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A Coleção de Tours de atas do concílio de Éfeso (431): um testemunho carolíngio de ressignificação doutrinal e circulação de textos no Mediterrâneo tardo antigo
Robson Murilo Grando Della Torre
Robson Murilo Grando Della Torre
A Coleção de Tours de atas do concílio de Éfeso (431): um testemunho carolíngio de ressignificação doutrinal e circulação de textos no Mediterrâneo tardo antigo
The Collection of Tours of Acts of the Council of Ephesus (431): A Carolingian Evidence of Doctrinal Ressignificance and Circulation of Texts in the Late Antique Mediterranean
Esboços: histórias em contextos globais, vol. 27, núm. 44, pp. 59-77, 2020
Universidade Federal de Santa Catarina
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Resumo: Este trabalho visa compreender a multiplicidade de sentidos e experiências históricas que se cruzam no manuscrito latino conservado na Bibliothèque Nationale de France sob o número 1.572, outrora conservado em Saint-Martin de Tours e que preserva uma coleção de “atas do concílio de Éfeso (431)” nomeada a partir dele. Defendo inicialmente a própria desconstrução da ideia de que o concílio de Éfeso tenha produzido atas em sentido estrito, alinhando-me às ideias de Eduard Schwartz acerca tanto do faccionalismo desse encontro como do caráter propagandístico das coleções documentais produzidas pelos partidos em choque nesse momento e por novos grupos eclesiásticos que deram novos sentidos à disputa cristológica após o concílio de Calcedônia (451). Passando em revista, em seguida, pela recepção do debate efesino no Ocidente latino, procedo a uma breve descrição dessa dita coleção de Tours, levantando hipóteses sobre a datação e o local de seu arquétipo (segundo quarto do século VI em Constantinopla). Por fim, voltando-me ao contexto da Gália, ofereço uma hipótese de transmissão da coleção por meio de um itinerário mediterrânico associado à dita controvérsia dos Três Capítulos, concluindo que sua recepção e produção no período carolíngio se deu tanto por meio da recuperação de sentidos produzidos ao longo dessa longa e difusa cadeia de transmissão mediterrânica quanto por novos interesses e necessidades que surgiam nesse momento na Gália carolíngia e que não necessariamente se vinculavam à polêmica cristológica.

Palavras-chave:Concílio de Éfeso (431)Concílio de Éfeso (431),Coleções canônicas medievaisColeções canônicas medievais,ToursTours.

Abstract: This paper aims to understand the multiplicity of historical meanings and experiences that intersect in the Latin manuscript preserved in the Bibliothèque Nationale de France under the number 1572, formerly preserved in Saint-Martin of Tours and that preserves a collection of “acts of the Council of Ephesus (431)” named after it. Firstly, I support the very deconstruction of the idea that the council of Ephesus produced acts in a strict sense, aligning myself with Eduard Schwartz’s ideas on both the factionalism of this meeting and the propagandistic character of the documental collections produced by both clashing parties at that time and by new ecclesiastical groups that gave new meanings to the Christological dispute after the council of Chalcedon (451). Then, I review the reception of the Ephesian debate in the Latin West, proceeding to a brief description of this so-called collection of Tours, raising hypotheses about the dating and location of its archetype (second quarter of the 6th century in Constantinople). Finally, turning to the context of Gaul, I offer a hypothesis of transmission of the collection through a Mediterranean itinerary associated with the so-called Three Chapters controversy, concluding that its reception and production in the Carolingian period was through the recovery of meanings produced along this long and diffuse chain of Mediterranean transmission as much as through new interests and needs that arose at that time in Carolingian Gaul and which were not necessarily linked to the Christological polemic.

Keywords: Council of Ephesus (431), Medieval canonical collections, Tours.

Carátula del artículo

Dossiê “Histórias conectadas da Idade Média”

A Coleção de Tours de atas do concílio de Éfeso (431): um testemunho carolíngio de ressignificação doutrinal e circulação de textos no Mediterrâneo tardo antigo

The Collection of Tours of Acts of the Council of Ephesus (431): A Carolingian Evidence of Doctrinal Ressignificance and Circulation of Texts in the Late Antique Mediterranean

Robson Murilo Grando Della Torre
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
Esboços: histórias em contextos globais, vol. 27, núm. 44, pp. 59-77, 2020
Universidade Federal de Santa Catarina

Recepção: 25 Novembro 2019

Aprovação: 13 Janeiro 2020

Um dos preceitos dos estudos que envolvem a produção doutrinária antiga e medieval na atualidade diz respeito a seu caráter não essencialista e não imanente. De acordo com ele, não há nada de eterno, imutável e universal nas proposições de qualquer autor ou tradição de pensamento cristão que seja. Pelo contrário, a ênfase atual recai sobre o enraizamento da produção teológica desses personagens em seus referenciais históricos, filosóficos e geográficos próprios, articulando, assim, a doutrina à experiência de vida e à realidade político-social vivenciada por cada um deles.

Esse preceito tem sido fundamental para a desconstrução da ideia de heresia como um desvio doutrinário cuja existência apenas ou serviria para chancelar a autoridade do pensamento dito ortodoxo, entendido como ontologicamente verdadeiro ou correto, ou marcaria estágios diversos de entendimentos incompletos e imperfeitos sobre a fé verdadeira. Todavia, o alcance e a repercussão dessas novas perspectivas de trabalho ainda custam a se fazer sentir no estudo das múltiplas manifestações de doutrinas tidas como ortodoxas na história do pensamento cristão. Dito de outro modo, é aceito com relativa facilidade na historiografia que não há nada de essencialmente herético ou desviante nas dezenas de correntes arianas dos séculos IV e V, e que sua marginalização frente a tradições niceístas se deve, em grande medida, ao contexto histórico da época – e não há uma maior ou menor coerência filosófica de suas proposições. Entretanto, o estudo da pluralidade de ideias dentro de correntes ditas ortodoxas no mesmo período ainda caminha a passos lentos, e isso se agrava quando empreendemos uma compreensão da doutrina em sua longa duração ou mesmo quando investigamos seu desenvolvimento em espaços distintos.

A meu ver, essa é uma questão importante porque a doutrina, assim como qualquer outro produto da ação humana, assume formas variadas conforme se transformam as condições históricas em que é recebida e posta em uso. Ademais, por mais que certa concepção religiosa tenha assumido uma posição hegemônica em boa parte das comunidades cristãs em um dado momento, isso não garante que as comunidades de épocas futuras a aceitem de forma inalterada. Digamos que seja preciso que essa crença passe por um processo contínuo de atualização nos casos em que de fato estende sua hegemonia sobre formas de pensamento concorrentes, e que tal atualização por vezes implique o surgimento de rupturas ou inovações frente ao pensamento original.

