Artigo

A revista Tricontinental e a construção do Terceiro Mundo: conceito, itinercias e sensibilidânades

The Tricontinental magazine and the making of the Third World: concept, itineraries and sensibilities

Lídia Maria de Abreu Generoso
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil

A revista Tricontinental e a construção do Terceiro Mundo: conceito, itinercias e sensibilidânades

Esboços: histórias em contextos globais, vol. 27, núm. 46, pp. 452-471, 2020

Universidade Federal de Santa Catarina

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Recepción: 03 Diciembre 2019

Aprobación: 09 Mayo 2020

Financiamiento

Fuente: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Resumo: Na segunda metade do século XX, o Terceiro Mundo emergiu como uma importante categoria política, orientando formas de se estar e situar em relação ao mundo, como atestado pela Conferência Tricontinental realizada na Havana de 1966. Este trabalho estuda uma publicação fundada pelo encontro, a revista Tricontinental, com o objetivo de compreender seus esforços para tecer os laços políticos e discursivos que deveriam unir essa coletividade. Para essa construção do Terceiro Mundo, a revista mobilizou debates teóricos e figurações narrativas, além de engendrar redes transnacionais de solidariedade. Nas páginas da publicação, o conceito de Terceiro Mundo ganhou contornos multifacetados e se entrelaçou a aportes teóricos como a Teoria da Dependência e as apropriações do marxismo por movimentos de libertação nacional. Figurações compartilhadas – como o oximoro no relato dos antagonismos coloniais ou o tom heroico das narrativas sobre a luta armada e seus protagonistas – demonstram as elaborações simbólicas e dimensões sensíveis desse empreendimento. Em seus bastidores, por sua vez, o processo de edição da Tricontinental permite constatar o papel da publicação em ter engendrado itinerâncias e redes intelectuais que conectaram intelectuais e militantes ao redor do globo. O Terceiro Mundo, portanto, esteve intimamente relacionado com a Tricontinental, não só na medida em que mobilizou sua fundação, mas também por que viria a ser ele próprio construído por esse projeto editorial.

Palavras-chave: Terceiro Mundo, Revista Tricontinental, Organização de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e América Latina.

Abstract: In the second half of the 20th century, the Third World emerged as an important political category, orienting ways to be and position oneself in relation to the world, as attested by the Havana Tricontinental Conference held in 1966 in Havana. This work studies a publication founded by the meeting, the Tricontinental magazine, with the goal of comprehending its efforts to weave the political and discursive ties that were to unite this collectivity. To build the Third World, the magazine mobilized theoretical debates and narrative figurations, and also engendered transnational solidarity networks. Throughout the pages of the Tricontinental, the Third World concept gained multifaceted contours and was linked to theoretical frameworks such as the Dependency Theory and the appropriations of Marxism by national liberation movements. Shared figurations – such as the oxymorons in relating colonial antagonisms or the heroic tone of narrating armed struggle – demonstrate the symbolic elaborations and sensible dimensions of this enterprise. Backstage, the process of editing the Tricontinental magazine allows one to attest the organization’s role in engendering itineraries and transnational networks that connected intellectuals and militants from across the globe. The Third World was, therefore, intimately related to the Tricontinental, not only in the way it mobilized its establishment, but also because it would come to be itself built by this editorial project.

Keywords: Third World, Tricontinental magazine, Organization of Solidarity of the Peoples of Africa, Asia and Latin America.

Durante a Conferência Tricontinental, quando perguntado sobre o papel dos intelectuais nos processos de libertação nacional, Roberto Fernández Retamar (1966, p. 18) respondeu que “a Revolução Cubana se internacionalizou, não só na medida em que influencia o mundo, mas também na medida em que se explica por esse mundo tomado em seu conjunto”.[1] O cubano afirma que o papel de um intelectual, além de exercer suas tarefas cidadãs interpretando e participando ativamente do processo revolucionário, seria produzir compreensões acerca do “nosso mundo, o mundo subdesenvolvido, o Terceiro Mundo”.

A afirmação, proferida por um dos mais proeminentes intelectuais cubanos do período, demonstram que o Terceiro Mundo operou como importante categoria, orientando formas de estar no mundo e situar-se em relação a ele. A revista Tricontinental, fundada durante a Conferência Tricontinental de Havana, em 1966, surge em resposta direta aos debates sobre o Terceiro Mundo e, principalmente, aos esforços pela mobilização política dessa coletividade. De acordo com seu editorial de fundação, a missão da publicação era fomentar a solidariedade entre os povos de África, Ásia e América Latina, por meio da circulação de ideias e experiências. O presente trabalho analisa de que modo essa coletividade figura nas páginas da revista Tricontinental, com o objetivo de identificar e compreender os principais referenciais teóricos, as sensibilidades e figurações mobilizadas pela publicação em seus esforços pela “construção do Terceiro Mundo”. A opção foi por enfatizar os primeiros anos de publicação da revista, ainda nos anos 1960, quando um grande volume de textos acerca do Terceiro Mundo e intensos contatos com colaboradores nos três continentes buscavam consolidar o projeto político, editorial e cultural que se tornariam marca distintiva da Tricontinental.

Em 1966, a Conferência Tricontinental de Havana reuniu centenas de representantes de 82 países africanos, asiáticos e latino-americanos para debater os caminhos das lutas anticoloniais e anti-imperialistas e da solidariedade revolucionária. Em resposta ao recrudescimento da Guerra do Vietnã, à repressão das lutas por independência da colonização portuguesa e aos golpes militares na América Latina, a Conferência Tricontinental marcou uma inflexão à esquerda nos debates sobre o Terceiro Mundo. Em meados dos anos 1960, suas resoluções se afastaram do não alinhamento para adotar posições mais firmes de crítica ao imperialismo e defesa da revolução, inclusive por meio da luta armada.

