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O México revolucionário e o latino-americanismo no Brasil nos anos 1920
Natally Vieira Dias
Natally Vieira Dias
O México revolucionário e o latino-americanismo no Brasil nos anos 1920
Revolutionary Mexico and Latin-americanism in Brazil in the 1920s
Esboços: histórias em contextos globais, vol. 26, núm. 41, pp. 126-148, 2019
Universidade Federal de Santa Catarina
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Resumo: Neste trabalho é abordada a política latino-americanista exercida pelo México a partir da Revolução de 1910, enfatizando-se suas relações com a promoção dessa identidade continental no cenário brasileiro. Mostramos que a inclusão do Brasil na estratégia continental mexicana foi um elemento importante para o desenvolvimento de uma sensibilidade latino-americanista em parte da intelectualidade brasileira durante os anos 1920.

Palavras-chave:México revolucionárioMéxico revolucionário,Latino-americanismoLatino-americanismo,Intelectuais brasileirosIntelectuais brasileiros.

Abstract: This article approaches the Latin-Americanist policy exerted by Mexico since the Revolution of 1910, highlighting its connections with the promotion of such a continental identity in the Brazilian intellectual scenario. It is pointed out that Brazil’s inclusion in the Mexican continental strategy was a crucial component towards the awakening of a Latin-Americanist sensibility among part of the Brazilian intellectuals in the 1920s.

Keywords: Revolutionary Mexico, Latin Americanism, Brazilian intellectuals.

Carátula del artículo

Artigo

O México revolucionário e o latino-americanismo no Brasil nos anos 1920

Revolutionary Mexico and Latin-americanism in Brazil in the 1920s

Natally Vieira Dias
Universidade Estadual de Maringá, Brasil
Esboços: histórias em contextos globais, vol. 26, núm. 41, pp. 126-148, 2019
Universidade Federal de Santa Catarina

Recepção: 25 Janeiro 2018

Aprovação: 04 Agosto 2018

Financiamento
Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

A partir da Revolução de 1910 a política externa mexicana caracterizou-se pelo fomento à aproximação continental baseado na difusão da identidade latino-americana em franco desafio ao intervencionismo estadunidense. A política latino-americanista empunhada pelo México revolucionário foi oficialmente declarada na chamada “doutrina Carranza”, conjunto de parâmetros diplomáticos apresentados pelo presidente mexicano Venustiano Carranza em 1919 com o deliberado intento de se contrapor à pretensão hegemônica dos Estados Unidos no continente.

A posição mexicana foi expressa em resposta à perspectiva assumida nas Conferências de Paz, realizadas em Paris ao final da Primeira Guerra. Por ocasião das conferências, que deram origem à Sociedade das Nações, a antiga formulação estadunidense conhecida como “doutrina Monroe” foi evocada como parte dos “acordos regionais que assegura[va]m a manutenção da paz” e que, portanto, deveriam ser respeitados, como consta do Pacto da Sociedade das Nações, em seu artigo 21 (SOCIEDADE DAS NAÇÕES, 1919). No entanto, a anuência internacional da doutrina estadunidense era inaceitável para a posição anti-intervencionista assumida pelo México revolucionário, e o presidente Carranza não apenas apresentou seu repúdio à aceitação formal da Doutrina Monroe pelos países fundadores da Sociedade das Nações como estabeleceu a sua própria proposta de diretrizes internacionais, cuja base era o princípio de não intervenção.

A posição mexicana foi divulgada em uma declaração à imprensa estadunidense. Nela, Carranza desconhecia enfaticamente a Doutrina Monroe (CARRANZA, 1919apudFABELA, 1994). Mas o presidente mexicano ofereceu, ele próprio, um novo conjunto de parâmetros diplomáticos que ficaram conhecidos como “Doutrina Carranza” e que traduziam claramente seu intento de contrapor-se à pretensão hegemônica dos Estados Unidos no continente, ao propor uma nova “doutrina” em substituição à estadunidense. As diretrizes internacionais traçadas por Carranza, bem como a posição que pretendia que o México ocupasse no cenário externo, foram resumidas da seguinte maneira em uma mensagem ao Congresso Nacional mexicano, em 1918:

As ideias diretrizes de nossa política internacional são poucas, claras e simples. Reduzem-se a proclamar que todos os países são iguais; devem respeitar mútua e escrupulosamente suas instituições, suas leis e sua soberania; que nenhum país deve intervir de nenhuma forma e por nenhum motivo nos assuntos internos de outro. [...] [E que] nacionais e estrangeiros devem ser [considerados] iguais diante da soberania do país em que se encontrem. [...] Desse conjunto de princípios resulta profundamente modificado o conceito atual de diplomacia. Esta não deve servir [...] para exercer pressão sobre os governos de países débeis. [...] As ideias diretrizes da política atual, em matéria internacional, estão a ponto de ser modificadas, pois foram incompetentes para prevenir as guerras internacionais e dar um fim rápido à conflagração mundial[;] o México tratou de contribuir para a reforma dos velhos princípios [...]. Hoje abriga a esperança de que a conclusão da guerra será o princípio de uma nova era para a humanidade [...] (CARRANZA, 1918, p. 32).1

Na referida mensagem, o presidente mexicano explicou que o caráter “doutrinário” da política internacional que propunha residia na pretensão de que “as mesmas práticas adotadas pelo México [de não aceitação da ingerência dos Estados Unidos] [fosse]m seguidas [...] pela América Latina, cujos fenômenos específicos são os mesmos que os nossos [mexicanos]”. A vinculação da posição internacional do México com o processo revolucionário em curso no país desde 1910 foi um elemento bastante ressaltado no discurso presidencial, que não deixou de enfatizar que os princípios anti-imperialistas então empunhados pelo México “foram formulados [...] em plena luta revolucionária e que tinham o objetivo de mostrar ao mundo inteiro os propósitos dessa luta”, incluindo seus ideais de “confraternidade latino-americana” (CARRANZA, 1918, p. 31).

Como muito bem observou o historiador Pablo Yankelevich, a política latino- americanista exercida pelo México “aparece como resultado de um ato defensivo frente a uma política estadunidense que questionou a legitimidade do processo revolucionário”, chegando, inclusive, a se manifestar militarmente, com o desembarque de marines estadunidenses no porto mexicano de Vera Cruz, em 1914. Foi em resposta a esse panorama que “o México se projetou em direção à América Latina”, e, na esteira da Revolução, a política externa mexicana no continente passou a se orientar por “propostas de corte ‘indo-americano’ [no sentido de valorização de uma identidade considerada autóctone, não necessariamente indígena], levantadas em aberto desafio ao pan-americanismo reinante” (YANKELEVICH, 1997, p. 373; 86).

No que diz respeito especificamente às relações com o Brasil, é de se destacar o desencontro potencial entre a política mexicana de “confraternidade latino-americana” e a posição assumida por nosso país, visto que, historicamente, os projetos de solidariedade continental baseados em identificações de tipo latino-americanista não eram os temas prediletos da agenda oficial da diplomacia brasileira e nem mesmo da intelectualidade nacional.

