. Inicialmente, especula-se que vários fatores podem estar associados à variação de frequência dos moradores a esses locais, como por exemplo a criação de locais de lazer e comércio como os shoppings, os parques urbanos (Parque Ambiental, Parque Linear, Parque do Monteiro e Lago de Olarias), a sensação de falta de segurança ou até mesmo pouca atratividade.
No perímetro urbano de Ponta Grossa, no ano de 2023, existem ao todo cento e dezesseis (116) praças de diferentes tamanhos e formas, como já afirmado, algumas mais preservadas e equipadas que outras. A imagem 2 apresenta a distribuição das praças no município.

O bairro com o maior número de praças é o Neves, com dezoito; o bairro com o menor número é o Ronda, com apenas uma praça, fato que chama atenção pois é nesse bairro onde se concentram as atividades de gestão pública (Prefeitura, Câmara dos Vereadores, Receita Federal e Agência da Previdência Social), serviços que geram grande circulação de pessoas, incluindo a estação rodoviária da cidade. Na imagem 2, é possível notar que um dos bairros mais extensos, o Cará-Cará, tem apenas quatro praças; e um bairro menos extenso, como o Centro, conta com doze praças distribuídas por seu perímetro. Percebe-se que quanto mais longe do “centro” urbano menor é o número de praças nos bairros. O número total de praças em cada bairro está demonstrado na imagem a seguir.

Em relação ao fator centro/periferia, é possível notar que as praças localizadas no bairro Centro são mais arborizadas, possuem diversos equipamentos como parque infantil, academia ao ar livre, pista de caminhada, sanitários, bancos, gramado e calçadas, várias estão ligadas às igrejas, há grande movimento e circulação de pessoas durante todos os dias da semana e existem câmeras de segurança que monitoram todo o perímetro. Nessas praças, também acontecem várias atividades culturais e socioeconômicas muitas vezes promovidas pelo poder público local e parceiros, cita-se peças de teatro do Festival Nacional de Teatro (FENATA), apresentações musicais do Projeto Sexta às Seis, Feira de Artesanato, Feira da Uva e outras feiras típicas e de estações, e, mais recentemente, em 2022, algumas praças receberam as atividades do Natal Encantado com montagem de som e luzes, casa do papai Noel, contação de histórias e apresentações musicais.
As praças dos bairros periféricos, em sua maioria, só dispõem de parque infantil e academia ao ar livre, muitos equipamentos danificados e muitas das praças sem bancos e, até mesmo, sem placa de identificação. Diferentemente das praças do Centro, as praças dos bairros geralmente ficam próximas às escolas ou CMEI, há também pequenos comércios como bares e mercearias. Nessas praças, é possível notar o descaso do poder público em promover espaços de lazer para os moradores. De acordo com Gomes (2012, p. 20) o Estado, enquanto poder público, tem a obrigação de “assegurar as praças públicas, entre outros espaços públicos da cidade, sejam providos em quantidade e qualidade suficientes e uma distribuição condizente com as necessidades ambientais e sociais locais”. A seguir, apresenta-se o segundo momento do método regressivo-progressivo.
Segundo momento, o “analítico-regressivo”: a expansão urbana e as praças em Ponta Grossa
Buscando compreender o surgimento das praças na cidade de Ponta Grossa, é interessante analisar o desenvolvimento e expansão urbana da cidade.
De acordo com Sahr (2001), a cidade de Ponta Grossa passou por fases de expansão. Na primeira fase (antes de 1920), a cidade teve como centro de expansão a capela Sant’Ana, ainda de madeira, construída por volta de 1830, onde se situa, atualmente, o “centro” de Ponta Grossa. Já havia várias atividades comerciais sendo realizadas próximas à Igreja, bem como atividades culturais com a criação do Cine Renascença (criado em 1911) e Teatro Santana (1874):
Desde a década de 1850, Ponta Grossa exibe certas características urbanas que se mostram revigoradas na década de 1870: inúmeras casas comerciais onde de tudo se vendiam e que já clamavam por um Banco para facilitar as transações; havia novas profissões como advogados e médicos e oleiros (Gonçalves; Pinto, 1983, p. 31, apud Gomes, 2009, p. 20).
