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O “papel transformador” de uma profissão: a economia moral dos epidemiologistas no Brasil (1970-2000)
The “transforming role” of a profession: the moral economy of epidemiologists in Brazil (1970-2000)
El “papel transformador” de una profesión: la economía moral de los epidemiólogos en Brasil (1970-2000)
Revista NUPEM (Online), vol. 13, núm. 29, pp. 133-154, 2021
Universidade Estadual do Paraná

Dossiê


Recepción: 15 Noviembre 2020

Aprobación: 13 Marzo 2021

DOI: https://doi.org/10.33871/nupem.2021.13.29.133-154

Financiamiento

Fuente: Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Janeiro

Nº de contrato: E-26/202.303/2019

Descripción del financiamiento: Este artigo é resultado de projeto financiado pela Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Janeiro (FAPERJ), com bolsa de pós-doutorado (PDR-10, processo: E-26/202.303/2019).

Resumo: Discute a história da Epidemio-logia e dos epidemiologistas no Brasil, principalmente entre 1970 e 2000. A partir da década de 1970, a especial-zação e a institucionalização da Epidemiologia como uma disciplina mobilizaram o surgimento da figura do epidemiologista, um profissional de saúde cuja atuação é pautada na concepção coletiva do processo saúde-doença. Argumento que a conformação da figura do epidemiologista envolveu a constituição de uma economia moral desses profissionais, pautada na crença do caráter transformador da disciplina, na articulação de métodos quantitativos e análises sociais, no engajamento na defesa da saúde pública, e na centra-lidade da desigualdade como tema. Essa constelação de valores morais, episte-mológicos, metodológicos e políticos, entretanto, foi experimentada de diferentes formas pelos epidemiologis-tas. Acompanho a emergência da figura do epidemiologista desde os anos 1970 até o início dos anos 2000, observando como os elementos que constituíram a economia moral foram discutidos e projetados por atores e instituições.

Palavras-chave: Epidemiologia, Epide-miologista, Economia moral, História da saúde, Saúde coletiva.

Abstract: It discusses the history of Epidemiology and epidemiologists in Brazil, mainly between 1970 and 2000. Since the 1970s, the specialization and institutionalization of Epidemiology mobilized the emergence of epidemiologists, health professionals oriented by the concept of health as a collective process. The emergence of epidemiologists, I argue, involved the constitution of a moral economy for these professionals, based on the belief in the transformative character of the discipline, the articulation of quantitative methods and social analyses, the engagement in the defense of public health, and the centrality of inequality as a theme. However, epidemiologists experienced this constellation of moral, epistemological, methodological, and political values in different ways. I follow the emergence of the figure of the epidemiologist from the 1970s until the early 2000s, observing how the elements that constituted the moral economy were discussed and designed by actors and institutions.

Keywords: Epidemiology, Epidemiologists, Moral economy, History of health, Public health.

Resumen: Discute la historia de la Epidemiología y los epidemiólogos en Brasil, principalmente entre 1970 y 2000. A partir de la década de 1970, la especialización e institucionalización de la Epidemiología como disciplina movilizó el surgimiento de la figura del epidemiólogo, un profesional de la salud cuyo rol se orienta en la concepción colectiva del proceso salud-enfermedad. Sostengo que la formación del epidemiólogo implicó la constitución de una economía moral para estos profesionales, basada en la creencia en el carácter transformador de la disciplina, en la articulación de métodos cuantitativos y análisis social, en el compromiso en la defensa de la salud pública y en la centralidad de la desigualdad como tema. Esta constelación de valores morales, epistemológicos, metodológicos y políticos, sin embargo, ha sido experimentada de diferentes formas por los epidemiólogos. Sigo el surgimiento de la figura del epidemiólogo desde la década de 1970 hasta principios de la de 2000, observando cómo los elementos que constituían la economía moral fueron discutidos y diseñados por actores e instituciones.

Palabras clave: Epidemiología, Epidemiólogo, Economía moral, Historia de salud, Salud pública.

Introdução1

Entre 02 e 04 de agosto do ano 2000, um seminário organizado pelo Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI) e promovido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) discutiu os caminhos da Epidemiologia brasileira para os primeiros anos do século XXI. Realizado em Brasília, o evento teve como um de seus produtos o III Plano Diretor para o Desenvolvimento da Epidemiologia no Brasil, documento elaborado por epidemiologistas de diferentes instituições e que participaram da definição dos planos anteriores (Abrasco, 2000). Esses planos, iniciados em 1989 pela Comissão de Epidemiologia da Abrasco, traçavam um panorama dos desafios políticos, profissionais e epistêmicos da disciplina, indicando as pautas que, se esperava, seriam priorizadas nos anos seguintes.

Documento bastante interessante para discussões sobre as agendas das políticas de saúde na virada do século XX para o XXI, o Plano Diretor traz também elementos bastante sugestivos sobre as pautas da Epidemiologia no país. Um ponto central para a área era o “compromisso com a construção do SUS” (Abrasco, 2000, p. 73), aspecto intrínseco ao papel de intervenção social característico do campo epidemiológico. Disciplina cuja constituição remete ao processo de quantificação do pensamento médico e ao desenvolvimento do conceito de população no século XIX (Amsterdamska, 2005; Desrosières, 2010), a Epidemiologia possuiu perfis distintos de acordo com contextos nacionais e regionais, com variações epistêmicas, políticas e morais.

No Brasil, o conhecimento epidemiológico era mobilizado por diferentes segmentos da medicina e da saúde pública desde o século XIX, sobretudo para o enfrentamento de doenças transmissíveis. Porém, somente na segunda metade do século XX, mais precisamente a partir do final dos anos 1970, a figura do epidemiologista ganhou contornos melhor definidos. Esse processo esteve intrinsecamente relacionado à construção do Sistema Único de Saúde (SUS), com atores e instituições vinculados ao movimento pela reforma sanitária e à constituição da área conhecida hoje como Saúde Coletiva (Barreto, 2002). Dessa forma, a Epidemiologia seria uma “ciência comprometida visceralmente” (Barata, 1999, p. 6) com a visão de saúde pública que orientou a organização do SUS e o campo da saúde desde os anos 1970.

Neste artigo, discuto especificamente como a constituição da Epidemiologia e da figura do epidemiologista envolveu a formulação de uma economia moral, um conjunto de valores, sentimentos, expectativas e posicionamentos políticos que moldaram códigos de conduta coletivos, a produção do conhecimento e a prática profissional de epidemiologistas no país. Essa economia moral é pautada por alguns elementos: o engajamento político na defesa da saúde pública; a centralidade da desigualdade como tema mobilizador; a valorização do caráter transformador da epidemiologia; e a articulação de metodologias quantitativas com análises sociais e políticas.

Argumento que a constituição dessa economia moral é atravessada por conflitos e contradições colocadas para os epidemiologistas em diferentes níveis, como a tensão entre uma proposta epistemológica que combine dados quantitativos e análise social e a realidade dos serviços de saúde, com persistentes limitações técnicas e políticas para a realização desse projeto epistêmico (Castiel, 1989). Essas tensões, na minha leitura, não chegam a criar diferentes regimes de economia moral para os epidemiologistas, e sim, indicam experiências distintas de um mesmo regime.

