Temática Livre
Recepción: 10 Febrero 2019
Aprobación: 20 Diciembre 2019
DOI: https://doi.org/10.33871/nupem.2021.13.28.228-240
Resumo: O trabalho em tela busca apresentar reflexões teóricas e metodológicas que permeiam o contexto de uma pesquisa de campo com inspiração etnográfica junto ao povo Indígena Tupari no estado de Rondônia. As experiências junto ao povo Tupari oportunizou ressignifi-cações de práticas de pesquisa produzidas em contextos indígenas ao tempo em que permitiu descons-truir concepções advindas do pensa-mento colonial ocidentalizado, uma vez que a pesquisa ocorreu com um grupo social que vivencia práticas culturais e tradições próprias, mas que, ao mesmo tempo, ressignifica tais práticas em meio ao contato com o não indígena. Essas percepções indicam que pesquisar, além de ser um ato político, acaba se tornando um ato ético, de respeito às diferenças, e, por isso, precisa estar alinhado com teorias que descortinam os encobri-mentos coloniais.
Palavras-chave: Produção de dados, Pesquisa, Caminhos teóricos/meto-dológicos, Tupari.
Abstract: The work on screen seeks to present theoretical and methodological reflections that permeate the context of a field research with ethnographic inspiration among the Tupari Indigenous people in the state of Rondônia. The experiences among the Tupari people made it possible to reinterpret research practices produced in indigenous contexts at the same time it allowed the deconstruction of conceptions arising from Westernized colonial thought, since the research took place with a social group that experiences cultural practices and its own traditions, but that, at the same time, resignifies these practices in the midst of contact with the non-indigenous. These perceptions indicate that researching, in addition to being a political act, ends up becoming an ethical act, respecting differences, and, therefore, needs to be aligned with theories that reveal colonial cover-ups.
Keywords: Data production, Research, Theoretical/methodological paths, Tupari.
Resumen: Este trabajo busca presentar reflexiones teóricas y metodológicas que impregnan el contexto de una investigación de campo con inspiración etnográfica entre los indígenas Tupari en el estado de Rondônia. Las experiencias con el pueblo Tupari permitieron reinterpretar las prácticas de investigación producidas en contextos indígenas en el momento en que permitieron deconstruir las concepciones derivadas del pensamiento colonial occidentalizado, ya que la investigación se llevó a cabo con un grupo social que experimenta prácticas culturales y sus propias tradiciones, pero eso, al mismo tiempo, refresca estas prácticas en medio del contacto con los no indígenas. Estas percepciones indican que la investigación, además de ser un acto político, termina convirtiéndose en un acto ético, respetando las diferencias y, por lo tanto, debe alinearse con las teorías que revelan encubrimientos coloniales.
Palabras clave: Producción de datos, Investigacion, Caminos teóricos/méto-dológicos, Tupari.
Introdução
A escrita que compõe o trabalho é produzida por deslocamentos e ressignificações no processo teórico, bem como metodológico. No processo teórico, os deslocamentos acontecem na medida em que é possível entender as construções discursivas de verdades sobre os processos sociais, econômicos e culturais no seio dessa sociedade enredada em discursos homogêneos focalizando distintos povos e grupos sociais, sendo possível questionar: o que é a verdade?
Por outro lado, no campo metodológico, provoca verdades outras no modo de olhar/perceber o outro, bem como pesquisar com esse outro. Em tempo de pós-modernidade é válido “desconfiar das bases às quais se assentam as promessas e as esperanças nas quais ensinam a acreditar” (Veiga-Neto, 1996, p. 23).
Na trajetória desses deslocamentos e ressignificações, “as posições que assumimos e com as quais nos identificamos constituem nossas identidades” (Woodward, 2000, p. 55). Essas identidades, assumidas a partir do campo teórico e metodológico para produzir esse trabalho, compõem e (re)compõem também nossa subjetividade enquanto pesquisador, estudante, professor, na compreensão de que seja possível entender o nosso lugar como algo capaz de prover ferramentas a fim de pensar a pesquisa que apresentamos. Para isso, a leitura de três campos conceituais colaborou para problematizar e ressignificar esse entendimento, sendo eles: os Estudos Culturais; Grupo Modernidade/Colonialidade e a Teoria Pós-Colonial.