Tricontinental emerge nessa ocasião, vinculada ao secretariado da também recém-criada Organização de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e América Latina (Ospaaal).[2] Em sua primeira edição, a revista contou com um Editorial (1967, p. 1-2) e uma carta Al lector (1967, p. 3-4), nas quais expressava os principais objetivos de seu projeto editorial. Entre eles, estava alcançar maior compreensão dos problemas enfrentados pelos povos do Terceiro Mundo, ou ainda saber “sobre como vive, o que quer, como pensa e como atua este homem do Terceiro Mundo” (1967, p. 3). A publicação se encarregava do fomento à solidariedade entre os povos dos três continentes, que afirmava estar amparada em uma “identidade de problemas e comunidade de aspirações” (1967, p. 1). Ademais, Tricontinental afirmava a importância de denunciar o “sistema imperialista mundial” – e o país que identificava como seu principal líder, os Estados Unidos da América. A principal demonstração de “solidariedade ativa e revolucionária” estaria na abertura de novos fronts da luta anti-imperialista, em clara referência às palavras de Che Guevara em sua Mensagem à Tricontinental (1999 [1967]), impressa em folheto e distribuída em conjunto com a primeira edição da revista. Em seu editorial de fundação, a revista se propunha publicar as colaborações dos “mais destacados dirigentes do Terceiro Mundo” e “intelectuais revolucionários” (1967, p. 2) e agir como um órgão de agitação, difusão e intercâmbio de ideias e experiências revolucionárias. Suas páginas congregaram líderes políticos como Fidel Castro, Kim Il Sung e Ahmed Sékou Touré, além de intelectuais como Jean Paul-Sartre, Alex La Guma e Gabriel Garcia Márquez.

Tricontinental teve caráter predominantemente político e teórico, adotando demarcado editorialismo programático – para usar uma noção cunhada por Fernanda Beigel (2003). Esse se expressava nos editoriais, na seção Al lector e por meio de comentários introdutórios frequentemente inseridos no início dos materiais publicados, e que destacavam os argumentos partilhados pelo corpo editorial e apresentavam a biografia dos autores. O apelo informativo e didático da publicação se expressou na abundância de mapas, reportagens fotográficas, estudos de caso e documentos históricos. Suas páginas buscaram tornar os países dos três continentes mais familiares ao público leitor, que se dividia entre instituições cubanas e movimentos e governos associados à Ospaaal – que recebiam a publicação gratuitamente – e assinantes ao redor do mundo. A revista foi publicada em espanhol e inglês em Cuba, entre 1967 e 2019, salvo por um hiato durante o Período Especial, entre 1990 e 1995. Em parceria temporária com editoras locais, foram publicadas também versões em francês, italiano e árabe. O perfil dos colaboradores assíduos e os números alcançados pela tiragem da revista Tricontinental – Ulises Estrada e Luis Suárez chegam a falar no impressionante número de 50 mil exemplares (ESTRADA et al., 2006) – sugerem que a publicação gozava de considerável prestígio.

Na carta Al lector da primeira edição, Tricontinental se afirma uma tribuna de ideias, “comprometida ao ponto de apresentar ou discutir documentos e posições que não lhe são inerentes” (1967, p. 3), trecho que deve ser lido de maneira crítica. Tricontinental afirma falar em nome dos “condenados da Terra de África, Ásia e América Latina”,[3] entretanto, é importante notar que a publicação teceu relações próximas com o governo cubano e, em larga medida, fez eco aos seus posicionamentos em matérias de política cultural e política externa. Desde a fundação da Ospaaal, em 1966, até seu fechamento, em 2019, todos os secretários-gerais da organização foram indicados pelo governo cubano, o que demonstra a liderança e protagonismo assumidos pelo país nos seus quadros. A revista Tricontinental, por sua vez, se denomina um “órgão teórico” do Secretariado Executivo da Ospaaal, turvando separações institucionais. De todo modo, ainda que reconheçamos esse protagonismo, é necessária cautela, pois ao descrever a publicação como um monolítico instrumento do governo cubano, corre-se o risco de deixarmos de lado o caráter coletivo, abrangente e transnacional desse empreendimento e a presença assídua de africanos, asiáticos e latino-americanos, tanto entre os colaboradores da revista quanto no secretariado da organização que a publica.

Constatamos que a publicação, edição e distribuição da revista Tricontinental se deu de forma integrada à atuação da Ospaaal. Viagens do secretariado da organização rendiam materiais e artigos para as páginas da revista, que publicava declarações oficiais da instituição e era distribuída em conjunto com os cartazes produzidos pelo seu Departamento de Información y Propaganda. Por isso, ainda que este trabalho opte por enfocar sobretudo as páginas da revista Tricontinental e seus esforços pela construção do Terceiro Mundo, informações sobre o funcionamento da Ospaaal foram incorporadas à análise na medida em que julgamos serem fundamentais à compreensão do processo de edição da revista Tricontinental e dos itinerários nos quais ela se insere.

Passando a uma apresentação deste trabalho, nossa primeira sessão analisa os artigos publicados pela revista sobre o Terceiro Mundo e outros conceitos conectados, como dependência e desenvolvimento. O objetivo é compreender de que modo as páginas da Tricontinental se apropriaram do conceito de Terceiro Mundo, difundindo a leitura de que os países dos três continentes compartilhavam experiências de opressão colonial e imperial, no passado e no presente. Para além de atestar o caráter multifacetado das concepções de Terceiro Mundo, o estudo coloca em evidência o caráter performativo desse conceito e a centralidade dessa reivindicação para o projeto editorial, cultural e político defendido pela revista Tricontinental. A segunda seção deste texto enfoca de que modo esse Terceiro Mundo, ou mundo tricontinental – como afirmação consciente de um nós –, ganhou corpo e transcendeu a abstração, engendrando projetos políticos e fomentando solidariedades, sensibilidades e itinerâncias. Para isso, lançamos um olhar introdutório sobre as redes tecidas pela atuação da Ospaaal, intimamente conectadas ao processo de coleta de material e edição da revista Tricontinental. Apresentamos, também, uma leitura das principais figurações e sensibilidades compartilhadas que identificamos nas páginas dessa publicação.

TERCER MUNDO, NUESTRO MUNDO: CONCEITO E APORIA

O Terceiro Mundo emerge na segunda metade do século XX, quando em artigo para a revista L’Observateur o francês Alfred Sauvy (1952) associou os países de África, Ásia e América Latina ao Terceiro Estado da Revolução Francesa, destacando não só às condições de miséria e fome durante o contexto de Guerra Fria, mas também o potencial desestabilizador de seu possível (ou provável?) alinhamento ao “Segundo Mundo” socialista. O Terceiro Mundo seria então impulsionado pelas teorias de modernização e desenvolvimento econômico em voga no período, bem como pelos esforços de cooperação que se inauguravam entre os países independentes e movimentos de libertação nacional de África e Ásia, como a Conferência de Bandung. Anos depois, a Conferência Tricontinental de Havana passaria a incluir a América Latina nesses esforços.