O Brasil e a questão da identidade continental

Como tem sido mostrado pela historiografia, as relações de nosso país com a América hispânica historicamente foram (em grande medida, ainda são) marcadas por um distanciamento que remonta ao clima de desconfiança mútua existente durante o século XIX entre o Brasil monárquico e seus vizinhos republicanos. As difíceis relações diplomáticas naquele contexto se refletiram fortemente no âmbito político-cultural, marcando de uma maneira decisiva a produção intelectual brasileira a respeito da “outra América”.2

Mas o ponto crucial da questão encontra-se no fato de que a visão de um Brasil distinto cultural, histórica e politicamente de seus vizinhos hispano-americanos, construída durante o Império, não foi substancialmente alterada após a instauração do regime republicano. Maria Ligia Prado expressa muito bem essa situação ao afirmar que diversos autores brasileiros, durante o século XIX, “elaboraram um discurso original – recheado de ideias, imagens e símbolos – que fundou uma interpretação brasileira sobre o mundo hispano-americano” e que “a repetição continuada dos mesmos argumentos contribuiu para a constituição de um imaginário – que acabou por forjar uma memória coletiva – sobre a outra América, dissociando-a, separando-a do Brasil”. O advento da República, no entanto, “não destruiu as distâncias entre o Brasil e a América Hispânica, pois as diferenças, muito mais que as semelhanças, continuavam a ser destacadas” (PRADO, 2001, p. 146).

Obviamente, a consideração dessa posição identitária do Brasil no continente como algo sui generis só faz sentido em contraste com o histórico de propostas, projetos e movimentos de integração continental que foram articulados pelos hispano- -americanos desde Bolívar e os movimentos de Independência. Mas justamente por ser incontestável a desconexão de nosso país em relação aos projetos integracionistas latino-americanos, pensar esse assunto a partir da “situação brasileira” guarda alguns riscos. O primeiro deles é o de exageramos o sentido de identidade comum entre os próprios hispano-americanos como algo fixo e perene através da história. Outro risco que corremos é o de nos esquecermos de que, em geral, tampouco nossos vizinhos de continente pleitearam a inclusão do Brasil na identidade latino-americana.3

O tema da integração intelectual latino-americana entre fins do século XIX e inícios do XX também tem merecido a atenção de hispano-americanos, particularmente da área dos estudos literários, inclusive no que diz respeito à relação com o Brasil. Partindo de uma perspectiva que privilegia os “fenômenos de religação”,4 a ensaísta e crítica literária argentina Susana Zanetti identificou no Modernismo hispano-americano – como movimento literário inserido no contexto da modernização socioeconômica – um importante instrumento de aproximação continental. Por um lado, o movimento contou com o protagonismo de certas figuras (como Rubén Darío e José Martí) que viveram fora de seus países de origem e, a partir de centros como Paris e Nova York, estabeleceram contatos com outros escritores latino-americanos e fomentaram “o espírito de confraria que caracteriza o movimento”. Por outro lado, o próprio caráter internacional do Modernismo fez com que “os letrados encarassem sua experiência singular e nacional [...] a partir de uma dimensão mais ampla [...] que começa[va] a reconhecer modelos próprios” ao se configurar como um “movimento generalizado e hegemônico em toda a Hispano-América e com importante incidência na Espanha”. Como destaca a autora, “as ideias de unidade” geradas nesse contexto se fortaleceram frente à ameaça estadunidense, particularmente a partir da Guerra de 1898,5 o que explica que tenham se expressado a partir de uma “perspectiva hispano-americana” – em grande medida inclusiva em relação à Espanha – muito mais do que latino- -americana: nesse momento, “os vínculos com o Brasil ainda [eram] escassos e não se vislumbra[va] um pertencimento comum em relação ao Caribe não hispanófono” (ZANETTI, 1994, p. 490).

Sem dúvida, a “particular aptidão religadora dos modernistas”, como denominou Zanetti, conseguiu estimular o conhecimento mútuo e a identificação cultural continental por meio de diversos elementos, como a troca de correspondências e obras, a publicação de revistas e a convivência intelectual em meios como as próprias redações dos periódicos e os cafés, entre outros (ZANETTI, 1994, p. 489-490). Mas essa aproximação, fruto de ações individuais de personalidades do mundo literário, não se traduziu em mecanismos de integração mais duráveis e acabou não sendo capaz de vencer a predominante “fragmentação continental”. Nesse sentido, chama a atenção que justamente uma iniciativa brasileira, a Revista Americana (1909-1919),6 tenha sido identificada pelo pesquisador argentino Álvaro Fernández Bravo como a criadora de “um espaço editorial inédito até o momento” através do qual se procurou combater a desintegração continental por meio de “um discurso de unidade” (FERNÁNDEZ BRAVO, 2003, p. 322).

Evidentemente, a Revista Americana não foi a primeira publicação a propor o estreitamento de laços intelectuais no continente. Como já apontamos, baseando-nos nas considerações de Susana Zanetti, as revistas modernistas cumpriram um importante papel nesse sentido. O ineditismo destacado por Fernández Bravo se relaciona com o fato de a publicação brasileira ter sido idealizada no âmbito diplomático e mantida como um empreendimento intimamente ligado ao Itamaraty, o que permite identificar tal proposta de integração intelectual como uma política oficial. O autor chega a enfatizar a seguinte contradição ao refletir sobre o papel representado pelo periódico brasileiro para a aproximação intelectual continental: se a publicação da revista no Brasil permitiu “uma melhor circulação e conhecimento das grandes ideias geradas na Hispano-América dentro do mundo brasileiro”, “não há rastros de um processo inverso como consequência da publicação da Revista Americana na Hispano-América” (FERNÁNDEZ BRAVO, 2003, p. 337).

A análise de Fernández Bravo nos coloca diante de uma questão importante a ser levada em conta no estudo dos projetos de aproximação cultural latino-americanos, a de sua relação com as políticas externas oficiais desses países.7 Embora as propostas de integração do continente já possuíssem um histórico considerável, no início do século XX, de forma geral, não se podia observar um comprometimento estatal, traduzido em ações oficiais de política externa, com o objetivo de fomentar a integração latino-americana.8 É justamente nesse panorama que se destaca a atuação continental exercida pelo México revolucionário, a qual conseguiu exceder, em muito, a simples retórica de união continental.

O latino-americanismo do México revolucionário

O principal aspecto para o qual gostaríamos de chamar a atenção sobre a política de aproximação continental empunhada pelo México a partir da Revolução de 1910 é que tal política, desde o início, incluiu o Brasil. Em 1916, ainda antes da divulgação da “doutrina Carranza”, o envio de Isidro Fabela9 como representante oficial do governo Carranza na América do Sul deu início às articulações diplomáticas mexicanas na região, e nosso país foi concebido como um dos alvos das iniciativas mexicanas de aproximação cultural. Estas incluíram o envio de estudantes mexicanos por meio de intercâmbios acadêmicos e de proeminentes intelectuais mexicanos em missões culturais oficiais em países sul-americanos.

No caso do Brasil, ainda na década de 1910, nosso país – bem como Argentina, Chile, Uruguai e Colômbia – recebeu estudantes mexicanos vindos na condição de agregados das representações diplomáticas do México. A iniciativa mexicana de aproximação continental teve uma boa acolhida por parte dos estudantes da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, que homenagearam a política de aproximação cultural empreendida pelo México através de diversos discursos publicados pela revista da instituição (ÉPOCA, 1919). No início dos anos 1920, a “missão cultural” encabeçada pelo filósofo Antonio Caso, então reitor da Universidade Nacional do México, que veio ao Brasil em 1921, inaugurou o intercâmbio intelectual entre os dois países.10 Em 1923, o gesto mexicano foi correspondido pelo Brasil, que enviou ao México o jurista Rodrigo Octávio, acompanhado do escritor Ronald de Carvalho, como abordaremos mais à frente.