Para desenvolver essa discussão, abordarei a constituição dessa economia moral, principalmente a partir dos anos 1970, quando a figura do epidemiologista efetivamente ganhou definição profissional no campo da saúde brasileiro. Ao acompanhar esse processo, que envolve a institucionalização da disciplina, o engajamento político na reforma sanitária, o amadurecimento das agendas de pesquisa etc., apontarei as continuidades e descontinuidades dessas diferentes experiências da economia moral da Epidemiologia.

Algumas considerações metodológicas e historiográficas iniciais são necessárias. Primeiramente, é preciso destacar que a história da Epidemiologia, embora pouco discutida por historiadores profissionais, tem sido explorada por diferentes autores do campo da saúde coletiva (a exemplo de Almeida Filho, 1992; Ayres, 1997; Czeresnia, 1997), sobretudo numa chave interpretativa que aproxima os epidemiologistas do movimento pela reforma sanitária e de uma visão politicamente engajada do campo da saúde. Entretanto, como apontam Teixeira e Paiva (2014), essa historiografia oriunda da saúde coletiva é composta, principalmente, por autores-atores, personagens que participaram dos processos e realizam análises retrospectivas acerca deles. Tais esforços analíticos possuem características específicas e participam das disputas pela construção narrativa dos campos disciplinares.

Neste artigo, embora dialogue com essa literatura, opto por traçar outros caminhos narrativos, mobilizando mais uma historiografia da ciência interessada no aspecto moral da atividade científica do que a análise dos processos políticos de construção do Sistema Único de Saúde. Além disso, dou preferência a uma análise do que chamo de “figura do epidemiologista”, algo que se aproximaria do debate sociológico acerca dos papéis sociais e das personas científicas (Daston; Sibum, 2003; Ben-David, 1974), em vez de uma análise de trajetórias individuais ou coletivas.

Em segundo lugar, também é preciso situar a análise na própria historiografia e sociologia das ciências. O debate sobre o que mobiliza coletivamente os cientistas constitui uma pauta clássica dos estudos de ciência, com destaque tanto para a sociologia de Robert Merton e seu conceito de ethos (Merton, 2013) quanto aos Estudos Sociais das Ciências, do Programa Forte da Sociologia do Conhecimento (Bloor, 2009) à Teoria do Ator-Rede (Latour, 2012). Outra vertente importante diz respeito aos trabalhos sobre identidades socioprofissionais, explorando a construção histórica de categorias sociologicamente estáveis em profissões específicas. Neste artigo, dialogo com uma vertente dessa literatura que tem destacado o papel dos aspectos morais na produção do conhecimento e na organização social da ciência (Daston; Galison, 2007; Shapin, 1994, 2005; Daston, 2017). Essa discussão envolve reflexões sobre as noções de objetividade, verdade, civilidade e moral para os atores científicos.

Em termos metodológicos, o trabalho se vincula aos campos da História das Ciências e dos Estudos Sociais das Ciências. A pesquisa empírica teve como principal conjunto documental publicações em periódicos especializados do campo da saúde, a exemplo da Revista Brasileira de Epidemiologia, dos Cadernos de Saúde Pública, da Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, e do Informe Epidemiológico do SUS. Também foram analisadas publicações resultantes de seminários realizados pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e pela Comissão Nacional de Epidemiologia (CENEPI); teses e dissertações defendidas na Faculdade de Saúde Pública e no Departamento de Medicina Preventiva da USP; documentos normativos e diretrizes para a Epidemiologia publicados por órgãos de representação e pelo Ministério da Saúde.

As economias morais e a Epidemiologia no Brasil

O conceito de economia moral tem sido mobilizado por diferentes campos das ciências humanas, principalmente como uma ferramenta para compreensão de formas de ação coletiva que não recorra à psicologia social ou a possíveis limitações de categorias sociológicas, a exemplo da classe. Entre historiadores, o sentido mais conhecido desse conceito é o proposto por Edward Palmer Thompson (2008a), que o utilizou para discutir formas de ação cotidiana das multidões a partir de seus valores culturais e políticos. Ao argumentar que as multidões inglesas do século XVIII realizavam motins contra o aumento do preço do pão não somente por fome e desespero, mas também pela quebra de uma série de códigos de conduta e valores, Thompson debateu com uma leitura tradicional do materialismo histórico de que os atores sociais reagem a problemas na ordem da infraestrutura material.

Outro sentido importante do conceito, circunscrito à historiografia das ciências, é o elaborado por Lorraine Daston. Para a autora, a economia moral “é uma rede de valores saturados de afeto que se sustentam e funcionam num relacionamento bem definido um com o outro” (Daston, 2017, p. 39). Esses coletivos de emoções não somente conformariam personalidades coletivas para os cientistas, mas seriam “constitutivas dos aspectos considerados comumente [...] mais característicos da ciência como modo de conhecimento” (Daston, 2017, p. 38). Esses valores, portanto, moldariam a produção do conhecimento, tornando a atividade científica intrinsecamente moral.

Em ambas as acepções, a ideia de uma economia moral demanda uma leitura crítica dos dois termos que compõem o conceito. A dimensão econômica diz respeito a sistemas de trocas, mas não necessariamente de caráter mercantil, e sim, culturais: trocas de crenças, valores, referências, símbolos etc. O moral, por sua vez, possui diferentes conotações. Para Thompson (2008b), o termo se aproxima mais de uma cultura política, à ideia de que multidões possuem valores políticos compartilhados; Daston (2017), por sua vez, atribui essa moral a sentimentos e normas, a uma concepção de que o trabalho científico possui elementos valorativos que não são somente da ordem racionalista.

Partindo de revisões críticas recentemente feitas por Didier Fassin (2019) e Jaime Palomera e Thedora Vetta (2016), opero com uma noção de economia moral que leva em consideração tanto o sentido de uma cultura política, destacado por Thompson, quanto de um conjunto de sentimentos, articulado por Daston. A economia moral dos epidemiologistas, objeto deste artigo, se refere ao conjunto de valores políticos, aos sentimentos coletivos, às normas e expectativas de conduta sobre um grupo, e a uma forma compartilhada de pensar a produção do conhecimento.

Concordando com a perspectiva de Daston, defendo que a constituição de uma economia moral da Epidemiologia no Brasil envolveu particularidades tanto no sentido político quanto no valorativo, principalmente ligado ao processo de redemocratização do país e de reforma sanitária nos anos 1970 e 1980. Esses vínculos, associados à conformação epistemológica do que ficou conhecido como uma “epidemiologia latino-americana”2 (Barata; Barreto, 1996), emularam outras experiências para o campo epidemiológico no Brasil.

