Artigo
O "Alasca brasileiro": debates sobre a autonomia do Acre na imprensa e no Congresso Nacional em 1909
The “Brazilian Alaska”: Debates on the Autonomy of Acre in the Press and the National Congress in 1909
O "Alasca brasileiro": debates sobre a autonomia do Acre na imprensa e no Congresso Nacional em 1909
Esboços: histórias em contextos globais, vol. 26, núm. 42, pp. 404-422, 2019
Universidade Federal de Santa Catarina
Recepção: 12 Junho 2018
Aprovação: 10 Dezembro 2018
Financiamento
Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar os debates frente à situação jurídica do Território Federal do Acre e as reivindicações locais por autonomia econômica e política no início do século XX. Para tanto, foi analisada uma polêmica envolvendo a imprensa carioca e o deputado federal Justiniano José de Serpa (1852-1923). Em 22 de novembro de 1909, Serpa proferiu um discurso na Câmara federal traçando uma ampla comparação entre o Território Federal do Acre e o então Distrito do Alasca para repudiar a possibilidade de elevação do Acre a estado da Federação. Este artigo sugere que a imagem do Acre como o “Alasca brasileiro” adquiriu diferentes significados e converteu-se, sobretudo, em instrumento de pressão dos autonomistas do Acre pela conquista de mais direitos políticos e recursos do governo federal em paridade com as medidas adotadas pelos EUA em suas terras no Ártico.
Palavras-chave: Acre, Alasca, Território Federal.
Abstract: The aim of this article is to analyze the debates about the legal situation of the Federal Territory of Acre and the local demands for economic autonomy in the beginning of the twentieth century. To this end, the controversy involving the press in Rio de Janeiro and the federal deputy Justiniano José de Serpa (1852-1923) will be analyzed. On November 22, 1909, Serpa gave a speech in the Federal Assembly drawing a broad comparison between the Federal Territory of Acre and the then so-called District of Alaska in order to repudiate the possibility of the Acre state joining the federation. The article suggests that the image of Acre as the “Brazilian Alaska” acquired different meanings and became, moreover, an instrument of pressure from the autonomists of Acre to have more political rights and resources from the federal government on par with the measures adopted by the United States in their lands in the Arctic.
Keywords: Acre, Alaska, Federal Territory.
A região banhada pela parte alta das bacias dos rios Purus e Juruá era pertencente à Bolívia desde o Tratado de Ayacucho de 1867, mas foi ocupada por brasileiros vindos do interior dos estados do Nordeste, afetados pela seca, nas décadas seguintes. Esses brasileiros subiram os rios, cruzando a fronteira boliviana, buscando a Hevea brasiliensis, árvore de onde era extraído o látex para suprir a crescente demanda internacional por borracha (MACHADO, 1997; DEAN, 1989; TOCANTINS, 1979a). Essa ocupação gerou uma série de conflitos armados na região e tornou-se uma questão diplomática, a partir de 1895. O litígio envolveu, principalmente, o Brasil, o Peru, a Bolívia e um consórcio de empresas norte-americano, o Bolivian Syndicate, para quem o governo boliviano arrendou a área. O conflito terminou com a assinatura do Tratado de Petrópolis em 1903, pelo qual o território em disputa foi anexado ao Brasil. Em troca, o governo brasileiro pagou uma indenização de dois milhões de libras esterlinas para a Bolívia e construiu uma estrada de ferro ligando os rios Madeira e Mamoré (TOCANTINS, 1979b; BANDEIRA, 2000; BUENO, 2003).
Logo após a anexação da área ao Brasil, o Acre foi elevado à categoria de “território federal” pelo decreto n° 5. 188, de 7 de abril de 1904, ficando o regime administrativo a cargo do governo federal. O então Território Federal do Acre foi dividido em três unidades administrativas independentes governadas por prefeitos nomeados pelo presidente da República: Departamentos do Alto Acre (com sede em Empresa), do Alto Juruá (com sede em Cruzeiro do Sul) e do Alto Purus (com sede em Sena Madureira) (TOCANTINS, 1979b, p. 316-318).
Os primeiros anos de formação do Território Federal do Acre foram marcados pela constante reivindicação das elites seringalistas locais por autonomia política e econômica. Entretanto, ainda são raros os trabalhos que analisam esse aspecto da história acriana no início do século XX. O historiador Francisco Pereira Costa, por exemplo, abordou a emergência dos movimentos autonomistas ao analisar a formação do Poder Judiciário no Território do Acre. Segundo ele, a proposta de transformação do Acre em território federal inspirava-se na constituição dos Estados Unidos da América, mais precisamente no artigo 4°, que instituía que áreas anexadas ao território norte-americano deveriam primeiramente ficar sob a jurisdição federal, não gozando de autonomia política e jurídica. O Território Federal do Acre nascia como uma anomalia, pois a sua configuração jurídica não estava prevista e nem regulamentada na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891 (COSTA, 2005, p. 91-92).
Antônio José Souto Loureiro também aborda o problema das reivindicações locais e dos movimentos autonomistas, a partir dos acontecimentos políticos ocorridos no âmbito do Departamento do Alto Purus nas duas primeiras décadas do século XX. Para Loureiro, contudo, as elites seringalistas compartilhavam diferentes métodos de como atingir a autonomia política do Acre, o que levou a conflitos internos na região. As repetidas e distintas reivindicações das elites seringalistas junto ao governo federal por autonomia estadual culminaram em várias rebeliões, sendo as revoltas autonomistas do Alto Juruá, em 1910, e do Alto Purus, em 1912, as de maiores proporções (LOUREIRO, 2004).
Diferente dos demais trabalhos sobre o tema, no presente artigo será dada prioridade a relação dos autonomistas com o Congresso Nacional, onde eram votadas as leis que poderiam alterar a condição jurídica do Território. A polêmica comparação entre o então Território do Acre e o Distrito do Alasca é seguida nesse trabalho, a partir do discurso do deputado Justiniano de Serpa, localizando sua emergência na imprensa carioca e suas consequências para as reivindicações autonomistas.