Queremos chamar a atenção para o fato de que a inclusão efetiva do Brasil nas políticas oficiais mexicanas em prol da aproximação continental expressa uma percepção identitária mais ampla do que a histórica identidade hispano-americana, que, aliás, viu-se bastante fortalecida nos anos 1920 pelo movimento de Reforma Universitária. Tendo se iniciado na Argentina, em 1918, já com uma perspectiva “americanista”, o movimento ganhou uma ampla expressão nos países hispano-americanos, numa época em que o apelo “indo-americano” encontrava uma boa acolhida, pois o deslumbramento pela cultura ocidental – esmaecido em decorrência da Grande Guerra – cedia espaço à busca de expressões culturais e sociais próprias do continente. Dentro desse quadro, a política oficial mexicana encontrou um terreno fértil para projetar a Revolução como parâmetro de desenvolvimento autóctone e exemplo de luta anti-imperialista, transformando o México em um eixo fundamental na articulação de projetos de solidariedade continental.11

O novo ímpeto integrador, decorrente do reformismo universitário, foi estimulado e habilmente utilizado pelo México para consolidar sua presença no continente. Mas essa “hora americana” era, em princípio, apenas mais um exemplo das anteriores propostas de integração: basicamente hispano-americana, com pouca ressonância sobre o Brasil. No entanto, é possível identificar uma ação mexicana com vistas a ampliar o espectro da identificação cultural continental – favorecida pelo reformismo universitário – para além do sentido estritamente hispano-americano. É o que se verifica explicitamente em um histórico discurso proferido pelo secretário de Educação Pública do México, José Vasconcelos, no epicentro do movimento reformista, a Universidade de Córdoba, quando de sua passagem pela América do Sul, em finais de 1922.

“Orientações do pensamento no México” foi o título dado por Vasconcelos ao discurso, e o “lugar de fala” por ele assumido na ocasião reflete claramente o papel de “maestro da América” que lhe era conferido pela juventude reformista hispano-americana em virtude do projeto cultural por ele desenvolvido no México.12 O mexicano falou ao público, formado principalmente por essa juventude, endereçando- -lhe uma espécie de conselho, advertência ou “recomendação” (palavra usada por ele) a respeito do caminho que o movimento reformista deveria trilhar. Tratava-se, inegavelmente, de um “lugar de fala” que pressupunha uma trajetória admirada, uma experiência reconhecida como inspiradora e digna de ser conhecida e seguida pelos demais. Muito além de uma personalidade individual, o “maestro Vasconcelos” era o Secretário de Educação do México, e precisamente sua obra educativa de caráter oficial (e a propaganda dessa obra no continente) era o elemento que conferia legitimidade à sua fala. Ao discursar, portanto, como secretário mexicano, Vasconcelos direcionou sua fala em dois sentidos principais e inter-relacionados: firmar o lugar do México revolucionário – particularmente sua obra educativa/ cultural, identificada como um amplo processo de renovação mental – como o grande modelo de transformação para o continente; e impulsionar a solidariedade ibero-americana como elemento indispensável para que uma verdadeira mudança social se consolidasse em dimensões continentais.

A palavra-chave do discurso de Vasconcelos na ocasião foi “nacionalismo”, e seu foco, o de defender a identificação cultural ibero-americana como um tipo específico de nacionalismo, como a tradução histórica e continental do sentido positivo do conceito: a defesa do nacional em relação às imposições externas. Tratava-se, portanto, de um nacionalismo anti-imperialista, mas cujo raio de ação não se limitava à ingerência externa econômica ou política, correspondendo primeiramente à valorização da cultura nacional frente às imposições mentais vindas de fora. Na visão exposta pelo mexicano, esse nacionalismo menos particularista (que ele opôs ao que criticou como “nacionalismo exagerado” e “patriotismo mórbido”) seria a melhor expressão político-cultural da realidade continental, visto que, em sua concepção, histórica e culturalmente havia menos diferenças que semelhanças entre as nações ibero-americanas e, fundamentalmente, porque o elemento “externo” em face do qual essas nações deviam se impor era o mesmo: a cultura ocidental encarnada no modelo civilizacional europeu. Mas, como ele próprio observou: “ao dizer Europa incluo os Estados Unidos, falo de tudo o que não é a raça ibero-americana” (VASCONCELOS, 1922, p. 28-29).

Como se sabe, todas essas ideias foram mais sistematicamente expressas por Vasconcelos poucos anos depois em sua obra Raça cósmica. Mas antes mesmo da publicação do livro – cuja edição original data de 1925 –, o discurso que proferiu oralmente na Universidade de Córdoba, em 1922, já foi capaz de operar alguns atos discursivos importantes: firmar a ideia de ibero-americanismo (em sobreposição à identidade hispano-americana) como base para a formação de uma “comunidade imaginária” continental que passava a incluir deliberadamente o Brasil; e estabelecer a Revolução Mexicana como evento fundador de um amplo processo de renovação que possibilitaria a transformação mental do continente e consolidaria esse novo “nacionalismo”. A retórica empregada no discurso estabelece uma hierarquia entre presente e futuro através da qual o México revolucionário aparece como o único agente capaz de “indicar o caminho”, porque, por meio da Revolução, já teria conseguido alcançar tal ideal nacionalista:

Nós [mexicanos] fomos saindo da [...] vassalagem europeia em que têm vivido estes povos [latino-americanos] durante cem anos e temos criado todas as nossas organizações, escolas e manifestações do pensamento com uma independência bastante marcada das direções que antes nos impunham o estrangeiro. [...] Isso não quer dizer que eu acredite que nós já tenhamos elementos [suficientes] para desenvolver uma civilização própria. [...] O que eu defendo é que já é necessário que, em matéria de pensamento, aprendamos a pensar sem levar em conta a opinião estrangeira e o livro que acaba de chegar das prensas da Europa; e no México, pelo menos, isso já se tem verificado de uma maneira completa (VASCONCELOS, 1922, p. 29-30).

Na sequência de sua fala, Vasconcelos opera a articulação das duas ideias que apontamos como essenciais do discurso, ao abordar explicitamente a inclusão do Brasil como parte essencial do processo continental de “emancipação espiritual”:

Devo destacar que no Brasil me deparei com uma tendência idêntica […]; e tenho entendido que na Argentina já se define uma forte corrente nesse sentido, do desejo de sacudir o jugo literário e o jugo filosófico dos países mais avançados e de começar, diremos, uma vida que, ainda que mais modesta, seja própria e nacional, mas não nacional exclusiva da Argentina ou do México, e sim no sentido mais amplo, nacional hispano-americana ou ibero-americana, para deixar compreendidos nessa tendência os brasileiros que forçosamente têm de trabalhar conosco neste movimento e que, por sorte, estão muito desejosos de fazê-lo (VASCONCELOS, 1922, p. 30).

