Dossiê
Febre amarela e epidemias: configurações do problema ao longo do tempo
Yellow fever and epidemics: settings of the problem throughout time
Fiebre amarilla y epidemias: configuraciones históricas del problema
Febre amarela e epidemias: configurações do problema ao longo do tempo
Revista NUPEM (Online), vol. 13, núm. 29, pp. 36-71, 2021
Universidade Estadual do Paraná
Recepción: 10 Noviembre 2020
Aprobación: 02 Febrero 2021
Resumo: O artigo examina a história das ideias sobre a febre amarela e o modo de combatê-la. Teorias miasmáticas, depois teorias microbianas concorrentes foram postas abaixo na virada do século XIX para o XX, quando prevaleceu aquela que norteou as campanhas de Oswaldo Cruz e outros sanitaristas. A febre amarela passou a ser vista como doença transmitida por uma única espécie de mosquito, com agente causal desconhe-cido, um único hospedeiro vertebrado (homem), grassando sobretudo nas cidades portuárias populosas das zonas quentes do planeta. Combatê-la havia significado alterar o ambiente que produzia os miasmas, depois neutralizar a suposta bactéria por meio de vacinas, desinfecções e do isolamento dos doentes; agora significava combater um mosquito nas cidades litorâneas da América e da costa ocidental da África. Na virada dos anos 1920 para os 1930, nova reviravolta: a febre amarela transformou-se em doença primaria-mente silvestre, causada por um vírus, tendo vários hospedeiros vertebrados e insetos vetores.
Palavras-chave: História da febre amarela, Teorias científicas, Políticas de saúde pública e febre amarela, Epidemias de febre amarela.
Abstract: This article reviews the history of ideas regarding yellow fever and the ways to combat the disease. Miasmatic theories, then competing germ theories were overthrown at the turn from the 19th to the 20th century when prevailed the theory that guided the campaigns led by Oswaldo Cruz and other public health authorities. Yellow fever came to be seen as a disease transmitted by a single mosquito species, with no known etiological agent, only one vertebrate host (man), occurring mainly in populous port cities in the hot zones of the planet. Fighting yellow fever had meant changing the environment that produced miasmas, then neutralizing the supposed bacteria through vaccines, disinfections and patient isolation; now it meant fighting a mosquito in large coastal cities of America and West Africa. At the turn from the 1920s to the 1930s, a new turnaround: yellow fever became a primarily sylvatic disease, caused by a virus, with many vertebrate hosts and insect vectors.
Keywords: History of yellow fever, Scientific theories, Public health policies and yellow fever, Yellow fever epidemics.
Resumen: Este artículo examina la historia de las ideas sobre la fiebre amarilla y cómo combatirla. Las teorías miasmáticas, y luego teorías microbianas competidoras fueron derribadas a fines del siglo XIX al XX, cuando prevaleció la teoría que guió las campañas de Oswaldo Cruz y otros sanitaristas. La fiebre amarilla pasó a ser vista como enfermedad transmitida por una sola especie de mosquito, con un agente causal desconocido, un único hospedero vertebrado (el hombre), propagándose principalmente en populosas ciudades portuarias de las zonas cálidas del planeta. Combatirla había significado alterar el ambiente que producía miasmas, luego neutralizar las supuestas bacterias mediante vacunas, desinfecciones y aislamiento de pacientes; ahora significaba luchar contra un mosquito en las grandes ciudades costeras de América y la costa occidental de África. Entre los años veinte y treinta, otro giro: la fiebre amarilla se convirtió en una enfermedad principalmente silvestre, causada por un virus, con varios hospederos vertebrados e insectos vectores.
Palabras clave: Historia de la fiebre amarilla, Teorías científicas, Políticas de salud pública y fiebre amarilla, Epidemias de fiebre amarilla.
Introdução
A febre amarela volta e meia irrompe nos noticiários e provoca grande insegurança por causa de sua letalidade, do descalabro político e sanitário em que vive o país e também por reativar imagens que provêm das epidemias terríveis que grassaram no passado.
As primeiras irromperam nas Antilhas no começo da colonização europeia, quando foram desmatadas para a instalação de canaviais e engenhos de açúcar (Mcneill, 2010). Hoje sabemos que a doença africana migrou para as Américas em consequência dessas transformações socioeconômicas e ambientais e da importação - junto com o tráfico de escravos - do mosquito que era um dos transmissores do vírus na África, o Aedes aegypti.
Análises históricas retrospectivas mostraram que, em 1685, a febre amarela fustigou Pernambuco e Bahia. João Ferreira da Rosa escreveu a esse respeito um dos primeiros documentos da medicina colonial lusa1, mas foi no século XIX que a febre amarela tornou-se o grande flagelo do continente americano, dando a duas cidades - Havana e Rio de Janeiro - a fama de verdadeiros “vulcões infecciosos” (Jorge, 1930). Um século depois, a doença urbana foi controlada, mas o vírus nunca deixou de circular por seus hospedeiros animais - os macacos e mosquitos das matas, onde os homens também se infectam. Essa febre amarela silvestre com frequência bate às portas de cidades populosas infestadas pelo Aedes aegypti, mas faz tempo que deixou de grassar nesses ambientes. Foram eles colonizados nos anos 1980 pela dengue e depois pela chikungunya e zika, doenças transmitidas pelo mesmo inseto vetor.
Dos miasmas e micróbios aos mosquitos
A febre amarela transformou-se em calamidade crônica para nós depois que irromperam grandes epidemias no Rio de Janeiro, em Salvador e outras cidades litorâneas no verão de 1849-1850. A capital do império regurgitava de africanos recém-importados pelo tráfico negreiro já posto na clandestinidade. A doença chegou a ser encarada como conspiração dos negros, que adoeciam em número muito menor, fato só mais tarde relacionado a sua origem africana. Segundo estimativas do dr. José Pereira Rego (1851), atingiu 90.658 dos 266 mil habitantes do Rio de Janeiro, causando 4.160 óbitos. Houve quem falasse em até 15 mil mortes (Chalhoub, 1996). Para os escravocratas carolas daquela cidade, a febre amarela era um malefício de escravos ansiosos por se rebelar ou uma manifestação da ira divina, a ser aplacada com rezas e procissões2.
Aquela crise sanitária forçou o governo imperial a criar os primeiros órgãos de Estado para cuidar da saúde pública (Pimenta, 2004), mas isso não impediu que as epidemias passassem a “dar” todo verão nas cidades portuárias. Os médicos e demais categorias sociais que se ocupavam da higiene pública situavam as causas dessa e de outras doenças infecciosas, de um lado, na constituição dos indivíduos, de outro, no meio ambiente, tanto a ‘natureza’ daquelas latitudes tórridas, supostamente hostis à aclimatação3 do europeu, como o ambiente urbano. O ‘vírus’ da doença (termo que na época designava o ‘veneno’ que a causava), fosse qual fosse, pairava na atmosfera. Tinha relação com os pântanos e matérias orgânicas em putrefação que exalavam mortíferos miasmas, com os morros que impediam a circulação de ventos purificadores, com os cortiços e outras habitações coletivas onde se aglomeravam os pobres e muitos outros aspectos da vida urbana. Enfrentar a febre amarela significava aterrar pântanos, proibir sepultamentos sob o chão das igrejas, demolir habitações populares, expulsar para a periferia seus moradores assim como os cemitérios, matadouros e outros equipamentos urbanos4.
Havia epidemia quase todo verão, e no de 1879-1880 um componente novo passou a figurar nos quadros explicativos da insalubridade urbana, bagunçando-o por completo: o micróbio.
No último quarto do século XIX, na França, Alemanha e em outros países, Louis Pasteur, Robert Koch e outros exploradores do mundo microbiano produziram teorias relativas ao papel de microrganismos como agentes específicos de processos fermentativos e patogênicos, e desenvolveram técnicas para inibir sua ação ou, em alguns casos, converter esses mesmos microrganismos em imunizantes. Multiplicaram-se as práticas, os artefatos e produtos antimicrobianos com aplicação na cirurgia, na indústria, na saúde pública, na construção civis e na vida cotidiana. No decurso desse processo, no Brasil e em outros países, vários fungos e bactérias foram incriminados como causadores da febre amarela e às vezes usados na preparação de vacinas para prevenir ou até curar a doença. A esses vegetais microscópicos atribuíam-se propriedades que permitiam explicar duas características marcantes da febre amarela: só dava em certas épocas do ano e em certas regiões do globo, caracterizadas por muito calor e umidade. Como a flora dos trópicos, o suposto micróbio sofria uma transformação no meio exterior, e lá germinava antes de infeccionar os homens (Benchimol, 1999).
A década de 1890 foi convulsionada pelo fim da escravidão, a enxurrada imigratória e as turbulências políticas e econômicas subsequentes à proclamação da República. A febre amarela alastrou-se por diversas cidades do interior, reforçando o partido dos que a julgavam contagiosa: seu germe, supunham, aderia aos mais variados objetos e viajava longas distâncias em navios e trens. Os que viam desse modo a doença atribuíram a morte por febre amarela do presidente da província do Ceará, Antonio Caio da Silva Prado, em 25 de maio de 1889, ao fato de ter ele manuseado cartas e jornais de Campinas, onde grassava uma epidemia (Lacerda, 1900; Santos Filho; Novaes, 1996). Para uma corrente de opinião, a insalubridade do Rio de Janeiro devia-se ao pântano que existia debaixo da cidade, repleto de matéria orgânica em putrefação. Quando exposto às oscilações do lençol d’água subterrâneo, durante os verões chuvosos, ativavam-se os germes aí depositados e eclodiam as epidemias. No verão de 1892-1893, chegou a ser perfurado um poço no centro do Rio de Janeiro com possante máquina a vapor para extrair as águas subterrâneas e lançá-las ao mar (Benchimol, 1999). “Enxugar o solo!” - escreveu então o doutor José Lourenço (1891, p. 105-106) - “Tudo o mais é ilusório [...] e, por mais que se faça, esta cidade continuará insalubre, como até aqui, errando-se o alvo”5.
As controvérsias sobre o alvo esquentaram quando houve um deslocamento radical na abordagem da febre amarela, que levou nova geração de médicos ao comando da saúde pública, sob a liderança de Oswaldo Cruz.
Pasteur e seus seguidores deram a princípio muita ênfase à presença dos microrganismos no ar, mas aos poucos se foi verificando que outros veículos eram relevantes na transmissão das doenças. Multiplicaram-se os fatos e as especulações sobre o papel de insetos, especialmente as moscas, que invadiram o imaginário das populações urbanas como fonte de perigo na atmosfera ainda enevoada pelos miasmas. Moscas foram encaixadas em certas teorias elaboradas para explicar a transformação do micróbio da febre amarela fora do organismo humano (Lacerda, 1900), pois, como disse, era preciso que ele cumprisse parte de seu ciclo vital no meio exterior antes de infeccionar os homens para se conseguir explicar porque a febre amarela só dava na estação mais quente e úmida do ano.
Mosquitos passaram a ter importância para a nova medicina que relacionava doenças a vermes, fungos e bactérias graças sobretudo às investigações de Patrick Manson. Estava em curso a partilha da África e a formação dos impérios coloniais modernos onde malária, doença do sono e outras patologias ameaçavam a sobrevivência de colonizadores e nativos. Em 1877, na China, Manson debruçou-se sobre um enigma que começara a ser decifrado dez anos antes na Bahia, por Otto Wücherer, integrante da chamada Escola Tropicalista Baiana (Coni, 1952; Edler, 2011). Wücherer atribuíra a elefantíase-dos-árabes (doença que viria a ser chamada filariose) a um verme microscópico encontrado na urina leitosa dos pacientes. Médicos britânicos na Índia e Austrália mostraram que essas formas embrionárias, encontradas também no sangue, eram rebentos do verme adulto que se alojava nos vasos linfáticos. Manson encontrou milhões de embriões da Filaria sanguinis hominis, hoje Wuchereria bancrofti, nos vasos de cães infectados. Se atingissem ali a forma adulta, deduziu o médico britânico, alcançariam peso superior ao do próprio hospedeiro. Morrendo este, morreriam os vermes e a espécie se extinguiria. Aquela anomalia só podia ser evitada admitindo-se que os embriões abandonassem o hospedeiro graças à intervenção de um animal sugador de sangue. Em 1879, Manson comprovou que as microfilárias invadiam a circulação periférica do doente ao cair da tarde e refluíam durante o dia, estando assim adaptadas aos hábitos noturnos do Culex fatigans (atual Culex quinquefasciatus, o pernilongo) (Delaporte, 1989; Busvine, 1993).