As leituras que compõem cada campo conceitual são amplas e, por isso, vale citar alguns teóricos que aparecem com mais recorrência na produção da tese. Tratando dos Estudos Culturais, o diálogo é realizado com Hall (2003, 2011, 2012). No campo do Grupo Modernidade/Colonialidade, as discussões ecoam com vários autores/as latino-americanos/as, podendo citar Castro-Gomez (2005), Dussel (1993), Escobar (2003), Quijano (2002, 2005) e Walsh (2007). Também pensando a partir da Teoria Pós-Colonial, temos os escritos de Bhabha (1990, 2014), Fanon (2008), Spivak (2010), que colaboram com a questão teórica e metodológica.
Alves (2017, p. 27-28), quando trata desses três campos conceituais, escreve que esse trio “tem o cuidado de perceber a tradição - a tradição pode ser traduzida, pode negociar, pode não negociar”. Ainda conforme essa autora, esse processo depende “de como as culturas se apropriam dos espaços sociais e como os sujeitos elementos constituídos pela cultura e, ao mesmo tempo, capazes de criar, de ressignificar a cultura, vão ser produzidos, dinamicizados e saturizados”.
Quando voltamos o olhar aos povos historicamente subalternizados, como o povo Tupari de Rondônia, sobretudo alinhado com os saberes produzidos nesses espaços indígenas, com a leitura de Spivak (2010), é possível compreender que tem havido historicamente um processo de inferiorização de saberes outros quando comparados aos colonizadores. Tal processo colaborou para a sistematização de um conhecimento único bem como a desqualificação de outros saberes que fugiam de uma linha traçada e delimitada.
A possibilidade então de perceber as estruturas da colonialidade do poder1 emerge na urgência de questionar as matrizes teóricas coloniais, bem como (re)pensar nosso posicionamento enquanto pesquisador constituído nessa sociedade colonizada e produzido por discursos no intuito de subjugar e inferiorizar o outro que foge aos padrões culturais, políticos, religiosos, enfim, sobre os padrões instituídos nas relações de poder entre sujeitos colonizadores e colonizados. Principalmente, de problematizar as infiltrações de saberes em outras sociedades constituídas por processos epistemológicos/culturais/sociais distintos do que nos produziu enquanto pesquisador.
As percepções desses campos conceituais sobre a produção do sujeito subalterno2 a partir de narrativas construídas dentro de uma lógica epistemológica, política e social instituídas pelos modos de produção de conhecimento eurocêntrico, são aproximações que nos direcionam na escrita deste artigo. E, com elas, é realizado um esforço de desconstrução sobre nossas próprias identidades e discursos, forjados e moldados por meio de uma visão (EURO/USA) centrada (Walsh, 2007).
Partindo dessa discussão, a seguir situamos o espaço geográfico bem como os sujeitos que colaboram para a pesquisa. Adiante, de forma teórica e metodológica, apresentamos os caminhos da pesquisa, dialogando com a etnografia, entrevistas, diário de campo, observação e registro fotográfico. Esses procedimentos de pesquisa bem como suas ressignificações colaboraram para desviar dos caminhos fragmentados de se ver, perceber e fazer pesquisa em contexto indígena.
Situando o espaço geográfico e os sujeitos da pesquisa
A pesquisa foi realizada na Terra Indígena Rio Branco, homologada pelo Decreto n. 93.074, de 06 de agosto de 1986, com o povo Tupari. Atualmente, essa terra indígena conta com 34 aldeias, sendo uma fora da área do Rio Branco, mas dentro de outra terra indígena (T.I.), no caso a Massacro. As aldeias estão divididas entre as terrestres e as fluviais3. Havia no ano de 2014, de acordo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), uma população estimada de 607 habitantes. Para a produção da pesquisa, foi necessário circular por algumas aldeias, concentrando a produção de dados em três, em função de ali residir uma maioria4 Tupari, sendo a Aldeia Colorado, Nova Esperança e Serrinha. A pesquisa contou com a participação de 11 entrevistados, entre eles, três professores.
Os Tupari, moradores da T.I. Rio Branco, residem e se localizam no oeste do Estado de Rondônia, no afluente do rio Guaporé, próximo da divisa Boliviana. Sua terra fica entre três municípios: Alta Floresta D’Oeste, São Miguel do Guaporé e São Francisco do Guaporé. O caminho mais acessível para chegar à T.I. Rio Branco é saindo da cidade de Alta Floresta D’Oeste, distante 528 Km de Porto Velho, capital de Rondônia, e 154 Km de Ji-Paraná. De Alta Floresta D’Oeste, para chegar a T.I. Rio Branco, é preciso percorrer o trecho de 100 km de estrada sem qualquer asfalto, composta de curvas, subidas e descidas.