O objetivo deste artigo é compreender de que modo a revista Tricontinental se relacionou com o Terceiro Mundo, conceito que não só está na base da criação desse projeto editorial como foi apropriado, transformado, reinterpretado e impulsionado por ele. Entre os principais desafios da empreitada está compreender e situar-se perante as contradições, complexidades e violências desse “mundo tomado em seu conjunto” do qual falava Roberto Fernández Retamar (1966). Os autores e autoras dessa história, editores e colaboradores da revista Tricontinental não estavam alheios a esse desafio e o enfrentaram; talvez pelo reconhecimento de que, para transformar o mundo, é necessário nomear, interpretar, compreender. Afinal, o que conforma o Terceiro Mundo? Como elaborar discursivamente a percepção das diferenças e desigualdades forjadas pela colonização e pelo imperialismo? Pelo tráfico Atlântico de escravizados, pela diáspora e pelo racismo? Pela expansão internacional do modo de produção capitalista?

O diálogo com os estudos pós-coloniais certamente contribuiu para a reflexão sobre algumas dessas questões. O pós-colonialismo[4] aponta para dois gestos investigativos principais: a crítica da metanarrativa da modernidade eurocentrada e a atenção para as formações políticas, econômicas e culturais dos países recém-independentes. Mais que demarcar o fim da colonização, sugere uma impossibilidade de compreender o mundo moderno sem considerar a centralidade do processo histórico colonial. O termo agrupa autores e autoras que compartilhavam expectativas comuns de romper com o eurocentrismo epistemológico, ainda que partissem de vertentes teóricas distintas. O diálogo com a crítica anticolonial elaborada por intelectuais marxistas negros – Frantz Fanon, Aimé Césaire e Amílcar Cabral, para citar apenas alguns exemplos – e com correntes teóricas autocríticas ao Ocidente, como o pós-estruturalismo, foi marca distintiva do campo.

Em trabalho importante sobre o Terceiro Mundo, Joseph Love (1998) enfocou de que modo esse foi construído por teorias cujo objetivo último era produzir o desenvolvimento econômico, se atentando para os trabalhos da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e dos economistas ligados à Teoria da Dependência. Em Encountering Development: the making and unmaking of the Third World (1995), por sua vez, Arturo Escobar demonstrou como o próprio desenvolvimento é um discurso historicamente situado. Inspirado por obras do pensamento pós-colonial como O Orientalismo (1990), de Edward Said, Escobar argumenta que, por meio de representações e práticas, o discurso do desenvolvimento produziu o Terceiro Mundo como seu objeto de investigação e intervenção.

Arturo Escobar se tornaria uma importante referência no interior do Coletivo Colonialidade/Modernidade/Decolonialidade[5], cujas proposições são hoje conhecidas como giro decolonial. Entre as principais contribuições do grupo, predominantemente latino-americano, está a compreensão de que a Modernidade é indissociável de sua contraface, a Colonialidade. As relações de poder e dominação na Colonialidade/ Modernidade, por sua vez, transcendem o debate geopolítico sobre o Terceiro Mundo, pois se expressam inclusive no interior dos territórios nacionais independentes, onde reiteram uma clivagem que racializa corpos negros e ameríndios e os submetem a relações desiguais e hierarquizadas, de caráter não só político e econômico, mas também cultural e epistemológico. Importantes contribuições para este trabalho, o giro decolonial e os estudos pós-coloniais suscitam reflexões instigantes sobre as categorias que ordenam o pensamento político contemporâneo e as práticas disciplinares em ciências humanas.

Atualmente, muitos advogam por um abandono do Terceiro Mundo, considerando o termo datado, conectado a pretensões desenvolvimentistas ou predominantemente pejorativo. O presente trabalho defende a importância de compreendermos o Terceiro Mundo em sua historicidade, ainda que reconheçamos a pertinência das críticas ao seu uso como uma categoria analítica para o presente. Em uma análise histórica a contrapelo, buscamos compreender que outras formas de enunciar o Terceiro Mundo foram possíveis nos anos 1960, para além da mais óbvia associação ao subdesenvolvimento. A partir do estudo da revista Tricontinental, podemos constatar que o Terceiro Mundo mobilizou projetos culturais e editoriais importantes, debates acalorados, intensos contatos e itinerâncias, alianças políticas em torno da solidariedade, figurações e sensibilidades compartilhadas.

Jacques Derrida define o discurso/ato performativo como “uma interpretação que transforma a própria coisa que interpreta” (2006, p. 63). Judith Butler (1993, p. xxii), por sua vez, define performatividade como “o poder reiterativo do discurso para produzir o fenômeno que regula e delimita” [grifo nosso]. Pensado como ato discursivo, o Terceiro Mundo supera sua própria proclamação e se inscreve na materialidade e na prática, delimita e regula o fenômeno que enuncia. Em uma espécie de metarreflexão, ao colocar o Terceiro Mundo em pauta em suas páginas, a revista Tricontinental coloca em pauta precisamente os elementos que subsidiam, informam e legitimam seu próprio projeto editorial. Reconhecer o caráter performativo desse conceito significa perceber que “tercer mundo, nuestro mundo” não enuncia uma ideia pronta, mas abre caminho para as possibilidades de compreensão dessa coletividade. Convida a pensá-la e a construí-la.

Tercer mundo, nuestro mundo foi o título do primeiro texto a debater o conceito de Terceiro Mundo nas páginas da revista Tricontinental, publicado em sua primeira edição na prestigiada seção Tierra de Ideas, reservada para lideranças políticas e intelectuais de destaque. Escrito por Stokely Carmichael, militante do movimento negro nos Estados Unidos durante sua viagem a Cuba para participar do encontro da Organización de Solidaridad Latinoamericana (Olas), o texto reivindica para a população negra estadunidense um espaço no Terceiro Mundo. Partindo da compreensão de que “a mesma estrutura de poder que explora e oprime a vocês, explora e oprime a nós” (CARMICHAEL, 1967, p. 16), defende a necessidade de coordenação das lutas contra o sistema capitalista e imperialista dentro e fora dos Estados Unidos. Para o autor, o compartilhamento de condições de opressão e exploração colonial entre os povos de África, Ásia e América Latina e a população negra nos Estados Unidos se baseava não só nas desigualdades e violências raciais no presente, mas conectava-se também à compreensão histórica do tráfico atlântico de escravizados e à diáspora.