De acordo com o levantamento de Eurich (2018), nesse período existiam quatro praças (Imagem 4)3 que eram utilizadas nas celebrações e espaços de encontro da população: Praça Santos Andrade4 (1900), Praça Marechal Floriano Peixoto (1908), Praça Barão de Guaraúna e Praça Barão do Rio Branco (1912), todas localizadas hoje no bairro Centro.

Na segunda fase (1920-1929), existiam em Ponta Grossa alguns estabelecimentos de alcance regional (Sahr, 2001), como o Hospital Santa Casa de Misericórdia, estação ferroviária, cineteatro Renascença e Clube 13 de Maio (fundação da entidade em 1890, reconhecido como entidade em 1920). Nesse período, a expansão da cidade ocorre ao longo da estrada de ferro, com loteamentos implantados na sua margem (inicia-se o crescimento de forma tentacular), dois bairros importantes para o funcionamento da ferrovia se desenvolveram - o bairro de Oficinas, onde estavam localizadas as oficinas dos ferroviários e também suas moradias, e o bairro de Uvaranas, onde ficava o antigo Hospital dos Ferroviários (conhecido como 26 de Outubro) e localização do 13º Regimento de Infantaria - 13 BIB, criado em junho de 1923. De acordo com Gomes (2009, p. 22), nesse período há “a implantação e a utilização de espaços culturais como cinemas, praças, cafés e outras atividades” que colaboraram para a transformação do modelo ruralista para um sentido mais moderno da cidade de Ponta Grossa.
Nessa segunda fase de expansão, não há a criação de praças. A imagem 5 apresenta a localização dos novos loteamentos e as praças existentes, nota-se que as atividades de lazer ainda se concentravam nos equipamentos culturais existentes no Centro.

Na terceira fase (1930-1939), há a criação de loteamentos alongados: Bairro Órfãs, Nova Rússia e Ronda. Sahr (2001) afirma que nesse período esses bairros eram dominantemente residenciais, com pouquíssimos estabelecimentos de serviços e comerciais. Em 1931, mais uma praça é criada no Centro, trata-se da praça João Pessoa, mas é a praça do Rio Branco que chama atenção, de acordo com Chaves (2001, p. 68):
As praças eram pontos de encontro típicos da sociedade ponta grossense. Comentários a respeito delas estavam sempre presentes entre as notícias publicadas no Diário dos Campos. A Praça João Pessoa, localizada diante da Estação Ferroviária, constituía-se, nesse período, em local onde muitas famílias concentravam-se sobretudo nas noites de verão. Nesta mesma praça a população local costumava recepcionar autoridades e visitantes ilustres que chegavam à cidade.
Também era nas praças que se realizavam comemorações cívicas e celebrações religiosas. Outro costume típico era concentrar-se diante das retretas que ocorriam na Praça da Matriz ao entardecer de domingo. A música ficava sob responsabilidade da Banda do 13° Regimento de Infantaria.
O autor apresenta o trecho da matéria do Jornal Diário dos Campos5 que retratava, através de suas notícias, a ideia de urbanização e civilização pretendida naquela época. O artigo era sobre a inauguração da Praça Barão do Rio Branco que pretendia “resolver o problema da aglomeração noturna na rua XV de Novembro. A praça viabilizava à sociedade ponta-grossense a continuação de um costume próprio da cultura urbana de então: o tradicional footing noturno” (Chaves, 2001, p. 72-73, grifo no original).
Na quarta fase (1940-1949), há a expansão de áreas residenciais, sobretudo, nos bairros Órfãs e Nova Rússia, este incorporando cada vez mais a instalação de estabelecimentos industriais e de comércio, destaque para a Avenida Ernesto Vilela e Avenida D. Pedro II, principais eixos de ligação entre esse bairro e o Centro tradicional. Sahr (2001) explica que o bairro de Uvaranas foi o que mais se expandiu durante esse período e há, pela primeira vez, a ocupação de encostas. Um importante eixo da cidade se desenvolve: a Avenida Carlos Cavalcanti onde, gradativamente, vão se instalando estabelecimentos em sua extensão. Nesse período, verifica-se o crescimento substancial da população da cidade que até 1920 era de 20.171 habitantes, sendo que desse total, 59,7% era urbana; e 40,3% era rural. Em 1940, a população em número total de habitantes passou a ser de 40.588, sendo 74,4% urbana e 25,3% rural (Gomes, 2009).