No texto que se segue, procuro aplicar as preocupações aqui expostas para um estudo de caso centrado na materialidade da transmissão doutrinária e na produção de uma memória sobre certa concepção tida por ortodoxa durante a Alta Idade Média, ainda mais pensada em diferentes espaços conectados do Mediterrâneo nesse período. Parto aqui de uma cópia latina das ditas “atas do concílio de Éfeso (431)”, produzida muito provavelmente na abadia de Saint-Martin de Tours, na segunda metade do século VIII, hoje conservada em Paris. A produção dessa cópia em um contexto histórico e geográfico bastante diferente daquele que suscitou a polêmica entre Cirilo de Alexandria (bispo entre 412 e 444) e Nestório de Constantinopla (bispo entre 428 e 431) é tão mais significativa porque essas ditas atas foram preservadas em dezenas de formas diferentes nas mais diversas línguas do cristianismo mediterrânico desse período. A versão de Tours, para surpresa ainda maior, é única em seu conteúdo e na organização do material, ainda que algumas partes tenham sido recuperadas por coleções canônicas posteriores. Por mais que sua transmissão do Oriente para o Ocidente possa ser explicada por uma série fortuita de acidentes, sua cópia e preservação em Tours denunciam a intencionalidade de preservar uma memória doutrinária que inicialmente não dizia respeito às comunidades cristãs da Gália. Se não quisermos justificar a existência desse manuscrito apenas por uma obsessão livresca e colecionista de quem quer que estivesse à frente da biblioteca da abadia nesse período, precisamos reconhecer que essa cópia das atas de Éfeso cumpria uma função que fazia sentido para as pessoas envolvidas em sua produção e conservação, ainda que esse sentido não fosse o mesmo concebido por quem quer que tenha compilado essas atas originalmente. É meu interesse aqui investigar quais sentidos doutrinários são esses que podemos perscrutar no manuscrito, e que relação guardam com a construção de uma tradição de ortodoxia referente à controvérsia cristológica que vinha se arrastando desde o século V.

Tal linha de investigação é tão mais profícua porque, desde os estudos do filólogo alemão Eduard Schwartz (1858-1940), sabe-se que nunca existiu uma coleção documental oficial, reconhecida tanto pelo poder imperial como pelos diferentes partidos eclesiásticos envolvidos na querela cristológica, que pudesse ser chamada de “atas do concílio de Éfeso” de forma unívoca. Pelo contrário, Schwartz demonstrou que nem sequer houve esse tipo de esforço na primeira metade do século V, por conta do próprio faccionalismo entre os bispos e da tentativa frustrada de a corte de Teodósio II (imperador entre 408 e 450) produzir um mínimo de consenso entre as partes. O resultado desses esforços divergentes foi a produção de diferentes coleções documentais que apenas tentavam convencer a corte imperial e o público em geral da correção das proposições doutrinárias e das ações políticas de determinada facção eclesiástica em contraposição à impiedade e ilegalidade que marcariam a facção rival. O material assim preservado e circulado acabou influenciando as querelas doutrinárias subsequentes – em particular toda a miríade de novas correntes político-teológicas que se formaram a partir da realização do concílio de Calcedônia (451) e de seus desdobramentos posteriores até, pelo menos, o século VII.

Tal abordagem metodológica, focada na identificação de diferentes coleções canônicas medievais que recuperavam documentos associados à memória sobre Éfeso (431) e cuja orientação político-teológica podia ser claramente distinguida a partir da narrativa histórica e doutrinária adotada por cada um de seus compiladores, traz uma dificuldade adicional no estudo desse material: a necessidade de estabelecer um texto padrão de cada uma das peças documentais conservadas. Dito de outro modo: por mais que Schwartz fosse capaz de identificar algumas dezenas de coleções latinas e gregas de atas de Éfeso distintas, cada uma produzindo uma memória específica sobre as ações e a doutrina do concílio com base em diversos entendimentos cristológicos gestados em séculos posteriores, ou mesmo à luz de interesses variados, de acordo com a época e a região em que foram compiladas; e mesmo que uma única peça documental pudesse apresentar dezenas de versões diferentes em cada uma dessas coleções, ainda assim os pesquisadores contemporâneos necessitam de uma edição padrão de cada um desses documentos – de preferência, que seja a mais próxima possível daquilo que os protagonistas do concílio disseram ou escreveram naquele momento – a partir da qual possam trabalhar. Em uma coletânea recente que versa sobre a contribuição de Schwartz para os estudos historiográficos e patrísticos (HEIL; STOCKHAUSEN, 2015), essa problemática reaparecia com força, a ponto de alguns dos colaboradores do volume questionarem a própria validade da metodologia de Schwartz, entendida mais como um exercício de transmissão e recepção textual do que propriamente como um requisito necessário para a compreensão da documentação efesina em seus próprios termos (cf. MÜHLENBERG, 2015). Apesar da radicalidade desse tipo de crítica, o consenso nesse volume ainda mantinha que a metodologia de Schwartz era consistente, relevante e ainda determinante na condução dos estudos contemporâneos sobre Éfeso (431),1 devendo, porém, ser matizada por uma linha de investigação paralela que, para além da transmissão textual das coleções, se focasse em um estudo mais pormenorizado sobre cada peça documental contida nessas atas, mas investigados também para além de sua inserção e transmissão por meio delas.

Independentemente da predileção ou não pela metodologia e pelas teses de Schwartz, é consenso na historiografia na atualidade que os diferentes grupos calcedonianos e miafisitas surgidos desde 451 pretendiam se colocar, cada um a seu modo, como herdeiros da cristologia de Cirilo de Alexandria e do próprio concílio de Éfeso de 431. Para tanto, eles produziram memórias próprias sobre o concílio de modo a forjar interpretações a respeito dele que embasassem suas próprias leituras calcedonianas ou miafisitas, projetando para o passado aquilo que defendiam em seu presente. Isso podia ocorrer por meio da compilação de florilégios, da produção de traduções de textos de Cirilo de Alexandria entendidos como referenciais para a controvérsia cristológica, da invenção ou reformulação de práticas litúrgicas que evocassem certo tipo de memória sobre esses eventos ou doutrinas,2 ou mesmo – como é o caso que me interessa aqui – na compilação de dezenas ou mesmo centenas de documentos relativos ao concílio de Éfeso (431) e que, na prática, funcionavam como manifestos político-teológicos em favor dessas novas correntes doutrinárias pós-calcedonianas.