Stokely Carmichael (1967, p. 21) afirma que “[a]s sociedades ocidentais brancas despojaram o mundo de sua humanidade. E é nossa tarefa nos unir a fim de salvar a humanidade do mundo”. Em seu texto, o pronome da primeira pessoa do plural, “nós”, inicialmente utilizado para delimitar um “nós, os afro-americanos”, começa a ser utilizado de maneira intercambiável, até que “nós” passe a significar não só a identificação com a população negra dos Estados Unidos, mas também um outro nós, “não brancos”, “despojados”. O autor constrói ao longo do texto, portanto, a conclusão que está expressa no título de seu artigo: o Terceiro Mundo é o mundo daqueles explorados pelo sistema capitalista internacional, pelo imperialismo e pelo colonialismo; o Terceiro Mundo é o mundo de africanos, asiáticos, latino-americanos e também da diáspora. É dessa união que viria a transformação e ruptura radical com o sistema de exploração e opressão internacional capitalista, colonialista e imperialista.

Para Carmichael, o pertencimento ao Terceiro Mundo estava ligado à experiência compartilhada da exploração colonialista e imperialista, assim como a um status racial não branco. Ao mobilizar a experiência diaspórica, o autor demonstra ainda o quanto as concepções de Terceiro Mundo foram mediadas pela prática política de autores e autoras que se engajaram em defini-lo. De acordo com Anne Garland Mahler (2018, p. 4), o discurso tricontinental é marcado por uma política racial metonímica, que promove um reconhecimento das profundas conexões entre colonialismo, imperialismo e opressão racial, mas desloca a raça, de referência direta à cor da pele de alguém para significadora também de uma disposição política e subjetiva revolucionária. Essa chave de leitura pode nos auxiliar na compreensão não só do texto de Stokely Carmichael, como de ter sido ele o escolhido pelo corpo editorial como o primeiro texto a conceituar o Terceiro Mundo nas páginas da Tricontinental. Não obstante, é importante não perder de vista o protagonismo cubano na edição da revista e as latentes contradições entre suas páginas e o tratamento dado pelo governo cubano à questão racial.[6]

Carmichael vinculava a elaboração conceitual do Terceiro Mundo a um senso de pertencimento e solidariedade entre pares, ainda que distintos. Ainda nessa nessa primeira edição da revista, Ho Chi Minh (1967, p. 7) enviou votos de solidariedade e êxito aos “povos irmãos de Ásia, África e América Latina”. Kim Il Sung (1967, p. 11), por sua vez, afirmou que “onde há opressão há também resistência”. Esse binômio foi central para as posições adotadas pela revista e reflete uma concepção adaptada do materialismo histórico, visto que, aqui, não é necessariamente a luta de classes que engendra a transformação por meio da ruptura, mas o combate à forma de exploração específica do colonialismo, do imperialismo e do neocolonialismo. Esses três processos históricos, as três formas de opressão colonial, assim como os três continentes, eram referenciados discursivamente em conjunto. Em entrevista à Tricontinental publicada meses depois, o guerrilheiro brasileiro Carlos Marighella (1967, p. 162) definiu o Terceiro Mundo em relação à necessidade da luta revolucionária. Em suas palavras, “não há outra saída para o Terceiro Mundo exceto a organização da guerra justa e necessária contra o imperialismo”.

Ao afirmar que o combate ao colonialismo e do imperialismo são centrais à transformação do mundo por meio da ruptura radical e que os povos do Terceiro Mundo eram os sujeitos da revolução dos 1960/1970, a revista Tricontinental desafiava uma série de leituras do marxismo. Onde está e qual seria o papel do proletariado quando são os povos de países não industrializados os revolucionários? Em artigo publicado na nona edição da revista, o economista marxista estadunidense Paul Sweezy (1968, p. 23) buscou responder essa questão afirmando que não cabia abandonar a concepção de proletariado defendida por Marx, mas conduzir um “mergulho na lógica interna da teoria para descobrir por que Marx assinalou ao proletariado o papel de agente revolucionário”. Para ele, a crença de Marx no proletariado como classe revolucionária não era fruto de apego emocional ou idealista, mas era objetiva, vinculada à sua capacidade, força numérica e indispensabilidade para a produção, bem como sua vontade de não viver em privações de ordem material. Identificar o potencial revolucionário nos anos 1960 não significava repetir o conteúdo do Manifesto, mas transpor a teoria marxista a uma análise das nações. Sweezy identifica os povos dos três continentes com o título do artigo, El proletariado del mundo de hoy, em função dos elementos compartilhados que conformam sua capacidade revolucionária: força numérica, indispensabilidade para a produção capitalista e vontade de não viver em privação. Nesse sentido, os povos colonizados demonstravam potencial revolucionário “no mesmo sentido e pelas mesmas razões” identificadas por Marx nos operários do século anterior.

De acordo com Joseph Love (1998, p. 428), as produções teóricas de economistas acerca do desenvolvimento e da dependência tiveram papel fundamental na “construção do Terceiro Mundo”. O autor divide os teóricos da dependência entre reformistas e radicais, e constatamos que foram os radicais a receber espaço nas páginas da revista Tricontinental. A sétima edição da revista contou com contribuições de Rui Mauro Marini e Andre Gunder Frank, economistas que tinham participado meses antes do Congresso Cultural de Havana, em 1968. Os autores apresentaram críticas contundentes às teorias do desenvolvimento que, com o apoio do governo estadunidense, se popularizavam no período e identificavam o subdesenvolvimento – assim como a fome, a pobreza, a incipiente industrialização e o baixo crescimento econômico – como problemas “do Terceiro Mundo”. Mais que isso, muitas dessas teorias prescreviam, como solução para esses problemas “do Terceiro Mundo”, medidas que envolviam a drástica transformação econômica e cultural dessas sociedades para forjá-las à imagem e semelhança das sociedades ocidentais e de suas economias capitalistas industriais.