Dessa forma, procuro mapear essa constelação de valores, conhecimentos, métodos e práticas que participaram da demarcação da Epidemiologia como uma disciplina no campo da saúde e da figura do epidemiologista. Essa figura seria de um profissional comprometido com o fortalecimento do sistema de saúde, confiante na capacidade transformadora de sua disciplina, eticamente vinculado ao debate sobre desigualdade e formado para uma compreensão quantitativa e qualitativa do processo saúde-doença.

A Epidemiologia antes dos epidemiologistas

O desenvolvimento da Epidemiologia é bastante anterior ao surgimento da figura profissional do epidemiologista no Brasil, um especialista treinado para o trabalho nos serviços de saúde ou para a produção acadêmica. Seguindo os próprios referenciais da área, a Epidemiologia teria surgido no século XIX, a partir da confluência de preocupações com a saúde como um fenômeno coletivo, principalmente vinculado ao conceito de população, ao uso de métodos estatísticos para descrever e qualificar o processo saúde-doença (Almeida Filho, 1986). Um ponto importante nessa narrativa foi o papel da disciplina no enfrentamento a processos epidêmicos, como as epidemias de cólera ao longo do século XIX. Além de fornecer elementos para a análise do impacto das epidemias nas populações, o conhecimento epidemiológico teve papel central na compreensão dos mecanismos de transmissão (como no caso dos estudos de John Snow sobre o cólera em Londres) de doenças e na organização das ações públicas de combate às epidemias (Rosenberg, 1987).

Recorrendo a uma definição de Epidemiologia corrente entre os primeiros epidemiologistas no Brasil, oriunda do “Dictionary of Epidemiology”, ela seria “o estudo da distribuição e dos determinantes dos estados relacionados à saúde e eventos em populações, e aplicação deste estudo para o controle dos problemas de Saúde” (Last apud Castiel, 1989, p. 17). Nessa perspectiva, é possível falar sobre a produção de conhecimento epidemiológico no Brasil em períodos anteriores à demarcação da figura do epidemiologista.

Nas primeiras décadas do século XX, a epidemiologia era uma ferramenta mobilizada pelos médicos interessados em elaborar argumentos populacionais acerca da ocorrência de doenças específicas no país e organizar ações de combate às epidemias, compondo uma tríade fundamental à medicina preventiva: etiologia, epidemiologia e profilaxia (por exemplo: Júnior, 1936; Santos Neves, 1945). O sentido mobilizado pelos médicos para o termo significava uma dimensão da compreensão das doenças, seu aspecto coletivo e estatístico; ao mencionar a epidemiologia de uma doença, faziam referência à mortalidade e à frequência (segmentada por idade, sexo e raça).

Com a ampliação do aparato de saúde pública, sobretudo a partir da Era Vargas, a compreensão das doenças como fenômenos populacionais ganhou cada vez mais espaço na agenda da medicina brasileira. Havia, intrínseca a esse processo, a demanda pela produção de dados estatísticos, um instrumento crucial na formulação do que seria prioritário para a ação pública (Paim, 1975). A dimensão epidemiológica permitia visualizar a magnitude de cada enfermidade na população, servindo de parâmetro para a transformação de problemas específicos em “questões nacionais” (Camargo, 2016). No ensejo pela demanda por bases estatísticas mais amplas e mais confiáveis, foi criado, em 1941, o Serviço Federal de Bioestatística, como parte dos serviços nacionais implantados pela Reforma Capanema (Fonseca, 2007).

Nos anos 1950 e 1960, é possível visualizar um processo de diferenciação entre uma abordagem puramente descritiva a essas estatísticas, chamadas por alguns médicos de “patologia geográfica”, e o que seria propriamente uma epidemiologia (Araújo Neto, 2019). Esse período representa um ponto de inflexão em uma história mais geral da Epidemiologia, principalmente a partir do desenvolvimento do conceito de risco e dos estudos de morbidade, ambos responsáveis por transformar as bases conceituais e metodológicas da disciplina (Giroux, 2012; Aronowitz, 2015).

O conceito de risco epidemiológico tem origem nos anos 1950, a partir dos estudos sobre a relação entre tabagismo e câncer (Sellers, 1997) e da pesquisa sobre cardiopatias realizada em Massachussets, nos Estados Unidos, o Framingham Heart Study (Aronowitz, 2015). A partir da noção de fatores de risco, emergiu uma compreensão de que o adoecimento seria um processo multicausal, resultante das interações entre indivíduos e agentes que aumentavam as probabilidades da ocorrência de uma doença (Aronowitz, 2015). O conceito de risco abriu um amplo debate, inclusive na medicina brasileira, em torno dos estilos e condições de vida e os aspectos individuais e coletivos do adoecimento (Araújo Neto, 2019). Grosso modo, uma abordagem de matriz liberal associava a prevenção aos fatores de risco a práticas cotidianas individuais marcadas pelo imperativo da escolha; enquanto uma tradição vinculada ao materialismo histórico sustentava que a prevenção ao risco envolve ações de caráter coletivo e estruturais, demandando maior intervenção estatal. De toda forma, a centralidade dessa noção constituiu o que foi chamado pelos epidemiologistas de “modelo de risco”, em que o mapeamento e a intervenção sobre os fatores seriam pontos centrais.

O processo de incorporação dessa matriz conceitual pela medicina brasileira foi gradual, consolidando-se nos anos 1970 e 1980. A princípio, o debate se concentrava na diferenciação entre pesquisas descritivas e analíticas, sendo recorrente o argumento de que era preciso primeiro estabelecer uma base de dados ampla e confiável, para que em seguida fossem realizadas análises e planejadas intervenções (Mirra, 1962). O estabelecimento dessa base de dados envolvia a atuação de diferentes atores que não possuíam necessariamente um treinamento em epidemiologia. Os estudos dos anos 1950 e 1960 eram realizados, em grande medida, por médicos que possuíam especializações em áreas clínicas, em cirurgia ou em patologia.

Em termos institucionais, a atuação na área estava vinculada aos gabinetes da saúde pública e às escolas de higiene e de medicina preventiva. Nos primeiros, eram implementados serviços de estatística e de epidemiologia, pautados, principalmente, na mensuração da mortalidade (Paim, 1975). No espaço acadêmico, por sua vez, eram formados os primeiros grupos de pesquisa e fornecidos os primeiros cursos para treinamento específico em epidemiologia. Nesses espaços, a discussão sobre epidemiologia estava imersa no vocabulário e na agenda dos médicos sanitaristas. Por outro lado, havia também uma quantidade considerável de patologistas e cirurgiões engajados em pesquisas epidemiológicas. Essas diferentes localizações institucionais foram relevantes no processo de institucionalização da disciplina, vinculada a diferentes departamentos e faculdades (Araújo Neto, 2019).

Um caminho para reconhecer os diferentes percursos da institucionalização da Epidemiologia diz respeito aos periódicos nos quais os estudos eram publicados. Entre eles, é possível destacar os Arquivos de Higiene, publicação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) criada em 1927; os Arquivos da Faculdade de Higiene e Saúde Pública de São Paulo, cuja primeira edição é de 1947, reformulado em 1967 para a Revista de Saúde Pública; e a Revista Baiana de Saúde Pública, iniciada em 1974. Essas publicações, situadas nas perspectivas do sanitarismo e da medicina preventiva, trouxeram contribuições ao estudo da epidemiologia no país, sendo parte da estruturação da formação na área.