A coleção conservada no manuscrito de Tours é uma das mais antigas produzidas a respeito do concílio de Éfeso, tanto no que se refere a seu arquétipo quanto ao fato de sua própria existência material. À luz dessas considerações, sua mera existência nos coloca uma série de problemas, desde sua filiação doutrinal até à própria circulação de textos e de ideias em um Mediterrâneo pós-romano. Ou seja, cruzam-se nesse manuscrito diferentes espaços e tempos que se iluminam reciprocamente. Assim, é preciso recuar até o século V e se deslocar até a Ásia Menor e o Egito para compreender os eventos e posições doutrinárias evocados pelo conteúdo textual da coleção de Tours e que foram mobilizados de forma diferente nesse século VIII, mas é preciso também alicerçar-se na realidade histórica da Gália carolíngia da segunda metade do século VIII para compreender o quanto as reapropriações e ressignificações desse material condicionam nossa própria capacidade de ter acesso ao conhecimento dessa realidade histórica três séculos anterior, posto que se trate de uma (re)interpretação dela. Ademais, entre uma ponta e outra do problema, há uma série de outros intermediários que também integram a cadeia de transmissão e ressignificação desse material, alguns deles tocando localidades tão diversas quanto Constantinopla, Roma, Alexandria, Orléans e o norte da África.

Em suma, proponho nas páginas seguintes que olhemos para a coleção de Tours de atas do concílio de Éfeso como uma síntese de experiências históricas que, embora girem em torno de um núcleo comum de eventos e doutrinas, se multiplicam em uma gama multifacetada de releituras e reinterpretações sobre o passado. Tal multiplicidade só é possível graças à conectividade entre essas mesmas realidades históricas enraizadas em diferentes espaços desse Mediterrâneo. Além disso, por meio do estudo dessa peça documental, proponho que olhemos para a construção da doutrina e da ortodoxia como um processo verdadeiramente realizado na longa duração e que concilia em seu bojo diferentes leituras e interpretações calcadas em realidades históricas variadas, o que nem por isso as torna menos legítimas do que aquelas que lhes deram origem.

Por premência de espaço, não convém aqui dissertar sobre a longa controvérsia entre Cirilo e Nestório, seja em seus pormenores teológicos, seja nas quase infindáveis idas e vindas que ocorreram ao longo do concílio de 431 e de seus anos imediatamente subsequentes. Sobre o assunto, remeto o leitor aos estudos já consagrados e ainda basilares de Maria de Ploch (2001), John McGuckin (2004) e Fergus Millar (2005).3Interessa-me aqui, de forma prioritária, acompanhar a disseminação das ideias e documentos produzidos ao longo da querela por todo esse Mediterrâneo tardo antigo e medieval – com particular ênfase no Ocidente latino – de modo a identificar reapropriações e ressignificações que, a um só tempo, estão na base da compilação da coleção de Tours e em sua trajetória rumo às margens do Loire no alvorecer do regime carolíngio, já então transmutada de sentidos completamente novos.

A REPERCUSSÃO INICIAL DA QUERELA EFESINA NO OCIDENTE LATINO

A primeira constatação a se fazer ao nos voltarmos para as margens ocidentais do Mediterrâneo no início do século V é que a controvérsia cristológica lhe tocou de modo bastante superficial. Em Éfeso (431), somente dois bispos latinos foram convidados a participar dos trabalhos. Nenhum deles, porém, fez a viagem à Ásia Menor: Celestino, bispo de Roma, enviou três legados em seu lugar, enquanto Agostinho de Hipona, convidado apenas por conta de seu prestígio doutrinário, tinha morrido em junho de 430, poucos meses antes da convocação do concílio (CRABBE, 1981). Em seu lugar, o metropolitano de Cartago, Capréolo, despachou o diácono Béssula para representá-lo, e mesmo ele teve atuação praticamente nula nos debates conciliares. Tanto a delegação romana quanto a cartaginesa se alinharam ao partido cirilino desde o princípio. Não há indício algum que as igrejas africanas tivessem envolvimento prévio da disputa antes disso, porém a igreja romana tinha sido provocada para tomar parte nos acontecimentos tanto por Cirilo quanto por Nestório desde 429. Cirilo teve sucesso ao se aproximar de Celestino, enviando excertos traduzidos para o latim de alguns sermões de Nestório que homens seus estacionados em Constantinopla tinham conseguido transcrever a fim de demonstrar sua heterodoxia (SCHWARTZ, 1914). Nestório, por sua vez, escreveu duas cartas a Celestino tanto lhe informando sobre o estado de coisas no Oriente quanto lhe avisando que tinha recebido uma delegação de clérigos pelagianos cujo caso ele queria reabrir por conta própria e, por isso, exigia de seu colega romano o envio de documentação referente à controvérsia. Essa atitude foi entendida como uma grande provocação à autoridade da sé romana (ainda mais porque, ao que tudo indica, Nestório sequer se preocupou em traduzir sua carta para o latim). Foi então que foi confiada ao então arquidiácono Leão, que depois seria elevado ao episcopado da Urbe (entre 440 e 461), a missão de traduzir o material nestoriano e promover uma refutação de sua doutrina. Como não havia ninguém proficiente o suficiente em grego na Itália, Leão delegou a tarefa para o monge marselhês João Cassiano, que rapidamente fez a tradução e escreveu um longo tratado de Sete Livros sobre a Encarnação do Senhor contra Nestório. Cassiano, porém, era alguém que estava mais preocupado com as questões teológicas ainda vivas no Ocidente relativas ao pelagianismo e, até mesmo como forma de rebater o desafio feito pelo bispo de Constantinopla ao ousar querer reabrir o processo contra os pelagianos, retratou a doutrina de Nestório essencialmente como um desenvolvimento ou reafirmação das oposições às doutrinas agostinianas da graça e do livre arbítrio.4