As praças criadas (Imagem 6) nesse momento foram: a Praça Duque de Caxias (1941, Centro), a Praça Guairacá e a Praça Simão Bolivar (1944, Oficinas).

A quinta fase (1950-1969) foi a fase de maior expansão do espaço urbano da cidade de Ponta Grossa, quando ocorreu a criação de diversos loteamentos, o que “demonstra um forte processo de especulação imobiliária” (Sahr, 2001, p. 27), Scheffer e Kachaukje (2018) complementam essa informação afirmando que nesse período (1952-1969) foram entregues seis empreendimentos residenciais: Jardim Brasil, Vila dos Ferroviários, 31 de Março, Operários do DER, Senador Flavio Carvalho Guimarães e Coronel Luiz Gonzaga Pereira da Cunha. Entretanto, a maioria das atividades econômicas ainda aconteciam no Centro, que teve seu desenvolvimento acentuado devido a vários fatores, entre eles “a instalação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras durante a gestão do ex-prefeito José Hoffmann (1955-58)” (Gomes, 2009, p. 30) que, em 06 de novembro de 1969, seria incorporada na criação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
Nesse mesmo período, em 1967, foi desenvolvido o primeiro Plano Diretor de Ponta Grossa. De acordo com Madalozzo e Souza (2019), os autores do plano fizeram vários apontamentos sobre a expansão urbana de Ponta Grossa, que crescia além das estruturas dispostas naquele momento, e a ausência de orientação para a ocupação urbana da cidade acarretava, entre alguns fatores, em condições de comunicação social, política e cultural precárias, além disso, Gomes (2009, p. 43) afirma que a existência do Plano Diretor foi apenas uma formalidade e cumprimento da legislação, pois as propostas de ordenamento espacial contidas no documento foram “ignoradas, levando o poder público municipal a ações setoriais, impedindo a utilização maximizada dos equipamentos urbanos” e ainda, a falta de uma legislação específica sobre a delimitação do perímetro urbano foi outro fato que ocasionou para a expansão desordenada da malha urbana da cidade.
Nessa fase, foram criadas onze praças (Imagem 7) distribuídas entre os bairros e os loteamentos, percebe-se que a localização das praças acompanha o ordenamento espacial que se dava a partir das principais vias de acesso: Avenida Visconde de Mauá, Avenida General Carlos Cavalcanti, Ernesto Vilela e Monteiro Lobato.

Na sexta fase, a partir de 1970, o “parcelamento do solo urbano passou a ter um controle maior do que nas fases anteriores” (Sahr, 2001, p. 27), há a instalação do parque industrial, o crescimento da periferia da cidade através dos núcleos habitacionais e o problema da desigualdade socioespacial se torna relevante, “por consequência, os primeiros planos urbanísticos da cidade, assim como os demais projetos desenvolvidos pelo poder público, passaram a contemplar discussões e propostas” (Madalozzo; Souza, 2019, p. 433), também foram criados, de 1970 a 1990, quarenta e três empreendimentos habitacionais em diferentes áreas da cidade (Scheffer; Kachaukje, 2018).
Sobre os loteamentos e conjuntos habitacionais criados, Gomes (2009, p. 77) afirma:
A maioria desses conjuntos seria destinado a suprir a carência de mão-de-obra nas regiões onde o crescimento de novas atividades econômicas era expoente. Porém, essa intenção mostrou-se frustrada, quando as instituições responsáveis pelos projetos habitacionais adotaram a renda como parâmetro na venda das habitações. Esta atitude afetou diretamente o processo de inclusão-exclusão social, ao eleger aquelas famílias com renda suficientemente alta para cumprir as exigências das formas de parcelamento, na aquisição do imóvel, e deixando de atender a parcela mais carente da população. Só que essa parcela da população, com condições de cumprir as exigências das formas de pagamento, tinham predominantemente seus empregos localizados na área central e em outras regiões da cidade. Justamente onde a existência de atividades econômicas era mais densa.