Essa investigação converteu-se num modelo para médicos que identificariam mosquitos e outros insetos não apenas como transmissores ‘mecânicos’ de microrganismos patogênicos, - transportando-os, por exemplo, das imundícies aos alimentos, como faziam as moscas -, mas como hospedeiros intermediários, isto é, corpos onde parasitas cumprem parte de seu ciclo de vida antes de infectarem homens e outros animais. Depois de ler Manson, Carlos Juan Finlay apresentou em 1881 à Real Academia de Ciencias Médicas, Físicas y Naturales de la Habana “El mosquito hipoteticamente considerado como agente de transmissión de la fiebre amarilla”. O médico cubano incriminava especificamente o Culex fasciatus, espécie mais abundante nas zonas de Cuba onde grassava a doença. Observou que as fêmeas faziam não uma, mas diversas refeições de sangue após a fecundação de maneira a manter a temperatura requerida para a maturação dos ovos, particularidade biológica que favorecia seu papel de transmissora da doença (Finlay, 2011). As incertezas com relação ao agente causal, que poderia ser uma bactéria, levaram Finlay a supor que as fêmeas do Culex fasciatus transportavam em seu aparelho sugador (sua probóscide) a matérias infectante da pessoa doente à saudável.
Para alguns historiadores, essa teoria teria permitido o controle da febre amarela caso dessem ouvidos a Finlay, mas isso não aconteceu por ser ele um cubano, menosprezado por seus pares europeus e norte-americanos, e por força de outros obstáculos externos. Stepan (1978) atribui o intervalo de vinte anos entre a proposição e a demonstração da teoria de Finlay a obstáculos sociais e políticos, como o desinteresse da metrópole espanhola pela ciência, a prolongada guerra de independência e a ocupação de Cuba pelos Estados Unidos, que viam com arrogância as ideias do médico nativo. Para Delaporte (1989), estavam em jogo ideias diferentes sobre o mosquito: para Finlay, era um meio mecânico de transmissão de uma bactéria; norte-americanos e britânicos, vinte anos depois, passaram a vê-lo como um hospedeiro intermediário num processo biológico mais complexo. Delaporte relaciona o intervalo de vinte anos à dinâmica da medicina tropical britânica, isto é, a filiações conceituais entre Finlay e o estudo de Patrick Manson sobre a transmissão da filariose; e entre a equipe de Walter Reed e o trabalho de Ronald Ross sobre o modo de transmissão da malária6.
De fato, a época em que viveu Finlay foi muito conflagrada. Cuba era colônia da Espanha. Uma insurreição pela independência que durou dez anos (1868-1878) recomeçou em 1895. A Espanha recusou a mediação dos Estados Unidos e ocorreu, então, a misteriosa explosão do navio de guerra “Maine”, no porto de Havana, que forneceu o pretexto à intervenção militar norte-americana em fevereiro de 1898. Cuba ficou sob controle dos Estados Unidos até a promulgação da constituição de 12 de junho de 1901.
Uma comissão médica norte-americana acabara de comprovar a transmissão da febre amarela por mosquitos, mas durante os vinte anos desde a proposição desta teoria muita coisa aconteceu. Expliquemos isso.
Finlay fez dezenas de inoculações experimentais em que fêmeas do Culex alimentadas com sangue de doentes picavam indivíduos saudáveis tanto para comprovar sua teoria como para ‘vacinar’ essas pessoas (Finlay; Delgado, 1965 [1891]), o que nos remete a outra característica da febre amarela, reconhecida mas explicada ainda à luz do conceito de ‘aclimatação’: um acometimento, mesmo leve, tornava o indivíduo imune, como na varíola.
As experiências de Finlay não convenceram seus pares por diversas razões, entre elas as teorias que relacionavam a febre amarela a fungos e bactérias. Esse paradigma foi robustecido pelo italiano Giuseppe Sanarelli, bacteriologista de renome contratado para organizar o Instituto de Higiene Experimental de Montevidéu. Ele imediatamente mergulhou naquele tema candente de pesquisa e, em concorrida conferência na capital uruguaia, em junho de 1897, anunciou a descoberta do bacilo icteroide, o suposto causador da febre amarela7.
Os norte-americanos enfrentariam muita dificuldade para lidar com a doença na colônia arrebatada à Espanha. A mortalidade elevada levaria à substituição de soldados brancos por negros na equivocada suposição de que estes tinham imunidade inata à febre amarela. Não obstante fossem impostas medidas sanitárias consideradas as mais modernas, especialmente o isolamento de doentes, as desinfecções intensivas e as quarentenas, os casos não paravam de crescer na ilha recém-conquistada, o que representava uma afronta à imagem que os Estados Unidos queriam veicular, de potência superior (Stepan, 1978; Espinosa, 2009).
Foi nesse contexto que desembarcou em Cuba a delegação de bacteriologistas do exército chefiada por Walter Reed e integrada por James Carroll, Jesse William Lazear e Aristides Agramonte y Simoni. Seus trabalhos foram balizados a princípio pela preocupação em verificar se um bacilo era de fato o agente da febre amarela. As investigações foram bruscamente reorientadas para a teoria de Finlay após o encontro com médicos ingleses da recém-fundada Escola de Medicina Tropical de Liverpool - fato que tem relação com outro desdobramento da descoberta de Patrick Manson, referida atrás. Seguindo um programa de pesquisa proposto por ele, Ronald Ross desvendou em 1898 o ciclo do parasita da malária das aves no Culex. E no ano seguinte, três italianos - Giovanni Battista Grassi, Amico Bignami e Giuseppe Bastinelli - revelaram o do parasita da malária humana em mosquitos do gênero Anopheles. Esses feitos viabilizaram a criação na Inglaterra das escolas de medicina tropical de Liverpool e Londres.
Em junho de 1900, Herbert Durham e Walter Myers, da Escola de Liverpool, viajaram para a Amazônia brasileira para investigar a febre amarela e, no caminho, detiveram-se em Havana para ver o trabalho que lá fazia a “United States Yellow Fever Commision”. Levavam Durham e Myers a hipótese da transmissão da febre amarela por mosquitos, como na malária, e como havia proposto Finlay: “algum meio de transmissão envolvendo um hospedeiro intermediário [...] amante da cidade para essa doença que ama, também, a cidade é mais plausível do que se poderia supor” - escreveram os pesquisadores da Escola de Liverpool num artigo publicado em setembro de 1900 (Durham; Myers, 1900, p. 656-657)8.
Em agosto, logo após a passagem deles por Cuba, Jesse William Lazear - um dos membros da comissão Reed - iniciou experiências com mosquitos fornecidos por Finlay, enquanto James Carrol e Aristides Agramonte prosseguiam os estudos então prioritários sobre o suposto bacilo da febre amarela. Em setembro de 1900, Lazear faleceu em consequência de uma picada acidental. Às pressas, Walter Reed e seus colaboradores (1901) divulgaram uma nota preliminar e iniciaram experiências melhor controladas para provar que o Culex fasciatus era o hospedeiro do “parasita” da febre amarela; que o ar não transmitia a doença; e os fomites não eram contagiosos.
Em fevereiro de 1901, a comissão Reed apresentou seus resultados ao III Congresso Pan-Americano, em Havana; as brigadas sanitárias comandadas pelo major William Gorgas deram início à campanha contra o mosquito naquela cidade e um entomologista do Museu Britânico, Frederick Vincent Theobald, concluiu a redação do primeiro dos cinco volumes da monumental “A monograph of the Culiciidae or Mosquitoes” [Uma monografia sobre os culicídios ou mosquitos]9.
Estudos entomológicos e epidemiológicos sobre a febre amarela
Até o último quarto do século XIX, os mosquitos foram alvo apenas de curiosidade de naturalistas amadores ou de eruditos que trabalhavam em museus de história natural e em suas expedições científicas. As pragas em lavouras, pomares e jardins colocaram em evidência besouros, formigas, vespas, cigarrinhas e outros insetos bem diferentes daqueles que viriam a ter importância médica ou veterinária.
Para justificar a separação de várias espécies de mosquitos incluídos no gênero Culex de maneira a formar o novo gênero Stegomyia, Theobald, na obra pioneira referida acima, invocava suas características morfológicas, sua história de vida e também o fato de terem sido relacionados à febre amarela diversos Culex unificados numa nova espécie no âmbito do novo gênero: “O Stegomyia fasciata, Fabricius, é abundante sobretudo onde ocorre a febre amarela, escreve o dr. Lutz, que, no tocante às suas relações com aquela febre, chegou à mesma conclusão que a Comissão Americana em Cuba” - escreveu Theoblad (1901, p. viii).
De fato, em janeiro de 1901, as comissões sanitárias que atuavam em Sorocaba, Santos e Campinas incorporaram a sua rotina a supressão de águas estagnadas com larvas de mosquitos. E em opúsculo publicado então10, Adolpho Lutz, diretor do Instituto Bacteriológico de São Paulo, apresentou suas observações sobre duas “inquilinas” frequentes das habitações humanas: Culex taeniatus e Culex fatigans. A mais disseminada era esta última, de hábitos noturnos e já associada à transmissão da filariose, mas Lutz relacionou a febre amarela ao Culex taeniatus, mais sensível ao frio e com distribuição mais compatível com a da doença.
A nova espécie Stegomyia fasciata criada por Theobald e doravante relacionada à transmissão da febre amarela agregou o Culex fasciatus de Finlay e da Comissão Reed, o C. taeniatus de Lutz e quinze outras espécies referidas na literatura entomológica que caíram em sinonímia (Theobald, 1901). Na linguagem popular o inseto era chamado em inglês de Tiger Mosquito, em português de ‘mosquito rajado’ ou ‘carapanã-pinima’, em alusão ao rajado preto e branco. Embora fosse reconhecível por essa ornamentação torácica, havia considerável variação de cor e tamanho. Os dados recolhidos por Theobald nos quatro cantos do mundo mostravam que a espécie estava disseminada pelas regiões quentes do globo, entre 40o de latitude norte e 40o de latitude sul.
Os relatos históricos sobre a era Oswaldo Cruz enfatizam, como fato não muito problemático, a relação estabelecida entre esse mosquito e a febre amarela, mas se empregarmos a pequena angular para observar de perto o que aconteceu naquela virada de século obteremos um quadro parecido com o que se vive hoje em relação à pandemia do coronavírus (COVID-19), repleto de incertezas capazes de insuflar acaloradas controvérsias públicas a propósito da melhor estratégia para lidar com aquele problema de saúde pública. Combater a febre amarela significara transformar o ambiente, depois combater a bactéria supostamente responsável pelo contágio da doença. Na virada do século XIX para o XX, passou a significar romper o ciclo homem doente - Stegomyia fasciata - homem saudável. Mas a literatura científica não autorizava ainda as afirmações feitas em ‘praça pública’ de que o problema número um da saúde pública brasileira podia ser solucionado mirando-se apenas esse alvo. Os debates acalorados que a mudança de estratégia provocou explicam em larga medida a grande densidade de estudos feitos então sobre o Stegomyia fasciata, mosquito que passaria a se chamar Aedes aegypti nos anos 1920. Na literatura científica teve 36 nomes postos em sinonímia desde o ano de 1762, quando Lineu classificou o Culex aegypti, até 1926, quando foi adotado Aedes aegypti (Franco, 1969)11.
Na capital brasileira estiveram dois investigadores do Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais recém-criado em Hamburgo - Hans Erich Moritz Otto e Rudolf Otto Neumann. E, por tempo mais longo, três pesquisadores do Instituto Pasteur de Paris: Émile Marchoux, Paul-Louis Simond e Alexandre Tourelli Salimbeni. De fevereiro a julho de 1904, os médicos alemães visitaram Recife, Salvador e São Paulo antes de se deterem no Rio de Janeiro, onde já se encontravam os médicos franceses, desde novembro de 1901. Uma tuberculose pulmonar obrigou Salimbeni a regressar à França em março de 1903. Simon ausentar-se-ia entre abril e dezembro de 1904 devido ao estado de saúde da mulher. Marchoux permaneceu no Rio de Janeiro durante os 37 meses que duraram a missão do Instituto Pasteur, até a partida definitiva em maio de 1905 (cf. Löwy, 1991; Benchimol; Sá, 2005).