Na primeira parte do artigo, será analisada a postura do Congresso Nacional, especialmente da Câmara federal, frente às reivindicações por autonomia no Território Federal do Acre a partir de alguns dos principais discursos proferidos entre 1905 e 1909. Na segunda parte, será analisado o discurso do deputado Justiniano de Serpa em resposta a um manifesto enviado à Câmara pelos seringalistas do Alto Juruá em 1909, quando teceu comparações entre o Acre e o Alasca. Por último, serão analisadas as repercussões de curto e longo prazo dessas comparações. Serão abordadas brevemente as similaridades e diferenças políticas e de luta por autonomia no Acre e no Alasca nas primeiras décadas do século XX, buscando entender o que levou os autonomistas a utilizarem a imagem do Acre como o “Alasca brasileiro”.
O TERRITÓRIO FEDERAL DO ACRE NO CONGRESSO NACIONAL
A ideia inicial de transformar as partes altas das bacias dos rios Purus e Juruá, provisoriamente, em um território federal foi de Joaquim Francisco de Assis Brasil, então embaixador brasileiro nos EUA. O plano foi defendido junto ao barão do Rio Branco que, por sua vez, o apresentou para o Executivo federal e submeteu o projeto para apreciação do Congresso Nacional. Essa proposta foi rapidamente aprovada na Câmara e no Senado diante do acirramento das tensões com o Peru, país que não reconheceu o Tratado de Petrópolis e reclamava para si o Alto Juruá (TOCANTINS, 1979b, p. 312-313).
O Acre foi incorporado como um ente estranho na comunhão nacional. Em termos constitucionais, a situação jurídica do então Território Federal do Acre encontrava semelhança distante apenas com dois casos, que constituíam os artigos 2° e 3° da Constituição de 1891: o do Distrito Federal e o da área de 14.400 km² no planalto central que, no futuro, viria a ser demarcada para a construção da nova capital. Ainda assim, o artigo 3° possui um parágrafo único que destaca: “efetuada a mudança da capital, o atual Distrito Federal passará a constituir um estado” (BRASIL, 2012, p. 69-70). Entretanto, o então Distrito Federal poderia alistar eleitores e eleger quatro cadeiras na Câmara e três no Senado. Já a condição jurídica do Território Federal do Acre não permitia o alistamento de eleitores, não autorizava qualquer representação na Câmara ou no Senado e seus habitantes não poderiam escolher os chefes do Executivo nos departamentos, nem votar em presidente e vice-presidente. As elites locais foram autorizadas apenas a tornarem-se membros da Guarda Nacional. Em termos econômicos, era de competência única e exclusiva do governo federal arrecadar impostos sobre a borracha e repassar uma parte para as prefeituras. A quantia repassada, no entanto, dependia de aprovação do orçamento anual da União pela Câmara e pelo Senado.
No Congresso, as bancadas dos estados do Amazonas, Ceará e Pará tinham particular interesse no que acontecia no Território do Acre e nas decisões envolvendo a área ao longo dos anos 1900 e 1910. No Amazonas, a oligarquia Nery não aceitou facilmente a emergência do Território Federal do Acre, que, na prática, representou um duro golpe nas finanças do estado, devido à borracha acriana ser, antes da anexação, responsável por um terço das exportações amazonenses. Os deputados do Amazonas fizeram oposição ao projeto de transformação do Acre em território federal já na Câmara (TOCANTINS, 1979b, p. 312-313). Contudo, diante da derrota tanto na Câmara quanto no Senado, o governador Antônio Constantino Nery (1904-1908) contratou o jurista Rui Barbosa para reivindicar no Supremo Tribunal Federal a anexação do “Acre Setentrional” ao Amazonas (FERREIRA, 2007, p. 221). Ao longo das décadas de 1900 e 1910, os deputados do Amazonas pressionariam, de um lado, pela anexação do Acre ao seu estado e, de outro, travariam os debates sobre a reorganização política do Território pela situação sub judice da área.
Os Accioly, no Ceará, por sua vez, demonstravam simpatia com a possibilidade do Território do Acre ser transformado em estado da Federação, devido à grande quantidade de cearenses que migraram para a região. Membros do partido autonomista de Antônio Antunes de Alencar, no Alto Acre, por exemplo, mantinham fortes ligações com os Accioly.1 Por outro lado, a bancada paraense também protagonizava as discussões na Câmara e no Senado sobre a reorganização administrativa, jurídica e econômica do Território. A preocupação do Pará girava em torno dos interesses comerciais sobre a exportação da borracha em Belém e de sua guerra fiscal com Manaus. Esse conflito foi intensificado com a Lei Estadual de Beneficiamento da Borracha de 1900, aprovada pelo então governador amazonense Silvério Nery, que causou fortes prejuízos em Belém.2 A atuação da bancada paraense se dava em função de criar embaraços aos interesses de anexação do Acre ao Amazonas, o que se traduziu em uma política visando a consolidação do domínio da União sobre a área.
Houve iniciativas individuais de deputados que chamaram atenção para a organização política do Acre e para a forma como o Território era sitiado pelos interesses do estado do Amazonas e da própria União. Germano Hasslocher, deputado pelo Rio Grande do Sul, por exemplo, subiu à tribuna em 8 de dezembro de 1905 para discursar contra o projeto de lei da bancada amazonense que aumentava de 18% para 23% o imposto federal sobre a exportação da borracha do Território. De acordo com Hasslocher, os acrianos eram uma “raça desprezada, sem direito sequer a comiseração, explorados, espoliados” pelo governo federal, e defendeu a elevação do Território do Acre a estado, com autonomia política e econômica (NA CÂMARA…, 9 dez. 1905, p. 1). A proposta foi enfaticamente aceita pelo deputado cearense Francisco Sá, mas recusada veementemente pela bancada amazonense (O ACRE…, 12 dez. 1905, p. 4).
Outro caso foi o do deputado paraense Justiniano de Serpa, que apoiava mudanças na organização administrativa, judiciária e financeira do Acre, reforçando a presença do Estado na região e mitigando alguns dos problemas lá existentes. Em 1908, Serpa discursou na Câmara enfatizando o completo estado de abandono dos departamentos do Território do Acre, onde faltavam direitos básicos como justiça e políticas de saúde. Segundo o deputado, os habitantes do Acre só eram brasileiros “para o pagamento de impostos e defesa do território nacional, quando ameaçados de invasão” (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 25 nov. 1909, p. 3084). Justiniano de Serpa denunciava que o governo federal só se fazia presente no Acre por meio da cobrança de impostos e pela distribuição de patentes da Guarda Nacional. Ele defendia, assim, o aumento da presença do Estado na região por meio da promoção de políticas públicas de saúde, de uma reforma na organização judiciária e de um aumento dos repasses financeiros da União para os departamentos.