Em relação às praças, o relevante crescimento na criação delas se dá a partir de 1980, isso ocorreu em decorrência da nova Lei Federal n. 6.766/79, que previa que novos loteamentos a serem implantados deviam destinar no mínimo 35% de sua área para o uso público, podendo ser transformados em praças, parques, áreas verdes ou edifícios públicos, salvo os loteamentos de uso industrial (Eurich, 2018).
A imagem 8 apresenta a distribuição espacial dos loteamentos e praças criadas de 1970 até 2022, nesse período, foram criadas noventa e sete praças, nessa figura é possível perceber que vários loteamentos ainda permanecem sem nenhuma praça.

Pode-se compreender a expansão e desenvolvimento urbano de Ponta Grossa através da análise de Gomes (2009) e Nascimento (2012), que afirmam que esses processos ocorreram em formato tentacular, seguindo preferencialmente, mas não de forma determinante, os principais eixos estruturais da cidade (inicialmente a ferrovia e as vias de acesso entre o Centro e o restante do perímetro e ligações com cidades vizinhas), bem como é possível notar que houve o “aumento da ocupação urbana nas cabeceiras dos principais cursos d’água urbanos (arroios Pilão de Pedra, Olaria, do Padre, Ronda e Lajeadinho) todas nas proximidades da área central” (Nascimento, 2012, p. 85), além disso, houve uma contínua fragmentação e segregação socioespacial.
As atividades comerciais e bens de serviços localizavam-se no Centro, bem como as residências das classes sociais mais favorecidas ao seu redor, enquanto que a parcela da sociedade mais pobre fixou suas moradias nas áreas mais periféricas e de relevo com maior declividade, além da maior distância a ser percorrida para os deslocamentos até os locais de trabalho, de lazer ou ao centro comercial. Já as atividades econômicas de grande porte foram instaladas nas “áreas mais planas próximas às linhas de acesso à cidade e as rodovias foram destinadas aos usos industriais e comerciais” (Gomes, 2009, p. 129).
Terceiro momento histórico genético ou regressivo-progressivo: praças de Ponta Grossa ontem e hoje
A partir da busca das informações sobre o surgimento e criação das praças, é possível notar que suas localizações não acontecem ao acaso, mas não foram totalmente planejadas, até porque o desenvolvimento da cidade de Ponta Grossa não foi planejado, ela cresceu e se expandiu de forma desordenada, por isso em alguns bairros há mais praças e, em outros, há números menores, mesmo assim, elas estão estritamente ligadas ao desenvolvimento urbano da cidade Ponta Grossa e merecem um olhar atento do poder público.
Suas funções sociais são diversas, as primeiras praças surgiram ligadas a igrejas por ser até hoje fortes instituições em Ponta Grossa. Além disso, era nessas praças (Centro) que as pessoas, quando saíam do cineteatro, acabavam parando para conversar, trocar informações e até mesmo namorar.
Durante muitos anos existiam praças apenas no Centro, e esses locais serviam de lugares de lazer para uma parcela da sociedade, visto que vários loteamentos foram surgindo em locais mais distantes que tinham a função apenas de moradia. É só a partir de 1980, através do Projeto Cura6, que bairros como o “Órfãs recebe uma série de melhorias”, inclusive praças de lazer (Madalozzo; Souza, 2019, p. 434). A pergunta que não é possível responder nesse momento é: “em que lugares os moradores desses loteamentos podiam usufruir de momentos de lazer, sabendo que as praças não existiam próximas a suas residências”?
Um outro ponto que chama atenção na história do surgimento dessas praças é a sua utilização e disputa por vários grupos sociais, os “religiosos” frequentadores e membros das igrejas, os estudantes, os soldados, os comerciantes, as crianças e, mais tarde, como é o caso da praça Barão do Rio Branco, a disputa pelo espaço da classe trabalhadora e moradores em geral, que esperavam ali o embarque e desembarque do transporte coletivo7.