No âmbito do ensino médico, a Epidemiologia compunha o currículo da formação médica e das especializações e mestrados em Saúde Pública, Medicina Preventiva e Patologia (Arruda, 1976). Embora não houvesse uma titulação específica de epidemiologista, diversos profissionais com formação nessas áreas engajaram sua atuação no campo epidemiológico. Esse posicionamento institucional aproximou bastante a formação dos epidemiologistas das leituras críticas acerca do ensino médico e da organização da saúde pública brasileira, cruciais na emergência da medicina social e da saúde coletiva, além do movimento pela reforma sanitária no Brasil.

O surgimento de uma profissão engajada: os epidemiologistas no contexto da Reforma Sanitária

É difícil estabelecer uma data específica para o surgimento da figura do epidemiologista no Brasil. Esse processo envolve diferenças institucionais, regionais e geracionais, sendo possíveis diferentes recortes. Se observada a partir de uma cultura do sanitarismo, em suas diferentes vertentes e organizações institucionais (Fonseca, 2007; Lima; Fonseca, 2004), a conformação dessa figura pode ser associada ao desenvolvimento das pós-graduações em saúde pública. Por sua vez, pela ótica da crítica ao chamado modelo biomédico e de reforma do ensino médico na América Latina (Edler; Pires-Alves, 2018), vinculados à emergência da medicina social, os epidemiologistas também se formaram nas faculdades de medicina e em instituições específicas, como o Instituto de Medicina Social (Cordeiro, 2004).

Outro aspecto que dificulta a identificação dessa figura profissional é seu reconhecimento como parte das áreas da Saúde Pública e da Saúde Coletiva; nessa chave, a Epidemiologia seria uma das disciplinas que as conforma, devendo ser diferenciada de outras. Soma-se a esses pontos uma questão geracional, pois atores formados nos anos 1970 e 1980 encontram-se exatamente em um cenário de mudanças no perfil acadêmico do campo da saúde, marcado pela emergência da Saúde Coletiva como um campo disciplinar.

Em termos epistemológicos, esses atores e instituições compartilhavam um ambiente crítico à biomedicina, sobretudo à compreensão de saúde como oposto de doença que orientava ações tanto no campo médico quanto na saúde pública. Através de leituras do materialismo histórico, de filósofos da diferença como Michel Foucault, e dos trabalhos de Juan César García, Ivan Illitch e Thomas McKeown, moldava-se a defesa do papel transformador da saúde e a demanda por ações voltadas cada vez mais para a dimensão coletiva e social (Almeida Filho, 1986; Czeresnia, 1997; Barata, 2009).

Nesse processo, alguns espaços institucionais foram importantes na formação da figura do epidemiologista no Brasil. Entre eles, é possível mencionar a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP); a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP); o Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA); a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp); e o Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

A ENSP, criada em 1954 seguindo o modelo da Escola de Higiene e Saúde Pública da universidade John Hopkins (Lima; Fonseca, 2004), vivenciava na década de 1970 uma relevante transformação institucional, associada ao ambiente internacional dos debates sobre saúde e desenvolvimento e ao cenário nacional de maior preocupação com a formação de recursos humanos em saúde (Escorel, 1998). Nesse contexto, ocorreu o programa de descentralização dos cursos de pós-graduação em saúde pública oferecidos pela escola, resultando em iniciativas importantes na demarcação da Epidemiologia, como o Inquérito de Hipertensão, iniciado no Rio Grande do Sul em 1978 (Santos et al., 2004).

A Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, por sua vez, foi criada em 1918 como Laboratório de Higiene da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, a partir da atuação da Fundação Rockefeller (Marinho, 2001). Caracterizada como uma instituição tradicional de pesquisa em saúde pública, a faculdade foi um importante polo para o desenvolvimento da Epidemiologia e para a formação dos epidemiologistas, recebendo profissionais de diversos estados brasileiros para realização de mestrado e doutorado.

Entre 1970 e 1990, 62 das dissertações e teses defendidas nos cursos de mestrado e doutorado em Saúde Pública da Faculdade se enquadraram na área da Epidemiologia. Tal enquadramento é apresentado nas temáticas e metodologias dos trabalhos (estudos de mortalidade; discussão sobre aspectos epidemiológicos), na apresentação formal da tese em sua folha de capa (“tese apresentada ao Departamento de Epidemiologia...”), ou mesmo nos agradecimentos aos professores da seção de Epidemiologia da instituição.

A título de exemplo, pode-se citar o agradecimento de Suzana Pasternak Taschner, nome importante no campo de pesquisa sobre saúde, moradia e favelas no Brasil, a sua orientadora de doutorado, Maria Stella Ferreira Levy, professora do Departamento de Epidemiologia da FSP: “Finalmente, a Maria Stella [Ferreira Levy] mais do que uma orientadora, uma amiga para todas as horas, sem cujo estímulo esta tese jamais teria sido iniciada, sem cuja orientação jamais teria sido concluída” (Taschner, 1982, [s./p.]).

Embora possam ser abordados como procedimentos protocolares da produção acadêmica, os agradecimentos são sugestivos das redes estabelecidas entre os atores de um campo. Essas redes são, a um só tempo, epistêmicas, no sentido da filiação a grupos e correntes de pesquisa específicos, e “de afeto”, ou seja, de relações pessoais constituídas entre atores de um mesmo campo. Ao se filiar ao programa de pesquisa de um orientador ou de um departamento, o/a pesquisador(a) compartilha procedimentos metodológicos, referenciais epistêmicos, valores morais e políticos.

Nesse ponto, as considerações de Ludwik Fleck (2010) sobre a adesão dos cientistas iniciados são bastante interessantes. Segundo o autor, o processo de iniciação em um coletivo de pensamento, seja pela educação, seja pela prática, envolve uma assimilação coercitiva de um estilo de pensamento; dito de outro modo, ao ingressar em uma disciplina, os cientistas não somente são treinados sobre métodos e fatos científicos, mas também sobre visões de mundo e percepções culturais.

Dessa forma, no Departamento de Epidemiologia da FSP, diversas pesquisas epidemiológicas descritivas e analíticas foram desenvolvidas sob a orientação de professores e professoras com engajamento na disciplina desde os anos 1960, caso de Ruy Laurenti, Maria Stella Levy, Edmundo Juarez, Ayrosa Galvão, entre outros. É por essas redes que a economia moral se formulou e se fomentou.