Esse é um primeiro ponto interessante para pensarmos: a recepção inicial da controvérsia no Ocidente foi mediada pelos interesses teológicos e eclesiásticos locais, mesmo que isso afastasse uma compreensão exata dos problemas levantados pelo debate cristológico oriental. Ademais, foi muito provavelmente com base no texto de Cassiano que Celestino reuniu um sínodo italiano em Roma em agosto de 430 e procedeu a uma condenação oficial das doutrinas de Nestório, ainda que deixasse em aberto a possibilidade de que ele se retratasse publicamente para que fosse perdoado. Os termos desse arrependimento, porém, deveriam ser ditados e aceitos por Cirilo, que chegava mesmo a ser nomeado como representante romano para a resolução da disputa.5

Esses eventos de 430 explicam em grande medida o posicionamento francamente pró-cirilino romano durante o concílio de Éfeso e além. Também o sucessor imediato de Celestino no trono romano, Sixto III (bispo entre 432 e 440), manteve-se alinhado à sé alexandrina durante as negociações que culminaram na Reunião de 433. Do ponto de vista da construção e preservação de uma memória sobre o concílio, o interesse romano parece ter sido de fato praticamente nenhum. Os legados romanos em Éfeso não parecem ter trazido nada sequer parecido com uma ata conciliar, a ponto de os arquivos romanos terem conservado apenas as cartas trocadas entre seus representantes com Cirilo e Nestório (SCHWARTZ, 1929, p. X-XI). Quando Leão Magno foi instado a tomar parte das discussões acaloradas que tomavam conta das igrejas orientais em 449-450, ele tomou conhecimento de apenas dois documentos relativos à polêmica efesina – a dita segunda carta de Cirilo a Nestório e a carta de Cirilo a João de Antioquia que continha a Fórmula de Reunião6 – porque ambas tinham sido transcritas nas atas de um sínodo doméstico em Constantinopla em 448 que tinha condenado certo monge chamado Eutíquio a mando do então bispo local, Flaviano (SCHWARTZ, 1929, p. X).7 Isso é tão mais notório pelo fato de Leão não só ter usado apenas esses dois documentos cirilinos para a preparação de um florilégio de citações patrísticas que embasasse sua própria cristologia – expressa de forma cabal em seu Tomo a Flaviano de fevereiro de 449 – como de ter feito circular traduções latinas delas a alguns bispos gauleses logo após a realização do concílio de Calcedônia (451) para mostrar que sua cristologia coincidia com a de Cirilo.8

Mesmo colocando-se na posição de um ferrenho e legítimo herdeiro da cristologia de Cirilo no contexto da polêmica calcedoniana, Leão não avançou em um conhecimento mais amplo e aprofundado da obra daquele que dizia ser sua referência, muito menos ousou promover a coleta, compilação e tradução de documentação em larga escala a respeito do tema. Esse vazio de conhecimento no Ocidente era tamanho que, já no início do século VI, um monge chamado Dionísio, dito “o pequeno” (exiguus), tomou a iniciativa de traduzir para o latim a dita terceira carta de Cirilo a Nestório, um documento da mais capital importância para os debates tanto efesinos quanto calcedonianos porque nela o bispo de Alexandria oferecia uma interpretação muito radical de sua ideia acerca da existência de “um único Senhor Jesus Cristo” que praticamente inviabilizava o entendimento da humanidade e da divindade de Cristo como entidades distintas e, por conseguinte, a crença calcedoniana de uma única pessoa crística existindo em duas naturezas.9 A repercussão dessa carta no Oriente grego desde 430 foi gigantesca e os debates sobre ela em Calcedônia (451) e após foram incessantes, porém o Ocidente parece tê-la ignorado sem problemas por quase um século até que Dionísio Exíguo tomasse coragem para tanto, porém já movido por novas querelas doutrinárias (SCHWARTZ, 1926b, p. IIII-V). Essa tradução, porém, não circulou pelo Ocidente como uma legítima memória efesina, posto que acabou sendo incluída em uma longa coleção canônica compilada pelo próprio Dionísio e que recebeu seu nome (a Dionisiana). Esta, por sua vez, conheceu variadas versões conforme transitava por regiões diferentes, recebendo modificações e acréscimos conforme os interesses locais (MAASSEN, 1870, p. 420-476), de modo que o potencial conflitivo das implicações teológicas da carta de Cirilo acabava se diluindo em meio à imensidão de material doutrinário disperso pela coleção. Pode-se dizer com alguma certeza que, no contexto da Dionisiana, a terceira carta de Cirilo a Nestório aparecia como mais um dentre inúmeros testemunhos da ortodoxia legados pela Antiguidade, porém já em grande parte descolado de seu contexto original de produção e, portanto, praticamente inofensiva em meio às polêmicas pós-calcedonianas no Ocidente.

Levando-se em consideração esse cenário de um desinteresse quase total pela memória relativa ao concílio de Éfeso (431) e de uma quase desvinculação completa do pouco que restou com seu contexto original, podemos agora apreciar melhor a excepcionalidade da coleção de “atas de Éfeso” preservada em Tours, conferindo também o devido valor e significado de seu itinerário desde a produção de seu arquétipo até sua chegada às margens do Loire na época carolíngia.

A COLEÇÃO DE TOURS

Do ponto de vista formal, a dita coleção de Tours pode ser descrita como uma coleção canônica não-sistemática que reúne 76 peças documentais referentes à querela efesina, tendo como recorte desde o início da polêmica entre Cirilo e Nestório por volta de 428/429 até as primeiras repercussões da Reunião de 433. A organização dos documentos pelo compilador original tendia a preservar uma estrutura narrativa cronológica, ainda que, em sentido estrito, algumas peças estejam “fora de lugar” com base em nosso conhecimento atual sobre os eventos do século V. O primeiro estudioso moderno a reconhecer nela uma coleção com suas particularidades próprias e que, portanto, deveria ser estudada em seus próprios termos foi Maassen (1870, p. 721-727). Ele a colocava em paralelo com outras duas coleções latinas correlatas, a de Verona e a de Salzburg, ambas posteriores, sendo que a segunda deriva boa parte de seu material da coleção de Tours, ainda que segundo uma ordenação diferente.

A rigor, o manuscrito outrora em Tours e que hoje está conservado na Bibliothèque Nationale de Paris sob o número 1.572 é a única cópia da coleção em seu estado original. Os exemplares da coleção de Salzburg, como disse, recuperam parte de seu material seguindo um ordenamento diferente. A partir da coleção de Tours, foi produzida ainda uma coleção expandida de atas de Éfeso conservada em dois manuscritos: um outrora conservado em Monte Cassino (o Cassinense 2, do século XII), que a preserva por completo em suas excepcionais 312 peças documentais, e outro conservado no Vaticano (número 1319), que foi mutilado na altura da peça de número 87. Essa segunda coleção, dita de Monte Cassino, recupera a de Tours praticamente na mesma ordem e conteúdo, porém corrigindo sua tradução latina em várias passagens de modo que, mesmo em seu conteúdo correspondente, não pode ser tratada como uma cópia exata dela (SCHWARTZ, 1923, p. XII-XVII).