Esses locais (Imagem 9) fazem parte da memória individual e coletiva dos ponta-grossenses. Foram palco de eventos importantes como a comemoração do Centenário da Independência em 1922 (Praça Barão do Rio Branco); uma das praças foi ligada a um cemitério, como é o caso da praça Barão de Guaraúna; e atualmente, além da passagem de religiosos, é o local de encontro de passeatas e manifestações políticas. A praça Getúlio Vargas foi o local de abrigo de um zoológico onde existiam diversos animais selvagens, como leões e onças pintadas, fato que faz a praça ser conhecida até hoje como “Praça dos Bichos”.

Apesar das praças localizadas em bairros distantes do Centro surgirem em um período recente, também têm suas histórias8 . Os moradores utilizam desses locais para usufruir de momentos de lazer em família, para se exercitar e cuidar da saúde, em razão da grande maioria delas possuir a instalação de academia ao ar livre, e é nesses espaços que muitos jovens desenvolvem habilidades esportivas, podendo utilizar as quadras de esportes em algumas delas sem nenhum custo. Sobre esse aspecto, um caso interessante é da praça BMX Green River (Imagem 10), no bairro Neves, onde os atletas da comunidade, que vinham usufruindo desse espaço antes mesmo de ser identificado como praça pelo poder público, realizaram melhorias no local como a compactação do solo para a formação de três rampas de ciclismo com diferentes medidas.

A Secretaria Municipal do Meio Ambiente juntamente com a Secretaria do Esporte realizou a limpeza do terreno, a colocação de pedras britas para instalação da pista de caminhada, a implantação de bancos, o plantio de gramado, arbustos e mudas de árvores e também realizou o cerco das rampas com pneus para proteção dos atletas.
A praça Marechal Floriano Peixoto, que marca o início da urbanização de Ponta Grossa, é a primeira a ser tombada pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (COMPAC), com a intenção de preservar características históricas e a memória da cidade através de vários monumentos presentes por todo o local, como o monumento em homenagem aos fundadores, monumento à Bíblia e o monumento do sesquicentenário. Fato é que essa praça foi parar no topo das manchetes de diversos jornais no fim do ano de 2022 e início de 2023 em razão de um grupo específico de pessoas que se apropriaram do local para atingir um objetivo em nível nacional: um golpe de estado.
Logo após as eleições presidenciais, na primeira semana de novembro de 2022, um grupo de pessoas apoiadoras do presidenciável não eleito Jair Messias Bolsonaro, ocuparam a praça Marechal Floriano Peixoto para pedir a anulação da eleição em que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito democraticamente para o cargo de Presidente da República. Essas pessoas se instalaram com barracas e lonas amarradas nas árvores e fincadas ao chão, levaram comida, bandeiras e faixas pedindo desde intervenção federal até novas eleições e instalaram banheiros químicos ao redor e sobre o gramado da praça.
Durante o período de acampamento, realizaram orações diárias em frente à 5º Brigada de Cavalaria Blindada, que fica na rua ao lado da praça (Rua Sant’Ana), até um casamento entre os membros do movimento foi realizado no acampamento e noticiado por jornais de todo o país (Correio Braziliense, 2022). A ocupação dessa praça por esse grupo de pessoas, além de ser uma ação antidemocrática, ocasionou diversos problemas para a cidade. Alguns moradores reclamaram do barulho dos carros de som, do congestionamento de trânsito causado pelo fechamento das ruas ao redor da praça, houve um episódio de agressão a um funcionário da Pró-reitora de Extensão e Assuntos Culturais da Universidade Estadual de Ponta Grossa (Proex/UEPG), que tentava fotografar um desentendimento que ocorria na praça no momento e teve sua camisa rasgada pelos ocupantes (Jagnow, 2022), e ainda, o Festival Nacional de Teatro (FENATA) teve uma das apresentações com mudança repentina de local que aconteceria na praça no dia 10 de novembro de 2022 e, por causa do acampamento, teve que ocorrer na Biblioteca Pública Municipal (Natal, 2022).