No Senado, algumas vozes também se ergueram em relação à aplicação das rendas do imposto sobre a borracha. Foi o caso do senador pelo Mato Grosso, Joaquim Murtinho, ex-ministro da Fazenda do governo Campos Sales (1898-1902), que ao Jornal do Commercio declarou que “a esse propósito, o que se tem feito até agora com o Acre é uma indignidade” e defendeu que “ao menos, metade da renda, que ele produzir, deve ser aplicada nos melhoramentos de que necessita” (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 25 nov. 1909, p. 3084). As palavras de Murtinho repercutiram dentro da Câmara dos Deputados, fortalecendo a posição dos que cobravam urgentes mudanças. O Legislativo, contudo, era majoritariamente contrário à transformação do Território do Acre em estado, embora fosse um discurso recorrente o da necessidade de uma nova lei que contemplasse mais recursos destinados à região e mais direitos políticos.
O PROJETO DE LEI, O MANIFESTO E O POLÊMICO DISCURSO DE JUSTINIANO DE SERPA
Os governos Affonso Penna (1906-1909) e Nilo Peçanha (1909-1910) foram sensíveis às demandas por direitos políticos no Território do Acre. Em 21 de outubro de 1909, o Poder Executivo, por meio do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, apresentou uma proposta de lei dividindo o Território Federal do Acre em municípios autônomos com capacidade de alistamento eleitoral para a escolha de representantes na Câmara e no Senado e de votar para presidente e vice-presidente. O Acre permaneceria Território Federal, e a União continuaria dispondo dos impostos sobre a borracha, podendo legislar e nomear um governador-geral que ficaria em Sena Madureira, capital do território unificado. Essa medida, na prática, tornaria o status do Território do Acre similar ao do Distrito Federal (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 25 nov. 1909, p. 3084-3094).
Dias depois, em 18 de novembro, o deputado Justiniano de Serpa apresentou na Câmara dos deputados um documento chamado Manifesto do Povo Acreano pela Autonomia, redigido por alguns dos principais líderes autonomistas do Departamento do Alto Juruá. O manifesto vinha em nome dos seringalistas do departamento e com uma lista de apoiadores contendo oito mil assinaturas, pedindo ao Congresso a transformação do Território Federal do Acre em estado (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 21 nov. 1909, p. 3023-3025).
O documento continha diversos apontamentos sobre os problemas jurídicos, políticos e econômicos da manutenção do Acre como território federal e os motivos que levavam as elites locais a pedirem pela autonomia estadual. A começar pela inconstitucionalidade da existência de um território federal na comunhão nacional. O manifesto mantinha em destaque que a Constituição de 1891 não previa a aquisição de territórios e sua manutenção sob controle da União. O texto enfatizava também que o Acre era territorialmente maior que vários estados do Brasil e países da Europa, além de possuir em torno de 70 mil habitantes, população “quase igual” a de Mato Grosso, e ter densidade demográfica superior aos estados do Pará e Goiás. Sobre as rendas do Acre, apontava que, só no ano de 1907, a União arrecadou 14.125:000$ em impostos, receita maior que a de 16 estados do Brasil, representando também um terço de toda a produção da região Norte. Apesar da alta arrecadação, as prefeituras recebiam em troca apenas 250:000$ anuais, verba insuficiente para a construção e manutenção de escolas, estradas e infraestrutura que viesse a melhorar as condições de vida na região (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 21 nov. 1909, p. 3023).
O manifesto ainda continha cálculos sobre os gastos do governo brasileiro com a aquisição do Acre junto à Bolívia e comparações com o que o governo federal arrecadou em impostos desde a anexação:
O Governo da União, pela reivindicação do Acre, indenizou a Bolívia com dois milhões esterlinos, ou sejam 32.000:000$000. As alfândegas de Manaus e Belém já arrecadaram, proveniente do Acre para a União, de 1903 a 1907, a soma de 41.635:429$003, o que demonstra que do próprio trabalho do acreano resultou a indenização dos encargos acarretados para a Nação pela reivindicação diplomática deste Território (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 21 nov. 1909, p. 3023).
O documento finalizava com o apelo:
Somos brasileiros, mas dentro do país é como se estrangeiros fôssemos; somos republicanos, muitos de nós têm história política nos seus estados, a República não nos deve negar os benefícios da democracia; somos civilizados, nossos irmãos não nos devem olhar como selvagens, indignos de intervir na direção da nossa pátria. Conquistamos para a Nação, ao índio, pela nossa tenacidade, e ao estrangeiro, pela efusão do nosso sangue, esta terra magnífica e desconhecida; fomos os primeiros portadores da civilização ao ponto mais ocidental do Brasil, e nessa cruzada poderosa continuamos a lidar; é justo, é lógico que, no convívio da Federação Brasileira, tenhamos o nosso lugar (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 21 nov. 1909, p. 3024).
A proposta do Executivo para a reorganização administrativa do Território do Acre foi apreciada pela Comissão de Legislação e Justiça da Câmara, sob a liderança do deputado Frederico Borges (Ceará) e relatoria de Justiniano de Serpa (Pará) em 22 de novembro de 1909. A análise do relator foi feita confrontando a Constituição brasileira com a dos EUA e a interpretação de juristas brasileiros e americanos sobre a anexação e conformação de territórios federais. Serpa aproveitou o momento para dar uma resposta aos seringalistas, aos comerciantes e às populações do Departamento do Alto Juruá que assinaram o manifesto enviado à Câmara (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 25 nov. 1909, p. 3084-3094).
Para Justiniano de Serpa, o Território do Acre não poderia tornar-se autônomo devido ao perigo que essa condição representava para os interesses do país e para a paz e o progresso da própria região. Serpa iniciou seu discurso respondendo a acusação de que a existência do Território Federal do Acre era incompatível com a Constituição brasileira. Citando o jurista Clóvis Beviláqua, que teria lançado uma série de artigos no Jornal do Commercio na época da anexação do Acre ao Brasil, ele concordou que a Constituição não previa a incorporação e formação de territórios federais. Entretanto, ainda utilizando dos argumentos de Beviláqua, Serpa observou que não havia problemas em forçar o texto constitucional de modo a conformar uma unidade político-administrativa diretamente subordinada à União durante as repercussões internacionais do litígio com a Bolívia e com o Peru. Para Beviláqua, era lícito transformar o território em estado, contanto que houvessem “elementos econômicos, morais e culturais suficientes para servirem de base a essa construção política” (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 25 nov. 1909, p. 3084). Esses elementos econômicos, morais e culturais estavam diretamente ligados às atividades produtivas que fixassem as famílias na terra e à criação de um sentimento de unidade e pertencimento ao lugar.