Além da dimensão afetiva, o processo de conformação da figura do epidemiologista também envolveu o compartilhamento de um valor político, relacionado diretamente ao contexto de redemocratização do país. Organizada pela tradicional divisão entre medicina previdenciária e saúde pública (além da relevante atuação da filantropia), a estrutura sanitária brasileira privilegiava a medicina hospitalar, em uma concepção de saúde orientada pelo adoecimento (Lima; Fonseca; Hochman, 2005). A crítica ao modelo orientado pelo hospital e pela biomedicina foi uma das pautas importantes para o campo da saúde nos anos 1970 e 1980, sendo propostos modelos alternativos não somente quanto à organização da saúde pública, mas também ao próprio conceito de saúde.

Na década de 1970, uma conjunção de elementos políticos, epistêmicos e institucionais resultou na formação do Movimento Sanitário Brasileiro, que teve em instituições como o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) pontos estratégicos na mobilização por uma reforma sanitária (Teixeira; Paiva, 2014). Esse processo deve ser compreendido de forma indissociável da história da ditadura militar brasileira e da redemocratização, visto que as pautas do campo da saúde eram, ao mesmo tempo, da dimensão política.

Os anos 1980, momento de intensificação da mobilização pela reforma, também marcam a formulação mais clara da figura do epidemiologista, com posicionamentos reflexivos explícitos de atores sobre qual o papel da profissão na sociedade. Esse período também é marcado pela criação de novos periódicos ligados ao campo emergente da Saúde Coletiva, a exemplo dos Cadernos de Saúde Pública da ENSP, criados em 1985; e pela institucionalização da Epidemiologia nas pós-graduações, em espaços como o Instituto de Medicina Social da UERJ e os Departamentos de Medicina Preventiva (DMP) da UFBA, da UFRJ e da USP. Nesse sentido, é bastante interessante o estudo realizado por Torres e Czeresnia acerca da institucionalização do ensino de epidemiologia no DMP da UFRJ, mostrando como o processo de reforma sanitária impactou diretamente na organização da disciplina no currículo da faculdade:

Nessa época, a discussão predominante na saúde coletiva estava voltada para a construção das bases legais da reforma sanitária. O ensino de epidemiologia e estatística ainda fazia parte das disciplinas de medicina preventiva. A carga horária permaneceu a mesma e os conteúdos nos programas da disciplina, praticamente, não se alteraram em relação à fase anterior. Como era um momento de crítica ao sistema de saúde vigente, a necessidade de ressaltar as desigualdades existentes proporcionou maior destaque às abordagens da epidemiologia social. Manteve-se o predomínio dos aspectos formativos e o enfoque voltado para a saúde coletiva (Torres; Czeresnia, 2003, p. 537-538).

A epidemiologia social é uma área do campo disciplinar que compreende o processo saúde-doença como resultado de produções sociais, ou determinações sociais (Breilh et al., 1990). Embora existam diferentes perspectivas para a epidemiologia social, elas têm em comum uma abordagem “multinível ou hierárquica da realidade, a valorização de distintos processos ou mecanismos de produção e a consideração das influências recíprocas entre os distintos processos” envolvidos no fenômeno do adoecimento (Barata, 2005, p. 10). Nessa perspectiva, o maior destaque a essas abordagens na formação dos epidemiologistas colocou em relevo pautas como as desigualdades sociais e seus impactos na saúde da população. Assim, a figura do epidemiologista ganhava contornos a partir das tradições estatísticas e descritivas associadas à medicina preventiva e dos debates sobre desigualdades e condições de saúde pertinentes ao emergente campo da saúde coletiva.

A construção da desigualdade como um objeto relevante à Epidemiologia no Brasil estava em curso desde os anos 1970, com estudos investigando a relação entre os índices de saúde e variáveis socioeconômicas no país (Paim, 1975; Barros, 1986). Além disso, o próprio movimento crítico da medicina social, presente nos clássicos estudos de Arouca sobre o dilema preventivista e de Donnangelo sobre a relação entre saúde e sociedade (Silva; Barros, 2002), apontava para uma requalificação da discussão sobre desigualdade e saúde a partir de referenciais do materialismo histórico.

O enfoque maior na epidemiologia social e ampliação dos debates sobre desigualdades sociais também fazia parte de um esforço de demarcação disciplinar, na tentativa de emancipar a epidemiologia da medicina clínica (Almeida Filho, 1986). Essa emancipação consistia em superar um papel de ferramenta para o estudo de doenças pela medicina e estabelecer um lugar de disciplina formuladora de enunciados e intervenções capazes de transformar a ordem social. Foi nesse cenário de reformulação política, afetiva e epistêmica que se moldou a ideia do “papel transformador da Epidemiologia” e dos epidemiologistas, defendido por Frederico Simões Barbosa em editorial do segundo número dos Cadernos de Saúde Pública:

O que situa a Epidemiologia como instrumento transformador é exatamente sua macrovisão dos problemas de saúde, o que só foi possível com sua intromissão em terrenos até há pouco considerados independentes e isolados.

O papel transformador da Epidemiologia se coloca diante de sua capacidade de conhecer a realidade, de questionar as organizações sociais e econômicas de um país ou região e seu relacionamento com as condições de saúde da população.

E, particularmente, de ser capaz de propor medidas transformadoras que venham melhorar o estado de saúde e bem-estar de determinada sociedade. Antes de ser um instrumento para medir sadicamente o sofrimento humano, a epidemiologia projeta-se para o futuro como a ecologia da saúde, comprometida com o bem-estar social (Barbosa, 1985, p. 139).

Dessa forma, em meados dos anos 1980, traçava-se de forma mais clara os elementos da economia moral para os epidemiologistas. Com a premissa de ter participação fundamental no planejamento em saúde, a disciplina efetivamente começou a ocupar mais espaços nos serviços sanitários, ampliando a demanda pela formação de epidemiologistas e intensificando o processo de institucionalização.

Entretanto, a demarcação da Epidemiologia envolvia também tensionamentos e contradições. Um aspecto relevante diz respeito a como essa economia moral formulada na dimensão acadêmica se relacionou à prática dos epidemiologistas nos serviços de saúde. Os tensionamentos entre a dimensão acadêmica da epidemiologia e sua atuação nos serviços de saúde estiveram presentes tanto em fenômenos sanitários de grande impacto, caso da epidemia de HIV/Aids (Castro; Pereira; Souza, 1986), quanto pela própria estruturação do novo sistema de saúde (Buss, 1989; Castiel, 1989). O principal ponto de distanciamento envolvia a dificuldade de incorporação dos métodos e valores da Epidemiologia na prática dos serviços sanitários, sobretudo quanto ao planejamento e à adoção de medidas complexas pautadas em estudos quantitativos e qualitativos.

Epidemiologistas acadêmicos e de serviço: diferentes experiências da economia moral

Com a promulgação da Constituição de 1988 e da Lei Orgânica da Saúde de 1990, teve início o processo de estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS), envolvendo desafios institucionais e políticos como o financiamento, a relação entre princípios, diretrizes e práticas e a descentralização da gestão e dos serviços de saúde. Conectado a uma longa trajetória de tensões e problemas na organização da saúde pública brasileira, o SUS lidou (e lida) com questões estruturantes (Gerschman; Santos, 2006), e o desenvolvimento de áreas e políticas específicas dentro do sistema também se relacionam a esse cenário mais amplo de estruturação.