Os Tupari são falantes de uma língua do tronco Tupi, pertencente à família linguística Tupari, assim como os Makurap, Mequém, Ajuru, Akunsu e Kampé (Guaratira). As línguas do Tronco Tupi compreendem as famílias: Tupi-Guarani, Mondé, Tupari, Arikém Juruna, Mundurucu, Ramarama, Aweti, Mawé e Puruborá (Cabral; Rodrigues, 2007).
A terra Indígena Rio Branco é constituída pelas seguintes aldeias, conforme o quadro a seguir:

Os Tupari atualmente habitam duas terras indígenas, sendo a T.I. Rio Branco e T.I. Rio Guaporé5 em função dos deslocamentos abusivos realizados pelos seringueiros e pelo próprio Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Vale ressaltar que, por questões históricas, várias etnias residem nessa T.I. ao tempo que aconteceu laços matrimoniais entre os povos até mesmo de indígenas com não indígenas. No entanto, para esta pesquisa, tivemos o cuidado de trabalhar apenas com os Tupari.
Os caminhos teóricos e metodológicos: etnografia
A pesquisa em tela vem sendo construída com inspiração na Etnografia embasada por uma perspectiva com prefixo “pós” que se distancia da etnografia clássica. O que distancia a etnografia clássica da etnografia numa roupagem de cunho pós está, justamente, em não poder prever aquilo que será encontrado no contexto da pesquisa, tampouco estabelecer os procedimentos metodológicos de forma concisa, fixa, imóvel.
Isso não significa afirmar que o pesquisador não deva ir a campo minimamente sem uma concepção teórico/metodológica formada, uma vez retratar fragmentos de uma cultura que não é a nossa demanda de um certo rigor metodológico/teórico. E isso é importante principalmente para não cair em armadilhas no sentido de produzir pesquisas fixas, como escrevem Santos e Alves (2017).
Os campos teóricos de vertentes Pós iniciaram discussões sobre o uso da etnografia como uma possibilidade de se fazer pesquisa levando em consideração as diferentes culturas e seus modos de organização, buscando não estabelecer discursos binários sobre esses contextos e as diferenças que os produziam. Assim, as práticas de pesquisas desenvolvidas em educação “construíram-se a partir de um conjunto de ressignificações conceituais que impelem repensar a partir destas teorias, a cultura e o próprio significado de representação no interior das práticas culturais” (Scaramuzza, 2015, p. 102).
Pensando nos significados de representação e nos processos de articulação e ressignificação do uso da etnografia clássica, os estudos de caráter Pós, problematizam questões relativas à subjetividade dos sujeitos, de suas culturas, diferenças, significações, identidades e vem percebendo (ainda caminhando) que “o sujeito deixa de ser pensado como uma entidade prévia ao discurso, para ser tratado como o próprio efeito da discursividade ou da atividade interpretativa” (Klein; Damico, 2012, p. 67).
Tal perspectiva etnográfica permite problematizar os olhares embaraçados que constitui a partir da produção dos dados empíricos e, ao mesmo tempo, desnaturalizá-los (Klein; Damico, 2012).
A teoria Pós evidencia a necessidade e a preocupação em problematizar os discursos produzidos nos cânones euro/usa-centrados, dos quais, pelo olhar etnográfico, vem tendo como lócus de enunciação sujeitos representados em modelos oficializados pela academia, sem a mínima possibilidade de entender o outro como produtor de conhecimento; como escreve Mignolo (1996), é lutar por um deslocamento do lócus de enunciação, do Primeiro para o Terceiro Mundo. É também sair da condição de subalternidade e silêncio para o lugar de posicionamento cultural. O que devemos fazer agora “é propor uma nova agenda etnográfica que recupere explicitamente sua crítica à nossa posição de periferia do Ocidente” (Carvalho, 2001, p. 12).
Essa nova agenda etnográfica deve estar marcada pela afirmação de que somos sujeitos marcados e produzidos por discursos enredados nas relações de poder. Também é elencar conceitos presentes em nossas subjetividades, como por exemplo: Hibridismo, Identidade, Diferença, Linguagem, Cultura, Representação, entre outros que representam a condição pós-colonial e pós-moderna.