Em termos de conteúdo, a coleção de Tours compreende o seguinte material:


Quadro 1 – Estrutura documental da coleção de Tours

Fonte: Schwartz (1923).

Por questão de brevidade, não nos interessa aqui entrar em detalhes nas minúcias da composição da coleção de Tours nem em suas inúmeras implicações históricas e teológicas para a compreensão da controvérsia. Basta-nos aqui, para fins de entendimento de seus sentidos atrelados ao volume manuscrito que nos interessa aqui, identificarmos suas linhas gerais de construção de sentido. Em primeiro lugar, pode-se notar que se trata de uma compilação manifestamente pró-cirilina, que sequer demonstra interesse pelas ações e doutrinas do partido ligado a João de Antioquia, muito menos de Nestório. Os únicos documentos de fato ligados ao heresiarca são suas cartas a Cirilo, que servem apenas para delinear as teses que o leitor deveria rejeitar. Mesmo uma carta como a de João de Antioquia a Nestório só está aqui porque cumpre um importante papel de censura à pregação do então bispo de Constantinopla, reforçando, assim, a probidade das doutrinas do bispo de Alexandria. Outro ponto curioso dessa coleção é seu pouco interesse pela preservação de tratados teológicos longos, de fundamentação extensa e complexa da cristologia cirilina. Com efeito, tanto as coleções gregas de atas de Éfeso quanto a coleção latina de Monte Cassino são abundantes a esse respeito, contendo documentos nessa linha às dezenas produzidos nas mais variadas fases da controvérsia (antes, durante e depois de 431). Uma consequência imediata desta opção é a eliminação quase que por completo das repercussões pós-calcedonianas acerca do caráter miafisita ou não da pregação de Cirilo, uma vez que, à exceção da terceira carta a Nestório, o material nela preservado era igualmente aceito por calcedonianos e miafisitas como símbolos de autoridade e ortodoxia. O único traço que nos permite dizer com mais segurança que se tratasse de uma compilação realizada por um calcedoniano é sua valorização das discussões relativas à Reunião de 433 como o ápice e desfecho definitivo da polêmica efesina, sem a inclusão de qualquer tipo de epílogo ou material complementar que pudesse modular o difisismo contido na Fórmula. Uma terceira característica peculiar do conjunto apresentado é uma atenção restrita conferida à atuação da sé romana na disputa e nos caminhos para a resolução do conflito em Éfeso em após. Por certo, Celestino e seus legados são destacados em vários momentos, porém nunca ou quase nunca na condição de protagonistas. Pelo contrário, eles são apresentados como colaboradores de destaque de Cirilo e apoiadores de primeira hora de suas decisões, não oferecendo, para além disso, nenhuma contribuição efetiva ou original para a trama. O cerne da estrutura narrativa da coleção, portanto, gira em torno de uma explicação histórica das ações do partido de Cirilo ao longo dos anos de 428-433, com grande ênfase para os assuntos ligados ao concílio de 431 e à Reunião de 433 a fim de entendê-los como embasamento ao calcedonianismo das décadas vindouras.

Quando, porém, tal compilação teria sido reunida e traduzida para o latim? Se de fato acreditarmos na alegação de Dionísio Exíguo de não havia nenhuma tradução latina da terceira carta de Cirilo a Nestório antes da sua, então devemos colocar a redação do arquétipo da coleção de Tours forçosamente após o início do século VI. Por outro lado, o conjunto já devia estar acabado por ocasião da redação do dito Breviário de Liberato de Cartago pouco após a realização do concílio de Constantinopla (553) organizado por Justiniano para tentar dirimir o dissenso entre calcedonianos e miafisitas. De fato, nesta obra, Liberato se valia das traduções latinas preservadas na coleção de Tours, ainda que fizesse algumas correções pontuais a seu texto (SCHWARTZ, 1929, p. VIIII-X). Outro autor africano do período, Facundo de Hermiane, que se opôs à política de Justiniano cerca de uma década antes de Liberato, também fazia uso de documentação efesina para se contrapor às ações do imperador, porém o texto latino desse material que utiliza em sua obra é significativamente diferente das versões contidas na coleção de Tours (SCHWARTZ, 1929, p. VIIII-X). É de se depreender, portanto, que ou a compilação foi produzida entre as décadas de 540 e 550 ou que o fora pouco tempo antes, a ponto de Facundo não ter tido tempo hábil de ter acesso a ela.

Em termos geográficos, tudo leva a crer que a coleção de Tours tenha sido reunida originalmente em Constantinopla. Além de ser um dos poucos lugares no Mediterrâneo desse período onde se podia encontrar pessoas bilíngues em latim e em grego capazes de proceder a um trabalho de compilação e tradução dessa envergadura, a cidade era então o epicentro do embate doutrinal entre calcedonianos e miafisitas (e que dispunha do material para tradução disperso por inúmeros arquivos diferentes na cidade), em grande medida devido às próprias atitudes controversas de Justiniano. Sabemos que tanto Facundo quanto Liberato tiveram estadas prolongadas aí por conta de sua atuação eclesiástica pró-calcedoniana, sendo que o primeiro certamente escreveu sua obra enquanto estava aí. Além deles, havia aí um terceiro clérigo africano opositor das políticas de Justiniano chamado Rústico, que chegou a ser banido ao exílio pelo soberano após a realização do concílio de Constantinopla (553). Porém, não se sabe ao certo como, ele conseguiu regressar à cidade imperial antes de 564, onde ficou refugiado no mosteiro dos monges acemetas, também eles hostis a Justiniano. Durante sua estadia, Rústico procedeu à redação da coleção de Monte Cassino, aquela mesma aludida mais acima que consiste em uma tradução revista da coleção de Tours e largamente expandida com novo material. É evidente, portanto, que os acemetas preservavam com eles uma cópia do texto, e que isso confirma seu caráter pró-calcedoniano (SCHWARTZ, 1923, p. VIII-X).