Na lei de 1990, estava previsto o estabelecimento de um sistema de vigilância epidemiológica no âmbito do SUS, “um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos” (Brasil, 1990). O funcionamento desse sistema envolvia diretamente a descentralização da gestão e a integração entre os diferentes entes federativos, e constituiu um ponto importante na atuação dos epidemiologistas, ocupando cargos nos serviços de saúde.

Integrada ao movimento mais amplo de constituição da Saúde Coletiva como uma disciplina, a Epidemiologia também se fortalecia institucionalmente no nível da pós-graduação, demarcando aspectos e pautas específicas do seu campo. Em 1990, foi realizado em Campinas o I Congresso Brasileiro de Epidemiologia, contando com aproximadamente 1500 participantes, distribuídos entre cursos, oficinas de trabalho, conferências, comunicações e pôsteres (Abrasco, 2004). Com o tema “Epidemiologia e desigualdade social: os desafios do final do século”, o congresso caracterizou-se como um espaço de afirmação da economia moral constituída nos anos 1970 e 1980, com expectativas positivas quanto ao papel dos epidemiologistas na organização do novo sistema de saúde.

Esse cenário favorável também contava com a criação do CENEPI, em 1990, que teve entre suas prerrogativas o estabelecimento de uma conexão entre os epidemiologistas acadêmicos e os de serviço. Em uma leitura retrospectiva sobre os anos 90, Maurício Barreto, nome importante na constituição do campo, afirma que “com a criação do CENEPI, à exceção de alguns momentos, a interlocução entre epidemiologistas da academia e epidemiologistas dos serviços foi intensificada, o que tornou ainda mais tênues as diferenças existentes entre estes dois mundos” (Barreto, 2002, p. 6). De fato, na perspectiva de aproximação entre a formação acadêmica e a atuação dos epidemiologistas nos serviços de saúde, o diálogo proporcionado pelo CENEPI foi fundamental para a inserção profissional e a organização do sistema de vigilância epidemiológica. Entretanto, a análise de publicações e documentos institucionais contemporâneos mostram um cenário mais complexo do que o comentado por Barreto.

Um aspecto central diz respeito à articulação de metodologias quantitativas e análises sociais nas pesquisas epidemiológicas, um dos pontos caros à formação dos epidemiologistas, pois sustentava o caráter transformador da disciplina. Um dos problemas, na leitura de atores mais inseridos no mundo acadêmico, dizia respeito às limitações dos serviços de saúde, remetendo ao uso da epidemiologia como uma ferramenta muito mais do que um campo analítico. Luís David Castiel (1989, p. 17-18), professor da ENSP, apontava essa questão em 1989:

é possível perceber que a Epidemiologia desenvolvida nos nossos Serviços de Saúde tende, em geral, a concentrar-se, em especial, na coleta, registro, consolidação, análise e divulgação de dados sobre a ocorrência de doenças transmissíveis assim como na organização e consecução de campanhas de vacinação. A investigação de casos suspeitos de doenças transmissíveis não costuma ser uma prática constante.

Via de regra, não se utiliza o instrumental epidemiológico para determinações mais apuradas que sirvam ao planejamento de ações de saúde. Por exemplo: a utilização do Enfoque de Risco, ou então técnicas de avaliação de serviços e programas de saúde.

Em síntese, a questão destacada pelo autor diz respeito à contraposição entre uma abordagem descritiva direcionada a doenças específicas, sobretudo transmissíveis, e outra mais “globalizante”, voltada para as condições de saúde. A observação de Castiel delimitava um problema que ia além da ordem prática, mas também comprometia a ideia de que a Epidemiologia teria um caráter transformador, uma vez que esse potencial estaria exatamente nas análises sociais e na participação no planejamento em saúde.

Embora a documentação que adentra os anos 1990 indique diversas melhorias na integração entre a academia e os serviços de saúde, também há a persistência da diferença entre uma proposta de abordagem complexa pelos epidemiologistas acadêmicos e o uso de métodos mais descritivos nos serviços. Essa pauta ocupou diversas avaliações acerca da disciplina nos anos 1990, e esteve presente também nos Planos Diretores para o Desenvolvimento da Epidemiologia no Brasil.

No segundo Plano, de 1995, era comentada a tensão entre as possibilidades oferecidas pela disciplina aos serviços de saúde e o desafio de sua incorporação nos diferentes níveis hierárquicos (Abrasco, 1997). No diagnóstico promovido pela Seção de Epidemiologia da Abrasco, responsável pela escrita do documento, o processo de transição pelo qual estados e municípios passavam para se adequar ao SUS tornava problemática a organização do sistema de vigilância (Abrasco, 1997). Na falta de entendimento quanto à descentralização da gestão da saúde pública, “a descontinuidade dos investimentos nos serviços de saúde e a falta de uma política adequada de recursos humanos têm levado a uma baixa fixação ou mesmo à evasão de profissionais capacitados” (Abrasco, 1997, p. 8).

Além dos desafios de incorporação dos epidemiologistas aos serviços e de uso articulado de metodologias quantitativas e analíticas para o estudo das situações de saúde, a vigilância de doenças e agravos e a avaliação dos serviços de saúde, a tensão entre uma vertente acadêmica e outra dos serviços da Epidemiologia também se colocava na dimensão da compreensão do próprio papel da disciplina. Atores situados na dimensão acadêmica e/ou diretiva do campo apontavam que a epidemiologia continuava, grande medida, a atuar como uma ferramenta para compreensão de doenças específicas, o que fomentava abordagens mais descritivas nos serviços. Segundo Ayres, era recorrente a visão de que “o destino da epidemiologia” seria “subordinar-se, potencializar mais e mais as ciências da saúde que se ocupam da dimensão individual do adoecimento, até o limite em que se é obrigado a parar e perguntar se o que se chama de epidemiológica ainda é ciência ou é apenas um ‘método’” (Ayres, 1993, p. 56).

O que se percebe, de uma maneira geral, é que o processo de estruturação do SUS ao longo dos anos 1990 colocou constrangimentos para a economia moral formulada pelos epidemiologistas nas décadas anteriores. O valor transformador da profissão precisava encarar a realidade do novo sistema de saúde, colocando circunstâncias específicas ao que era pensado para a disciplina em termos mais amplos. Seria possível argumentar que se trata de uma diferença entre discurso e prática, mas não penso que seja o caso. Também não parece ter havido outro regime de economia moral para os epidemiologistas de serviço, principalmente por conta dos vínculos estabelecidos entre os profissionais e a disciplina, que tinham como referência os parâmetros colocados pela dimensão acadêmica (Barreto et al., 1998). A princípio, a observação das fontes sugere experiências diferentes de uma mesma economia moral, colocadas pelas realidades institucionais e políticas de atuação dos profissionais.