O deputado foi mais adiante na defesa da legitimidade do território federal e na prerrogativa do Congresso sobre o destino do Acre, ao comparar o caso brasileiro com o dos EUA. Citando a obra The General Principles of Constitutional Law in the United States of America (1898), do jurista norte-americano Thomas M. Cooley, Serpa defendeu que o governo dos EUA era soberano, independente das disposições do texto constitucional, nas suas decisões de compra e anexação de territórios. Essa era uma prerrogativa similar a de estabelecimentos de tratados internacionais e de declarações de guerra. E citando as ideias do também jurista americano John Marshall, Serpa uma vez mais reforçou que era competência do governo federal decretar leis e regulamentos que vigorassem no território (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 25 nov. 1909, p. 3084-3085). Desse modo, Justiniano de Serpa apontava que não havia disparidades jurídicas entre a forma como os EUA geriam seus territórios federais e a maneira como o Brasil geria o Território do Acre.
Após essa análise, Justiniano de Serpa teceu considerações sobre o Acre atender às condições consideradas mínimas, sejam econômicas ou culturais, para tornar-se estado da Federação. A começar pelo problema demográfico. Segundo o deputado, por mais que o Território Federal do Acre possuísse em torno de 70 mil habitantes, tratava-se de uma população de retirantes de estados do Nordeste assolados pela seca e, por essa razão, não levavam consigo as suas famílias. Assim, essa população não se fixava na terra e era marcada pela condição de nomadismo. Serpa asseverou também que uma população de 70 mil habitantes era pouco para uma área tão grande quanto a do Acre (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 25 nov. 1909, p. 3085).
O relator apontou que, além de nômade, a maioria dos habitantes do território era “inculta”, não podendo exercer adequadamente seus direitos políticos. Para dar suporte a essas considerações, Serpa citou as palavras do ex-presidente dos EUA Benjamin Harrison (1889-1893), que enfatizava a importância do governo norte- -americano avaliar sempre a “qualidade” da população dos territórios em paridade com a “quantidade” antes de elevá-los a estados. Por fim, o deputado ressaltou a falta de estradas, vias regulares de comunicação, indústria e comércio, condição fundamental, segundo ele, para o território tornar-se apto a ser incorporado como estado da Federação (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 25 nov. 1909, p. 3085)
O deputado então passou a analisar a dita prosperidade econômica do Território Federal do Acre frente a outros estados do Brasil, levantada no manifesto. Serpa faria mais uma comparação com os EUA, traçando finalmente o polêmico paralelo entre o Território do Acre e o Alasca, região do Ártico comprada pelo governo norte-americano aos russos em 1867.
Embora Justiniano de Serpa concordasse que o Acre produzia mais riquezas com a borracha do que vários estados brasileiros, o deputado desqualificou a pressão dos autonomistas acrianos ao traçar um paralelo com o Alasca. Para ele, “rico é o Alasca, nos Estados Unidos, e apesar de adquirido em 1867 e ter uma população de 60.000 habitantes, além de 8.000 índios, nem território é” (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 25 nov. 1909, p. 3085). Segundo Serpa, o Alasca era demograficamente e economicamente superior ao Acre, pois sua população de aproximadamente 68 mil habitantes era fixa à terra e as riquezas que gerava eram exponencialmente maiores devido às exportações de ouro, prata, cobre e pescado. Utilizando-se de dados contidos em um artigo publicado no Jornal do Commercio dias antes, o deputado apontou que o Alasca exportou o equivalente a 272.000:000$000 em pescado e 461.000:000$000 em ouro desde que os EUA estabeleceram um governo local. Entre 1904 e 1907, o Alasca também teria exportado 8,7 milhões de libras em cobre e possuía vastos depósitos de carvão e petróleo, prontos para serem explorados (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 25 nov. 1909, p. 3085).
Apesar do volume das exportações, Serpa sublinhou que o Alasca era apenas um distrito subordinado a Washington, sem assembleias locais e com apenas um governador nomeado pela União. Somente três anos antes o Congresso norte- -americano aprovara a participação de um representante local, que podia discutir projetos de lei mas não tinha direito a voto. O deputado finalizou discursando que, embora os alasquianos tivessem apenas um representante no Congresso dos EUA, sem direito a voto, eles supostamente repudiavam a ideia do self-government estadual, “preferindo muito o benigno governo de Washington ao de qualquer congresso local dos em toda parte, temíveis politicians” (REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 25 nov. 1909, p. 3085).
O discurso de Justiniano de Serpa abordou, em seguida, a proposta de reorganização do Território Federal do Acre enviada pelo Executivo. A parte em que compara a condição do Acre à do Alasca é pequena frente ao discurso completo. Contudo, foi essa parte que repercutiu muito mais do que qualquer outro momento do seu discurso, permanecendo por anos nas reivindicações dos acrianos por autonomia política.
TÃO LONGE, TÃO PERTO: O DISTRITO DO ALASCA E O TERRITÓRIO FEDERAL DO ACRE
Praticamente todo o discurso de Justiniano de Serpa comparando o Território Federal do Acre ao então Distrito do Alasca teve como base um editorial lançado pelo Jornal do Commercio dias antes, em 3 de novembro de 1909, chamado “A questão do Acre” (A QUESTÃO…, 3 nov. 1909, p. 2). Embora o artigo começasse com uma declaração de simpatia a uma reorganização política do Território do Acre, o texto rebatia o manifesto entregue ao Congresso, que, segundo o autor, apresentava contornos de ultimato ao governo federal.
O editorial inicia com breves comparações entre a situação do Acre e das colônias britânicas e francesas nas ilhas do Caribe, analisando a atuação dos governos metropolitanos e o grau de autonomia dos protetorados. Entretanto, o artigo focou principalmente na forma como os EUA administravam territórios e admitiam a existência de novos estados, devido à inspiração norte-americana na formulação da Constituição brasileira de 1891 e na organização administrativa do Acre.