Nesse caminhar metodológico dentro do campo da Etnografia, uma possibilidade de se fazer Etnografia, a partir do movimento pós-crítico, é denominada de Etnografia Pós-Moderna, baseado em Klein e Damico (2012). E é por meio dela que a produção da pesquisa foi pensada. O uso da Etnografia Pós-Moderna de Klein e Damico (2012, p. 65), a princípio, se faz necessário por entender que “a incorporação do método etnográfico vincula-se à escolha do referencial teórico, à formulação do problema e das questões de estudo, da escolha dos procedimentos e da produção dos dados empíricos, mas, principalmente, da inserção e da realização das análises”.
Scaramuzza (2015, p. 100) comenta que a etnografia pós-moderna “tem sido usada em educação como uma metodologia capaz de produzir dados que permitem compreender práticas culturais, incluindo comportamentos, sentidos e lógicas diversas que estruturam e dão sentido ao mundo social”.
A etnografia pós-moderna tem produzido importantes questionamentos a respeito da constituição da verdade, tensionando o conceito de cultura e representação, problematizando a ideia de realidade e atribuindo à suposta realidade, um caráter de discursividade que não se desprende do tempo histórico de sua produção. Nessa forma de pesquisar, “o sujeito deixa de ser pensado como uma entidade prévia ao discurso, para ser tratado como o próprio efeito da discursividade ou da atividade interpretativa” (Klein; Damico, 2012, p. 67).
Ao lançar mão dessa perspectiva teórica, a ideia é de que seja possível exercitar o borramento de fronteiras epistemológicas e metodológicas permitindo o deslocamento no campo da linguagem, da representação e das produções discursivas postas no cenário dos indígenas Tupari. Para isso, entendemos que o pesquisador deve se comportar como um intelectual pós-colonial, concordando com Spivak (2010) quando relata que a tarefa deste deva ser de criar espaços e meios para que o outro possa falar, ser ouvido.
Não se pode falar pelo outro, ou subalterno, como Spivak (2010) utiliza o termo, mas é possível criar mecanismo no sentido de efetivar ações contra a subalternidade e possibilitar espaços de articulação de ideias. Nesse sentido, somos nós também subalternos, evocando outras versões contra-hegemônicas na tentativa de indicar ações contra o discurso euro/usa-centrado, concordando com Klein e Damico (2012, p. 81) quando escrevem que o “etnógrafo/a também é modificado/a por ela, de maneira que cada versão do outro é também uma construção do eu”.
O grande desafio da pesquisa é buscar os “entre-lugares” (Bhabha, 2014) que permeiam o espaço do pesquisar, sendo para isso necessário ressignificar as condutas de pesquisas centradas num entendimento de neutralidade e também desconstruir os falsos binarismos produzidos e promovidos pela lógica disciplinar.
Buscamos perceber quem é esse outro, o que produziu e o que produz esse sujeito, uma vez que “toda nossa conduta e todas as nossas ações são moldadas, influenciadas e, dessa forma, reguladas normativamente pelos significados culturais” (Hall, 2003, p. 41). Nesse entendimento, o processo de pesquisar e, principalmente, de pesquisar com os povos indígenas, perpassa por novas demandas acadêmicas no sentido de estar continuamente em processo de vigilância epistemológica e também sobre uma autovigilância quando necessário compreender outros saberes.
Os caminhos teóricos e metodológicos: entrevistas, diário de campo, observação e registro fotográfico
Convém apontar sobre os procedimentos que constituem o itinerário de produção desta pesquisa. Para isso, cabe agora discorrer sobre esses procedimentos que são: entrevistas, diário de campo, observação e registro fotográfico.
A entrevista atua como um excelente suporte para a produção de dados. Ela nos “fornece os dados básicos para o desenvolvimento e compreensão detalhada entre atores sociais e sua situação” (Gaskell, 2013, p. 64). Ainda conforme esses autores “o objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações, em relação ao comportamento das pessoas em contextos sociais específicos” (Gaskell, 2013, p. 64).
A prática de entrevista é amplamente difundida nos estudos qualitativos e, como tal, “a escolha de uma prática de pesquisa, entre outras, diz respeito ao modo como fomos e estamos subjetivados, como entramos no jogo de saberes e como nos relacionamos com o poder” (Corazza, 2007, p. 121). Nesse entendimento, “produzir, fabricar, inventar, criar sentidos novos, inéditos [...], aguçar os sentidos para ver, sentir, escutar, falar e escrever de modo distinto” (Paraíso, 2012, p. 40) são atravessamentos possíveis que nos produzem enquanto sujeito pesquisador.