Como se pode ver, a coleção de Tours foi gestada em um contexto político-doutrinário bastante diverso daquele em que Cirilo e Nestório se digladiaram e, como tal, assume em si sentidos e propósitos muito diferentes daqueles produzidos no século VI. Ainda assim, permanece a dúvida: como um material tão singular e ancorado nas experiências das igrejas de língua grega foi parar em Tours? É para essa questão que nos voltamos agora.

UM ITINERÁRIO MEDITERRÂNICO

O conhecimento sobre a teologia de Cirilo e as ações do concílio de Éfeso na Gália sempre foi muito limitado. À exceção da já referida obra de Cassiano e do dito Memorando de Vicente de Lérins, que escreveu por volta do ano de 434 tomando a querela efesina como referencial de construção da ortodoxia,12 as informações a respeito se limitavam à circulação de material muito pontual, seja de forma avulsa – tal como a segunda carta de Cirilo a Nestório, feita circular na região por Leão Magno, tal como exposto acima –, seja como parte de coleções canônicas bem mais amplas em termos de conteúdo e escopo – tal como a terceira carta de Cirilo a Nestório, que circulava nas várias versões da coleção Dionisiana. Essa situação só começou a mudar a partir de 549, quando um concílio reunido em Orléans a mando do rei Childeberto I (511-558) deliberou, dentre outros assuntos, uma condenação formal contra Nestório e sua doutrina sob o pretexto de que sua “seita” (secta) já tinha sido condenada pela sé romana (GAUDEMET; BASDEVANT, 1989, p. 300-301). Tal prescrição, que aparece logo no primeiro cânone desse concílio, é a primeira manifestação explícita de uma adesão gaulesa à ortodoxia efesina – ou, mais precisamente, calcedoniana, já que Eutíquio também era condenado no mesmo cânone.

O aparecimento repentino de uma preocupação das igrejas gaulesas por essa temática por tanto tempo ignorada de fato não possui relação direta com um interesse genuíno pela querela efesina em si, mas por seus desdobramentos nessa época. Nesses meados do século VI, o assunto do momento ao redor de todo o Mediterrâneo cristão era a assim chamada “controvérsia dos Três Capítulos”, iniciada por conta da iniciativa do imperador Justiniano de fazer uma tentativa de releitura conciliadora da memória sobre o concílio de Calcedônia (451) nas regiões controladas por ele. Seu intuito era promover uma reconciliação entre calcedonianos e miafisitas por meio da condenação de certas atitudes dos bispos conciliares de 451 que eram entendidas pelos miafisitas como capitulação ao nestorianismo. A iniciativa de Justiniano, embora simpática a um conjunto moderado de cristãos, despertou a ira de segmentos mais extremados de ambas as partes. Da parte dos calcedonianos, eles entendiam que essa atitude punha em xeque a própria autoridade de Calcedônia (451) e abria margem a formulações vagas que abriam brechas para interpretações heréticas. No caso específico das igrejas ocidentais que seguiam os ensinamentos de Leão Magno, isso representava uma ameaça à própria autoridade da sé romana, uma vez que o consenso calcedoniano nas comunidades cristãs de língua latina fora construído em grande medida sob a alegação de que seu cerne doutrinário se baseava na ratificação do dito Tomo de Leão e que, ademais, Calcedônia (451) teria reafirmado a hegemonia da igreja romana sobre todas as demais do Mediterrâneo.

Assim como os clérigos africanos mencionados anteriormente, os bispos romanos assumiram para si a tarefa de se opor às inovações de Justiniano. Vigílio, bispo romano entre 537 e 555, foi muito ativo nesse sentido até 545, quando foi instado pelo imperador a prestar contas de suas ações pessoalmente em Constantinopla, sendo detido aí até que prestasse apoio aos desígnios imperiais. Vigílio acabaria capitulando em 548 ao ratificar uma condenação formal aos Três Capítulos, atitude essa que teve uma repercussão péssima nas igrejas latinas. Na Gália, ele passou a ser visto como uma traidor da causa ortodoxa, e mesmo seu sucessor, Pelágio I (bispo entre 556 e 561), se viu obrigado a se explicar ao rei Childeberto em 558 para lhe assegurar que mantinha sua adesão à fé de Leão e que repudiava a política de Justiniano (BARDY, 1938, p. 38-45).

Em meio às animosidades causadas pelos ditos Três Capítulos, podemos construir uma trajetória provável de transmissão da coleção de Tours entre Constantinopla e o norte da Gália. O ponto chave parece ser o concílio de Orléans, convocado a mando do rei por conta de questões internas aos francos, mas que se viu obrigado a se posicionar diante da escalada da controvérsia que tomava conta do Mediterrâneo. Por ocasião da convocação conciliar, os bispos gauleses não tinham ciência ainda de que Vigílio já tinha capitulado (BARDY, 1938, p. 39) e, portanto, ainda eram movidos pelo sentimento geral de que Roma se opunha a Justiniano. Após a notícia começar a circular pelo Ocidente, os bispos da Gália se alinharam a seus colegas latinos que repudiaram tal mudança de posição. Esse movimento de repúdio a Vigílio era fomentado também pela grande circulação de pessoas e textos nesse período, com vários dos antagonistas de Justiniano indo a Constantinopla ou mesmo Roma para articular a resistência. Não é improvável, desta maneira, que cópias da coleção de Tours usadas na produção de tratados contrários a Justiniano tenham circulado no Ocidente, e que uma delas tenha alcançado os bispos gauleses, imediatamente antes ou logo após Orléans (549). Essa suspeita é reforçada pelo fato de um dos primeiros filólogos a deitar os olhos no manuscrito outrora conservado em Tours, o alemão Paul Lehmann, ver traços de uma composição orleanesa do volume (SCHWARTZ, 1929, p. I).

Por certo, ninguém mais acredita que o manuscrito tenha sido composto em Orléans. Desde o revolucionário estudo de Edward Rand sobre o scriptorium de Tours, estabeleceu-se o consenso que nosso parisino 1572 apresenta elementos estilísticos e caligráficos muito próximos a outros exemplares conservados na abadia antes que Alcuíno (735-804) fosse nomeado como abade local em 796 (RAND, 1929, p. 87-88). É até possível que não tenha sido redigido precisamente em Tours, mas em algum mosteiro muito próximo e que logo o volume tenha sido alocado aí. Em termos de datação, o volume hoje é tido de forma unânime como produto da segunda metade do século VIII, com autores como Bernhard Bischoff (1994, p. 94) querendo recuá-lo para o terceiro quarto desse século VIII. Ou seja, trata-se de um exemplar produzido no alvorecer da dominação carolíngia sobre o reino franco.