Durham e Myers tinham desembarcado em Belém em agosto de 1900. Cinco meses depois, contraíram a febre amarela, falecendo Myers em 20 de janeiro de 1901. No mês seguinte, Durham (1901) divulgou as conclusões a que haviam chegado12. Em abril de 1905, desembarcariam em Manaus dois outros pesquisadores da Escola de Liverpool, Harold Howard Shearme Wolferstan Thomas e Anton Breinl, com o objetivo ainda de investigar a febre amarela (Benchimol, 2018). Mas voltemos ao começo destes inquéritos internacionais.
Em Belém do Pará, Durham e Myers, da Escola de Liverpool, só encontravam um bacilo nos órgãos das vítimas da febre amarela e nos mosquitos capturados em casas suspeitas. A espécie a princípio privilegiada por eles foi o Culex fatigans, aquela descartada por Lutz. Se o agente da febre amarela fosse de fato uma bactéria, ela poderia ser absorvida pelo mosquito em outras fontes além do indivíduo infectado, hipótese que melhor se coadunava com o hábito daquele mosquito, verificado em Belém, de reproduzir-se em águas sujas. Baseavam-se os médicos britânicos também na ideia então corrente de que se contraía a febre amarela à noite, o que correspondia aos hábitos alimentares dessa espécie.
Em livro de dois renomados médicos brasileiros, Azevedo Sodré e Miguel Couto, publicado na Alemanha, lia-se o seguinte:
logo que começa uma epidemia de febre amarela, muitos estrangeiros e pessoas não aclimatadas [...] retiram-se do Rio e de Santos para Petrópolis e São Paulo, respectivamente, e a partir de então viajam diariamente por trens matutinos para a cidade e retornam outra vez à tarde. Embora permaneçam na cidade empesteada de 10 a.m. a 4 p.m. [...] escapam à infecção em todas as epidemias. Aqueles, contudo, que por uma razão ou outra têm de passar a noite ou várias noites na cidade são com frequência acometidos pela febre” (Sodré; Couto, 1901, p. 302).
Marchoux, Simond e Salimbeni trabalharam no Hospital São Sebastião, no bairro do Caju, mas fixaram residência em Petrópolis para se manterem a salvo da febre amarela. Os relatórios que publicaram enquanto transcorria a campanha de Oswaldo Cruz contra o Stegomyia fasciata deram grande importância à influência da temperatura (em especial a noturna) sobre todas as etapas do ciclo de vida deste mosquito: cópula, sucção de sangue, postura, evolução da larva e metamorfose no inseto adulto13.
“Diversos autores consideram que é mosquito essencialmente diurno, o qual nunca ou quase nunca fere durante a noite. É um erro, que é indispensável destruir” - escreveram Marchoux, Salimbeni e Simond (1904, p. 19). Suas observações mostraram que, entre 24 e 26 horas após a fecundação, as fêmeas manifestavam o ardor máximo para o ataque ao homem, mas - repletas de sangue uma primeira vez - deixavam de persegui-lo durante o dia. Tornavam-se mosquitos noturnos e, de dia, passavam a viver em cantos sombrios.
Para Emílio Goeldi (1905), diretor do Museu Paraense, o Stegomyia fasciata era mosquito diurno. As fêmeas só saíam em busca de sangue à noite devido à luz elétrica. Para Neumann e Otto (1906), do Instituto de Hamburgo, as infecções ocorriam principalmente à noite devido à aversão à luz do Stegomyia fasciata. As pessoas que moravam ou trabalhavam no Rio de Janeiro não ficavam tão expostas a seus ataques durante o dia porque em geral se achavam sob claridade nas ruas ou nos prédios.
Diga-se de passagem que o hábito desse mosquito de refugiar-se em lugares ou sobre objetos escuros levou o serviço de saúde dos Estados Unidos a recomendar que as tropas estacionadas no sul do país ou no Caribe substituíssem o uniforme azul escuro por trajes claros. Theobald (1901) propôs igualmente que roupas escuras fossem abolidas nas regiões flageladas por mosquitos. E Goeldi (1903) recomendou a um jornalista francês que se queixava do suplício dos carapanãs em Belém que evitasse usar meias pretas.
A cor da pele também entrou nas cogitações da missão Pasteur, que fez experiências para verificar se o Stegomyia fasciata picava indiferentemente pessoas de qualquer “raça”, chegando a conclusões discrepantes da preferência do mosquito pela cor escura. Teria ele “predileção notável pela raça branca. [...] O indivíduo de pele vermelha é também atacado rapidamente. Diante do negro o Stegomyia fasciata manifesta alguma repugnância, porquanto nunca se decide a feri-lo imediatamente e, algumas vezes, é necessário um contato de 10 a 15 minutos para se chegar ao resultado” (Marchoux; Salimbeni; Simond, 1904, p. 20). Tal conclusão validava um preconceito antigo na medicina dos climas quentes: a resistência à febre amarela do negro, que, nas conjunturas epidêmicas, era “enfermeiro, assistente e coveiro dos brancos que feneciam”, nas palavras de Guiteras Gener (1921, p. 278). Desde fins do século XVIII tal resistência era atribuída a características raciais inatas dos indivíduos originários da África.
Para se ter ideia da persistência dessa ideia cito um comentário feito mais tarde por Ricardo Jorge, o higienista que conduziu a medicina portuguesa da teoria dos miasmas à microbiana. Ele esteve no Rio de Janeiro em 1928 quando, como veremos, grassou uma epidemia de febre amarela. As estatísticas de morbidade e mortalidade corroboravam o padrão tradicional:
a raça é o coeficiente mais poderoso da incidência da infecção: os brancos fornecem quase o lote inteiro dos atingidos, 96%; bem poucos mulatos, e um número insignificante de negros. O sangue do negro parece ser o melhor anticorpo contra o vírus. [...] Talvez se trate, não de uma imunidade racial específica” - opinava o médico português - “mas do menor gosto dos mosquitos pelos tegumentos dos negros, cujas exalações cutâneas seriam culicífugas (Jorge, 1930, p. 14-15).
Nos estudos feitos no Rio de Janeiro de 1901 a 1905, os investigadores do Instituto Pasteur confirmaram que a febre amarela não era transmitida pelo contato direto com o doente, com os objetos de seu uso ou suas excreções, mas somente pela picada do Stegomyia fasciata, e que a transmissão não se dava enquanto o sol estivesse acima do horizonte, não obstante a fêmea picasse o homem tanto de dia como à noite. A contradição foi resolvida combinando-se os hábitos da espécie a outro fato verificado em Cuba e no Brasil: a fêmea que picava um doente só era capaz de transmitir a febre amarela após intervalo mínimo de 12 dias, o tempo suposto de evolução no organismo do mosquito do microrganismo ainda desconhecido que causava a doença. As fêmeas que picavam de dia eram novas, recém-fecundadas, mas decorrido o prazo da infectividade (12 dias) eram já fêmeas envelhecidas, que tinham adquirido hábitos noturnos. Portanto, era mesmo à noite que se ‘apanhava’ a febre amarela.
Um flanco da teoria havanesa (de Finlay e da comissão Reed) era a ausência de provas que excluíssem outros vetores. Verificaram os médicos franceses no Rio de Janeiro que os períodos e lugares em que eram encontradas outras espécies - menos sensíveis às diferenças de temperatura - não coincidiam com os da febre amarela. Além disso, experiências com Culex, Psorophora, Taeniohynchus e Janthinosoma mostraram que o intervalo entre a primeira picada no homem da fêmea fecundada, a postura dos ovos e em seguida a morte da fêmea durava habitualmente menos de 12 dias, tempo mínimo indispensável para que o hospedeiro intermediário se tornasse capaz de infectar os humanos. O Stegomyia fasciata podia fazer até sete posturas e viver até 30 dias. Assim, o microrganismo da febre amarela - fosse qual fosse - ter-se-ia adaptado unicamente ao organismo dessa espécie, com exclusão de todas as outras.
Demonstraram ainda os franceses que podia transmitir o microrganismo a sua descendência, de maneira hereditária (vertical ou transovariana), mas na estratégia profilática adotada então isso não foi levado em conta. O que motivou essa linha de investigação foi a ocorrência de casos esporádicos entre períodos epidêmicos. As teorias bacteriológicas agora contestadas enfatizavam a “importação” da doença através de objetos ou viajantes infectados, atribuindo as revivescências esporádicas à transformação que o germe sofria no solo, por efeito de fatores telúricos ou climáticos. As experiências dos franceses no Rio de Janeiro consistiram em criar em laboratório os ovos postos por fêmeas que houvessem picado doentes; depois as larvas até o estágio adulto, procurando demonstrar a capacidade infectante desses mosquitos e de sua descendência usando ‘cobaias’ humanas. As tentativas feitas em 1903 não deram resultados, mas em 1905 conseguiriam reproduzir os sintomas da doença num voluntário14.
No Rio de Janeiro e em São Paulo, enquanto transcorriam os estudos dos especialistas, o Stegomyia fasciata era objeto de acaloradas e generalizadas discussões. Adolpho Lutz e Emilio Ribas reproduziram na capital paulista as experiências da comissão Reed para neutralizar as reações à chamada teoria havanesa (Benchimol; Sá, 2005). A primeira série, entre 15 de dezembro de 1902 e 20 de janeiro de 1903, visou provar que o Stegomyia fasciata era o transmissor da febre amarela. A preferência por voluntários já ‘aclimatados’ e por casos leves para a infecção dos mosquitos usados nas experiências tinham o propósito de se produzir infecções de pouca gravidade nas cobaias humanas, inclusive Ribas e Lutz, ambos picados por mosquitos no braço (Lemos, 1954). A segunda série de experiências, de 20 de abril a 10 de maio de 1903, teve por objetivo demonstrar que não havia contágio por meio de roupas, objetos ou excreções de doentes. No “V Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia”, realizado logo a seguir no Rio de Janeiro (junho-julho de 1903), a transmissão da febre amarela somente pelo Stegomyia fasciata foi o cerne do confronto entre os ‘exclusivistas’, liderados por Oswaldo Cruz, e os ‘não convencidos’, que defendiam as desinfecções, quarentenas e outras medidas agora desqualificadas pelos partidários da teoria havanesa (supunham um micróbio contagioso e a infecciosidade dos fômites) (Benchimol, 1999).
A campanha contra o Stegomyia fasciata no Rio de Janeiro
Naquele mesmo ano, Francisco de Paula Rodrigues Alves foi eleito presidente da República (1903-1906), tendo o saneamento da capital federal como o ponto básico de seu programa de governo. O engenheiro Francisco Pereira Passos foi nomeado prefeito, com poderes excepcionais para colocar em marcha a reforma urbana inspirada naquela feita em Paris por Georges-Eugène Haussmann, quatro décadas antes. A chefia da Diretoria-Geral de Saúde Pública foi entregue a Oswaldo Cruz, que se comprometeu a centrar fogo contra três alvos: febre amarela, varíola e peste bubônica (Benchimol, 2003; 1992).
Chamo atenção para um aspecto contraditório da relação entre esses personagens emblemáticos em geral encarados como faces da mesma moeda. O prefeito, os engenheiros do governo e o senso comum popular continuavam a justificar as intervenções no espaço urbano com argumentos da antiga higiene dos miasmas. Oswaldo Cruz, aquele discípulo de Pasteur, focalizava os vetores da febre amarela (Stegomyia fasciata) e peste bubônica (pulga e rato) e dava ênfase à vacina antivariólica. Estes ponteiros guiariam as brigadas da saúde pública em meio à ofensiva comandada paralelamente pelos engenheiros contra muitos dos alvos que os sanitaristas, agora, julgavam irrelevantes ou até mesmo contraproducentes para a campanha sanitária. Para dar só um exemplo: as numerosas poças d’água criadas pelas demolições multiplicavam os criadouros do mosquito transmissor da febre amarela.