O texto cita primeiramente o caso da Louisiana e os nove anos em que permaneceu como território federal. Na época, importantes democratas, como Thomas Jefferson e James Madison, defendiam que os territórios deveriam ser administrados como “verdadeiras colônias, que o Congresso governava como entendia, regulando- -lhe o comércio sem referência à Constituição” (A QUESTÃO…, 3 nov. 1909, p. 2). Os casos de Utah, Missouri e Nevada são aludidos brevemente para exemplificar que o Congresso norte-americano tinha total prerrogativa para criar territórios e elevá-los à categoria de estados, decisão política que independia do período de tempo transcorrido e da situação demográfica da área. O caso de Porto Rico também é lembrado, devido a um acalorado debate sobre a aprovação de impostos alfandegários pelo Congresso em 1900, que eram inconstitucionais e estranhos aos estados americanos. Nesse sentido, o editorial apontou que a Suprema Corte Federal, em 1901, declarou que Porto Rico não era parte dos EUA, mas uma “propriedade pertencente” à União, e, por essa razão, a Constituição não se aplicava à ilha. Seguindo a tese de um professor de Direito da Universidade de Indiana, o artigo sublinhava que Porto Rico estava completamente sujeito às decisões do Poder Legislativo, pois seus habitantes não eram cidadãos americanos, mas vassalos (A QUESTÃO…, 3 nov. 1909, p. 2).
O editorial indicava que o Acre, juridicamente, estava mais próximo de ser uma colônia brasileira, assim como Porto Rico o era dos EUA. Mas o Alasca ganha destaque no texto devido a supostas semelhanças de ordem demográfica, econômica e territorial. O texto contém um breve histórico da compra do Alasca pelos EUA, da estrutura político-administrativa dada à nova possessão e da construção de infraestruturas de comunicação na área após a descoberta de ouro no rio Yukon. Coloca em destaque o fato de o Alasca ser uma possessão norte-americana há 32 anos e ainda não ser território federal e nem possuir um poder legislativo. As únicas vantagens políticas em relação ao Acre seriam que os habitantes do Alasca podiam eleger nos municípios os “seus próprios vereadores e os diretores do ensino” e poderiam também “levantar impostos municipais” (A QUESTÃO…, 3 nov. 1909, p. 2).
Os demais argumentos de ordem econômica e demográfica comparando o Acre com o Alasca são idênticos aos utilizados pelo deputado Justiniano de Serpa em sua fala na Câmara. Diante do argumento do Jornal do Commercio, o Acre deveria esperar, e muito, até que sua condição jurídica fosse modificada para a de um estado da Federação. O artigo é concluído indicando, contudo, que o Legislativo brasileiro tinha o dever de assegurar aos acrianos a liberdade, a segurança pessoal e o direito à propriedade, valores considerados universais de acordo com a Constituição dos EUA. Para isso, o governo federal deveria olhar com mais seriedade para o Acre, dotando a área de um conjunto de leis reunidas em uma “carta constitucional” própria, e investindo em saúde, obras públicas, policiamento e justiça (A QUESTÃO…, 3 nov. 1909, p. 2).
Não era a primeira vez que a imprensa carioca associava o Território do Acre a alguma região remota do Ártico. O historiador Francisco Bento da Silva analisa, em alguns dos seus trabalhos, como o extremo oeste da Amazônia era considerado pelo governo brasileiro e pela imprensa carioca uma região remota, distante, vazia e sem civilização. Essa região era apontada como uma “Sibéria tropical” ou lugar ideal para a prática do desterro em momentos de estado de sítio. Assim como a Sibéria para os russos, o Acre era para os brasileiros a terra dos desterrados: bandidos, revoltosos, desordeiros e outros foram enviados para lá de navio durante a Revolta da Vacina (1904) e a Revolta da Chibata (1910). E a imprensa no Distrito Federal reforçava a associação do Acre com a Sibéria por meio de piadas e charges (SILVA, 2011; 2013).
Também não era a primeira vez que políticos ilustres teciam comparações envolvendo o Acre e os territórios federais dos EUA na imprensa carioca. O próprio barão do Rio Branco, em dezembro de 1903, utilizou dados relativos à compra de territórios pelo governo norte-americano ao longo do século XIX para defender a posição do governo brasileiro no Tratado de Petrópolis. A compra do Alasca foi, inclusive, citada nesses artigos (TOCANTINS, 1979b, p. 300-303). Entretanto, quase seis anos depois, não só a condição política dos territórios federais dos EUA, mas do próprio Distrito do Alasca, eram utilizadas para reforçar os argumentos contrários à incorporação do Acre como estado da Federação. E foi o uso desses exemplos que acirrou a polêmica em torno da questão autonomista na imprensa.
No dia seguinte à publicação do editorial no Jornal do Commercio, o jornal O Paiz publicou uma reação, classificando as comparações feitas entre o Acre, as colônias europeias e os territórios norte-americanos como “sem fundamento e aplicação ao caso”. O artigo destacava que as colônias francesas e inglesas eram habitadas por indígenas “mais ou menos bárbaros”, carentes de civilização. Já o Acre era povoado por médicos, bacharéis, engenheiros, lavradores, brasileiros migrados de outras regiões do país e que tinham direitos políticos em seus estados de origem. Não fazia sentido que essas pessoas não pudessem dispor dos seus direitos políticos no Acre: “Que espécie de constitucionalismo parcial é este, que permite a brasileiros o direito de ser eleitor em todo o Brasil, e não ser eleitor no Acre?” (A QUESTÃO…, 5 nov. 1909, p. 8).
O artigo do jornal O Paiz refutava principalmente as comparações feitas com o Alasca. Segundo os editores, o Alasca não era economicamente superior ao Acre, já que os números apresentados pelo Jornal do Commercio eram referentes a 42 anos de exploração econômica da área. Dividindo as exportações totais do Alasca por 42, o jornal apontou que o distrito gerava anualmente em torno de 19.047:619$000 de renda, enquanto o Brasil arrecadou em 1908 o montante de 54.246:816$000 com a borracha do Acre. Mesmo assim, o autor enfatizou que “o caso não é de mais ou de menos produção. O caso é de mais ou de menos — direitos políticos — que se procura negar a brasileiros tão bons quanto nós”. O artigo finalizava com o apontamento de que, em pleno século XX, não se deveria tolerar a existência de protetorados, colônias e administrações provisórias, defendendo, assim, uma reorganização profunda do Território do Acre (A QUESTÃO…, 5 nov. 1909, p. 8).