Se a chegada da coleção de Tours à Gália se deveu às movimentações eclesiásticas de meados do século VI e – por que não dizer? – com o apoio de reis merovíngios, por que uma nova cópia foi feita sob os carolíngios? Minha hipótese para tanto é que, mais uma vez, os sentidos associados a ela e ao material que continha mudaram para se adaptar a novas necessidades. Com efeito, o período inicial de hegemonia carolíngia no reino franco é marcado por uma profunda transformação em relação às coleções canônicas então vigentes no reino. Associado a uma aproximação cada vez mais prolífica com a igreja romana, o reino franco sob Pepino, o Breve, e Carlos Magno assistiu a uma progressiva substituição de antigas coleções marcadas por um enfoque mais regionalizado, propriamente gaulês, em prol de coleções renovadas, que buscavam fazer uma recolha de material não só mais antigo, mas também geograficamente mais diverso. Tais coleções visavam conferir uma uniformidade maior aos costumes eclesiásticos da Gália, colocando a região em sintonia com aquilo que se praticava e se professava em outras regiões ocidentais, sobretudo a Itália.

Como bem mostrou Rosamond McKitterick, a segunda metade do século VIII foi prolífica na produção de coleções canônicas nos domínios carolíngios que se vinculavam a essa transformação progressiva dos ordenamentos canônicos. Tours, em especial, foi um importante centro de difusão desse novo saber por meio da incorporação de documentação proveniente do sul da Gália (e que, historicamente, tinha mantido laços mais estreitos com o passado romano e com realidades eclesiásticas de outras partes do Mediterrâneo). Estranhamente, porém, McKitterick diminui a importância da redação do parisino 1572 nesse momento, alegando que ele não pertence a esse contexto histórico da região do Loire. Por certo, a peça parece guardar uma singularidade muito forte frente ao restante do acervo da biblioteca em Tours, porém nada justifica que a autora sugira que o volume tenha sido encomendado por bispos de outras regiões por razões desconhecidas (MCKITTERICK, 1985, p. 105).

De minha parte, parece lógico supor que a cópia da coleção de Tours no século VIII fizesse parte desse movimento de recolha de material das regiões meridionais, mais “mediterrânicas”, do reino em busca de elementos de recuperação desse passado canônico romano que reatualizava os laços de cooperação entre os francos e as comunidades cristãs dispersas ao redor do mar. Não me parece, entretanto, que houvesse um interesse genuíno na controvérsia cristológica e no concílio de Éfeso em si mesmo na produção dessa peça, mas sim um interesse nessa memória de certo modo mais universal, que englobava as longínquas igrejas orientais de língua grega na própria constituição desse cristianismo franco renovado pelos carolíngios. Prova disso, e de que também o nosso manuscrito de Tours não foi apenas um volume estranho depositado na biblioteca de Tours sem serventia prática alguma, é o uso feito dele por Alcuíno em pessoa, já há tempos demonstrado por Bernhard Bischoff (1994, p. 94, com comentários em HOFFMANN, 2001). Afinal, o filólogo alemão notou marcas de uma mão do século IX que destacou certas passagens do manuscrito que depois apareceram no tratado do monge britânico contra Felix de Urgell, um bispo adocionista que despertou a fúria de vários teólogos carolíngios a ponto de ser formalmente condenado por heresia em um concílio reunido a mando de Carlos Magno em Frankfurt (794). Por ora, não tenho como fazer uma análise estendida da recuperação de Alcuíno dessa memória efesina em prol do combate a uma doutrina que, a rigor, nada tem a ver com a polêmica entre Cirilo e Nestório. Porém, ao menos à guisa de observação preliminar, é preciso observar o grau de autoridade que Alcuíno dispensava a esse volume, bem como a plasticidade com que as doutrinas expressas em seus documentos podiam ser mobilizadas para novas querelas.

CONCLUSÃO

Com esse exemplo de Alcuíno, concluo aqui minha análise retomando nosso ponto de partida: é preciso compreender a doutrina como uma realidade maleável, historicamente (re)construída de acordo com os novos espaços e temporalidades em que opera. Sua sobrevivência por gerações deve ser entendida não só pelo aporte de significados originalmente conferidos a ela pelos personagens que pela primeira vez delinearam as diretrizes gerais de seus conceitos e hipóteses, mas também pelas deformações que cada novo personagem promove nela a fim de recuperá-la para sua realidade particular. Tal deformação não deve ser entendida em sentido negativo, como uma adulteração perversa, mas sim literalmente como “tirar da forma” original para adequá-la a novos formatos convenientes a um novo contexto histórico que, ademais, sequer teria como se valer dos sentidos originais imputados a essa crença. Foi somente com base nessa capacidade de deformação que material efesino como a coleção de Tours conseguiu atravessar os séculos e chegar até nós, e também é por causa dela que precisamos estar atentos a essas recuperações posteriores da memória sobre Éfeso (431) para que possamos ter uma dimensão mais apropriada sobre o conhecimento que podemos formar sobre os eventos e doutrinas do século V.

Material suplementar
Agradecimentos

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer vivamente à professora Marie-Céline Isaïa, da Université Jean-Moulin Lyon 3, CIHAM – UMR 5648, tanto pelo convite para participar do colóquio de 2016 quanto pela oportunidade de, na ocasião, ter discutido comigo algumas hipóteses de leitura do manuscrito a partir das reproduções digitalizadas do mesmo. Foi ela quem chamou minha atenção para a importância de se pensar a relação desse manuscrito em Tours com o abaciado de Alcuíno. Foi ela também que me indicou a importância, no mundo carolíngio, do concílio de Éfeso para a polêmica em torno da pregação de Felix de Urgell. Ela me chamou a atenção sobretudo para o uso que dele faz Agobardo de Lyon, ainda que ele não tenha se valido da coleção de Tours. Espero ter a oportunidade no futuro de poder discutir essa apropriação carolíngia do debate efesino para outros fins polêmicos, quiçá comparando os métodos de Alcuíno e Agobardo.