Durante todo o período de acampamento, pessoas de vários segmentos da sociedade questionavam-se sobre a legitimidade da “manifestação”, que se dizia “democrática” pelos “manifestantes”. Os vereadores Josi do Coletivo (PSOL) e Dr. Erick (PSDB) exigiram explicações da prefeitura referente à utilização e cerceamento da praça, bem como a Secretaria Municipal de Cultura pediu que fossem tomadas providências pois se tratava de um espaço tombado como patrimônio cultural. Diferentemente dos vereadores, o padre Antônio Ivan de Campos, pároco da Catedral Sant’Ana (Igreja ligada à praça), afirmou que a manifestação era um direito constitucional, mas pediu que os atos não fossem conflitantes com as celebrações religiosas (Natal, 2022).
Esse grupo de pessoas, além de realizarem manifestações antidemocráticas, cercearam o acesso a uma das principais praças da cidade, usaram um espaço público para uso privado, quem fosse contrário aos pedidos que o grupo ali fazia era impedido de frequentar o local e, muitas vezes, até rechaçado. É espantoso perceber que o poder público local não tomou nenhuma atitude para desmantelar o acampamento e livrar a praça, mesmo com pedidos de vereadores e da Secretaria Municipal de Cultura, a desocupação só ocorreu em 01 de janeiro de 2023, logo após a posse do presidente Lula. Além disso, a prefeitura não identificou os responsáveis pelos danos causados na praça, mesmo havendo diversos vídeos e imagens nas redes sociais dos envolvidos.
A Secretaria do Meio Ambiente, com verba pública, revitalizou a praça e custou aos cofres públicos cerca de cinquenta mil reais para os reparos (ARede, 2023). O compilado de imagens a seguir demonstra como era a praça antes e depois da ocupação, conforme imagem 11.

Por fim, percebe-se que o poder público vem, atualmente, buscando realizar mais atividades em espaços públicos, entre eles as praças, com apresentações culturais e eventos socioeconômicos, entretanto, ainda são ações direcionadas ao Centro, em razão de ser esse o bairro com as praças melhores equipadas, o que propicia o fortalecimento do Centro em descompasso com a periferia. Além disso, é preciso que haja melhor distribuição desses espaços pelos bairros, bem como a fiscalização, acompanhamento e manutenção dos mesmos, para que não se tornem locais de tráfico de drogas, prostituição e acúmulo de lixo, e de acordo com Barros e Virgílio (2003, p. 537) “é de extrema importância que o planejamento urbano se preocupe em destinar áreas para praças, igualitariamente em todo perímetro urbano, democratizando os benefícios proporcionados por elas”.
É possível notar que alguns dos usos das praças permanecem, como o lazer e a sociabilidade, entretanto, atualmente algumas das praças tornaram-se motivo de preocupação da sociedade por questões de segurança, como é o caso da praça Barão do Rio Branco, que se tornou ponto de consumo e venda de drogas e prostituição. Essas praças também se tornaram local de moradia e distribuição de alimentos a pessoas sem-teto, bem como locais de vários animais abandonados. As praças também são espaços de vendas de diversas mercadorias de vendedores ambulantes e artesãos. Enfim, são múltiplos usos ou múltiplos territórios de apropriação de diversas categorias e/ou agentes.
Se inicialmente elas foram criadas junto às igrejas, na atualidade encontram-se próximas a instituições de ensino como CMEIs e escolas. Antes projetadas em conformidade com os aspectos que davam ar de modernidade à cidade, agora há a preocupação com a arborização urbana. A discrepância e desigualdade no número e na qualidade das praças dos bairros em relação ao Centro é um fato que permanecerá, visto que as praças no Centro têm fiscalização diária, enquanto as praças nos bairros são revitalizadas quando estão em estado crítico ou em datas comemorativas referentes ao município -comemoração de 200 anos de Ponta Grossa em 2023 (Ponta Grossa Comemora, 2023).
A nomeação das praças pelo poder público é algo que precisa ser revisto. Muitas vezes locais como rotatórias, canteiros ou trevos são decretadas como praças, entretanto, essas não cumprem seu papel social visto que não são equipadas e de difícil acesso por se tratar de locais de grande movimento de veículos.