O texto de Andre Gunder Frank é uma resposta direta a Walt Whitman Rostow, importante expoente das teorias do desenvolvimento e da modernização. O principal equívoco dessas teorias, para Gunder Frank, foi examinar as economias capitalistas com mais destaque do mundo como se tivessem se desenvolvido de maneira isolada, sem levar em conta o processo de expansão econômica da Europa, por meio de esforços mercantilistas e subsequentemente capitalistas, ligados à colonização e ao imperialismo. O desenvolvimento capitalista se baseava, portanto, não só na exploração de operários por burgueses, mas conformava um sistema internacional de exploração, uma estrutura “onipresente” que se estende “desde a porção mais desenvolvida do país mais desenvolvido até a porção mais subdesenvolvida do país mais subdesenvolvido” (FRANK, 1968, p. 41). A incorporação desigual no “sistema mundial de expansão mercantilista e logo capitalista” (FRANK, 1968, p. 41) operava como causa histórica e determinante contemporânea do subdesenvolvimento, processo que não só produz a diferença como aprofunda-a por meio do estabelecimento de trocas desiguais. Nesse contexto, economias da periferia forneceriam bens de baixo valor e tecnologia agregada ao centro que, em troca, lhes venderia produtos industrializados e tecnologia a altíssimos preços.

Em comentário elogioso sobre o texto do autor alemão, os editores da Tricontinental chegam a afirmar que ele “fornece as bases econômicas e sociais que complementam as conclusões políticas de Régis Debray” (Tricontinental, 1968, p. 32), comparando-o a esse conhecido defensor da revolução por meio da guerra de guerrilha de inspiração cubana.

Gunder Frank argumenta, enfim, que os países do Terceiro Mundo não poderiam – e não deveriam – reproduzir a trajetória de desenvolvimento econômico do Primeiro Mundo, uma vez que esse desenvolvimento era produto das relações de exploração colonial e imperialista. Seu texto questiona a ideia de que o subdesenvolvimento seria marca de um “atraso”, unificando as temporalidades de desenvolvimento e subdesenvolvimento ao enxergá-los como duas faces de um mesmo processo histórico. Na mesma direção, Rui Mauro Marini (1968, p. 65) afirmou de maneira taxativa que “a história do subdesenvolvimento latino-americano é a história do desenvolvimento do capitalismo mundial”. De acordo com o economista brasileiro, era importante agir o quanto antes, de maneira sistemática e radical, pois quanto mais integrada a esse sistema econômico estivesse a América Latina, maiores seriam as forças da repressão contra a causa revolucionária. Para ambos autores, a solução para o problema do subdesenvolvimento estaria na ruptura com o sistema capitalista por meio de uma revolução socialista que colocasse o poder nas mãos do povo. Para Marini, a principal contribuição latino-americana à luta mundial dos povos contra o imperialismo era a ênfase nos esforços internacionalistas.

Em El mundo mas poderoso de nuestra era, o escritor alemão Peter Weiss problematizou o desenvolvimento e criticou o léxico utilizado para tratar dos países da África, Ásia e América Latina como um conjunto. O texto foi publicado na segunda edição da revista Tricontinental.

Antes de tudo, eu desejaria utilizar outras denominações. Não me agrada a expressão “Terceiro Mundo”, e não gosto de falar sobre “países subdesenvolvidos”. A expressão “Terceiro Mundo” está baseada em uma maneira de raciocinar classista, qualifica uma terceira classe de mundo, mas não expressa realmente o que este “Terceiro Mundo” significa. Aparentemente é um mundo que está como se arrastando [...] atrás dos outros mundos, que consideram a si mesmos como de máxima importância (WEISS, 1967, p. 168, grifo nosso).

De acordo com o autor, “Terceiro” define-se como subordinado ou atrasado em relação a um “Primeiro”, sem que se especifiquem os critérios que justificam a divisão ou a hierarquização. De acordo com Peter Weiss, “subdesenvolvidos” era um termo também problemático, uma vez que adota como referência o padrão de desenvolvimento industrial e técnico dos países capitalistas europeus.

Tampouco desejo chamar a esses países que agora estão surgindo, e que se encontram lutando para construir novas sociedades moldando sua nova atitude frente à vida, “países subdesenvolvidos” [...]. Como é natural, esses países não têm o mesmo nível de industrialização e equipe técnica; todavia, conseguiram alcançar algo que os chamados “países desenvolvidos” não puderam obter ainda: mudaram . ou estão no processo de mudar -. sua sociedade de maneira dinâmica, muito superior às mudanças que ocorreram nas sociedades ocidentais (WEISS, 1967, p. 164, grifo nosso).

Tampouco desejo chamar a esses países que agora estão surgindo, e que se encontram lutando para construir novas sociedades moldando sua nova atitude frente à vida, “países subdesenvolvidos” [...]. Como é natural, esses países não têm o mesmo nível de industrialização e equipe técnica; todavia, conseguiram alcançar algo que os chamados “países desenvolvidos” não puderam obter ainda: mudaram . ou estão no processo de mudar -. sua sociedade de maneira dinâmica, muito superior às mudanças que ocorreram nas sociedades ocidentais (WEISS, 1967, p. 164, grifo nosso).

Para Weiss, libertar-se “da opressão”, da “exploração” e “estabelecer a dignidade do homem” – como intentavam os processos revolucionários em Cuba, no Vietnã ou na Guiné-Bissau – é que eram expressões de um desenvolvimento merecedor desse nome. Para o autor, “devemos chamar aos países revolucionários países desenvolvidos, e aos países ocidentais, que todavia se aferram a uma sociedade baseada em diferenças de classes e na exploração, países subdesenvolvidos”. Traçar os contornos da aproximação entre os três continentes deveria enfocar seu “caráter militante, dinâmico, explosivo” (WEISS, 1967, p. 163). Por isso, sugere denominações alternativas como “mundo revolucionário” e “mundo da luta revolucionária”, ou ainda, “o mundo mais poderoso de nossa era”. Poderoso, aqui, reivindica um potencial revolucionário e transformador.