Nos serviços de saúde, os epidemiologistas lidavam com cenários em que os problemas estruturais do sistema de saúde se apresentavam com maior ênfase, além de lidar com demandas e oscilações distintas da realidade acadêmica. Um dos aspectos importantes na atuação em serviços de saúde era “o papel do epidemiologista [...] no interior das equipes de gestão” (Cecilio, 1995, p. 117), uma que era necessário “equacionar uma certa tensão entre o ser ‘especialista’ [...] e a apropriação deste saber por um número crescente de trabalhadores que o utilizam na vida cotidiana” (Cecilio, 1995, p. 117).

Os distanciamentos entre as diretrizes para o campo epidemiológico e sua efetivação nos serviços de saúde foi um ponto de reflexão para diferentes atores, que identificaram, na década de 1990, uma crise da epidemiologia. Essa situação de crise, em resumo, consistia no esgotamento do chamado modelo de risco, comentado nas seções anteriores, que enfatizava uma abordagem mais restritiva sobre as doenças, limitando o caráter de transformação da ordem social3 (Barata, 1999; Barreto et al., 1993). Para Rita Barradas Barata e Maurício Barreto (1996), por exemplo, esse cenário de crise tinha como pano de fundo a insuficiência do conceito de saúde mobilizado pela disciplina; os paradoxos resultantes das abordagens sobre o risco; e o descompasso entre a formulação teórica e a prática da epidemiologia.

A discussão sobre a crise da epidemiologia envolvia percepções sobre o impacto de processos epistêmicos e políticos de diferentes escalas, como a globalização, o avanço do neoliberalismo, a tensão entre biomedicina e saúde coletiva, a complexidade do conceito de saúde, e a intensificação das desigualdades. Esses processos, mais amplos do que a própria organização do campo epidemiológico, impuseram condições específicas à prática dos epidemiologistas e à própria organização do sistema de saúde brasileiro. A materialização do panorama crítico se dava, na leitura dos epidemiologistas acadêmicos, na valorização de uma abordagem restritiva sobre os fatores de risco. Para Barata e Barreto (1996, p. 78), havia “sinais evidentes do esgotamento do modelo de risco, tanto no que se refere às suas insuficiências teóricas quanto à sua relativa ineficiência prática”.

Nesse cenário de diferentes experiências da economia moral e de crise da disciplina, atores e instituições da Epidemiologia se mobilizaram em diversas arenas para propor agendas mais alinhadas aos princípios e valores que moldavam o campo disciplinar. Tais proposições também estavam articuladas ao cenário político de organização do SUS, com expectativas e indicações de mudanças importantes em relação à chegada do século XXI.

Agendas morais e epistêmicas para o século XXI

Nos últimos anos do século XX, os epidemiologistas brasileiros se mobilizaram de forma bastante intensa a fim de pensar as perspectivas para a disciplina no novo século que chegava. Esses atores procuraram reafirmar os aspectos que compunham sua economia moral, tentando aproximar a realidade da prática nos serviços daquilo pensado e praticado na academia. Esse momento de fim de século também foi marcado pela ampliação institucional da disciplina, com a criação de novos periódicos - como a Revista Brasileira de Epidemiologia (1998) -, a realização de mais congressos nacionais vinculados à Abrasco e a elaboração do III Plano Diretor para o Desenvolvimento da Epidemiologia no Brasil, no ano 2000.

Merece destaque, nesse contexto, a intensa produção bibliográfica da área nos últimos anos da década de 1990, com a organização de diversas coletâneas temáticas resultantes de congressos nacionais e internacionais. Essa produção também se relaciona à articulação entre epidemiologistas brasileiros e de outros países latino-americanos, parte do processo mais amplo de constituição da Epidemiologia latino-americana e de demarcação das particularidades da região nos processos de saúde e doença (Frenk et al., 1991; Barata, 1998). Um indicativo interessante desse movimento conjunto de fortalecimento das redes e de publicações é a organização conjunta do III Congresso Brasileiro de Epidemiologia, do II Congresso Ibero-americano e I Congresso Latino-Americano, em 1995.

De uma maneira geral, a posição adotada pelos epidemiologistas consistia em repensar referenciais teóricos e práticos da disciplina, tendo em vista uma maior complexidade analítica e de ação. Tal posicionamento contemplava, inclusive, o conceito de saúde, considerado por Naomar de Almeida Filho o “ponto-cego da Epidemiologia”, ou seja, uma limitação que os paradigmas da disciplina não conseguiam superar, “por causa do seu subdesenvolvimento epistemológico e conceitual” (Almeida Filho, 2000, p. 6). Partindo explicitamente dos conceitos de Thomas Kuhn e de um diálogo amplo com a filosofia e a sociologia da ciência, Almeida Filho ressaltava a permanência de uma concepção de saúde associada, uma visão demasiado centrada na doença, mesmo com as ferramentas metodológicas e teóricas que almejavam uma compreensão complexa do processo saúde-doença, como os inquéritos de morbidade (Almeida Filho, 2000, p. 7). A saída, indicada de forma preliminar pelo epidemiologista em sua conferência para a concurso de Professor Titular de Epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, envolvia “um imenso investimento de formulação teórica” (Almeida Filho, 2000, p. 7), repensando, inclusive, os indicadores em saúde.

Movimento similar era proposto para os conceitos de população e de risco. Para ambos, o desafio envolvia superar abordagens restritivas e simplistas das interações entre indivíduo e sociedade. Na leitura de Barata

O desafio que se coloca para a epidemiologia é repensar o conceito chave de população, levando em conta a ultrapassagem do antagonismo entre individualidade e sociedade, isto é, superando a concepção de coletivo quer seja como algo que paira acima e além dos indivíduos, quer seja como o somatório de elementos distintos, unidos apenas por certos traços ou características julgadas pertinentes naquele momento. Essas mesmas questões remetem ao conceito de risco como probabilidade de ocorrências de eventos de interesse para a saúde em determinados grupos populacionais (Barata, 1999, p. 10).

Nem todas as prospecções feitas para a disciplina, entretanto, envolviam a reformulação conceitual. Uma parte considerável das proposições envolvia uma maior aproximação entre os epidemiologistas e as ciências humanas e sociais, um movimento compreendido no âmbito da própria conformação da Saúde Coletiva e do pertencimento da Epidemiologia a esse campo (Goldbaum, 2001). Na dimensão da prática, ressaltava-se fortemente a importância dos epidemiologistas no planejamento em saúde, advogando pela maior articulação dos referenciais epidemiológicos na programação e gestão do SUS (Teixeira, 1999).

Em suma, as reivindicações dos epidemiologistas para a sua área no século XXI envolvia uma reafirmação dos elementos característicos da economia moral da disciplina em construção desde os anos 1970, mas que se transformavam na experiência concreta do sistema de saúde. Isso implica observar essas proposições de mudanças como parte de um processo mais amplo de constituição de um campo disciplinar, assentado em valores morais que alimentam perspectivas epistêmicas, discussões temáticas e abordagens metodológicas. Como colocado no III Plano Diretor, todas as deliberações dos epidemiologistas envolviam o “compromisso com a construção do SUS [...], especialmente no que diz respeito aos processos de municipalização e reorganização dos serviços” (Abrasco, 2000, p. 73).