A concepção de Silveira (2007) sobre as entrevistas é importante para a pesquisa quando as entende como evento discursivo. Dessa forma, “olhar as entrevistas como eventos discursivos complexos, forjados não só pela dupla entrevistador/entrevistado, mas também pelas imagens, representações, expectativas que circulam - de parte a parte - no momento e situação de realização das mesmas e, posteriormente, de sua escuta e análise” (Silveira, 2007, p. 118).
Esses eventos discursivos são importantes na medida em que afetam e inserem possibilidades discursivas que produzem ações antibinárias/fixas/heterogêneas. Ao utilizar o conceito de entrevista no campo Pós, admitimos a possibilidade de deslocamentos bem como de ressignificações, problematizando “o sujeito racional, as causas universais, as metanarrativas, a linearidade histórica, a noção de progresso, a visão realista de conhecimento” (Paraíso, 2012, p. 26), entendendo principalmente como escreve Silveira (2007, p. 126), traz modificações, deslocamentos, negações, e o entrevistador pode se tornar cúmplice, “mas o enquadramento inicial do que ‘vai acontecer’ é imprescindível”.
Partindo de tal entendimento, a validade das entrevistas nas pesquisas qualitativas, principalmente com os Tupari, adotamos um formato de entrevista bem específica, sendo esta a entrevista narrativa ressignificada, com base nos escritos de Andrade (2012). Para essa autora, esse processo metodológico é a própria compreensão de si, uma vez que elas permitem “a compreensão de que cada pesquisador/a, na relação com o/a outro/a, ressignifica o fazer metodológico em sua trajetória pessoal de investigação” (Andrade, 2012, p. 174).
Para a autora, esse tipo de entrevista permite ao sujeito participante da pesquisa narrar fatos, situações e acontecimentos que os tocaram, que têm e fazem sentido para os entrevistados.
Nesse sentido, por meio das narrativas capturadas em função da entrevista, “é possível reconstruir as significações que os sujeitos atribuem” (Andrade, 2012, p. 174) ao passado, às suas experiências de vida, nesse caso, da docência, do processo de escolarização, entre tantos outros ditos pelos professores e estudantes indígenas, pois, a partir dessas experiências narradas, os participantes “falam de si, reinventando o passado, ressignificando o presente e o vivido para narrar a si mesmos” (Andrade, 2012, p. 174).
Assim, a utilização das entrevistas narrativas ressignificadas colabora para que os pesquisadores/colaboradores indígenas possam narrar-se a partir das experiências vividas no âmbito de seus cotidianos, bem como nas relações estabelecidas durante o processo de escolarização, entre outras experiências formativas, uma vez que essas “experiências constituem-nos e são produzidas e mediadas no interior de determinados espaços como a escola ou os espaços que remete às experimentações nela conhecidas” (Andrade, 2012, p. 175).
Além disso, possibilitam polissemias, ou seja, “não permitem uma ou outra verdade sobre as coisas e os fatos, mas pode-se considerá-las como a instância central que, somada a outras, traz informações fundamentais acerca do vivido e possibilita uma interpretação” (Andrade, 2012, p. 175) do sujeito que, ao narrar-se, possibilita ao outro da escuta, “visibilizar as coisas ditas e não ditas, mas que se encontram implícitas em tais narrativas” (Andrade, 2012, p. 178).
Desse modo, as “narrativas não constituem o passado em si, mas sim, aquilo que os/as pesquisadores/colaboradores indígenas continuamente (re) constroem desse passado, como sujeitos dos discursos que lhes permitem significar suas trajetórias" (Andrade, 2012, p. 176) de vida pessoal e profissional. E ainda, “essa perspectiva exige, enfim, que se dê conta de uma exploração minuciosa dos textos das narrativas, buscando visibilizar as coisas ditas e não ditas, mas que se encontram implícitas em tais narrativas” (Andrade, 2012, p. 179).
Assim, é necessário reconhecer nossa posição enquanto sujeito pesquisador e entender que todas as ações interferem nas posições dos entrevistados, sendo possível afirmar que, em todo esse processo, há jogos de poder entre quem pesquisa e quem é pesquisado. Por isso, é válido estar sempre numa posição cambiante para não fixar e traçar outro contexto às narrativas dos entrevistados.