No Acre, mais precisamente no Departamento do Alto Juruá, o chefe autonomista Carlos Vasconcellos deplorou em artigo o discurso de Justiniano de Serpa e as comparações feitas pelo Jornal do Commercio. O jornal Diário do Norte, de Manaus, publicou na íntegra a réplica de Vasconcellos em sua primeira página em 22 de maio de 1910. Para o autonomista, o Alasca ainda não era estado devido à área não ser contígua ao território americano e por ter sido comprado com o simples objetivo de gerar rendas a partir da exploração econômica. O Acre, ao contrário, foi adquirido pelo Brasil por já estar completamente sob o domínio privado de brasileiros que se insurgiram contra o domínio estrangeiro. Vasconcellos, contudo, aproveitou a comparação entre o Acre e o Alasca para tentar inverter o argumento do Jornal do Commercio, acusando o governo brasileiro de negligência para com as necessidades do Acre e reiterando a necessidade de autonomia política do território.
Demais, se o governo americano não cogita de fazer do Alasca um estado federado, tolice é supor que assim esteja a infligir à população, em vias de radicar-se ao solo, as mesmas injustiças e inconstitucionalidades pesadas sobre o Acre. O governo de Washington é o primeiro a demandar dos alascans [sic] os seus desejos: age de acordo consigo ao revés do [governo] do Rio, que ouve os emissários do Acre com o propósito de contrariá-los em tudo.
Desde que a população do Alasca teme os politicians e prefere o “benigno governo de Washington” ao self-government estadual, seria tão ilícito negar-lhe a tutela quanto é odioso impô-la aos acreanos. Em qualquer das hipóteses haveria uma contrariedade imposta à força, a populações livres... tal se coaduna com o culto da injustiça de nosso governo e não com os sentimentos de equidade dos americanos (VASCONCELLOS, 1910, p. 1).
O artigo de Vasconcellos converteu-se em comparações entre a forma como o governo dos EUA administrava o Alasca e a maneira como o governo brasileiro lidava com o Acre. Washington, supostamente, deliberava sobre o futuro do Alasca de acordo com a vontade das populações locais, produzia exposições, construía telégrafo, incentivava a navegação e cogitava estender sua malha ferroviária até o distrito, promovendo todo o conforto possível aos seus habitantes. Por outro lado, o Rio de Janeiro “mimoseava” o Acre com prefeitos que eram “defraudadores inescrupulosos”, com o “roubo” de suas rendas a partir de altos impostos e com o “desprezo” pelas necessidades dos seus habitantes. E concluía a comparação afirmando que “um, em suma, é o preceptor amigo; o outro é o algoz mesquinho” (VASCONCELLOS, 1910, p. 1).
O texto escrito por Vasconcellos terminou com uma ameaça ao governo federal. Alertou que os acrianos remeteriam uma constituição estadual para o Congresso Nacional e ela deveria ser aprovada para a entrada do Acre na Federação brasileira. “O Acre será em breve estado autônomo, porque os acrianos o querem, a natureza o favorece e a dignidade o impõe” (VASCONCELLOS, 1910, p. 1). De fato, menos de dois meses após a ameaça, explodiu uma revolta autonomista no Alto Juruá com a deposição do então prefeito João Cordeiro e a declaração do estado do Acre. O Governo Federal só retomaria o controle do Juruá em outubro de 1910, após conflitos internos no próprio movimento autonomista (COSTA, 2005, p. 284-285).
No auge da rebelião no Alto Juruá, mais precisamente em 26 de julho de 1910, os chefes da revolta enviaram uma carta para o deputado Justiniano de Serpa. Serpa, nesse momento, negociava uma rendição pacífica do movimento autonomista e o retorno das autoridades federais para a prefeitura do Juruá. O conteúdo da carta foi publicado no órgão oficial da prefeitura do Juruá, o jornal O Cruzeiro do Sul, durante o governo autonomista. Nessa carta, os líderes da rebelião retomaram a polêmica comparação entre o Acre e o Alasca ao reclamarem da insuficiência de verbas votadas na Câmara e no Senado para a manutenção das escolas do departamento no ano de 1910. A dotação de 400:000$000 naquele ano era insuficiente para manter o funcionamento das 36 escolas primárias e o Liceu Affonso Penna, única instituição secundária do Território do Acre. O baixo valor dos recursos destinados ao Juruá, aprovado pelo Congresso naquele ano, seria uma das provas do descaso do governo federal para com os habitantes do território e para com a educação dos filhos dos proprietários seringalistas, os “maiores contribuintes do mundo”, segundo a carta (CARVALHO et al, 1910, p. 2). De acordo com os chefes da rebelião, o Legislativo norte- -americano não era “capaz de recusar a Alasca ou a qualquer das suas possessões os benefícios da instrução!” (CARVALHO et al., 1910, p. 2).
As comparações entre o Acre e o Alasca diminuíram na capital federal, ainda em fins do ano de 1909. No Território do Acre, entretanto, o Alasca passou a ser uma referência dos autonomistas sobre a forma como os EUA eram supostamente mais cuidadosos com as suas possessões do que o governo brasileiro. Em 1914, o mesmo jornal, O Cruzeiro do Sul, já sob a direção de um prefeito nomeado pelo governo federal, publicaria os comentários do seringalista Miguel Teixeira da Costa sobre uma nota publicada no jornal New York Herald em 15 de janeiro daquele ano (COSTA, 1914). Segundo a nota, um importante seringalista, cujo nome não foi revelado, teria dito que as elites locais estavam dispostas a fazer com que o Acre voltasse a ser boliviano caso o governo brasileiro não desse incentivos a indústria da borracha, que passava por uma grande crise naquele momento. Costa ridicularizou a notícia, dizendo que, se fosse o caso, era preferível ver o Acre como um protetorado norte-americano, inglês ou alemão. Em seguida, ele apontou que o mesmo jornal trazia a notícia de que o Legislativo norte-americano havia aprovado a liberação de um crédito de seis milhões de dólares, o equivalente a 142 mil contos de réis, para a construção de uma ferrovia no Alasca. Para chefiar a obra foi convidado o ilustre coronel George W. Goethals, um dos chefes da construção do Canal do Panamá. Em seguida, o pequeno artigo lança uma provocação: “É interessante fazermos um estudo entre o Território do Alasca e o do Acre, qual mais rico, o que oferece melhor aclimatação, e o que é mais aquinhoado pelos governos — de Washington e o da nossa Capital Federal” (COSTA, 1914, p. 3)
A grande controvérsia que subjaz as comparações do Território do Acre com o Distrito do Alasca é sobre a materialidade do status político e jurídico do Acre e quais as obrigações do Estado para com o Território Federal. O Jornal do Commercio mobilizou a situação jurídica e política do Distrito do Alasca, colocando-a em condições de similaridade com a do Território do Acre. A suposta vantagem demográfica, superioridade econômica e submissão das elites do Alasca ao domínio do Congresso norte-americano foram enfatizadas para desqualificar as reivindicações das elites seringalistas do Juruá por autonomia política. O argumento foi sedutor a ponto do deputado Justiniano de Serpa o mobilizar em seu discurso na Câmara dos deputados, para justificar a rejeição das oligarquias em incorporar o Acre como estado da Federação. Por outro lado, os autonomistas do Juruá viram na comparação uma possibilidade de legitimar sua luta, aludindo às concessões feitas pelos congressistas em Washington ao Alasca e denunciando a postura do governo brasileiro com o Acre. No pano de fundo, percebe-se a incerteza sobre o que o Acre efetivamente era para a República, se uma colônia, um distrito (nos moldes do Alasca) ou um território federal. O debate vai se extinguir, mas essa incerteza vai perdurar.