É necessário ressaltar que o período entre séculos trazia consigo novas questões ao campo da saúde, sobretudo a pauta da globalização e de seus impactos na organização dos sistemas nacionais e das ações sanitárias em escalas transnacionais e locais. A emergência da ideia força de saúde global foi responsável por redesenhar as diretrizes do campo sanitário, com articulações multilaterais para o enfrentamento de problemas específicos e para a promoção da saúde. A “virada global” (Hodges, 2012) trouxe às disciplinas atuantes na área da saúde tensionamentos importantes, associados também à valorização exacerbada do que tem sido denominado de “saúde pública baseada em evidências”, ou seja, um modelo de ação e planejamento orientado por estudos de base estatística, sob a prerrogativa de maior objetividade científica (Adams, 2013).

Nesse cenário, muitos epidemiologistas acadêmicos brasileiros se posicionaram de modo crítico à perspectiva de supressão do local pelo global, sobretudo a partir da defesa de que a desigualdade social, aspecto crucial no processo de globalização, afeta intensamente as condições de saúde das populações em regiões periféricas, caso do Brasil (Barreto, 2000, p. 7). Paralelamente, o processo de incorporação de tecnologias, medicamentos e práticas relacionadas à biomedicina reforçava a crítica dos epidemiologistas aos modelos centrados no aspecto individual do adoecimento e a importância da determinação social do processo saúde-doença e da demanda por transformação da ordem social (Barreto, 2000, p. 6).

Dessa maneira, o caráter transformador da profissão foi constantemente retomado nas projeções para o século XXI, tendo como ponto central o enfrentamento às desigualdades e a promoção da saúde. Em 2001, um relatório elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e participação do CENEPI, apresentou um quadro geral das desigualdades sociais no país e seus impactos na saúde da população. O objetivo do documento era “estimular a incorporação do estudo das desigualdades, como um componente chave na análise do quadro epidemiológico nacional” (Vianna et al., 2001, p. 8).

O relatório, intitulado “Medindo as desigualdades em saúde no Brasil”, é significativo quanto à centralidade do tema para o campo da saúde, de maneira mais abrangente, e, consequentemente, para a Epidemiologia. Ao longo de seu texto, é apresentado o argumento de que as diferentes expressões de desigualdade afetam a saúde da população, desde os diferentes níveis de renda até o grau de escolaridade. Aos gestores, caberia planejar e desenvolver ações que visassem à redução das desigualdades, e, para tanto, a atuação dos epidemiologistas se tornava essencial, pois eles seriam capazes de fornecer e mobilizar indicadores quantitativos e qualitativos das condições sanitárias, além de “possibilitar a articulação das necessidades dos indivíduos às necessidades sociais dos grupos, sem que a subsunção do individual ao coletivo represente a anulação das subjetividades nem tampouco o predomínio do individualismo” (Barata, 1999, p. 17).

Finalmente, na virada para o século XXI, a Epidemiologia passava por um processo duplo de revisão de referenciais metodológicos e teóricos e de reafirmação de valores morais e epistêmicos constituídos desde os anos 1970 no Brasil. A tentativa de emancipação de uma visão restritiva do trabalho do epidemiologista, conectada ainda à medicina clínica e ao modelo de risco, situava-se no engajamento na área da Saúde Coletiva e no envolvimento com a construção do Sistema Único de Saúde. A consolidação dos espaços institucionais, tanto na academia quanto nos serviços, e o horizonte de expectativa de ampliação dos sistemas de vigilância e de fortalecimento do planejamento em saúde (Barreto, 2002; Câmara; Tembelini, 2003) sugeriam um cenário propício ao crescimento da disciplina. Os epidemiologistas não só defendiam o caráter transformador de sua profissão, eles compartilhavam uma crença nesse papel social.

Considerações finais

Neste artigo, discuti o surgimento da figura do epidemiologista no contexto do processo de demarcação e profissionalização da disciplina no Brasil, observando a conformação de uma economia moral desses profissionais. Esse processo ganhou contornos mais nítidos a partir dos anos 1970, com o estabelecimento e compartilhamento de traços epistêmicos, profissionais, políticos e morais que se tornariam característicos da Epidemiologia brasileira. Destaquei, aqui, quatro pontos: o engajamento político na defesa da saúde pública; a centralidade da desigualdade como tema mobilizador; a valorização do caráter transformador da epidemiologia; e a articulação de metodologias quantitativas com análises sociais e políticas.

Embora o enquadramento explorado neste artigo possua um caráter mais generalista, é preciso lembrar que as economias morais são, por definição, dinâmicas e emulam diferentes experiências entre atores e instituições (Palomera; Vetta, 2016). Nesse sentido, o caminho percorrido neste artigo consiste em um ponto de partida para pensar a constituição da Epidemiologia como disciplina no Brasil e os elementos políticos, epistêmicos e morais envolvidos nessa demarcação. O exercício de considerar os aspectos morais e afetivos como parte da constituição de culturas epistêmicas e de modelos metodológicos é bastante complexo, e incorre no risco de uma análise hagiográfica (Daston; Sibum, 2003). Porém, abordar da história dos epidemiologistas e de sua área por esses referenciais possibilita outras perspectivas analíticas além dos marcadores já estabelecidos na Saúde Coletiva e na própria Epidemiologia.

Posicionando-se como uma profissão engajada em seu “papel transformador”, a Epidemiologia tem ocupado importante lugar no pensamento e na tomada de decisões em saúde nas últimas décadas e merece maior atenção da historiografia. Os tensionamentos com outras disciplinas inscritas no campo da Saúde Coletiva; a contraposição epistêmica com a biomedicina; a formulação de uma compreensão específica para o conceito de desigualdade; e as variações institucionais e práticas da Epidemiologia em âmbito nacional e internacional são pautas importantes a serem exploradas pela disciplina histórica.

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Notas

1 Este artigo é resultado de projeto financiado pela Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Janeiro (FAPERJ), com bolsa de pós-doutorado (PDR-10, processo: E-26/202.303/2019).
2 De modo similar à “medicina social latino-americana” (Iriart et al., 2002), a designação de uma epidemiologia específica à América Latina resulta do processo de institucionalização da disciplina na região, posterior ao ocorrido na Europa e nos Estados Unidos. Esse processo envolveu, entre outros aspectos, a percepção de que o conhecimento e a prática epidemiológica deveriam ser situados nos elementos estruturantes e condicionantes da formação social na América Latina, notadamente os impactos da colonização e da exploração das antigas metrópoles (Barata; Barreto, 1996).
3 Outro sentido atribuído à “crise da epidemiologia” consistia num diálogo com os Science Studies, mais especificamente à noção de Thomas Kuhn (2013) de que a crise consiste em um processo necessário à transformação de paradigmas. Nessa chave, alguns epidemiologistas mobilizaram a ideia de crise para apontar a necessidade de um novo modelo epistêmico para a área (Almeida Filho, 2000; Ayres, 2002).


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