Tendo assumido em março de 1903 o cargo de diretor-geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz apresentou seu plano de ação ao chefe do governo em abril. No tocante à varíola, a meta era vacinar e revacinar a população compulsoriamente. A peste bubônica seria detida com o extermínio dos ratos, com medidas urbanísticas e o uso do soro e da vacina fabricados no Instituto Soroterápico de Manguinhos, chefiado por Oswaldo Cruz desde a sua criação em 1899 (Benchimol, 2020; 2005; 2000). Para a saúde pública era indispensável a notificação obrigatória de casos de febre amarela e outras doenças infecciosas. Os clínicos da cidade resistiam à interferência do poder público na relação médico-paciente. Para punir a ‘sonegação’ de doentes e outras infrações foi criado um Juízo dos Feitos da Saúde Pública (Câmara dos Deputados, 1904).
A cidade foi repartida em dez distritos sanitários, cujas delegacias de saúde tinham a incumbência de receber as notificações de doentes, aplicar soros e vacinas, multar e intimar proprietários de imóveis, detectar focos epidêmicos. O espaço dado a um artigo não me permite tratar das ações contra a peste e a varíola, e da revolta que eclodiu em novembro de 1904 contra a lei que tornava a vacina antivariólica obrigatória (cf. Sevcenko, 1984; Chalhoub, 1996; Carvalho, 1987; Cukierman, 2007; Benchimol, 2003).
Na campanha contra a febre amarela, Oswaldo Cruz inspirou-se na dos norte-americanos em Havana, mas a aperfeiçoou ao executá-la em condições mais difíceis e numa cidade com quase o triplo de habitantes da capital cubana. A população de Havana e do Rio de Janeiro era de 235.981 e 691.565 habitantes, respectivamente, em 1899/1900; e de 302.526 e 811.444 habitantes em 1906/1907. No Brasil, bem abaixo do Rio de Janeiro, vinham São Paulo e Salvador, com pouco mais de 200 mil habitantes (Scarpaci; Segre; Coyula, 2002; Lobo, 1978).
Tendo ocupado Havana pela força militar, os norte-americanos puderam ditar regras e impor medidas sem enfrentar tantas e tão variadas resistências quanto as que se ergueram no Rio de Janeiro contra Oswaldo Cruz e Pereira Passos.
A campanha foi organizada em moldes militares, com brigadas subordinadas a uma estrutura de comando vertical e capazes de se deslocar rapidamente aos focos da doença. O Serviço de Profilaxia Específica de Febre-Amarela, criado então, ganhou um poder de intromissão na vida privada dos cariocas que jamais tivera a saúde pública ou qualquer outra esfera de atividade do poder público. As medidas coercitivas tomadas contra o mosquito e os indivíduos que tinham a doença - ou eram suspeitos de tê-la - contribuíram para encrespar os ânimos já exaltados pela vacina obrigatória, pelas demolições e outras iniciativas traumáticas para os habitantes da capital brasileira. Aparentemente pouco efeito tiveram para desanuviar essa ambiência hostil as iniciativas destinadas a persuadi-los a apoiarem a nova estratégia da saúde pública: os “Conselhos ao Povo” publicados na imprensa pró-governamental, e os folhetos distribuídos nas casas com esclarecimentos sobre a transmissão da febre amarela15.
Do centro da cidade aos subúrbios mais afastados viam-se todos os dias tropas da saúde a realizar seus serviços com carroças repletas de pás, vassouras, cordas, escadas, jarras e baldes. As correias transmissoras da campanha, que chegou a mobilizar cerca de 2.000 pessoas, convergiam na sede da DGSP onde se fabricavam mapas e estatísticas a partir das informações sobre os casos de febre amarela. Como os médicos particulares omitiam informações, as autoridades sanitárias verificavam nas farmácias os endereços das casas dos doentes providos de receitas com prescrições sugestivas da doença.
Uma vez identificado um foco, a ele acorriam as brigadas de mata-mosquitos da Seção de Isolamento e Expurgo à frente da qual se achavam cinco médicos. À semelhança do serviço de bombeiros, carros com as equipes ficavam de prontidão dia e noite, partindo para o lugar de infecção ao primeiro chamado. Saíam sempre dois carros para que um pudesse voltar para buscar material que eventualmente faltasse. Ao mesmo tempo, um dos cinco médicos da Seção ia ao lugar a fim de confirmar o diagnóstico e supervisionar os trabalhos.
A primeira providência era isolar o doente de maneira a impedir que fosse picado por mosquitos e os infeccionasse. O doente era transferido para o Hospital São Sebastião se fosse impossível o isolamento em casa - o que acontecia em geral com os pobres. Isolamento domiciliar significava a instalação no quarto do doente, a rodear sua cama, de uma armação de madeira revestida de tela para impedir a entrada de mosquitos. Ao mesmo tempo, o quarto era vedado e fumigado. A queima de pó de piretro liberava um vapor que atordoava os mosquitos, caindo eles por terra. Eram então varridos e queimados. Para quem não sabe, esse pó, vendido nas drogarias, era obtido pela dessecação das flores de uma erva chamada piretro (Chrysanthemum cinerariaemum cinerariaefolium). O melhor modo de usá-lo era molhar o pó de modo a formar uma massa modelável na forma de pequenos cones em seguida secados sobre uma folha de metal no forno. Acendia-se a ponta do cone com um fósforo.
Outra turma Seção de Isolamento e Expurgo atuava no resto da casa. Papel era colado em todas as aberturas, e o prédio era coberto com extensos panos de algodão. Uma panela de ferro com enxofre era então colocada no chão e regada com álcool, ateando-se fogo na mistura para que fosse desprendido o gás sulfuroso. O ambiente expurgado ficava fechado por cerca de uma hora e meia, mas num ponto dele deixava-se uma abertura por onde entrasse luz para que os mosquitos se juntassem ali e se tivesse um controle da quantidade exterminada. Mosquitos em caixinhas revestidas de gaze eram colocados em diferentes alturas do ambiente para servir também de controle.
O quarto do doente também era ‘enxofrado’, e sua comunicação com o resto da casa, limitada a uma única porta provida de ‘tambor’. Tratava-se de uma caixa revestida com tela de metal, com duas portas ligadas por cordas de maneira que somente uma fosse aberta de cada vez. O dispositivo destinado a impedir a entrada de mosquitos ficava em funcionamento até sete dias depois do início da doença, fazendo-se às vezes uma última fumigação quando era retirado o ‘tambor’. Expliquemos isso.
Observações feitas por Henry Rose Carter no Mississippi, em 1898, mostravam que o tempo decorrido entre o aparecimento de casos infectantes e casos secundários era de 14 a 21 dias. Na casa infectada, a exposição por algumas horas podia acarretar a doença, com incubação normal de 4 a 5 dias. A comissão Reed corroborou estas durações. O agente da febre amarela só estava presente no sangue até o 4º dia após o aparecimento dos sintomas da doença. Depois disso não infeccionava mais o mosquito. E, como vimos, seriam necessários doze dias após a contaminação do mosquito para que o germe transitasse por seu estômago, chegasse a suas glândulas salivares e o tornasse capaz de transmitir a infecção. Tais temporalidades, similares às da malária e muito importantes para a calibragem das medidas de saúde pública, reforçaram as suposições de que o agente da febre amarela fosse também um protozoário.
O médico responsável pelas operações descritas acima devia observar as pessoas que tinham contato com o doente a fim de detectar logo novos casos. Os prédios vizinhos também eram submetidos a expurgos, cabendo ao médico decidir em que proporção isso se daria. Em certos casos era preciso vencer as maiores dificuldades. Numa fábrica de cerveja, por exemplo, os pátios abertos, o recinto onde se cozia a cevada e o depósito de garrafas foram cobertos por grandes lonas ou com folhas de papel, tendo sido gastos mais de 1.000 m2 destas últimas (Neumann; Otto, 1906).
Paralelamente, o Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela atacava os ovos, larvas e ninfas de Stegomyia fasciata, aplicando petróleo (ou uma mistura de querosene, creolina e óleo de eucalipto) às águas acumuladas em calhas, tonéis, latas de conserva, cacos de vidro e outros recipientes16. Era preciso que essas águas fossem recobertas pela película de petróleo para que as larvas e ninfas não pudessem respirar. Os proprietários das casas mais luxuosas eram intimados a colocar em tanques, fontes e chafarizes ‘barrigudinhos’, peixes que comiam larvas de mosquitos (Neumann; Otto, 1906).
Tanto nas casas como nos hospitais deixou-se de praticar as desinfecções que se faziam antes em roupas e objetos que haviam estado em contato com o doente e nele próprio. A saúde pública mantinha para esse fim um equipamento urbano, o Desinfectório, de que ninguém se lembra mais. No Rio de Janeiro havia um no centro, outra na Praça da Bandeira e Oswaldo Cruz edificou o mais sofisticado em Botafogo (atual Hospital Rocha Maias). Serviam como uma espécie de ‘barreira’ que as vítimas de doenças consideradas contagiosas atravessavam antes de serem levadas (devidamente purificadas) aos hospitais de isolamento, como o São Sebastião, no Caju (Benchimol, 2016).
Outras ações contra os mosquitos eram desfechadas também nas áreas públicas da cidade. Nas canalizações de esgotos e águas servidas o gás sulfuroso era introduzido por meio do ‘aparelho de Clayton’. Inventado por Thomas A. Clayton, engenheiro de Nova Orleans (United States Patent Office, 1899), esse aparelho era usado na profilaxia marítima para apagar incêndios em navios e para combater ratos e insetos relacionados à transmissão da peste bubônica e febre amarela pela introdução nos ambientes de dióxido de enxofre. Nas ruas do Rio de Janeiro, posicionavam-se em geral três aparelhos a intervalos de algumas centenas de metros. Quando o gás penetrava nos canos, milhares de mosquitos afluíam para debaixo das aberturas previamente teladas, a procurar uma saída. A eficácia do procedimento, que acabava com mosquitos e os ratos, era verificada por animais de controle postos dentro das canalizações (Neumann; Otto, 1906).
Oswaldo Cruz deixou a direção da Saúde Pública em novembro de 1909, meses depois de anunciar a descoberta da Doença de Chagas, que deu grande projeção internacional ao Instituto batizado com seu nome e que ele continuou a dirigir17. As oligarquias estaduais, respaldadas na constituição federalista, bloqueavam ações sanitárias do governo central em seus territórios, não obstante a febre amarela grassasse em muitas cidades do norte e nordeste, pondo em risco o que fora feito na capital federal.
Quando faleceu o sanitarista em 11 de fevereiro de 1917, no auge da Primeira Guerra Mundial, o Instituto Oswaldo Cruz era o centro de gravidade de um movimento que reivindicava a modernização dos serviços de saúde no país. O bloco oligárquico no poder cedeu parcialmente, e em 1919 foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (Hochman, 1998). Com a nomeação de Chagas como seu diretor, cargo que exerceu até 1926, restabeleceu-se o forte elo entre a saúde pública - agora mais autônoma e bem aparelhada - e o Instituto Oswaldo Cruz, que Chagas dirigiu até sua morte, em 1934.
Tiveram início ações mais abrangentes contra doenças endêmicas no interior do país, ao mesmo tempo que as insurreições tenentistas, os movimentos pela reforma de outras esferas da vida social e as cisões intra-oligárquicas preparavam o terreno para a Revolução de 1930 e a criação de um Ministério que transformaria a saúde em objeto de políticas de efetivo alcance nacional.
Campanha mundial contra a febre amarela
Esses eventos coincidem com o início das atividades no Brasil da Comissão (depois, Junta) Sanitária Internacional da Fundação Rockefeller, instituição criada pelos donos de poderosa empresa petrolífera norte-americana, a Standard Oil Company, com a colaboração da igreja batista. Suas ações ambiciosas em saúde e educação articulam-se à ofensiva dos Estados Unidos visando o controle de mercados e territórios e a neutralização da ascendência econômica e cultural que tinham certos países europeus nas Américas. O alvo em que mais recursos investiu a Fundação Rockefeller foi a febre amarela18.