Quando proferiu esse discurso, o ministro Vasconcelos acabava de voltar do Brasil, onde havia participado das comemorações oficiais do centenário da Independência brasileira, tendo encabeçando a delegação cultural enviada pelo México ao evento no Rio de Janeiro.13 Mais do que um simples instrumento retórico, o que expressou sobre a “tendência”, o “desejo” dos brasileiros de participarem da obra de “emancipação mental” continental, pode ter sido fruto de uma percepção de certa receptividade entre os brasileiros de seu discurso integrador. Mas é preciso não perder de vista que, muito mais que expressar uma realidade já existente, suas palavras tinham a clara intenção de iniciar um projeto de união continental no qual se pretendia incluir efetivamente o Brasil. Em relação a essa proposta, há que se destacar dois fatos importantes que se seguiram ao pronunciamento oral do discurso.

Um deles é que as palavras de Vasconcelos ganharam rapidamente uma versão impressa, editada pela Universidade de Córdoba no mesmo ano de 1922, o que aponta para a intenção de difusão imediata do discurso para um público mais amplo do que aquele que pôde ouvi-lo pessoalmente. Essa versão impressa foi enviada para o Brasil, mais especificamente para a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, o que certamente favorecia a divulgação da proposta de integração continental exposta por Vasconcelos entre a intelectualidade brasileira.14 Outro ponto importante é que as palavras proferidas pelo mexicano – que favoreciam a assimilação do Brasil aos projetos integracionistas –, ao serem dirigidas a um público identificado com o movimento reformista e seu caráter continental, puderam ultrapassar o simples discurso e encontrar uma expressão histórica concreta.

Os brasileiros e o latino-americanismo nos anos 1920

Houve, de fato, a integração brasileira numa rede intelectual tecida em torno da Unión Latino Americana, que se consolidou como um dos mais representativos projetos de cunho latino-americanista surgidos na esteira do movimento reformista na Argentina e que guarda uma intrínseca conexão com a presença de Vasconcelos em 1922. A associação argentina surgiu a partir da formação de um grupo intelectual em torno da publicação do boletim Renovación, cuja “origem simbólica” remonta ao discurso de José Ingenieros intitulado “Pela União Latino Americana”, proferido em evidente resposta às palavras pronunciadas por Vasconcelos na Universidade de Córdoba.15 Menos de uma semana depois do discurso do mexicano, Ingenieros realizou o seu próprio, que se iniciava e terminava com referências ao México revolucionário.

A primeira parte do discurso do argentino é intitulada “A renovação mexicana”, e, nela, Ingenieros se refere à “grande renovação política, ideológica e social” iniciada no México como um amplo processo histórico que ainda se encontrava em desenvolvimento, mas já havia transformado o país em um “vasto laboratório social” que produzia “ensinamentos” para o “desenvolvimento futuro” dos países latino-americanos. Do ponto de vista do argentino, um dos principais “ensinamentos” propiciados pela experiência mexicana tinha a ver com a luta contra o pan-americanismo, que era também o foco de sua própria perspectiva integracionista. Após criticar a proposta estadunidense e a subserviência dos governos latino-americanos em relação a ela, Ingenieros propôs como única forma de vencer o jugo “imperialista” no continente uma “união latino americana” [sic], forjada pelas “forças morais”, identificadas aos intelectuais e à juventude universitária (INGENIEROS, 1922, p. 3-6; 8).

Nesse mesmo discurso, Ingenieros propôs a fundação de uma organização em prol da “propaganda dessas ideias” de integração continental com representação “em todos os países e cidades” latino-americanos. Afirmou “não ignorar” a dificuldade prática envolvida em tal proposta e, ao contrário de sugerir o protagonismo argentino na empreitada, indicou que “a iniciativa deveria partir [...] dos países de maior influência americana”: “México, Cuba e América Central”. Apesar de mencionar a proeminência de países do que poderíamos chamar de uma zona caribenha – envolvendo Antilhas, América Central e o próprio México – como sendo a “mais interessada” na proposta de um latino-americanismo defensivo em relação ao pan-americanismo, é bastante evidente que Ingenieros direcionava principalmente ao México revolucionário a legitimidade desse protagonismo. Após iniciar o discurso abordando exatamente a experiência revolucionária mexicana e seus “ensinamentos”, o argentino encerrou suas palavras voltando-se para o “amigo Vasconcelos” com a seguinte afirmação (praticamente um convite): “se um pensamento de tal índole chegar a ser formulado no México, [...] encontrará eco em nosso país” (INGENIEROS, 1922, p. 13).

Esse panorama permite vislumbrar a importância da atuação de Vasconcelos na América do Sul; uma ação oficial, insistimos, desempenhada como secretário mexicano e absolutamente acorde com o projeto mais amplo da política externa de seu país para o continente naquele momento. O discurso proferido na Universidade de Córdoba em 1922, como parte das relações intelectuais tecidas pelo mexicano no sul do continente, aparece, assim, como um elemento importante para marcar a presença do México revolucionário como articulador de uma solidariedade continental – que ganhava impulso com o projeto de união latino-americana encabeçado por Ingenieros – firmada sobre uma identificação ibero ou latino-americana que passava a incluir o Brasil.

Prova disso foi a inclusão de brasileiros – como Rui Barbosa, Monteiro Lobato e o professor Bruno Lobo, da Faculdade de Direito –, desde o início, como “referentes” ou “participantes indiretos” – por meio de citações, referências ou alusões – da “rede intelectual” de caráter latino-americano tecida em torno do boletim Renovación.16 Posteriormente, após o multifacetamento da Unión Latino Americana em novas organizações baseadas no projeto de aliança continental, o Brasil esteve diretamente representado pela figura de Oscar Tenório. Universitário e líder estudantil na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, o brasileiro participou da criação da Alianza Continental, fundada em Buenos Aires em 1927 e ligada ao grupo Renovación e, em 1928, tornou-se “representante” da publicação argentina no Brasil (PITA GONZÁLEZ, 2009, p. 191; 245-246).

No âmbito nacional, Oscar Tenório ligava-se ao grupo Renovação Universitária, formado por estudantes e professores identificados ao reformismo universitário continental, os quais mantiveram, entre fins dos anos 1920 e início dos 1930, uma publicação de cunho latino-americanista, a revista Folha Acadêmica,17 na qual Oscar Tenório figurava como um dos editores e pela qual editou, em 1928, México revolucionário. (Pequenos comentários sobre a Revolução Mexicana e suas consequências). A obra conferia à Revolução Mexicana um lugar de destaque no continente, enfatizando o papel do país hispânico da América do Norte na luta anti-imperialista e na consolidação de uma solidariedade latino-americana que incluía deliberadamente o Brasil.

Na perspectiva do líder estudantil brasileiro, o caráter de resistência anti-imperialista fazia da Revolução Mexicana uma experiência histórica que deveria contar com o apoio de toda a América Latina, pois – considerava Tenório – o perigo imperialista ameaçava todo o continente: “defender o México é defender [...] a nossa América! É preparar a legítima defesa das nações ameaçadas!”. Quanto aos artífices dessa “legítima defesa”, as figuras centrais seriam os “intelectuais ligados à causa mexicana por anseios profundos de solidariedade continental”, categoria à qual implicitamente se vinculava (TENÓRIO, 1928, p. 33; 37; 39-40). Como se pode notar por essa breve descrição, a argumentação de México revolucionário foi estruturada em torno de tópicos centrais do debate político-intelectual que marcava o cenário continental nos anos 1920, como revolução, nação, imperialismo. E foi realizada a partir de uma perspectiva que atribuía à intelectualidade o papel de vanguarda “salvadora” da nação e do continente, outro tópico importante do debate no período (FUNES, 2006).