Os textos de Rui Mauro Marini e Andre Gunder Frank problematizaram as teorias da modernização e do desenvolvimento e criticaram a associação entre subdesenvolvimento e atraso. El mundo más poderoso de nuestra era sugere que o uso do conceito de Terceiro Mundo nas páginas da revista Tricontinental não se trata da adoção acrítica de um termo pejorativo, mas de um processo transformador de apropriação. Ainda que esses atores não tenham rompido com ideais de desenvolvimento e industrialização que são marcadamente característicos do período, suas observações demonstram um olhar crítico perante essas questões mesmo no interior dos debates sobre o Terceiro Mundo. Tricontinental e seus colaboradores não abriam mão de defender a solidariedade entre os povos dos três continentes e, portanto, de uma valorização do conceito de Terceiro Mundo como catalizador de um projeto político coletivo em torno da solidariedade e da luta anticolonial e anti-imperialista.

Afinal, o Terceiro Mundo de que falava a Tricontinental era dependente, subdesenvolvido, colonizado, proletário, solidário ou potencialmente revolucionário? Reconhecer a aporia que permeia os conceitos políticos modernos é compreender que o Terceiro Mundo justapõe essas significações e dialoga com todas essas referências. A revista Tricontinetal, por sua vez, pode ser lida a partir da chave da pluralidade, de modo que utilizar-se de terminologias aparentemente sobrepostas como “dependente”, “subdesenvolvido”, “condenados da Terra” e “mundo tricontinental” mobilizava compreensões de mundo que não são excludentes entre si, mas complementares. Em meio a essa pluralidade, o elemento de destaque nas páginas da revista Tricontinental foi a defesa da revolução e da luta armada. Entretanto, não há uma única resposta à questão sobre “o que conforma o Terceiro Mundo na Tricontinental?”, mas múltiplas referências mobilizadas por uma comunidade de discurso que busca pensar, elaborar e demarcar não só a diferença em relação ao outro, mas a semelhança, as alianças possíveis entre nós.

ITINERÂNCIAS E SENSIBILIDADES TRICONTINENTAIS

Para compreender de que modo a revista Tricontinental engajou-se na construção do Terceiro Mundo, foi necessário ir além dos contornos assumidos por esse debate teórico. Em diálogo com Pierre Rosanvallon (2010), compreendemos o conceito político como um modo de simbolização da realidade que se põe em exercício, que é concomitante à prática política e social, conferindo-lhe sentido. O objetivo desta segunda seção é abordar as dimensões do Terceiro Mundo que transcenderam as páginas, configurando itinerários e sensibilidades. O objetivo é expor os intensos contatos culturais que, a um só tempo, tornam possível a publicação de uma revista como Tricontinental . são impulsionados por ela. Nos debruçamos, ainda, sobre a elaboração de figurações e estratégias narrativas que buscaram traduzir e simbolizar esses contatos, redes e percursos, mobilizando sensibilidades e afetos.

Editar a revista Tricontinental incluiu itinerâncias e intensos contatos. O documento Sugerencias para un plan de trabajo, encontrado no arquivo oficial da organização responsável pela publicação, edição e distribuição da revista, indica que as viagens organizadas pelo secretariado da Ospaaal incorporavam tarefas relacionadas com várias de suas esferas de atuação, entre elas a edição da revista Tricontinental. O plano incluía atividades como compilar material fotográfico e bibliográfico, realizar entrevistas e estabelecer contato com intelectuais, demonstrando essa articulação entre os planos de viagem da organização e a edição da Tricontinental.

Produzido em fins de 1968, esse documento planejava viagens internacionais a serem realizadas no ano seguinte. O plano para a Europa enfatizava o diálogo com movimentos operários, intelectuais e com os responsáveis pela publicação da revista Tricontinental em francês e italiano, François Maspero e Giangiacomo Feltrinelli. O plano de viagem à Indochina menciona diretamente visitas ao Vietnã, ao Laos e ao Camboja, e lista entre suas atividades pedidos de artigo para a revista. Sobre futura viagem à África – com passagens previstas por Bissau, Moçambique, Angola, Guiné [Conakry], Congo, Nigéria e Tanzânia –, o plano afirmava a importância de “trabalhos e acordos práticos com emissoras, periódicos, intelectuais, obtenção de artigos, entrevistas, fotos, contatos, endereços etc” (SUGERENCIAS, 1968, p. 9). Demonstra, portanto, a busca por parceiros de distribuição e circulação dos materiais produzidos. Em plano de viagem aos países árabes – com estadias em Argélia, República Árabe Unida, Síria, Eritreia, Iêmen do Sul e nas bases palestinas na Jordânia e no Líbano – fala-se sobre iniciar a publicação da revista Tricontinental em árabe. Outra pauta a ser discutida era o atraso na realização da Segunda Conferência Tricontinental, originalmente prevista para 1968, no Cairo. O adiamento da reunião era resultado de crises internas da Organização de Solidariedade Popular Afro-Asiática (Ospaa), uma vez que a China condicionava a Segunda Conferência Tricontinental à realização de uma quinta Conferência Afro-Asiática em Pequim. Previa-se que, durante essa Segunda Conferência Tricontinental, seria aprovada a transferência da sede da Ospaaal para a República Árabe Unida (RAU) e a indicação um novo secretário-geral. O adiamento da reunião, hoje sabemos que por tempo indefinido, foi um fator importante para que Cuba assumisse um crescente protagonismo na organização tricontinental.

A primeira reportagem a relatar a visita de um funcionário da Ospaaal a um país associado foi publicada na segunda edição da revista Tricontinental e escrita por Carlos Lechuga, sob o título Laos y la estrategia imperialista (1967, n. 2, p. 41-53). Nela, o Secretário-Geral Adjunto da organização narra a viagem de uma comitiva pelos países aliados no Sudeste Asiático. A caracterização e descrição da paisagem, das cavernas que serviam de abrigo e proteção contra bombardeios e das táticas de resistência e insurgência anti-imperialista assumem considerável importância no relato. As estratégias discursivas adotadas parecem responder à necessidade de suscitar empatia com locais e contextos distantes e desconhecidos. O primeiro passo, quiçá, fosse tornar aquilo mais conhecível, traduzir a experiência de estar no Laos para os leitores da revista e oferecer imagens que pudessem alimentar a solidariedade. A leitura transita da descrição minuciosa do país, das lutas e do povo latino à tentativa de situá-lo em uma perspectiva regional e global. Para Carlos Lechuga, os ataques ao Laos se relacionam à Guerra do Vietnã e à tentativa de estabelecer uma zona de influência definitiva no Sudeste Asiático e na Indochina.