A imagem do Território do Acre como o “Alasca brasileiro” ganhou muita força nesse momento. Entretanto é preciso ressaltar que as visões sobre o Distrito do Alasca, em todos os lados da controvérsia, eram superficiais e mesmo distorcidas. Confrontando a historiografia atual sobre o Alasca, percebe-se que a situação demográfica dessa região no início do século XX era muito similar a do Acre. Além disso, está longe da realidade a noção de que os alasquianos rejeitavam a possibilidade de self-government. Por fim, as visões presentes nos artigos e discursos aqui analisados exageram a imagem de solicitude de Washington em relação às reivindicações locais.
Devido a questões de ordem econômica, sobretudo geopolítica, o Império Russo vendeu a América Russa para os Estados Unidos em 1867, ano em que a área foi rebatizada com o nome Alasca (HAYCOX, 2002a, p. 148-155). Os invernos muito severos e o inicial desinteresse do governo e de investidores concorreram para uma migração norte-americana inicialmente muito lenta. Entre 1869 e 1884 o Alasca era apenas um distrito militar, situação que mudou com as descobertas das grandes jazidas de ouro em Treadwell, na área costeira, e em Klondike, no alto rio Yukon, dando início a um grande boom econômico e demográfico (HAYCOX, 2002a; NASKE; SLOTNICK, 1987).
Segundo o historiador Stephen Haycox, a maioria dos milhares de habitantes não nativos do Alasca no início do século XX migrou sem as suas famílias, tendo como objetivo fazer fortuna e voltar para os seus estados de origem. Além disso, os trabalhadores da atividade pesqueira e mineradora atuavam no Alasca apenas no verão, retornando, em sua maioria, para a Califórnia e o noroeste do Pacífico durante o inverno (HAYCOX, 2002b, p. 29). A situação demográfica da região guardava, assim, semelhanças importantes com o que acontecia no Acre, onde os seringueiros migravam, geralmente sem as suas famílias, fugindo da seca, mas com perspectiva de ganhos com a borracha. Quando tinham saldo junto ao patrão, o seringueiro retornava ao seu estado de origem ou ia para a cidade mais próxima durante o período de cheia dos rios, quando as estradas de seringa inundavam, impossibilitando a extração da borracha (TOCANTINS, 1961, p. 198; DEAN, 1989, p. 72-73).
No Alasca, já na década de 1880, havia um forte movimento em torno do self-government, especialmente na imprensa local. Muitos acreditavam que o governo militar atentava contra a noção de “governo com consentimento dos governados”, princípio básico da cultura política norte-americana. Em 1881, empresários das cidades de Juneau, Sitka e Wrangell formaram uma convenção e elegeram um delegado para levar até Washington uma petição exigindo um governo civil e a elevação da área a território federal. Graças, em grande parte, ao lobby do reverendo presbiteriano Sheldon Jackson, que ansiava por criar um sistema de ensino no Alasca, visando à catequese das populações nativas, o Congresso aprovou a organização de um governo civil em 1884. Contudo, o Alasca foi classificado como “distrito subordinado a Washington”, ou seja, possuindo direitos políticos bastante restritos. Como “distrito”, os habitantes do Alasca não tinham direito a voto e não podiam organizar um legislativo local. O Executivo nacional tinha direito exclusivo de nomear os governadores, autoridades e juízes locais, que deveriam passar pela aprovação do Senado (HAYCOX, 2002a, p. 163; NASKE; SLOTNICK, 1987, p. 72-73).
A elevação do Alasca a distrito provocou muitos protestos locais dos que esperavam um sinal mais claro do Congresso sobre aprovar a concessão do self-government no futuro próximo. Embora o governo tenha destinado recursos para a organização da instrução pública, a educação, assim como os serviços de saúde, continuou sendo ofertada majoritariamente pelas grandes empresas que atuavam na mineração e na indústria da pesca (NASKE; SLOTNICK, 1987, p. 73). Por outro lado, essas grandes empresas atuaram no Congresso de modo a evitar que o Alasca fosse dotado de qualquer organização política que pudesse ameaçar a liberdade de atuação empresarial na área (HAYCOX, 2002a, p. 167). Mesmo assim, pequenos empresários e autoridades locais nomeadas pelo governo pressionaram Washington, objetivando uma progressiva autonomia política. E essas pressões tiveram efeito positivo. Em 1900, o Congresso transferiu a capital de Sitka para Juneau e autorizou a criação de um código civil e criminal. Em 1906, foi aprovada a eleição bienal de um delegado alasquiano para o Congresso, sem direito a voto. Em 1912, finalmente o Alasca foi elevado à categoria de território federal, com poder legislativo próprio, eleito de dois em dois anos (HAYCOX, 2002b, p. 37-38).