Essa visão guarda estreita relação com o movimento de Reforma Universitária e os projetos de união continental desenvolvidos à luz desse movimento, pelo qual a intelectualidade – os jovens universitários e seus mestres – procurava assumir o protagonismo das transformações sociais na América Latina. Conforme mencionamos, Oscar Tenório foi uma figura bastante representativa do diálogo estabelecido entre jovens universitários brasileiros e os projetos latino-americanistas decorrentes do reformismo universitário. Sobre o alcance desse diálogo no cenário brasileiro, cabe ressaltar que a simples existência de um projeto editorial como o da Folha Acadêmica já é um indicativo relevante da receptividade encontrada pelo latino-americanismo de inspiração reformista entre parte dos jovens universitários e alguns de seus mestres brasileiros. Ainda que a proposta de integração cultural continental tenha permanecido como uma perspectiva marginal dentro dos meios intelectuais nacionais, é necessário frisar que ela chegou a ter inegável incidência no Brasil e, como mostramos, o papel desempenhado pela política continental do México revolucionário foi um elemento fundamental nesse sentido.

A política continental do México revolucionário e a intelectualidade brasileira

Entre a intelectualidade brasileira, um dos primeiros frutos da iniciativa mexicana de fomento à aproximação cultural entre os países latino-americanos pode ser encontrado na inclinação americanista que começou a transparecer na obra do poeta Ronald de Carvalho em meados dos anos 1920. O brasileiro integrou a comitiva oficial brasileira enviada ao México em 1923 como resposta à proposta de intercâmbio intelectual e acadêmico iniciada por aquele país. Na época, Carvalho já trabalhava no Itamaraty, ocupando o cargo de auxiliar de gabinete do jurista Rodrigo Otávio, a quem acompanhou na referida viagem ao país do norte. O jurista brasileiro foi recebido na Universidade Nacional do México pelo próprio reitor Antonio Caso, que apenas dois anos antes havia estado no Brasil em missão cultural representando o governo mexicano. Antes de deixar o México, Rodrigo Otávio recebeu da universidade mexicana o título de doutor honoris causa. Ronald de Carvalho, por sua vez, foi recebido pelo secretário José Vasconcelos e, em sua companhia, viajou por várias partes do país; antes de retornar ao Brasil, chegou a participar de um jantar particular de despedida que contou com a presença do próprio presidente mexicano, Álvaro Obregón.18

Essas informações, extraídas da obra de Guillermo Palacios (2008) sobre as relações diplomáticas entre México e Brasil, permitem constatar o altíssimo nível da recepção oficial que os intelectuais brasileiros receberam em solo mexicano. Permitem, também, observar algumas diferenças sutis em relação à presença dos dois brasileiros no México. Enquanto a do jurista Rodrigo Otávio teve um perfil muito mais institucional, tendo sido oficialmente direcionada à Universidade, a do jovem escritor Ronald de Carvalho assumiu contornos menos acadêmicos e, ao que tudo indica, esteve bastante vinculada à figura de José Vasconcelos. O secretário de Educação Pública acompanhou pessoalmente o brasileiro em suas viagens pelo país e possivelmente foi quem intermediou o contato do poeta brasileiro com o presidente mexicano. Mas o principal aspecto para o qual gostaríamos de chamar a atenção em relação à passagem do poeta brasileiro pelo México é o efeito que essa tão bem ciceroneada visita deixou em sua obra.

Conforme destacou Kátia Gerab Baggio, o México foi “o país que mais inspirou Ronald em seus poemas, epigramas e impressões sobre as Américas”, tornando-se, inclusive, tema de uma obra do autor, Imagens do México, publicada em 1930. Após conhecer o México pelas mãos de Vasconcelos, o brasileiro publicou, em 1926, uma obra poética intitulada Toda a América. Mesmo nesta ode ao continente – abarcado, nos versos do poeta, das Antilhas a Nova York, dos Andes à Argentina –, é possível observar “um predomínio dos poemas dedicados ao México” (BAGGIO, 2010, p. 165-166).

O tema geral da obra é a questão da identidade cultural, o que é ser americano e também suas variações regionais: brasileiro, andino, mexicano, etc. Nesse sentido, apesar de se tratar de um tipo tão específico de discurso – poemas – que envolve a irredutibilidade estética da expressão poética, queremos destacar a relação que se pode verificar entre essa expressão literária e um questionamento intelectual por parte do poeta: suas reflexões sobre o tema da identidade cultural do continente. Parece-nos pertinente, nesse caso, evocar a noção de “função ancilar” da poesia, proposta por Alfonso Reyes.

Para desenvolver essa noção, o poeta mexicano parte de uma definição ampla da literatura que abarca tanto o que ele identifica como “literatura em pureza”19 – aquela em que “a expressão esgota em si mesma o objeto”: poesia, romance, drama –, quanto o que denomina “literatura como serviço ou ancilar”, referida aos casos em que “a expressão literária serve de veículo a um conteúdo e fins não literários”. Mais do que para explicar os usos político-ideológicos da literatura, essa diferenciação, proposta por Reyes, tem o objetivo de destacar sua relação com outras “disciplinas do espírito”. O escritor mexicano chama a atenção para a necessidade de se levar em conta os “elementos ancilares que a literatura em pureza pode trazer consigo” e propõe, para isso, a noção de “função ancilar”, que remete aos “empréstimos” – sejam “temáticos ou reflexivos”, “poéticos ou semânticos” – que a “literatura em pureza” realiza com outros ramos do saber. Nessa perspectiva, a função ancilar se manifesta toda vez que a “literatura [em pureza] confront[a] o dado [...] com certa intenção de saber crítico” (REYES, 1997, p. 40-42; 46-47).

Dessa forma, entendemos que Toda a América comporta uma “função ancilar” na medida em que, nessa obra, a expressão poética se relaciona intimamente com uma reflexão intelectual e, portanto, crítica, que consiste na busca por identificar/ definir a originalidade cultural do continente. É a partir dessa perspectiva que, a seguir, analisamos alguns dos poemas que compõem a ode ao continente realizada por Ronald de Carvalho, procurando enfatizar a centralidade do México e da perspectiva latino-americanista na construção de uma identidade cultural de caráter continental expressa na obra do poeta brasileiro.

Ronald de Carvalho e o latino-americanismo

Toda a América se inicia com uma “advertência” ao europeu: “tu não sabes o que é ser Americano!”. Enquanto aquele é descrito como “filho da obediência, da economia e do bom senso”, este seria caracterizado pela:

Alegria de inventar, de descobrir, de correr!

Alegria de criar o caminho com a planta do pé.

[...]

Nessa maré de massas informes, onde as raças e as línguas se dissolvem,

o nosso espírito áspero e ingênuo flutua sobre as coisas,

sobre todas as coisas divinamente rudes, onde boia a luz selvagem do dia americano! (CARVALHO, 1935 [1926], p. 11).

Após situar o americano em contraposição ao europeu, a epopeia continental de Ronald de Carvalho começa – não resulta estranho observar – pelo próprio Brasil. Nosso país, majestosamente inserido na completude americana, é assim evocado nos versos do poeta:

Eu ouço o canto enorme do Brasil!

[...]

Nesta hora de sol puro eu ouço o Brasil.