As campanhas lideradas por Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro (1903-1907) e em Belém (1909); por William Gorgas, em Havana e no Panamá (1904-1906); por ingleses e franceses em seus domínios coloniais na África e nas Índias ocidentais baseavam-se na ideia de que o agente da febre amarela, ainda desconhecido, tinha somente dois hospedeiros: o homem e uma única espécie de mosquito (Aedes aegypti).
Ao eclodir a Primeira Guerra, a Fundação Rockefeller já havia decidido erradicar a febre amarela mundialmente. Pesou a preocupação com a possibilidade de que invadisse o Extremo Oriente pelo canal do Panamá, inaugurado em agosto de 1914. A Ásia tropical mantivera-se livre da doença, ainda que lá houvesse o Aedes aegypti, transmissor da dengue que, por sua vez, não tinha ainda se alastrado pelas Américas.
Em agosto de 1914, Wickliffe Rose, diretor-geral da Comissão Sanitária Internacional, apresentou o plano de erradicação da febre amarela. Bastaria combater o Aedes aegypti em alguns focos-chave que propagavam a doença para aglomerações menores do litoral e do interior. Naquelas poucas cidades litorâneas a infecção dos mosquitos era mantida pelo constante suprimento de pessoas não imunes: crianças que nasciam, negociantes, turistas e imigrantes que chegavam... E não seria necessário eliminar completamente o mosquito. Bastaria reduzir o índice de infestação a, no máximo, 5% das casas visitadas.
Em 1916, uma comissão chefiada por Gorgas iniciou a identificação dos focos-chave no continente americano. A campanha de erradicação, sob sua chefia, teria começado logo a seguir não fosse o ingresso dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, em abril daquele ano. Pouco tempo antes do armistício (11 de novembro de 1918), a Fundação Rockefeller enviou a Guayaquil, no Equador, outra comissão para investigar aspectos ainda obscuros da febre amarela, sobretudo o agente causal, problema ligado ao do diagnóstico, considerado difícil.
As analogias entre febre amarela e malária tinham levado muitos investigadores - o próprio Finlay (1967 [1903]) - a imaginar que o agente da primeira fosse outro protozoário. Fritz Richard Schaudinn, um dos descobridores do agente da sífilis, o Spirochaeta pallida (Treponema pallidum), supôs que espiroquetas, consideradas então protozoários, pudessem ser também os agentes da febre amarela. Em 1907, Arthur Marston Stimson (1907), do United States Public Health Service, descreveu um microrganismo que encontrou nos tecidos de uma vítima da febre amarela que denominou Spirochaeta interrogans. A teoria ‘espiroquética’ prosperou muito durante a Primeira Guerra, quando investigadores japoneses incriminaram o S. icterohaemorrhagiae como agente da doença que conhecemos hoje como leptospirose - doença com alguns sintomas parecidos com os da febre amarela (icterícia e hemorragias). Em 1918, em Guayaquil, Hideyo Noguchi, bacteriologista do Instituto Rockefeller, descreveu um espiroqueta como o micróbio da febre amarela, e criou novo gênero, Leptospira, para acomodar o Leptospira icteroides, da doença transmitida pelo Aedes aegypti, e o L. icterohaemorrhagiae, da doença transmitida por ratos (leptospirose) (cf. Plesset, 1980 e Benchimol, 2011; 2009).
Quando afinal começou a campanha mundial naquela cidade equatoriana, em novembro de 1918, todos os aspectos da febre amarela pareciam estar cientificamente equacionados. E já em 1922, na avaliação da Junta Sanitária Internacional, a costa oriental da América do Sul estava praticamente livre da doença. Restava o Brasil, grande área endêmica.
Em 01 de maio de 1923, o governo recém-eleito de Arthur Bernardes (1922-1925) autorizou o Departamento Nacional de Saúde Pública a aceitar a cooperação da Fundação Rockefeller no combate à febre amarela. Chagas designou Sebastião Barroso, importante quadro do movimento sanitarista e agora chefe de Serviço do Saneamento Rural da Bahia, para coordenar os trabalhos com o representante da Junta Sanitária Internacional - Joseph White, ex-diretor da campanha no México. A base das operações no Norte e Nordeste do Brasil seria Salvador, à época com 350.000 habitantes.
Entre White e Barroso logo estalou uma guerra a propósito das estratégias de ataque ao Aedes aegypti. Os especialistas da Rockefeller consideravam mais eficaz e econômico atacar só a forma larvária, deixando de lado as fumigações feitas nos prédios desde os tempos de Oswaldo Cruz para eliminar mosquitos adultos. Para os especialistas da Rockefeller, as autoridades brasileiras usavam as espetaculosas fumigações para esconder deficiências na administração pública e para agradar caciques políticos. Mas em cidades onde as canalizações de água e esgotos eram precárias ou inexistentes, o combate às larvas requeria intervenção drástica nos sistemas domésticos de armazenamento de água, constituídos de jarras, moringas e outros recipientes, em geral de barro.
Em 09 de dezembro de 1923, Barroso foi a público para explicar suas desavenças com White. Em vez de colaborar na profilaxia da febre amarela, os norte-americanos queriam comandá-la sozinhos. Outro problema era a decisão de combater a doença só em algumas capitais, com desprezo pelo interior dos estados onde, desde 1920, médicos que atuavam contra as endemias rurais no Nordeste vinham diagnosticando casos de febre amarela. Barroso não condenava o combate às larvas. O grande problema para ele era o uso de peixes larvófagos em todo recipiente de água, inclusive a de beber. Para um médico que encarava o combate às verminoses como cruzada santa, aquela técnica era um escândalo. Os peixes coletados, segundo ele, em córregos onde se despejavam toda a sorte de imundices transformavam os recipientes em que eram depositados em meios de cultura de organismos nocivos para o homem (cf. Williams, 1994 e Benchimol, 2011; 2009).
Para aplacar aquela guerra, Carlos Chagas, diretor do DNSP, separou a Profilaxia Rural da campanha contra a febre amarela, reforçando a autoridade dos norte-americanos sobre esta.
Em 1924, pela primeira vez em mais de meio século, não houve nenhum caso em Salvador. E já em 1925, começaram a ser desativados os postos criados pela Rockefeller nos principais portos entre Salvador e Manaus. Por sua vez, Carlos Chagas e o médico que o sucedeu em 1926 na direção da Saúde Pública, Clementino Fraga, reduziram as ações contra o Aedes aegypti no Rio de Janeiro, interrompendo-as em janeiro de 1928, justo quando ocorria uma reviravolta na situação da febre amarela na África Ocidental.
Impasses na África e no Brasil
Em junho de 1920, William Gorgas havia assumido a chefia de uma comissão incumbida de determinar se eram viáveis lá as medidas adotadas na América. Gorgas faleceu em Londres, e a liderança da expedição passou a Juan Guiteras Gener, colaborador de Finlay. Foram negativos os estudos sobre o Leptospira icteroides e as tentativas de identificar clinicamente casos autênticos de febre amarela. Ainda se acreditava à época que os negros tinham resistência inata a ela. Acreditava-se também que a doença era originária das Américas. A África nunca tivera centros irradiadores como Havana ou Rio de Janeiro. Estando quase controlada a febre amarela nas Américas, e sendo escassa a população branca na África, supôs Guiteras Gener (1920-1921; 1921) que a doença estivesse em extinção do outro lado do Atlântico.
Em 1925, uma segunda comissão da Fundação Rockefeller foi enviada para Lagos (Nigéria). Durante dois anos, examinou muitos casos, não conseguiu isolar o microrganismo de Noguchi nem traçar um quadro epidemiológico claro da doença, o que fortaleceu a suspeita de que a febre amarela africana era diferente da americana. Em outro trabalho (Benchimol, 2013), analisei a controvérsia historiográfica subjacente a essa questão médico-científica que transcorreu de meados dos anos 1920 ao começo da década seguinte. Envolveu a mobilização de abundantes fontes documentais e resultou na demonstração de que a febre amarela e o seu vetor não eram de origem americana como se pensava, e sim africana, o que explicava a suposta resistência inata ou ‘racial’ de populações africanas ou afro-americanas.
Em 1927, os acontecimentos na África ocidental tomaram novo rumo. Henry Beeuwkes, chefe da West Africa Yellow Fever Commission, comprou em Hamburgo macacos da Índia (rhesus e crown monkeys) e do Brasil (saguis) e zarpou para Lagos com Adrian Stokes, ex-integrante da primeira comissão enviada à África e um dos primeiros na Europa a verificar as descobertas de Inada e seus colaboradores sobre a leptospirose.
Em Acra, na Costa do Ouro (atual Gana), macacos foram inoculados com sangue de grupos de casos humanos, pois era difícil saber se qualquer um, individualmente, era febre amarela. Alguns macacos morreram com alterações sugestivas da doença. Em relato de 14 de julho de 1927, o foco estreita: sinais muito sugestivos apresentara um rhesus (Macaca mulata) inoculado com material oriundo de Asibi, um africano de 28 anos de idade. Lembro aqui que os franceses tinham demonstrado no Rio de Janeiro que os macacos não eram capazes de hospedar o agente da febre amarela. Ele agora era relacionado a um vírus, termo que designava um organismo tão pequeno que escapava aos microscópios óticos mais possantes e aos filtros capazes de reter as menores bactérias. Nos anos 1920 e 1930, foram demonstradas outras propriedades destes microrganismos que constituíam objetos de estudo de uma especialidade em formação, a virologia (Hughes, 1977; Lara, 2020).
Em 1927, os especialistas da West Africa Yellow Fever Commission precisavam de um caso humano indiscutível, o que ocorreu, mas de forma involuntária e dramática: infectado acidentalmente, Stokes faleceu em 19 de setembro, o que acelerou tremendamente o giro daqueles trabalhos. Meses depois foram publicados artigos de Adrian Stockes (postumamente), Johannes H. Bauer e Noel Paul Hudson (1928a; 1928b) demonstrando que a infecção era transmitida de macaco a macaco, assim como de homem a macaco por meio da injeção de sangue ou da picada de Aedes aegypti. Por sua vez, Bauer (1928) relatou a transmissão da febre amarela por três outras espécies de mosquitos (Aedes luteocephalus, A. apicoannulatus e Eretmapodites chrysogaster).
Em 17 de novembro de 1927, Noguchi desembarcou em Acra para tentar salvar sua teoria, mas morreu de febre amarela em 21 de maio de 1928. William Alexander Young, diretor do hospital britânico em Acra, fez o possível para preservar evidências de seu trabalho e foi vitimado também pela doença (Benchimol, 2011; 2009).
Pois nesse fatídico maio de 1928, no Rio de Janeiro, teve início uma epidemia que representou o golpe de misericórdia na crença de que a erradicação da febre amarela seria tarefa simples. Uma epidemia de grandes proporções durou dois anos e atingiu não apenas a cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, como outras 43 localidades do estado do Rio de Janeiro (Fraga, 1930a; 1930b; Lintz; Parreiras, 1930; Wermelinger; Carvalho, 2016).
A oposição atacava o governo de Washington Luiz (1926-1930), comparando desfavoravelmente seu diretor de saúde pública, Clementino Fragas, ao ‘saneador do Rio de Janeiro’, Oswaldo Cruz. A ‘traição’ ao legado deste era denunciada na imprensa e no Congresso. As circunstâncias não deixavam a Fraga outra saída senão repetir o feito de Oswaldo Cruz. Sua primeira providência foi restaurar as fumigações, não mais com o gás sulfuroso, mas com uma mistura de querosene, tetraclorido de carbono e piretro, a serem aplicadas por meio de bombas de pulverização da DuPont. Um dos principais produtores desses petroquímicos era a “Standard Oil”, a mantenedora da Fundação Rockefeller, que fabricava também o Flit, inseticida que se tornaria muito popular no Brasil.
No começo do século, Oswaldo Cruz executara à força uma campanha no centro de uma cidade com cerca de oitocentos mil habitantes. Agora eram 1 milhão e 700 mil, grande parte dos quais nos subúrbios, teatros das principais ações sanitárias.
Segundo Lintz e Parreiras (1930), houve 738 casos no Distrito Federal e 374 no estado do Rio, com coeficientes de letalidade de 59,0% e 47,3%, respectivamente. Durante a campanha de Oswaldo Cruz (1903 a 1907), os casos totalizaram 1.313 - 359 isolados em domicílios e hospitais particulares e 954, no Hospital São Sebastião, - e o óbitos somaram 1.006 (76,71% do total de casos), segundo Franco (1969).