Outro procedimento metodológico que caminhou na pesquisa de campo foi o diário de campo, ou “notas de campo”, conforme Bogdan e Biklen (1991). Para esses autores, “o relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e reflectindo sobre os dados de um estudo qualitativo” (Bogdan; Biklen, 1991, p. 149). Os autores seguem comentando que sua validade se dá na medida em que, em uma entrevista, o “gravador não capta a visão, os cheiros, as impressões e os comentários extras, ditos antes e depois da entrevista” (Bogdan; Biklen, 1991, p. 150).
As notas de campo fizeram parte do cotidiano na pesquisa com os Tupari de Rondônia. O caderno de campo, de capa dura, na cor preta, com 96 folhas, foi se constituindo nesta pesquisa um importantíssimo recurso na produção dos dados, não apenas para relembrar fatos que aconteceram durante a estadia nas aldeias, mas também se constituiu numa fonte fundamental para perceber os (des)caminhos enquanto pesquisadores e sujeitos subjetivos que, naquele momento, estavam/vivenciavam em outra cultura, com outras lógicas de se fazer e pensar os conceitos matemáticos.
Importante também foi perceber que, em alguns momentos da pesquisa de campo, ao estar transcrevendo, mesmo já tendo contato com os povos indígenas desde 2009, ainda é possível perceber as marcas de algumas concepções modernas. Constituídos por uma teoria de desconstrução, fomos percebendo algumas conclusões prévias que, naquele momento, não nos faziam pesquisadores/sujeitos Pós. Ou seja, com isso reiteramos a necessidade e atenção que deve ser dada ao fazer pesquisa com distintos grupos étnicos, no intuito de não essencializar e até mesmo de marginalizar esses povos.
O caderno de campo não acompanhava as caminhadas pela aldeia. O procedimento de escrita deveria ser durante o período noturno, antes de dormir, e nos períodos iniciais da manhã. Majoritariamente a escrita dos acontecimentos sentidos/percebidos no contexto da aldeia aconteceu no período matutino, uma vez que, em uma das três aldeias, a energia elétrica, a qual era fornecida por motor movido a diesel, funcionava apenas duas horas por dia.
Tomado esse entendimento, o diário ajudou a compreender as dinâmicas do poder frente às matemáticas no contexto do Tupari. Nesse caminho, de construção e desconstrução, Louro (2007, p. 240) escreve que “conhecer, pesquisar e escrever nessa ótica significa resistir à pretensão de operar com ‘a verdade’”. Mais que isso, “implica entender que qualquer verdade ou certeza (incluindo, obviamente, as nossas) está ancorada no que é possível conhecer num dado momento, portanto é provisória, situada” (Louro, 2007, p. 241). Assim, esboçar uma descrição nesse formato no processo de produção pesquisa, “é extremamente importante em nossos modos de pesquisar, porque é por meio dela que estabelecemos relações dos textos, dos discursos, dos enunciados em suas múltiplas ramificações” (Paraíso, 2012, p. 39-40).
Utilizando a expressão “arena de significados” de Silveira (2007) quando ela escreve sobre a entrevista na pesquisa em educação, entendemos que o diário de campo também pode ser visto nessa perspectiva, o qual possibilita re-inventar o papel de pesquisador, bem como idealizar outras ações frente ao contexto do qual estamos produzindo dados. O diário de campo ou “notas de campo”, conforme apontam Bogdan e Biklen (1991, p. 149), colabora não só numa importante ferramenta de descrição para a produção de dados, mas também para possibilitar arranjos e desarranjos que marcam a não neutralidade do pesquisar.
Além da escrita, o diário de campo nesta pesquisa se constituiu por meio dos recursos visuais, caso da fotografia. A fotografia serviu como constituição e re-constituição no intuito de perceber os acontecimentos que permeiam o pesquisar, e possibilita nesse sentido visualizar outras nuances no contexto do campo empírico. Quanto a isso, a fotografia funcionou a partir de duas perspectivas, sendo uma para exposição das experiências vivenciadas junto ao povo Tupari, e outra própria para a produção de dados. Para exposição, é possível entender aquelas imagens que funcionam enquanto possibilidade de situar o leitor em situações experienciadas.