É preciso que o poder público local realize constantemente pesquisas de opinião junto aos moradores buscando saber se esses espaços estão atendendo as demandas de cada bairro, pois a maioria das praças distribuídas por Ponta Grossa seguem um padrão: aparelhos de academia de idosos, balanços e campo de futebol society, equipamentos que acabam deteriorados com o tempo. Além disso, o poder público por meio das diversas secretarias, deveria utilizar esses espaços para além das atividades físicas como espaços de acesso à arte e à cultura, através dos editais culturais promover a descentralização cultural tão presente no município.
A partir das imagens apresentadas das praças podemos afirmar que representam espaços modificados ao longo do tempo. São paisagens, pretéritas e presentes, cujos elementos históricos da sociedade estão representados. As praças são espaços dinâmicos que mudam juntamente com a sociedade, em vista disso é papel do poder público elaborar planos e ações para atender a essas mudanças, na perspectiva socioespacial. Diversificar os equipamentos, melhorar a infraestrutura, oferecer segurança e promover atividades de lazer, em prol do público em geral, contribuirá para uma cidade mais democrática, sob o ponto de vista do direito à cidade.
Considerações finais
As praças são importantes espaços públicos em Ponta Grossa, fazem parte da sua paisagem urbana e são referências de acontecimentos por diversas classes sociais. Ao longo de sua existência de 200 anos, as praças dessa cidade abrigaram diferentes formas de ocupações, ora legítimas e ora ilegítimas.
O método regressivo-progressivo de Lefebvre possibilitou uma análise dos fatores sociais, culturais e físicos das praças em Ponta Grossa. O caminho proposto nesse método, “ida e volta”, do presente para o passado, por meio de relações entre eles, demonstrou que as praças de Ponta Grossa são importantes espaços urbanos para a sociedade, seja para o lazer, para manifestações políticas, para a preservação da memória local e/ou para o embelezamento da paisagem urbana da cidade, mas até os anos 1980, não tiveram o devido reconhecimento pelo poder público, criados poucos desses equipamentos urbanos e muitos deles próximos ao Centro.
A breve descrição da criação dos loteamentos e conjuntos habitacionais de Ponta Grossa não é suficiente para compreender o desenvolvimento urbano da cidade, pois se trata de um fenômeno complexo. Entretanto, é possível afirmar que houve um crescimento populacional e extensão da malha urbana de forma desordenada em decorrência dos diversos agentes que ainda hoje influenciam na transformação do espaço urbano. Nota-se que o poder público deveria nortear ações para o desenvolvimento social de todas as classes sociais, entretanto, as pessoas de renda mais baixa foram alojadas em residências e núcleos habitacionais distantes do centro (local onde se desenvolvia o comércio e atividades culturais e de lazer), inicialmente sem saneamento básico, energia, ruas asfaltadas e transporte coletivo, além de equipamentos públicos de lazer como as praças. É possível perceber falhas no planejamento urbano de Ponta Grossa, e notar que as leis municipais referentes ao zoneamento privilegiaram o Centro da cidade, aumentando as atividades econômicas, sociais e culturais, privilégio que apenas a classe de renda média tinha acesso.
Conclui-se também que os dados geográficos e disponíveis para download, disponibilizados pelo IPLAN, estão desatualizados, pois Ponta Grossa cresceu muito, principalmente na região do bairro Contorno e Colônia Dona Luiza e essas expansões ainda não foram delimitadas (criados polígonos) em shapefiles, o que acaba dificultando na criação de mapas e cartogramas. Também há informações controversas no caso das praças, algumas indicadas nos decretos de criação sendo pertencentes a um certo bairro, mas, quando inseridas suas coordenadas geográficas, acabam aparecendo em bairros vizinhos.
Finalmente, a partir da aplicação do método regressivo-progressivo, é possível notar que a distribuição espacial das praças ocorre de forma desigual, assim como o desenvolvimento urbano da cidade, o que contribui para um espaço urbano segregador. Ainda, é possível afirmar que um dos objetivos do Plano Diretor não vem sendo cumprido pelo poder público, que seria promover a distribuição desses equipamentos urbanos por todas as áreas de Ponta Grossa, e, com a falta desses espaços livres e públicos como as praças, um dos princípios do mesmo plano não é efetivo para todos os moradores, que seria o lazer.
Agradecimentos
Agradecimento à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão de bolsa de estudos para realização da pesquisa de Doutorado da segunda autora.
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Notas