Fraga reuniu um exército de mais de 7 mil homens. E, pela primeira vez, grandes empresas, associações de classe e outros componentes da sociedade civil colaboraram ativamente no esforço de mobilizar a população contra o alvo que a saúde pública desejava atingir através da Cruzada de Cooperação na Extinção da Febre Amarela. Para envolver a população (em sua maioria iletrada), a Fox Filmes e a Light co-produziram um filme demonstrando as medidas que os moradores deviam adotar ou apoiar. Exibido ao ar livre nos bairros e subúrbios do Rio de Janeiro, foi assistido por cerca de cinquenta mil pessoas19.
Fator agravante da crise era o despreparo dos médicos. Veteranos de antigas epidemias foram mobilizados para instruir os mais jovens, que nunca tinham visto febre amarela.
Os métodos de combate ao Aedes aegypti eram essencialmente os mesmos da época de Oswaldo Cruz. Ricardo Jorge, médico português que visitava o Rio de Janeiro, passou em revista batalhões de guardas sanitários e assistiu a operações inseticidas com duplo alvo: as larvas e os insetos adultos. Como exemplo da eficiência do sistema, relata o médico português cena que muito o impressionou: numa estação telefônica, para não atrapalhar o serviço, as telefonistas foram cobertas com panos enquanto agiam os pulverizadores (Jorge, 1930). A utilização de motores elétricos permitiu reduzir o uso de panos para cobrir prédios e da calafetagem dos ambientes a expurgar (Barreto; Peryassú, 1929).
Paralelamente transcorriam os trabalhos anti-larvários em recipientes de todo tipo, nas casas e ao redor delas. Pequenos peixes larvófagos foram usados em tonéis e tinas onde se armazenava a água de beber e lavar. Ricardo Jorge chegou a levar para Lisboa amostras vivas de três espécies criadas em parques de piscicultura pela saúde pública.
Cavidades de troncos de árvores passaram a ser cimentadas, fato que tem relação com pesquisas feitas na África ocidental mostrando que lá o Aedes aegypti botava ovos a certa distância das casas, nos ocos de árvore e bambus.
Os depósitos de água com larvas de mosquito eram petrolizados ou neles se aplicava o verde-paris. No começo dos anos 1920, foi adotado esse larvicida, o aceto-arsenito de cobre, pó de cor verde esmeralda usado como pigmento por pintores e na confecção de fogos de artifício. Sintetizado na Alemanha em 1814, por Schweinfurt, foi também chamado verde-Schweinfurt. Muito venenoso, o composto serviu como raticida nos esgotos de Paris, provindo daí o nome verde-paris. Foi usado também em cascos de navios para diminuir a proliferação de cracas. Começou a ser usado como inseticida no controle de pragas agrícolas antes de se tornar, nos anos 1920, em mistura com óleo Diesel, importante instrumento no controle da febre amarela e malária.
A febre amarela repetiu seu conhecido regime sazonal: a curva epidêmica ascendeu até junho de 1928 e caiu. Voltou a ascender no verão seguinte, em janeiro de 1929, e a descida foi mais rápida por força das ações sanitárias, o que viabilizou os festejos do centenário da Academia de Medicina, em junho. Para impressionar os médicos estrangeiros que vieram ao Rio de Janeiro, Clementino Fraga jactou-se: “Pago 30.000 francos a aquele que me apresentar um mosquito apanhado na cidade propriamente dita” (Jorge, 1930, p. 19).
Reestruturação da campanha contra febre amarela
Em 1 de junho de 1930, Fred Lowe Soper assumiu a chefia do Serviço Cooperativo de Febre Amarela e iniciou completa reorganização dele, tirando proveito da revolução de outubro que levou Getúlio Vargas ao poder e que criou quadro político mais propício ao controle verticalizado de vetores e humanos. O Serviço foi regulamentado pelo decreto n. 21.434, promulgado em 23 de maio de 1932, que aumentava o território sob sua jurisdição e dava a seus chefes liberdade para organizar suas rotinas, inclusive no tocante à contratação e demissão de empregados. Os guardas e inspetores do Serviço passaram a receber salários mais elevados que funcionários públicos, mas tiveram de cumprir disciplina muito rigorosa. Esses acordos foram negociados quando Soper e seu staff reelaboravam a estratégia de combate à febre amarela. Era preciso mapear sua verdadeira extensão no país e atacá-la nas cidades menores do interior. Tais objetivos puderam ser alcançados graças a novas técnicas desenvolvidos em meio ao boom de estudos experimentais deflagrado pelos fatos recém-descobertos na África Ocidental20.
O diagnóstico da febre amarela dependia de sinais clínicos enganosos ou de lesões só reveláveis após a morte do doente. Um novo diagnóstico retrospectivo pôde ser feito em larga escala graças a descoberta feita em 1930 por Max Theiler, da Escola de Medicina de Harvard. Mostrou ele que o camundongo branco era capaz de contrair a febre amarela quando inoculado por via intracerebral. Morria de encefalite com lesão no sistema nervoso central. Injetando-se, porém, no camundongo soro do sangue de um indivíduo que houvesse tido febre amarela e adquirido imunidade à doença, o soro protegia o animal. Assim, a chamada ‘prova de proteção’ permitia rastrear a passagem da febre amarela pelos organismos dos habitantes de determinadas áreas.
Outro diagnóstico retrospectivo - aquele obtido por patologistas em salas de necrópsia de hospitais - foi convertido em técnica aplicável por leigos em regiões onde a violação de cadáveres era pecado dos mais graves. Suspeitando que os escrivães de paz, nos atestados de óbito, confundiam a febre amarela com malária e outras doenças febris, um médico da Saúde Pública do Estado do Rio de Janeiro treinou-os para que retirassem, com bisturi e tesoura, um fragmento do fígado de pessoas falecidas de febres suspeitas. Daí proveio o ‘viscerótomo’. Segundo Franco (1969), numa visita ao Serviço de Febre Amarela em Niterói, em junho de 1930, Soper e Décio Parreiras conversaram sobre a necessidade de se ter um instrumento que permitisse a leigos efetuar a operação, de forma rápida, sem precisar abrir os cadáveres. Os drs. Parreiras e Werneck Genofre projetaram um ‘fuso’ composto de um cabo com orifícios para os dedos e uma lâmina pontiaguda e cortante. O “Fuso Parreiras Genofre” chegou a ser fabricado pela firma Lutz Ferrando a pedido da Diretoria de Saúde Pública do Estado do Rio de Janeiro, mas o aparelho que passou a ser amplamente utilizado foi o “viscerótomo” projetado pelo dr. E. R. Rickard, diretor do Serviço de Febre Amarela de Pernambuco. Soper patenteou esse instrumento em agosto de 1930 em nome do dr. João Tomás Alves, inspetor sanitário do Departamento Nacional de Saúde Pública, e antigo colaborador dos trabalhos da Fundação.
Postos de viscerotomia disseminaram-se pelo Brasil, ao mesmo tempo em que se iniciavam os estudos sistemáticos da distribuição da imunidade à febre amarela por meio das provas de proteção em camundongos. Foram as bússolas de vasto inquérito epidemiológico que confirmou a suspeita de que a febre amarela era problema muito mais extenso do que se imaginara.
Investigações feitas no Espírito Santo, em encostas cobertas pela mata atlântica, com esparsas habitações humanas, mostraram que havia febre amarela lá, mas sem Aedes aegypti. Em trabalho publicado em 1933, Soper e seus colaboradores brasileiros concluíram que também no Brasil o vírus era transmitido por outros vetores e tinha outros hospedeiros vertebrados além do homem (Soper et al., 1933).
Verificou-se depois que essa febre amarela ‘silvestre’ varria as matas e florestas periodicamente, como ondas, atingindo apenas alguns humanos que frequentavam esses ambientes povoados por animais infectados. As provas de proteção passaram a ser usadas para se determinar a imunidade de animais silvestres, como ferramenta complementar às investigações zoológicas que buscavam determinar quais eram os hospedeiros vertebrados do vírus, e as investigações entomológicas sobre os mosquitos das matas que se alimentavam nesses animais e eventualmente no homem21.
A importância da febre amarela silvestre foi realçada por inquérito epidemiológico feito em 1932 no vale do Amazonas por Gastão Cesar, do Serviço de Febre Amarela, que obteve 35,6% de testes de proteção positivos nas amostras de sangue colhidas entre indígenas da região, sem que encontrasse um foco sequer de Aedes aegypti (Franco, 1969). Na parte peruana da Amazônia, a febre amarela silvestre foi detectada em 1937, e em 1941 houve grave surto em La Merced e San Ramon, a apenas um dia de viagem de automóvel para Lima. Na Colômbia, as viscerotomias revelaram que a febre amarela silvestre era endêmica na foz dos rios Orinoco e Madalena.
Em 1934, foi detectado um surto no Mato Grosso. No ano seguinte, outro mais grave grassou no sul de Goiás e em parte de Minas Gerais e São Paulo. Em 1937-1938, a febre amarela silvestre varreu o Sul e Sudeste do Brasil. Foi sinalizada por elevada mortalidade entre macacos guaribas (gênero Alouata), verificando-se em laboratório que eram, de fato, muito suscetíveis à doença. Ocorreram casos em locais situados a meia hora de automóvel da cidade do Rio de Janeiro. Quatro doentes deslocaram-se para a capital federal e lá foram diagnosticados, no verão de 1938. Não houve casos secundários, mas o pânico tomou conta da população. E em meio a esse transe os jornais anunciaram a descoberta da uma vacina contra a febre amarela, que foi amplamente usada na cidade.
As vacinas desenvolvidas por Domingos Freire e outros ‘caçadores de micróbios’ já tinham sido sepultadas e esquecidas. A febre amarela ‘silvestre’ tornou imperativo o desenvolvimento da nova vacina, uma vez que as medidas profiláticas tradicionais eram inaplicáveis nos ambientes onde grassava, mas essa é uma história complexa, repleta de percalços, que não vou poder contar aqui22. Limito-me a dizer que, em março de 1937, foi inaugurado um prédio no campus do Instituto Oswaldo Cruz para sediar as atividades relacionadas à febre amarela, inclusive a fabricação da vacina em ovos embrionados usando aquele vírus extraído do africano Asibi, em junho de 1927, modificado por culturas sucessivas em meios diversos até se chegar à cepa 17D (vírus ‘camarada’), que protegia macacos rhesus contra inoculações subsequentes de material altamente virulento, sem causar neles encefalite quando injetado no cérebro, não obstante conservasse esse efeito em camundongos.
Até o final de 1937, em municípios de Minas Gerais assolados pela febre amarela silvestre, 38.077 pessoas foram vacinadas, entre homens, mulheres e crianças de mais de dois anos. E mais 49.000 durante uma única semana de janeiro de 1938. A vacina foi usada na Colômbia e em janeiro de 1939 começou a ser produzida lá também (Groot, 1999; Soper, 1939). Em Assunção, Paraguai, o vírus 17D foi usado pela primeira vez para combater um surto de febre amarela urbana (dez. 1937). A vasta epidemia silvestre no Sul e Sudeste do Brasil levou à imunização em 1938 de 1.059.328 de pessoas, sobretudo em povoados rurais (Soper, 1939).
O laboratório inaugurado no campus do Instituto Oswaldo Cruz foi capaz de produzir as doses requeridas para a vacinação em massa no Brasil, mas seus técnicos precisaram resolver uma sucessão de problemas graves. Em 1939, detectaram diminuição do poder antigênico, atribuída ao número excessivo de transferências do vírus, fixando-se então em 255 o número máximo de subculturas, e em 210, o mínimo. Logo surgiu novo problema, a chamada “icterícia catarral”: mil casos, com 22 mortes, ocorreram no Espírito Santo (1939-1940). Foi eliminado o soro humano suspeito da transmissão de um vírus só mais tarde relacionado à hepatite B. Em fins de 1940, as vacinações recomeçaram mas, no ano seguinte, surgiram casos de encefalite entre os imunizados devido à mutação do próprio vírus 17D. Foi então implantado o sistema de “lotes semente”, depois adotado mundialmente na fabricação de outras vacinas. Nos anos 1950, o Instituto Oswaldo Cruz já supria as necessidades da América do Sul e, com menos regularidade, da África, Europa e Ásia.