Todas as tuas conversas, pátria morena, correm pelo ar...

[...]

Mas o que eu ouço, antes de tudo, nesta hora de sol puro

[...]

É o canto dos teus berços, Brasil, de todos esses teus berços,

Onde dorme, com a boca escorrendo leite, moreno, confiante,

O homem de amanhã! (CARVALHO, 1935 [1926], p. 12; 14-15).

Interessante notar, já no início da obra, a ideia de uma América e, dentro dela, um Brasil, ambos alegres, inventivos e confiantes num futuro grandioso. Esse futuro, por sua vez, seria construído pelo “homem de amanhã”; um homem “moreno”, fruto de uma terra “onde as raças e as línguas se dissolvem”.

Dessa visão ampla de uma América mestiça, que parte do Brasil como exemplo específico, o leitor é levado diretamente a uma seção de poemas curtos, denominados “cartas”. Espécie de cartões postais – muitos dos quais identificados como tendo sido escritos a bordo de navios, em viagens do autor pelas Antilhas e pela América do Norte; depois pela América do Sul, pelos Andes e a Argentina –, os poemas dessa parte da obra são dedicados a colegas escritores. Felippe D’Oliveira e Ribeiro Couto estão entre os homenageados, e o conjunto da seção “cartas” é dedicado ao poeta Guilherme de Almeida. A Mário de Andrade é dedicado o único poema da obra relacionado diretamente com os Estados Unidos, “Broadway”. Neste poema, cujo local de escrita Ronald remete a Nova York, são perceptíveis o ar cosmopolita e o sentido de movimento, os quais aparecem relacionados metaforicamente à imagem da Broadway, em sua dupla acepção: como espaço físico, o “chão”, da avenida novaiorquina e também em alusão às representações teatrais que ali se encenam:

Aquele chão carrega todas as imaginações do mundo!

Aquele chão carrega

isbas da Ucrânia,

vinhas de Bordeus,

[...]

luzes do trópico, luzes do polo,

desertos, civilizações...

Aquele chão é paisagem em marcha.

Chão que mistura as poeiras do Universo e onde se confundem todos os ritmos do passo humano!

Chão épico, chão lírico, chão idealista,

chão indiferente de Broadway,

largo, chato, prático e simples como este roof liso, suspenso no ar, este roof, onde um saxofone derrama um morno torpor de senzala debaixo do sol (CARVALHO, 1935 [1926], p. 22-24).

Essa descrição nos faz antever uma América impessoal, um “chão indiferente de Broadway”, “prático e simples”; um chão frio, poderíamos sintetizar, mas que, por fim, se vê fertilizado pelo “saxofone”, que “derrama um morno torpor de senzala debaixo do sol”. É evidente aqui a alusão ao jazz, grande expressão de música negra, popular e tipicamente estadunidense na época. Na expressão da voz poética, o torpor morno do saxofone dos jazzistas aparece nos últimos versos atuando como uma espécie de recurso humanizador da frieza da Broadway imensa, “onde se con-fundem todos os ritmos do passo humano”. Ali, esses ritmos se “con-fundem”, não se fundem, não se misturam, não se tornam “morenos”, como no Brasil, parte de uma América “onde as raças e as línguas se dissolvem”.

Embora seja parte de “toda a América”, a Broadway – representante dos Estados Unidos no poema – aparece, assim, quase completamente (exceto pelo jazz negro) desidentificada da América louvada pelo poeta. Tanto é assim que, depois de deixar a Broadway, seus versos chegam aos Andes, e, então, a voz poética exclama:

Aqui nestes grandes silêncios

das cordilheiras é que eu te sinto, América!

Aqui está a tua virgindade cheia de promessas excitantes.

[...]

Aqui há a infinita melancolia de uma aurora que vai romper,

[...]

O teu dia será como um grito que ainda boca nem uma gritou,

[...]

Que cidade imensa nascerá de todos esses milhões de mãos que se agitam em ti?

Aqui nestas solidões brutas é que eu te sinto, América!

[...]

Ah! como será bela a dança do homem livre, que ainda esperas,

a dança do homem livre sobre o teu ventre violado... (CARVALHO, 1935 [1926], p. 27-29).

Há vários fios que unem essa descrição dos Andes à imagem inicial do Brasil e da América. O continente imaginado como prenhe de um futuro majestoso e de “homens do amanhã” passa a ser representado, então, em sua expressão andina de “promessas excitantes”, de “uma aurora que vai romper”; da novidade de “um grito que ainda boca nem uma gritou”, de uma “bela dança do homem livre”. No futuro, esse homem, ainda esperado, dançará sobre o “ventre violado” da América. Esta América, sim, é idêntica ao Brasil, como sinaliza outro poema dedicado à parte andina do continente e que começa com o seguinte verso: “Naquela noite de Los Andes eu amei como nunca o Brasil”. Neste poema, a identificação Andes–Brasil é estabelecida a partir de uma relação sensível que conecta “o murmúrio de um córrego tranquilo, escorregando como lagarto pela terra molhada” a “um cheiro de varanda carioca” (CARVALHO, 1935, p. 30).

Por último, como a mais ampla expressão da América no conjunto da obra, contando com nove poemas: o México. Os títulos dos poemas dedicados ao país começam por “Fronteira do Rio Grande” e perpassam diferentes localidades mexicanas, como “Xochimilco”, “Cholula”, “Puebla”, “Querétaro”, “Guadalajara” e “México DF”, entre outras. A seção mexicana da obra é intitulada “Jornal dos Planaltos” e oferecida ao poeta mexicano Carlos Pellicer. Todos os poemas dedicados ao México são datados pelo poeta brasileiro entre os meses de julho e agosto de 1923, período em que esteve no país pela missão oficial brasileira de intercâmbio cultural com o México. Os nomes dos escritores e artistas aos quais dedica esses poemas evocam claramente o círculo intelectual reunido em torno de Vasconcelos no período: o pintor Diego Rivera, quem possivelmente Ronald de Carvalho conheceu no México, além de algumas das mais reconhecidas personalidades que haviam participado da comitiva mexicana enviada ao Brasil em 1922, por ocasião do centenário da Independência brasileira, como o próprio Pellicer e o pintor Roberto Montenegro.

Os poemas mexicanos de Ronald de Carvalho são curtos, trazem expressões sucintas e precisas de visões e sentimentos evocados por cada uma das localidades que visitou no México. Na fronteira do Rio Grande: “fervura de areias”, “homens por trás de todos os silêncios”; “fogo de sarapes, México!”. Em Cholula: “altura que ufana o céu”, o “riso” da “índia mexicana” com “sabor das ervas livres do planalto”. Sobre Puebla: “teu perfil primitivo é um pássaro que vai voar!”; “a noite é um azulejo de Puebla”. A cidade de Guadalajara “é toda uma dança” e “meus pensamentos dançam em ti”. Em Querétaro: “Igrejas, capelas, átrios partidos, catedrais”; “em todas as janelas ‘Viva Cristo Rey!’”. E na capital mexicana:

A índia que passa todas as manhãs, sob minha janela,

a índia da Avenida Juárez,

como é feliz!

[...]

Índia da avenida Juárez, toda florida de ritmos,

tu és o México, ou Deus não existe! (CARVALHO, 1935 [1926], p. 36-43).