Nessa mesma edição, um artigo sem autoria atribuída narrava uma viagem pelo Iêmen do Sul e descrevia a região como “a Argélia dos britânicos” (YEMEN, 1967, p. 89). A descrição apresentada evoca as figurações elaboradas por Frantz Fanon (2005) acerca da cidade colonial, demonstrando como as contradições do cindido mundo colonial se reproduzem e exacerbam no desenho urbano.

M’aalla, bairro europeu exclusivo, com amplas avenidas de quatro vias repletas de modernos veículos, com suas calçadas e seus elegantes comércios repletos de súditos britânicos, oferece a imagem concreta da ocupação colonial. [...] É preciso caminhar para Cráter, Sheikh, Othman ou Al Mansoora para sentir-se em solo árabe; é necessário transitar por seus becos [callejuelas] para conhecer um mundo distinto do de M’aalla. As proporções do luxo e a ostentação desse bairro são centuplicadas pela miséria dos bairros árabes do Aden, do verdadeiro Aden.São dois mundos distintos e enfrentados (YEMEN, 1967, p. 90, grifo nosso).

A narrativa é marcada pela exposição de contrastes coloniais e da resposta a eles: a luta armada urbana em atuação. Contra esses, o aparato colonial britânico é narrado em toda sua opulência. “O ambiente de opressão violenta, de luxo, de miséria, de patrulhas militares e ‘check-points’, de interceptações e registros forçados oferecem a imagem do Aden atual” (YEMEN, 1967, p. 92). Além disso, outro momento que chama a atenção é quando a narrativa enfatiza o interesse dos iemenitas pelas lutas anticoloniais e anti-imperialista nos demais lugares do mundo, como no trecho a seguir.

Ademais das informações sobre o Mundo Árabe, o Vietnã é o que mais atenção e interesse lhes desperta. Provavelmente, a maioria dos guerrilheiros não poderia apontar com exatidão o Vietnã em um mapa; todavia, sua identificação com a causa vietnamita é total, sua admiração não tem limites. A expressão “imperialismo yanqui” vai se familiarizando entre eles. Resulta assombroso ver a estes homens, que há até poucos anos apenas se identificavam entre si, identificarem-se com seus irmãos palestinos, sírios, omanianos, egípcios e vietnamitas (YEMEN, 1967, p. 95, grifo nosso).

Em relato publicado no ano seguinte, na edição de número 9, o funcionário da Ospaaal Ulises Estrada narra parte de sua reunião com Yasser Arafat, durante estada na Palestina. Um garoto de 16 anos, que carregava uma AK-10 nos ombros, interrompera a reunião, precipitando uma interessante digressão do líder palestino. “Sua revolução, Castro e o Che são muito conhecidos entre nossos combatentes”, afirmara Arafat ao cubano, “você poderá ver que há muitos que deixaram crescer as barbas rememorando aos combatentes da Sierra Maestra, inclusive temos alguns que adotaram o nome de Castro” (1968, p. 62). O jovem do relato seria um desses “Castro”, ao qual, curioso, Ulises Estrada pediu explicações. “Me chamo Castro porque quando passava pela escola de treinamento para comandos, meu chefe, [...] nos disse um dia em uma aula que queria que nós fossemos como Castro” (1968, p. 62, grifo nosso), teria afirmado o jovem palestino antes de deixar a reunião e retomar suas atividades. A veracidade do relato não pôde ser confirmada, mas não deixa de suscitar questões importantes. O que significava, para esse jovem, ser como Castro? O trecho demonstra o esforço realizado na difusão de certa imagem do combatente revolucionário – um guerrilheiro barbudo, como Fidel Castro –, importante figuração mobilizada pela revista.

A edição número 7 da Tricontinental contou com a Encuesta sobre Vietnam (1968, p. 116-142), em que a revista perguntou a 16 intelectuais seu posicionamento ético e político acerca da Guerra do Vietnã. Os pesquisados posicionaram-se unanimemente contra a guerra, adjetivando-a como injusta, imoral, criminosa. Foram constantes as respostas em que o Vietnã é descrito como expressão das contradições enfrentadas por todos os que lutaram por libertação nos três continentes. Nesse sentido, o Vietnã opera discursivamente como uma metonímia para todo o Terceiro Mundo. Para o economista francês Pierre Jalée (1968, p. 130-131), o objetivo da guerra era enviar aos povos dos três continentes a mensagem clara de que a guerra de libertação estava perdida; encerrar a utopia, fechar as portas para um futuro livre da dominação colonial, imperialista e neocolonial. Essa visão é compartilhada por Fidélis Cabral (1968, p. 134), membro do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), segundo o qual “a luta do povo vietnamita é a luta de todos os povos do mundo. No Vietnã se joga a sorte de todos os movimentos armados de libertação nacional”. Para Antonio Eceiza (1968, p. 125), por sua vez, o que se passava no Vietnã “é perfeitamente consequente com a essência mesma do imperialismo”. O cineasta espanhol encerra seu texto conclamando seus leitores a expressar sua total solidariedade em resposta a esse “grito rasgando-lhe a alma”. Para o autor, a solidariedade deve expressar-se como ação direta contra o imperialismo; “a solidariedade se realiza ou não é solidariedade” [grifo nosso]. Em referência direta à Mensagem de Che Guevara à Tricontinental (1967), Eceiza afirma que

Estão bem, então, os protestos doloridos, indignados, sinceros, de todos nós. Mas, seguramente, não bastam. Che encontrou a canalização estratégica para toda esta paixão inativa, a articulação ativa a todo esse movimento humano e solidário. A suas palavras me remeto: “Criar dois, três, muitos Vietnã…” (ECEIZA, 1968, p. 125).