A campanha contra a febre amarela passou a distinguir diferentes cenários: as pouco habitadas regiões de matas e florestas varridas pela febre amarela silvestre; e as zonas urbanas e rurais onde a doença era transmitida pelo Aedes aegypti. Aí a meta passou a ser a eliminação total do mosquito, e a maquinaria do Serviço de Febre Amarela foi levada a extremos de rigor e precisão. Passou-se a fazer o recenseamento e a numeração de todos os prédios das cidades a expurgar, sendo elas divididas em zonas cujo desenho era função da área que um inspetor podia percorrer em uma semana de trabalho. Nas esquinas, placas com os números do quarteirão e da zona exibiam uma seta indicando a direção que devia tomar o inspetor, inserido agora em rigoroso sistema piramidal de supervisão da população pelo Serviço, e dos empregados deste por seus superiores hierárquicos.
Usavam os guardas e inspetores do Serviço da Febre Amarela uniformes que os tornavam reconhecíveis pelo público e que lhes davam a dignidade de outros corpos das forças armadas. Proprietários ou arrendatários de prédios e terrenos eram punidos com multas se dificultassem seu trabalho, e mesmo se fossem relapsos quanto a reservatórios que se prestassem à procriação do Aedes aegypti. Por exemplo, o artigo 41 do decreto n. 21.434 (23 de maio de 1932) estipulava que “o responsável pelo abandono ao tempo de latas, cacos, louças, vidros, garrafas, ferragens, casca de coco, cuias e outros objetos, capazes de coletarem água, será punido com a multa de 5$000 a 50$000, dobrada nas reincidências” (Franco, 1969, p. 189).
A partir de 1933, não houve mais epidemia urbana de febre amarela devida somente ao Aedes aegypti. A febre amarela transmitida por este mosquito, mas derivada da forma silvestre, foi registrada pela última vez em Sena Madureira, território do Acre, no começo de 1942. Os três casos ocorridos nesta cidade tornar-se-iam um marco na história do combate à febre amarela urbana até 2008 quando reapareceu em San Lorenzo, Paraguai (Tauil, 2010; Monath, 2012). Por outro lado, a extensão alcançada pela febre amarela silvestre - do Panamá à Argentina e do Peru à Bahia - mostrou que se adaptava a grande variedade de ecologias. A vacinação dos que tinham contato com as matas era (e continua a ser) o único meio de proteger estes humanos e de bloquear a urbanização do vírus silvestre.
A petrolização dos recipientes em que houvesse larvas de mosquito, tornada compulsória pelo já referido decreto de 1932, suplantou outros métodos, inclusive o uso de peixes, que foi drasticamente reduzido. A experiência adquirida no combate ao Anopheles gambiae (1939-1942) - transmissor da malária que migrou da África para o Nordeste do Brasil, provocando violenta epidemia de malária lá23 - redundou numa inovação para a campanha contra o Aedes aegypti. Turmas de captura de mosquitos adultos passaram a visitar lugares que o serviço antilarvário declarava ‘limpos’. E turmas de focos ocultos eliminavam criadouros que pudessem pôr a perder o trabalho feito. A presença de mosquitos adultos passou a representar indicador mais sensível que o larvário para avaliar a situação de determinada localidade.
Em dezembro de 1939, a Rockefeller deixou de renovar com o governo brasileiro o acordo para a profilaxia da febre amarela. Um decreto-lei de 23 de janeiro de 1940 criou o Serviço Nacional de Febre Amarela, sob responsabilidade exclusiva dos sanitaristas brasileiros. Essa mudança está relacionada à reforma no Ministério da Educação e Saúde, que deu origem, em 1941, aos Serviços Nacionais e que, na opinião de Hochman (2005, p. 135), representou “a mais duradoura invenção institucional da gestão Capanema/Barros Barreto”. Já existiam o Serviço de Febre Amarela e o Serviço de Malária do Nordeste, vinculados à Fundação Rockefeller. Passaram a fazer parte dos serviços nacionais juntamente com os de Peste; Tuberculose; Câncer, Lepra, Doenças Mentais, Educação Sanitária, Fiscalização da Medicina, Saúde dos Portos e os Serviço Federal de Bio-Estatística e Serviço Federal de Águas e Esgotos. Sob a supervisão do Departamento Nacional de Saúde, os Serviços Nacionais trabalhariam em conjunto com as Delegacias Federais de Saúde e com os governos estaduais, e por meio destes e de outros organismos o governo federal aumentaria sua presença no território brasileiro (Hochman, 2005).
A estrutura do combate à febre amarela permaneceu inalterada, mas foi preciso fazer correções de rumo na campanha contra o Aedes aegypti.
A derrota do Aedes aegypti e sua reemergência
Até 1946, permaneceu sob controle da instituição norte-americana os laboratórios existente no chamado Pavilhão Rockefeller, no campus do Instituto Oswaldo Cruz, com o nome de Serviço de Estudos e Pesquisas sobre Febre Amarela (SEPFA). Cuidava da preparação da vacina e dos trabalhos em histopatologia, entomologia, cartografia etc. Participaram seus especialistas das investigações sobre os problemas que fragilizaram a vacina no período de 1939 a 1942 e sobre as numerosas incógnitas relacionadas à febre amarela silvestre. Estas motivaram vasto programa de investigação envolvendo virologistas, zoólogos e entomólogos, com intensa troca de informações entre America, Europa e África. O destino a ser dado aos laboratórios que funcionavam no Pavilhão Rockefeller foi o pivô de uma crise nas relações entre o Instituto Oswaldo Cruz e o Ministério da Educação e Saúde. Em 01 de janeiro de 1946, o SEPFA passou a fazer parte do Serviço Nacional de Febre Amarela, sob o nome de Laboratório de Vacina Antiamarílica. A medida contrariava acordo firmado entre a Rockefeller, o Ministério e o IOC, segundo o qual o edifício, seus técnicos e as dotações orçamentárias dos laboratórios do SEPFA seriam repassados ao Instituto. Em 1949, às vésperas de Clemente Mariani Bittencourt deixar o cargo de ministro, Henrique Aragão tomou a decisão inédita de demitir-se da direção do Instituto Oswaldo Cruz por não concordar com a entrega dos laboratórios. Aragão preparava o V Congresso Mundial de Microbiologia que iria se reunir no Rio de Janeiro, sob sua presidência, em agosto de 1950, em homenagem, justamente, ao cinquentenário do Instituto Oswaldo Cruz. A pedido de Mariani, indicou seu sucessor, e o ministro revogou a decisão concernente aos laboratórios de febre amarela, que, em janeiro de 1950, tornaram-se a 2ª Seção da Divisão de Vírus do Instituto Oswaldo Cruz (Benchimol, 2001).
A erradicação do Aedes aegypti foi sancionada pelo decreto n. 8.675, de 4 de fevereiro de 1942, que aprovou o Regulamento do Serviço Nacional de Febre Amarela, agora vinculado ao Departamento Nacional de Saúde do Ministério da Educação e Saúde Pública. Dirigido por Sérvulo Lima e, a partir de maio de 1941, por Waldemar da Silva Sá Antunes, contava com 2.759 postos antilarvários e 8.666 núcleos de trabalho em localidades interioranas e nos portos marítimos, fluviais e aéreos. No seu auge, em 1950, a campanha abarcava 112.950 localidades e 3.249 servidores.
O Aedes aegypti fora eliminado em largas extensões do país, mas a campanha patinava no Nordeste, a região mais infestada. Seu calcanhar-de-aquiles eram as zonas rurais, as pontas de ruas não controladas, as estradas, os engenhos e sítios, as aglomerações humanas à margem de rodovias, ferrovias e rios navegáveis. Um estudo feito à época mostrou que os ovos do Aedes aegypti podiam eclodir até 450 dias após a postura. A intensa migração de nordestinos para as cidades litorâneas poderia comprometer todo o programa se a erradicação não fosse absolutamente eficiente nas zonas de onde provinham.
As cidades só ficariam definitivamente livres do Aedes aegypti se suas periferias e hinterlândias estivessem com índices estegômicos rigorosamente negativos. Segundo Odair Franco (1969), que desempenhou papel importante nessa fase da campanha, em 1940 ainda havia sérias dúvidas nas fileiras do Serviço quanto à viabilidade desta meta. Os focos de larvas e ninfas de Aedes aegypti eram tratados com mistura de óleo Diesel e óleo combustível (Fuel). O combate à fase alada fazia-se com PTQ, inseticida à base de pirocide, tetracloreto de carbono e querosene, aplicado por meio de bombas aspersoras manuais no interior das casas, num raio de cem metros ao redor de cada foco.
No Nordeste, larvas eram encontradas sobretudo em jarras e outros vasilhames de barro, em cujas paredes internas ficavam aderidos os ovos. Passou-se, então, a flambar essas superfícies com panos em chamas.
O programa avançou mais rápido a partir de 1947, quando se passou a usar o DDT (diclorodifeniltricloretano), inseticida cuja ação persistia nas superfícies onde era aplicado, e em seguida o chamado método perifocal para dar cabo, simultaneamente, das formas aquática e alada do mosquito: aplicava-se o inseticida de ação residual nas paredes e em qualquer depósito, com ou sem foco, e mesmo sem água, dentro e fora das casas24.
A lógica da interdependência, que torna inúteis as ações de cada um de nós contra o Aedes aegypti se os vizinhos não fizerem o mesmo, valia para o programa implementado no Brasil: seria ele inútil sem um acordo internacional que garantisse a aplicação simultânea e uniforme das mesmas medidas nos países vizinhos. Há uma longa história técnica, política e diplomática por trás disso, estudada por Benchimol (2001) e Magalhães (2016). Na XI Conferência Sanitária Pan-Americana, realizada no Rio de Janeiro em 1942, foi aprovada resolução conclamando os governos dos países americanos a erradicarem o Aedes aegypti (alguns já o faziam). Em outubro de 1947, ano em que Soper assumiu a direção da agência executiva da Organização Sanitária Pan-Americana, seu Conselho Diretor aprovou o plano para a erradicação continental do mosquito proposto por Heitor Praguer Fróes, diretor do Departamento Nacional de Saúde, do Ministério da Educação e Saúde do Brasil. Fróes pôs à disposição da OPAS o pessoal e o know-how do Serviço Nacional de Febre Amarela. A campanha não arrefeceu quando as pastas da Educação e Saúde separaram-se em julho de 1953 e quando os Serviços Nacionais foram absorvidos pelo Departamento Nacional de Endemias Rurais, em março de 195625.
Nos anos 1950, as viscerotomias tornaram-se mais seletivas e foram desativados postos localizados em áreas consideradas livres da doença urbana transmitida pelo Aedes aegypti, mas a atuação do Serviço Nacional de Febre Amarela foi reforçada na Amazônia, no sudeste da Bahia, no Triângulo Mineiro, em Mato Grosso, Goiás, São Paulo e no sul do país26 (Benchimol, 2001).
Em 2 de outubro de 1958, a XV Conferência Sanitária Pan-Americana declarou livres do Aedes aegypti Brasil, Belize, Bolívia, Equador, Guiana Francesa, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e a Zona do Canal. A espécie não fora ainda eliminada nos Estados Unidos, na Colômbia, Argentina e em outros seis países (Suriname, Haiti, Venezuela, Jamaica, República Dominicana e Cuba).
O epílogo da campanha brasileira foi um decreto promulgado por Castelo Branco, primeiro presidente do regime civil-militar instaurado pelo golpe de 31 de março de 1964. Em agosto do ano seguinte, o general extinguiu aquele decreto de maio de 1932 que definira o arcabouço legal do Serviço de Febre Amarela. O Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) manteve a vacinação antiamarílica e uma vigilância sofrível em possíveis portas de entrada para o mosquito vindo de países ainda infestados.