As imagens evocadas pelas descrições do México são alegres e exuberantes. Mas o que mais chama a atenção nesses versos mexicanos é o fato de que os tempos verbais usados para descrever as localidades do país se diferenciam bastante daqueles usados para tratar do Brasil e dos Andes. Os verbos que designam as paisagens humanas e naturais mexicanas estão quase sempre no presente: o México é, sua identidade é designada no presente, ao contrário dos casos brasileiro e andino, em que, como vimos, o verbo “ser” aparece predominantemente no futuro. A noção subentendida nesse olhar dialoga com a questão da identidade que perpassa a obra em seu conjunto. Nessa busca pela definição de uma identidade cultural traçada pela voz poética em Toda a América, o México parece já ter se encontrado. Para o México são possíveis definições exatas e precisas, enquanto o restante da América ainda espera para o futuro a realização do sentido do seu ser, um ser que a voz poética vislumbra como “moreno”, ou seja, mestiço; um ser que já parece despontar, mas que ainda “dorme”.

Essa percepção da identidade do México como algo definido no presente – e não simplesmente a promessa de um futuro alentador, como no poema que aborda o Brasil – certamente se relacionava ao processo de reconfiguração da identidade nacional mexicana que se desenvolvia no bojo das transformações decorrentes da Revolução. Exatamente no período em que o poeta brasileiro visitou o México, em inícios dos anos 1920, o país vivenciava a ascensão de uma nova identificação nacional de contornos populares e atrelada ao ideal de mestiçagem, que passava a ser oficialmente assumida como a identidade/originalidade mexicana.

E é justamente essa visão presente e exata do México que leva ao fechamento da obra. O livro se encerra com o poema que lhe dá título, “Toda a América”, e que é dedicado ao escritor Renato Almeida. Como que numa visão panorâmica lançada desde as alturas, a voz poética assim se volta para o continente:

Do alto dos Andes, América, do alto das sierras mexicanas,

[…]

eu te vejo deitada e intacta,

[...]

Em ti está a multiplicidade criadora do milagre,

[...]

América livre do terror!

América voltada para o futuro como um botão que espera a flor e o fruto,

[...]

América violenta do cavalo selvagem do caudilho, do punhal dos generais, da fogueira, dos linchamentos, dos imperadores banidos, dos Presidentes degolados,

[...]

Eu vivo todas as tuas indisciplinas, a tua cultura e a tua barbárie, as tuas pirâmides e os teus arranha-céus, as tuas pedras de sacrifício e os teus calendários, os teus pronunciamentos e a tua boa fé puritana, [...] (CARVALHO, 1935 [1926], p. 45-47).

Nesses versos, a América, em sua plenitude, volta a definir-se em contraposição à Europa: é a “América livre do terror”, numa alusão indireta à Grande Guerra europeia. É uma América inteira, “toda a América”, que inclui sua parte “puritana”. Mas é, também, fundamentalmente, uma América indígena e mestiça, pois é contemplada e poeticamente louvada a partir daquilo que se identifica como o mais alto, mais elevado – e não simplesmente no sentido geográfico: os Andes e as serras mexicanas; a Laguna del Inca e as regiões mesoamericanas de Orizaba e Xochimilco. É, ainda, o lugar de esperança no que virá (uma nova civilização, como evoca a Raça Cósmica de Vasconcelos?); uma “América voltada para o futuro” que já contém seus elementos, mas que ainda está por realizá-lo, à maneira de “um botão que espera a flor e o fruto”.

Palavras finais

Essa mesma metáfora do botão que prefigura o fruto pode ser usada para caracterizar o lugar ocupado por Toda a América em relação ao desenvolvimento de uma sensibilidade americanista no seio da intelectualidade brasileira. A ode ao continente operada por Ronald de Carvalho aponta para uma série de elementos americanistas, tais como a valorização da cultura autóctone a partir de um elogio da mestiçagem, a identificação do americano ao pacifismo e o vislumbre da América como civilização futura. Em meados da década de 1920, quando foi publicada Toda a América, esses elementos vislumbrados pelo autor ainda estavam em germinação no Brasil,20 mas já se encontravam fortemente amalgamados em outras partes do continente e sustentavam uma forte identificação latino-americanista. Dentro dessa identidade continental, o “México mestiço” e sua revolução ocupavam lugar privilegiado, ao evocarem a capacidade criativa – “original”, “autóctone”, “indo-americana” – do continente.21

Nessa época, enquanto a maior parte das elites culturais brasileiras permanecia distanciada desse ideal americanista, Ronald de Carvalho viajou ao México e o conheceu pelas mãos de Vasconcelos. Conheceu, no mesmo período, boa parte do continente americano; mas o lugar ocupado pelo México em sua obra atesta o impacto que esse país exerceu em seu autodescobrimento como americano. Toda a América é escrita como uma espécie de visão extasiada resultante de uma tomada de consciência identitária. A obra é publicada pouco tempo depois de sua passagem pelo México e, certamente, sob a influência do processo, ali observado, de constituição de uma identidade nacional/continental na esteira das transformações políticas, sociais e mentais impostas pela Revolução.

A identificação cultural de parte da intelectualidade brasileira ao continente – o que se anunciava fortemente em Ronald de Carvalho e sua obra Toda a América – foi uma conquista significativa dentro da estratégia de projeção continental do México revolucionário, já que essa, como mostramos, baseava-se na solidariedade latino-americana fortalecida sob a liderança mexicana.

Material suplementar
Informação adicional

Origem do Artigo: Extraído da tese A revolução mexicananos debates político-intelectuais brasileiros: projeções, leituras e apropriações (1910-1941), apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2015.

Agradecimentos

Não se aplica.