Para análise, que também serve como exposição, ela é permeada por sentidos mais profundos a fim de perceber as variantes que atravessam a pesquisa e como afetam o sentido da pesquisa. De acordo com Sato (2009, p. 223), “a máquina fotográfica e as imagens fixadas por ela foram mediações importantes que permitiram conceber a pesquisa como um processo de construção de visibilidades”. Tais visibilidades nesta pesquisa ocorrem pelas experiências de estar com o outro e pela possibilidade de compartilhar seus saberes/fazeres construídos e socializados no contexto social.
Impressões finais
Pesquisar com os povos indígenas ou com outro grupo específico requer do pesquisador/pesquisadora certa atenção e sensibilidade para entender a sua cultura bem como os seus saberes e cosmologia produzidos historicamente, principalmente entender que os conhecimentos/saberes são plurais e que o conceito de conhecimento único disseminado na academia é algo produzido pela modernidade.
Nesse sentido, como diz Mato (2009, p. 77), “é preciso evitar nossas ideias do que é ‘uma certa cultura’ [...] sendo preciso evitar partir de uma ideia pré-concebida de cultura, como ‘artefato’, como ‘coisa’ ou conjunto de coisas”. Ainda conforme o autor, é possível perceber que, pesquisando nesse conceito pré-concebido, teremos como resultado a descoberta de uma realidade que já está consolidada nos campos teóricos, e daí conferir cultura como objeto é um perigo (Mato, 2009).
Pensando nisso, é necessário que nós, pesquisadores, estejamos diariamente na busca de descolonizar nossos corpos e principalmente nosso olhar e ouvido, que são produzidos em um contexto moderno (EURO/USA) cêntrico (Walsh, 2007). Tal necessidade é importante para não produzir fetiches e folclores acerca da cultura do outro, frente a sua diferença.
Por meio desse entendimento, é possível concordar com Backes e Nascimento (2011, p. 8) quando reiteram que escutar o outro sem pretensão de compreendê-lo “é crucial, pois a compreensão, se não vier acompanhada do reconhecimento de que há coisas incompreensíveis, resultará no retorno da mesmidade e da asfixia da diferença”.
Como em qualquer pesquisa, o campo empírico pode expor a nós pesquisadores outras formas de perceber e até mesmo de ressignificar nosso objetivo inicial. Nesta pesquisa não foi diferente, uma vez que o cotidiano e a vivência com esse grupo foram delineando outros caminhos, outras possibilidades. Durante a estadia, buscamos não contribuir com mesmidade, algo oneroso de ser cumprido. Porém, entendendo a necessidade de não asfixiar a diferença como bem escrevem Backes e Nascimento (2011), nos lançamos a descolonização de nós mesmos e a construção de outros caminhos bricolados. No primeiro momento, entendíamos que apenas observar e entrevistar seria ideal para pesquisa, sendo suficientes para produzir dados e posteriormente as análises. Mas percebemos, no cotidiano da pesquisa, que essas ideias não seriam suficientes para minimamente compreendermos as circulações e articulações das matemáticas no contexto Tupari.
Era preciso experienciar com eles as matemáticas que circulam e se articulam, participando da pesca, da colheita para a produção da chicha, da própria produção da chicha, festa de aniversário, almoço, derrubadas de árvores para construção de uma casa, entre outros. De uma forma geral, foi necessário vivenciar e experienciar a pesquisa.
Essas questões possibilitam ao sujeito pesquisador(a) novas fontes metodológicas e novos olhares sobre o pesquisar com grupos sociais que destoam de nossa concepção moderna de ser, ou seja, padronizados e homogêneos. Participamos cotidianamente de espaços cambiantes e hibridizados. As normas vazam e, por si só, a homogeneidade desliza para caminhos heterogêneos. Os cenários de resistências e de subversão são retratos das lutas e dos embates em diferentes aspectos: sociais, culturais, econômicos, na questão do gênero e sexualidade, enfim, de várias demandas que compõe nosso tempo. Nesse sentido, quando tratamos de outros olhares, compreendemos que pesquisar, além de ser um ato político, deva ser um ato ético, de respeito às diferenças, de olhar o outro sem a intenção de marginalizar. É necessário estar alinhado com teorias que descortinam os encobrimentos coloniais.
Assim, a relação de experiência e vivência com os sujeitos pesquisados no contexto da produção de dados observado com olhares pós-colonial, colabora com um cenário que rasura os modelos tradicionais de fazer pesquisa e produzir dados bem como promove outras possibilidades de perceber o contexto pesquisado.
Referências
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Notas