Diferente de como a imprensa carioca e juruaense expuseram, os alasquianos lutaram pela elevação do Alasca a estado federado. A diferença em relação ao Acre é que os investidores externos e as grandes corporações que atuavam no distrito rejeitavam a possibilidade de self-government e intervenções de qualquer tipo emanadas de Washington. Essa diferença se deve a especificidades históricas e políticas que não cabem ser exploradas nesse artigo. Contudo, mesmo com a pressão de grandes corporações por menor intervenção no Alasca, o Congresso norte-americano mostrou-se sensível aos interesses locais. E o maior exemplo dessa sensibilidade foi justamente a construção da ferrovia no Alasca, citada pelo seringalista Miguel Teixeira da Costa em 1914. Essa estrada de ferro foi construída entre 1915 e 1918 e ficou sob o controle do governo norte-americano. Segundo Haycox, essa estrada foi uma resposta a reivindicações do representante alasquiano James Wickersham contra os planos de monopólio comercial do Alaska Syndicate, grupo de empresas mineradoras que controlava o transporte de mercadorias via construção de rodovias, ferrovias e investimento em navegação marítima e fluvial (HAYCOX, 2002b, p. 40).
Entretanto, havia forte resistência do Congresso norte-americano à incorporação do Alasca como estado, em condição similar a que existia no Legislativo brasileiro em relação ao Acre. A baixa densidade demográfica, a população em condição de nomadismo, a inexistência de agricultura e a pequena quantidade de vias regulares de comunicação tiveram peso na manutenção do território sob a tutela de Washington no início do século XX. Ainda assim, a imagem do Acre como “Alasca brasileiro” foi positiva para os movimentos autonomistas do Juruá pela facilidade de mobilização nos momentos de reivindicação, seja por mais direitos políticos ou mesmo por maiores investimentos do governo federal em infraestrutura, educação, saúde e na economia da borracha. Essa mobilização ocorreu porque havia o entendimento de que o governo norte-americano investia mais recursos no Alasca e também concedia maiores direitos políticos aos alasquianos, se comparado ao governo brasileiro em relação aos acrianos.
Os autonomistas imaginavam o Acre como uma colônia, embora fosse politicamente categorizada como território federal, e, por essa razão, também comparavam a administração brasileira com a forma que a França e a Inglaterra administravam suas possessões. Em 1928 — ou seja, 19 anos após o polêmico editorial do Jornal do Commercio e sua chancela pelo deputado Justiniano de Serpa —, o Território do Acre foi novamente comparado ao Território do Alasca. Contudo, outros territórios e colônias entraram na comparação em um novo manifesto de seringalistas e comerciantes do Acre pedindo por autonomia (CONSIDERAÇÕES…, 9 set. 1928, p. 1). O Acre, embora área contígua ao Brasil e povoado majoritariamente por brasileiros, continuava a ser tratado pelo Congresso Nacional, segundo o manifesto, como uma colônia. A reorganização administrativa e judiciária aprovada pelo Congresso Nacional em outubro de 1920, que unificou os departamentos do Território do Acre com sede na cidade de Rio Branco, não promoveu mudanças concretas do ponto de vista da autonomia política e econômica.
Prolongamento da pátria, com grande capacidade produtiva, com extensa superfície e população que se eleva a mais de 100.000 almas, o Acre está na humilde e revoltante condição de colônia, em grau de inferioridade a certas possessões estrangeiras que gozam de amplas prerrogativas políticas. Jamaica, Barbados, possessões da Inglaterra; Guadalupe, Martinica, Reunião, colônias de França; Territórios do Alasca e Novo México, sob o domínio dos Estados Unidos, tem duas assembleias locais e elegem deputados aos parlamentos dos países, a cuja dominação estão sujeitos.
O que é mais lamentável para os acrianos é que os habitantes das colônias, a que nos referimos, são povos estranhos às nacionalidades atrás mencionadas, quando o Acre é solo brasileiro e habitado por brasileiros, vindos, em sua maioria, dos nossos estados, onde gozam de direitos que aqui são negados (CONSIDERAÇÕES…, 9 set. 1928, p. 1).
Ironicamente, o desfecho das lutas políticas pela autonomia do Acre e do Alasca ocorreram praticamente no mesmo período. Apesar das reivindicações locais, o Acre só foi elevado à categoria de estado da Federação em 1962. Três anos antes, em janeiro de 1959, o Alasca conquistava a sua autonomia estadual, garantindo o seu lugar nos Estados Unidos como o 49º estado da Federação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio de um polêmico discurso ocorrido em fins de 1909, esse artigo procurou qualificar parte dos debates relativos à autonomia política do Território Federal do Acre no Congresso Nacional nos primeiros anos após a anexação da área ao Brasil. Era o Congresso Nacional que delimitava a condição política, jurídica e econômica da área por meio da cobrança de impostos, concentrando também os debates sobre o futuro da região. A incorporação do Acre à comunhão nacional como um estado da Federação dependia da vontade das oligarquias reunidas na Câmara e no Senado. Assim, a maior parte das tensões envolvendo os movimentos autonomistas e o governo federal guardavam relação com as decisões e discursos emanados do Congresso. E foi justamente em um momento de maior tensão envolvendo as oligarquias e os movimentos autonomistas no Acre que emergiu a imagem do “Alasca brasileiro”, pinçada de um artigo na imprensa e potencializada na tribuna da Câmara.
Mais do que uma comparação pontual, ela se tornou uma imagem que passou a ser mobilizada de diferentes maneiras. Serviu para as oligarquias desqualificarem as reivindicações acrianas por autonomia política. O Alasca era mais rico, com população mais fixa à terra e que supostamente rejeitava o self-government. Para os acrianos, o distante território gelado serviu como uma poderosa imagem para denunciar a maneira como o governo brasileiro negligenciava a vontade dos habitantes do Acre. De acordo com os autonomistas, o Congresso norte-americano garantia mais direitos políticos e recursos ao Distrito do Alasca do que o Congresso brasileiro garantia ao Território do Acre.
O “Alasca brasileiro”, para além da controvérsia, revela as incertezas jurídicas e políticas inerentes a uma região anexada tardiamente à comunhão nacional. Por outro lado, revela também as formas de resistência de uma elite econômica que permaneceu às margens da república oligárquica. As idealizadas visões sobre o Alasca, os alasquianos e o Congresso norte-americano mantiveram-se vivos no discurso autonomista por vários anos. Tão longe, mas, ao mesmo tempo, tão perto, o Alasca virou um ideal que povoou as visões pró e contra a autonomia do Acre no início do século XX.
Agradecimientos
O autor agradece à professora Rachael Ball da University of Alaska at Anchorage pelas indicações de bibliografia sobre movimentos autonomistas no Alasca.
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Notas
Ligação alternative
https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/2175-7976.2019v26n42p404/40338 (pdf)