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Notas
Notas
1 As traduções de todas as citações em língua estrangeira são da autora deste artigo.
2 Entre os trabalhos historiográficos brasileiros que abordam o tema das relações entre o Brasil e a Hispano-América, destacam-se: BAGGIO, 1998; PRADO, 2001; CAPELATO, 2000.
3 A história do latino-americanismo é bastante ilustrativa a esse respeito. Uma identidade latino-americana começou a ser articulada por intelectuais hispano-americanos em meados do século XIX em contraposição ao perigo expansionista decorrente do “destino manifesto” estadunidense, sendo reforçada em fins daquele século em resposta à proposta pan-americanista. Durante esse período, o Brasil monárquico (que ainda o era quando da convocação estadunidense para a Conferência Internacional Americana em 1889) não foi incluído na identidade latino-americana, a qual, na realidade, equivalia basicamente a uma identificação hispano-americana. Mesmo depois da entrada do Brasil no rol das nações republicanas do continente, o latino-americanismo – esgrimido contra o pan-americanismo e expresso de maneira mais latente nas Conferências Pan-Americanas –, em geral, não incluiu o Brasil. Sobre o desenvolvimento histórico do latino-americanismo em contraposição ao pan-americanismo, consultar ARDAO, 1986. Sobre o desenvolvimento da identidade latino-americana durante as Conferências Pan-Americanas, consultar DULCI, 2013.
4 Como descreve Zanetti, a análise das experiências literárias e culturais a partir dos fenômenos de religação tem como base a identificação de “laços efetivos condensados de modos muito diversos ao longo da história, para além das fronteiras nacionais”, privilegiando o estudo de lugares, textos e figuras do mundo literário/intelectual em sua atuação como “agentes de integração” (ZANETTI, 1994, p. 489).
5 Trata-se da guerra iniciada, em 1895, como movimento de independência de Cuba contra a colonização espanhola e que contou com a participação dos Estados Unidos, a partir de 1898, contra a metrópole europeia. O saldo da guerra foi o estabelecimento de protetorados estadunidenses em Porto Rico, nas Filipinas e na ilha de Guam, seguido da implantação de uma emenda à Constituição de Cuba (a Emenda Platt, de 1901), que garantia a ingerência estadunidense no país após sua independência em relação à Espanha. Por tudo isso, a guerra é considerada como um momento chave na história do expansionismo norte-americano, tendo contribuído significativamente para o desenvolvimento de uma identificação hispano-americana, já não em contraposição à Europa, como havia sido no período das Independências, mas favorável a uma aproximação com a própria Espanha. A respeito da importância histórica da Guerra de 1898 para os debates em torno da identidade hispano-americana nos dois lados do Atlântico, consultar CAPELATO, 2003.
6 A Revista Americana circulou entre 1909 e 1919, com períodos de interrupção, e tinha estreitos vínculos com o Itamaraty, apesar de não ser um órgão oficial do Ministério das Relações Exteriores. Sobre a trajetória da revista, seu perfil editorial e projeto diplomático, consultar CASTRO, 2012; BAGGIO, 2006.
7 No caso do Brasil, como bem sabemos, a proposta de aproximação continental representada pela Revista Americana não se traduziu numa política mais sistemática ou duradoura. Mesmo esse projeto editorial se viu duramente impactado pela morte do Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores sob cuja influência a revista começou a ser editada. A publicação chegou a ser interrompida por cerca de dois anos, entre 1913 e 1915. CASTRO, 2012, p. 50; BAGGIO, 2006.
8 Vale mencionar, por exemplo, a posição da Argentina, que atuava como articuladora de uma identidade latino-americana em espaços oficiais, como as Conferências Pan-Americanas. Entretanto, essa atuação pontual, destinada a combater as pretensões estadunidenses no seio das Conferências, não se traduzia em políticas mais sistemáticas fora desses esparsos eventos diplomáticos. Sobre as especificidades da atuação da Argentina em prol da identidade latino-americana nas Conferências, consultar: DULCI, 2013, especialmente o subcapítulo “A identidade latino-americana”.
9 Antes da eclosão da Revolução Mexicana, em 1910, Isidro Fabela (1882-1964) fez parte do Ateneu da Juventude, associação criada em 1909 como um espaço de sociabilidade intelectual que possibilitasse o debate de temas filosóficos em condição de independência em relação à ditadura de Porfirio Díaz. O Ateneu acabou se convertendo em celeiro de uma poderosa crítica filosófica aos pressupostos positivistas que conformavam a legitimação ideológica do porfirismo. Com o início da Revolução, Fabela aderiu ao maderismo e, logo após o assassinato do presidente Madero, passou a apoiar o constitucionalismo, tendo assumido, em 1913, ainda durante a guerra civil, o cargo de oficial maior da Secretaria de Relações Exteriores, tornando-se o principal nome por trás da articulação de uma estratégia de projeção internacional do México revolucionário durante o governo de Carranza. Sobre a trajetória política e intelectual de Isidro Fabela, consultar: FALCÓN, 1994. A respeito do Ateneu da Juventude, consultar: MATUTE, 2005.
10 A visita oficial do filósofo Antonio Caso ao Brasil, em outubro de 1921, em uma missão universitária, como representante da Universidade Nacional do México, fazia parte da política de promoção internacional do México revolucionário. Esta, no início dos anos 1920, procurou centrar-se em elementos culturais, visando difundir a imagem do governo Obregón como marco da reconstrução material e moral do país (DIAS, 2015).
11 Um dos exemplos mais ilustrativos do lugar ocupado pelo México revolucionário na articulação da solidariedade continental a partir do movimento reformista pode ser observado na estreita relação estabelecida com a Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA), fundada na Cidade do México em 1924 – no espaço nada casual do anfiteatro Simón Bolívar da Escola Nacional Preparatória –, durante o exílio de seu fundador, Victor Raúl Haya de la Torre. A acolhida dispensada ao líder peruano (que chegou a trabalhar como secretário particular de Vasconcelos) não foi um caso isolado, visto que, nos anos 1930, o México continuou sendo um destino fundamental para o exílio aprista, tendo funcionado como um eixo a partir do qual o movimento pôde ser organizado e mantido após a perseguição perpetrada contra suas lideranças. A respeito desse tema, consultar: MELGAR BAO, 2003.
12 Sobre o projeto educativo levado a cabo por José Vasconcelos, inicialmente como reitor da Universidade do México e depois como secretário de Educação Pública, durante o governo Obregón, no início dos anos 1920, consultar: FELL, 2009; CRESPO, 2005.
13 A respeito da marcante participação da comitiva mexicana nas comemorações oficiais do centenário da Independência brasileira e sua relação com a propaganda do México revolucionário no continente, consultar: DIAS, 2015, cap. 2.
14 A referida edição do discurso consta do acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, e o registro de entrada mostra que foi disponibilizada à biblioteca logo após a publicação.
15 O discurso de Ingenieros, proferido como parte do “banquete dos escritores argentinos em homenagem a José Vasconcelos”, foi originalmente publicado em 1922 por L. J. Rosso y Cia. Impresores de Buenos Aires. Essa edição foi disponibilizada pela Universidade de Toronto por meio da Open Library. Cf. INGENIEROS, 1922.
16 Em seu estudo sobre a Unión Latino Americana, a historiadora Alexandra Pita González destaca a importância desses “referentes” latino-americanos, entre os quais se situam os brasileiros, para o estabelecimento de uma “genealogia intelectual” por parte do grupo reunido em torno do boletim Renovación. Nas menções feitas na publicação, esses intelectuais são “situados no lugar de autoridades” e “qualificados [...] como os ‘mestres’, dos quais a juventude tinha muito o que aprender” (PITA GONZÁLEZ, 2009, p. 100 e 104).
17 Para maiores informações sobre o projeto editorial de Folha Acadêmica, consultar: CRESPO, 2010.
18 Para mais informações sobre a comitiva brasileira enviada ao México em 1923 e a participação de Rodrigo Otávio e Ronald de Cavalho nela, consultar: PALACIOS, 2008, p. 213; CRESPO, 2014; BAGGIO, 2010.
19 É importante ressaltar que a noção de literatura em pureza de Reyes se distancia da ideia de “poesia pura”, que é criticada por ele. Em sua perspectiva, a literatura – de forma geral, incluindo a poesia – “mesmo quando é fantástica [ou seja, aparentemente afastada de toda realidade objetiva], alude necessariamente a realidades, as quais combina à sua maneira” (REYES, 1997, p. 47).
20 No início dos anos 1930, alguns desses elementos já aparecem mais desenvolvidos em expressões de identificação latino-americanista por parte de escritores brasileiros, inclusive reflexões de tipo sociológico, como ocorre, por exemplo, na formulação original do conceito de “homem cordial” por Ribeiro Couto, precisamente em uma carta ao então embaixador mexicano no Brasil, o reconhecido escritor Alfonso Reyes. Consultar a respeito: DIAS, 2015, cap. 4.
21 Sobre este tema, consultar o item “Definiciones sobre la revolución”, na Segunda Parte de FUNES, 2006, p. 369-379.
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