Dois anos depois, o Aedes aegypti foi reencontrado em Belém por um entomologista do Instituto Evandro Chagas, Habib Fraiha Neto. Para ser mais preciso, em 20 de julho de 1967. Conta Habib em entrevista que nos concedeu (11 de dezembro de 2018) que estava sentado na soleira da porta da casa da sogra, por volta das seis da tarde, quando veio lhe picar uma fêmea do mosquito. “Aí eu disse: tragam um vidro rápido que eu preciso capturar esse bicho! Trouxeram-me um, pequenininho, de amostra de luftal do Laboratório Bristol, uma boquinha de nada; ele escapou, mas consegui acompanhá-lo, naquele voo elíptico que fez, e veio para o outro maléolo, pousou e eu consegui prendê-lo no vidro”. Habib levou aquele exemplar para seu laboratório e, na segunda-feira seguinte, mostrou-o para o parasitologista e entomólogo Leônidas Deane, que visitava o Instituto paraense. Procuraram imediatamente o chefe da Circunscrição Pará do DNERu, Luiz M. Scaff, que se mostrou incrédulo: “Não pode ser, não existe aegypti aqui!”, teria dito ele. “Temos os dois melhores guardas do Serviço de Febre Amarela, eles é que dão treinamento ao pessoal da América Central [...]. Todas as semanas dão batidas no porto, examinam esses navios todos, canoas, pegando mosquitos, fazendo o controle. Em todo o caso, vou mandar fazer uma batida e lhes dou o resultado”. Em pouco tempo numerosos focos de Aedes aegypti foram encontrados em Belém e em outras localidades do Pará. Conta-nos ainda Habib que Scaff chamou os guardas e perguntou: “como é que vocês deixaram passar, dois guardas treinadíssimos? E eles: ‘Olhe, doutor, com os salários que temos, não podemos comprar óculos’ (os dois tinham mais de 60 anos, a vista péssima). ‘A gente vê mosquito, mas está tão acostumado a ser Culex fatigans que deixa passar. A gente não consegue distinguir’”.
Em artigo publicado na Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, Fraiha Neto (1968) mostrou que não era de todo surpreendente aquele achado. Em março de 1965, o próprio Scaff, na I Reunião de Diretores e Técnicos do DNERu, fizera um alerta sobre vários focos de Aedes aegypti no porto de Paramaribo, capital do Suriname, onde atracavam vários barcos brasileiros. Por sua vez, Reynaldo Damasceno, chefe da Circunscrição Amapá do DNERu, afirmara em relatório do mesmo ano que o mosquito fora transportado para São Jorge do Oiapoque através de barcos que trafegavam entre Caiena e este porto da Guiana Francesa. Portanto as embarcações que faziam o comércio ilegal de café, cacau e açúcar, e que permaneciam vários dias aportadas em Caiena, já deviam ter transportado a espécie para alguma das regiões do Brasil, “onde prolifera sem ter sido ainda notada” (Damasceno apud Fraiha Neto, 1968, p. 290).
Neste artigo, dando voz a uma preocupação que se generalizaria entre os sanitaristas brasileiros, Fraiha Neto alertava para o risco de reemergência da febre amarela urbana. No vale amazônico, onde a forma silvestre era uma ameaça constante, construíam-se à época a Transamazônica e outras estradas e cresciam desordenadamente antigos e novos centros urbanos às suas margens. As últimas epidemias da doença urbana tinham ocorrido em Sena Madureira, Acre, em 1942, e em Trinidad e Tobago, em 1954, mas podiam voltar.
A muito custo foi reorganizada uma maquinaria similar à do SNFA, incumbindo-se um antigo funcionário deste, Pedro Freire Fausto, das operações contra a reinfestação do Pará e Maranhão (Calheiros, 1988). De acordo com o sanitarista Nelson Moraes, “foi uma tarefa gigantesca, apesar de serem cidades pequenas. O mosquito era resistente ao DDT, e tivemos que usar inseticidas fosforados, caros e difíceis de se lidar” (Jornal do Brasil, 1977, p. 17).
Entre os recipientes desinsetizados pelas equipes da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), que em 1970 substituiu o DNERu, sobressaíam os pneus, testemunhos mais ubíquos das políticas que haviam transformado os automóveis e demais veículos automotores em meios hegemônicos de transporte. O cultivo em água dentro das casas de plantas como as jiboias também contribuiu para a difusão do mosquito nas cidades27.
Foi recriada uma rede de postos de viscerotomia e intensificaram-se as vacinações nas regiões expostas à febre amarela silvestre de modo a atingir a população atraída para a região amazônica e o Centro-Oeste pelos grandes projetos de colonização, mineração e obras públicas. Em 1979, quinhentos postos de viscerotomia enviavam amostras de fígado aos institutos Evandro Chagas, Oswaldo Cruz e Adolfo Lutz. O número de pessoas vacinadas dobrou em 1978-1979, atingindo 3,5 milhões de indivíduos. Adotou-se um ciclo quinquenal de vacinações em todas as regiões expostas à febre amarela silvestre, supondo-se que assim se alcançaria cobertura de 80% da população vulnerável28. Mas o Aedes aegypti continuou a se alastrar. Em 1976, foi encontrado em Salvador, então com 1,2 milhões de habitantes. Nova campanha de erradicação do inseto foi deslanchada no final daquele ano, mas a intensa movimentação rodoviária, marítima e aérea entre a capital da Bahia e o Rio de Janeiro levou o mosquito a esta cidade, com 6 milhões de habitantes. Em 1982 foi encontrado em Niterói e em 13 bairros do Rio de Janeiro, chegando a infestação perto do índice considerado alarmante pela OMS.
Nesse ínterim, houve um recrudescimento dos surtos de febre amarela silvestre que se aproximou das áreas reconquistadas pelo vetor da febre amarela urbana. A gravidade do risco foi realçada pela notícia de que o ator Jason Robards havia contraído a doença durante as filmagens na selva amazônica de Fitzcarraldo, de Werner Herzog (Doença Perene, 1981). Várias organizações e especialistas chamavam a atenção para o perigo da reurbanização da febre amarela e para a necessidade de se reconstruir a orquestração continental contra o Aedes aegypti. As vagas de febre amarela no cinturão afro-americano e o temor de uma epidemia em áreas ainda não infectadas no Extremo Oriente levaram à convocação de um simpósio internacional em Belém, em 1980, para rever diferentes aspectos da doença à luz do ferramental mais sofisticado e recente da virologia, biologia molecular e imunologia.
O resultado da proliferação do Aedes aegypti foi o primeiro surto de dengue no país, em Roraima, em 1982. Esta doença passara a figurar como ameaça complementar à febre amarela após as epidemias ocorridas em Cuba em 1977 e 1981. A do Rio de Janeiro, em 1986-1987, revelou pela primeira vez o Aedes albopictus, mosquito originário da Ásia, onde é vetor de dengue e encefalite japonesa, e que entrou no Brasil através de portos que exportavam ferro para o Japão.
Nos anos 1990, a tensão entre combater o Aedes aegypti ou ampliar as vacinações para impedir a reurbanização da febre amarela resolveu-se em favor da segunda estratégia. A antiamarílica foi absorvida pelo Programa Nacional de Imunizações e em seguida a vacinação de rotina em crianças foi introduzida no Programa Ampliado de Imunizações (PAI). As vacinações aumentaram mais de 600%, saltando para 16.125.871 de doses aplicadas em 1999. Houve algumas mortes ligadas à antiamarílica (Brasil, 2000), analisadas por uma comissão internacional de especialistas que verificou que estes ‘eventos adversos’ tinham a ver com processos relacionados à interação do vírus vacinal com particularidades orgânicas ainda desconhecida dos indivíduos. A imunização universal foi cancelada, mas a equação risco-benefício continuou (e continua) a justificar vacinações nas áreas de risco, com protocolos mais rigorosos de vigilância.
Febre amarela, uma história inacabada
As fronteiras entre áreas indenes e áreas de risco mudaram perigosamente nos últimos anos por efeito de alterações ambientais e socioeconômicas e da ineficiência das políticas públicas. Há evidências de que as respostas imunológicas à doença no homem podem ser alteradas pela exposição a outros flavivírus - o da dengue, por exemplo. Essa proteção cruzada é a principal explicação para o fato de não se ter urbanizado ainda a febre amarela nas Américas. Mas permanece o risco, assim como o da urbanização de vetores silvestres. As mortes ocorridas no começo de 2008 na cidade de San Lorenzo, no Paraguai, mostram que a urbanização da febre amarela é possível.
A incapacidade revelada pelos governos estaduais, municipais e o federal de enfrentar o Aedes aegypti, vetor dos vírus da dengue e zika (ambos do gênero Flavivirus, como o da febre amarela) e da Chikungunya (da família Togaviridae) tem como contrapartida, em toda conjuntura de crise, a expectativa das autoridades públicas nalguma saída providencial por via de novas tecnologias em gestação (Bueno et al., 2017).
E, de fato, técnicas diferentes daquelas adotadas nos anos 1930 podem vir a revolucionar a vacina contra a febre amarela e outros flavivírus, inclusive o da dengue. Desde a descoberta nos anos 1980 do PCR (Reação de Amplificação em Cadeia), que permite amplificar e, assim, caracterizar geneticamente qualquer fragmento de DNA, esforço considerável de pesquisa foi direcionado para o esclarecimento das bases moleculares da atenuação desses vírus. Hoje é possível ‘engenheirar’ o genoma do vírus vacinal e produzir mutantes capazes de desencadear no organismo humano reação imunitária contra os vírus de mais de uma doença. Essa linha de inovação é perseguida para a dengue, mas para a febre amarela houve uma guinada em direção a vacinas feitas com vírus não vivos ou inativados por meio de diferentes métodos físico-químicos ou biológicos.
Em 2011, foi assinado um acordo entre uma unidade da Fiocruz, Bio-Manguinhos, uma empresa alemã, “Fraunhofer Center for Molecular Biotechnology”, e outra norte-americana, iBio Inc, tendo em mira outro processo inovador. O gene que codifica a proteína do vírus da febre amarela responsável pela indução da resposta imunológica no organismo é introduzido nas células da folha do tabaco (Nicotiana benthamina). À medida que se desenvolve a planta, suas folhas produzem grande quantidade do antígeno a ser usado na vacina. Tais ‘bio-fábricas’ já são utilizadas na produção de substâncias como a insulina (Marinho, 2011).
Importantes inovações ocorrem também no combate ao Aedes aegpty. A partir de 2011, o Projeto Aedes Transgênico liberou em municípios da Bahia milhões de machos que carregam um gene fatal para as larvas resultantes do cruzamento com fêmeas selvagens, levando-as à morte antes da fase adulta. Os mosquitos desenvolvidos pela empresa britânica Oxitec foram criados numa biofábrica (Moscamed Brasil) fundada originalmente para a produção de insetos para controle da mosca-das-frutas. Em meados de 2012, a empresa inaugurou nova unidade capaz de produzir milhões de Aedes aegypti transgênicos.
Vários usos da genética para inviabilizar a capacidade vetorial de insetos de importância médica e agrícola foram propostos desde os anos 1950, mas para especialistas vinculados a outra corrente de opinião, mudanças no comportamento humano podem resultar em redução mais simples e eficiente do contato homem-vetor que intervenções baseadas em controle genético.
A crise da zika colocou em evidência outra estratégia de controle do Aedes aegypti desenvolvida na Universidade de Monash, na Austrália. Consiste em transferir para os ovos do mosquito, por meio de microinjeção, a Walbachia, bactéria intracelular presente em 70% dos insetos do mundo. Ela não é capaz de contaminar vertebrados, mas bloqueia a atuação do vírus nos mosquitos. Ao se reproduzirem na natureza, passando a bactéria da mãe para o filho, até predominarem os mosquitos infectados, interromper-se-ia a transmissão da dengue (e supõe-se de outros vírus).
O Brasil é hoje referência no controle do Aedes aegypti devido à importância do vetor na história médico-sanitária do país. As populações brasileiras tornaram-se resistentes a várias classes de inseticidas. Uma rede nacional de monitoramento do mosquito trabalha na definição de protocolos e estratégias de avaliação desse fenômeno.
Os programas de controle do mosquito cederam de novo a primazia a ações anti-larvárias. Deveriam elas envolver saneamento básico, educação e participação popular, práticas pouco viáveis para um Estado que não adotou o conceito da integralidade subjacente ao projeto do SUS, que continua a lotear as esferas da ação pública em função de uma lógica clientelística sórdida e que cedeu ao crime organizado o controle de largas extensões do território nacional.
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