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Notas
Notas
1. Ver, por exemplo, Stockhausen (2013). Ademais, pesquisadores de referência sobre o tema na atualidade, tais como Richard Price e Philippe Blaudeau, são ainda devedores de sua metodologia de trabalhado para a elaboração de seus estudos. Talvez um dos maiores empecilhos para uma maior difusão e aceitação das teses de Schwartz acerca das coleções canônicas de atas de Éfeso seja sua dispersão por vários pequenos textos hoje de difícil acesso e que nunca foram reunidos em um estudo de fôlego. Esse é um dos motivos pelos quais Fergus Millar (2005, p. 235-247), em seu estudo seminal sobre o “Império greco-romano de Teodósio II”, foi obrigado a dedicar um apêndice inteiro de seu livro para explicar a lógica da metodologia de Schwartz, bem como sua importância para os estudiosos no assunto. Mesmo Richard Price, o mais recente tradutor inglês de parte dessas atas e com quem tive o prazer de discutir minhas hipóteses sobre elas durante uma estadia minha em Oxford, em 2014 (e que, por certo, não é tão entusiasta sobre a validade das conclusões de Schwartz quanto eu), admitiu que era necessário fazer uma longa e detalhada explicação sobre suas premissas de trabalho antes que os pesquisadores pensassem que o aparato crítico utilizado em sua tradução fosse “intimidador” (daunting, em inglês) demais. Sua tradução está prevista para ser publicada pela Liverpool University Press agora no primeiro semestre de 2020, embora o material já esteja todo traduzido desde 2014. Aproveito a ocasião para agradecer mais uma vez ao dr. Richard Price por ter permitido que eu tivesse acesso completo, de antemão, ao material traduzido por ele. Ainda não tive acesso à introdução e ao aparato crítico da tradução, que ficaram a cargo do professor Thomas Graumann, que só ficaram prontos muito posteriormente.
2 Sobre essas e outras estratégias adotadas por esses grupos, ver Blaudeau (2006), que se foca na segunda metade do século V e confere pouca ou nenhuma atenção às igrejas latinas
3 Gregory (1979) e Holum (1982) continuam sendo referências importantes, ainda que desatualizadas em vários pontos em comparação com esses estudos mais recentes. Grillmeier (1965), embora seja seminal por conta de seu amplo escopo doutrinário e de sua perspectiva ecumenista sobre o debate cristológico do século V, é insuficiente em sua reconstrução histórica dos eventos. Wessel (2004) decepciona como narrativa sobre a controvérsia cristológica, mas faz bom trabalho da construção discursiva promovida por Cirilo para legitimar sua produção doutrinária. No Brasil, temos recentemente os estudos de Daniel de Figueiredo (sobre a figura de Cirilo de Alexandria), de Ludmila Caliman Campos (sobre o marianismo no século V) e de Luise Frenkel (sobre os sermões conservados nas atas de Éfeso) como referências no estudo da temática.
4 Sobre a composição desse tratado a mando de Leão e da associação entre nestorianismo e pelagianismo como estratégia de refutação das teses do bispo de Constantinopla, ver Wessel (2008, p. 83-85).
5 Sobre o sínodo romano de agosto de 430, as bases teológicas da condenação de Nestório e sua relação com Cirilo, ver Amman (1949).
6 De forma muito sucinta, pode-se dizer que a dita Fórmula de Reunião era uma brevíssima profissão de fé cristológica pactuada entre Cirilo de Alexandria e João de Antioquia na primavera de 433 e que selou a paz entre ambos após dois anos de dissensão desde a ruptura, no concílio de Éfeso. O texto adotava uma terminologia vaga o suficiente para acomodar as doutrinas de ambos os partidos envolvidos, ainda que refutasse as principais ideias de Nestório. Os calcedonianos viam esse texto com muita simpatia porque se valiam dele para legitimar sua crença nas duas naturezas – humana e divina – do Cristo encarnado, enquanto os miafisitas olhavam a Fórmula com receio por enxergar nela uma válvula de escape para a confissão de um Cristo cindido entre sua humanidade e sua divindade (tese atribuída a Nestório, que assim teria defendido a existência de “dois Cristos” diferentes no entender de Cirilo).
7 Wessel (2008, p. 274-278) discorre sobre a correspondência entre Leão e Flaviano de Constantinopla entre 448 e 449 sem sequer fazer menção a esses dois documentos efesinos tratados pelo bispo de Constantinopla como pedras angulares de sua doutrina cristológica. Por esse motivo, a autora não se atentou para o fato de que foi por meio de Flaviano que Leão teve contato com esses textos e os utilizou como seus primeiros referenciais sobre as doutrinas professadas por Cirilo em Éfeso (431). Sobre esse sínodo doméstico, ver Price e Gaddis (2005, v. 1, p. 25-30)
8 Ambas as cartas cirilinas aparecem em uma coleção canônica gaulesa redigida entre fins do século V e início do VI chamada de Quesneliana. A carta de Cirilo a Nestório é imediatamente precedida da carta dos bispos Verano, Cerécio e Salônio a Leão, em que os remetentes agradeciam pelo envio do Tomo de Leão a eles corrigido com base em exemplares romanos. É bem possível, portanto, que a carta de Cirilo tenha sido incluída na Quesneliana por ser uma espécie de anexo da carta aos bispos gauleses. Wessel (2008, p. 93-94) trabalha com essa correspondência entre Leão e os três bispos gauleses com ênfase na recepção do Tomo de Leão na Gália e em sua relação com a criação do dito vicariado de Arles, porém silencia sobre essa recuperação de uma memória cirilina e efesina por parte do bispo de Roma.
9 Sobre os dilemas doutrinários lançados por esse documento, bem como para suas diferentes correntes interpretativas na antiguidade, ainda é referência Diepen (1955).
10 Aqui estão inclusas tanto a segunda (número 7) como a terceira (8) cartas de Cirilo a Nestório.
11 Incluindo aqui a carta de Cirilo a João de Antioquia que continha a Fórmula de Reunião (número 72) e que já contava com uma tradução latina desde a época de Leão Magno.
12 Para o uso de documentação efesina por parte de Vicente, ver Moxon (1915). Não se sabe como o monge de Lérins teve acesso a esse material, mas é certo que ele não deixou rastro depois de seu uso, e mesmo a obra de Vicente conheceu uma difusão bastante limitada no período medieval.
Autor notes
ORIGEM DO ARTIGO

Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no colóquio “Liberté d’expression: Islam, Byzance, Occident (VIIIe-XIIIe s.). Les élites religieuses et la critique du pouvoir”, realizado em Lyon entre os dias 23 e 25 de março de 2016.


Quadro 1 – Estrutura documental da coleção de Tours

Fonte: Schwartz (1923).
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