A encuesta sobre o Vietnã que comentamos acima foi, muito provavelmente, conduzida durante as atividades do Congresso Cultural de Havana, realizado em 1968. Durante os anos 1960 e 1970, a organização de eventos políticos e culturais foi uma importante estratégia de legitimação adotada pela Revolução Cubana, contribuindo para mobilizar a solidariedade de intelectuais e da comunidade internacional ligada às esquerdas e ao terceiro-mundismo. A amplitude de eventos como esse demonstram a capacidade do governo da Ilha em mobilizar redes intelectuais na América Latina e no Terceiro Mundo (COSTA, 2013), bem como de tecer relações próximas com governos e movimentos de esquerda dos três continentes (DOMÍNGUEZ, 1989).

Esses eventos foram também oportunidades ímpares para coleta de material para a revista Tricontinental, que foram prontamente aproveitadas pelo corpo editorial da publicação. Sediada em Havana, liderada e protagonizada por cubanos, a Ospaaal – e, por suposto, a revista Tricontinental – está conectada a esses esforços, operando como espaço de articulação e fomento de contatos, itinerâncias e percursos. Ao se referir às primeiras viagens do Secretariado da organização realizadas ao longo de 1967, Agostinho Neto, líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), ressaltou precisamente a importância desse tipo de viagem como forma de “estreitar os laços de conhecimento, os laços que já existem entre nosso continente e a Tricontinental” (NETO, 1967, p. 153).

Os contatos e conexões analisados até agora permitem acompanhar dois fluxos de itinerâncias. As viagens organizadas pelo Secretariado da organização estabeleciam importantes relações, que permitiram a compilação e produção de conteúdo para a revista, bem como a divulgação e circulação dos materiais produzidos pela Ospaaal. Do mundo para a sede da organização, em Havana, chegavam fotografias, reportagens, artigos, delegações visitantes, conferencistas e intelectuais. Esses ofereciam o substrato para os milhares de exemplares da revista Tricontinental, que deixavam a ilha bimensalmente, promovendo a circulação de informações, ideias e experiências revolucionárias nos três continentes e contribuindo para a autoconstrução do Terceiro Mundo. Para além do conteúdo das colunas, nas páginas da publicação convergem redes de contatos tecidos por esse projeto editorial, cultural e político.

De acordo com Claudio Maíz (2013, p. 19-35), autor que destaca as possibilidades abertas pela abordagem teórica das redes transnacionais, mesmo um trabalho que não adote uma abordagem quantitativa das redes intelectuais pode se beneficiar do potencial reflexivo da categoria. No nosso caso, pensar em redes significou utilizar a categoria como uma metáfora, que alude ao caráter relacional da sociabilidade intelectual e da solidariedade militante. Ainda que esse artigo não se proponha ao estudo exaustivo ou quantitativo das redes tecidas pela Ospaaal e expressas na Tricontinental, as reflexões que a abordagem teórica das redes suscita foram fundamentais. Essas reflexões nos motivaram a considerar não só a análise dos textos publicados nas páginas da revista, mas também outros elementos que dizem sobre as redes às quais a revista se conecta, incorporando as viagens, os encontros e conferências internacionais, as instituições, as citações mútuas, as sensibilidades e os afetos. O que está em jogo nessa abordagem é, portanto, uma análise não só da soma de elementos, mas das relações estabelecidas entre eles.

Identificamos que ao menos duas redes transnacionais se expressam nas páginas da revista Tricontinental, dando corpo à publicação e sendo impulsionadas por ela. Ambas têm na Ospaaal uma mediadora importante. Uma rede abarca as relações e conexões entre governos, movimentos de libertação nacional, grupos ligados à luta armada e partidos de esquerda aliados à Ospaaal. Muitos desses participaram da Conferência Tricontinental e mantiveram contato com a Ospaaal desde sua fundação, em 1966. A outra rede em questão é incorporada às páginas da Tricontinental, ainda que sua formação tenha sido iniciada antes mesmo da fundação da revista. Trata-se de uma rede intelectual tecida pelos intensos contatos entre intelectuais de todo o mundo e a Revolução Cubana – ora mais próximas, como durante os anos 1960, ora mais distantes, como após o caso Padilla e durante o Quinquênio Gris (COSTA, 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revista Tricontinental publicou diversos textos teóricos acerca do Terceiro Mundo e tematizou aspectos que foram entendidos à época como comuns aos três continentes. Entre eles, destacam-se a experiência da colonização no passado e no presente; o jugo do imperialismo e do neocolonialismo como possibilidades atemorizantes do presente e do futuro; apologias ao potencial revolucionário dos três continentes; a inserção desigual e dependente no desenho global do capitalismo; os desafios que a análise desses continentes impunham ao marxismo; e o intento de tecer laços de solidariedade militante entre grupos revolucionários. Os debates teóricos se aliaram às tentativas de consolidar relações entre os grupos que se entremearam em redes de solidariedade militante. O debate acerca do Terceiro Mundo assumia significado duplo nas páginas da revista Tricontinental, na medida em que as reflexões também operavam para legitimar a publicação e o projeto político que ela defendia.

As concepções acerca do Terceiro Mundo foram mobilizadas por homens e mulheres que traçaram itinerários e configuraram sensibilidades. As páginas da revista Tricontinental expressam os intensos encontros culturais que esse projeto mobilizou e as leituras e compreensões desse outro.nós que produziu e fez circular. Por isso, buscamos compreender dimensões do Terceiro Mundo que ultrapassaram debates teóricos e engendraram práticas políticas e afetos. Identificamos duas redes, complementares, que convergem nas páginas da Tricontinental, alimentadas pelas variadas formas de atuação da organização responsável pela publicação da revista. Uma primeira rede se forma entre lideranças políticas, partidos, governos, movimentos e organizações ligadas às esquerdas nos três continentes e associados à organização. Uma segunda, por sua vez, conectou intelectuais de diversos lugares do mundo ao projeto político, cultural e revolucionário. Ao circular o mundo, a revista Tricontinentalassumiu um papel importante em impulsionar as relações entre as esquerdas dos três continentes. Por sua vez, a participação e o protagonismo assumido pela Revolução Cubana na Ospaaal e na revista Tricontinental devem ser compreendidos como parte de seus esforços para legitimar-se e angariar a apoio internacional.

Certas figurações ganharam destaque e tornaram-se recorrentes nas páginas da Tricontinental, como narrar locais como metonímia de todo o Terceiro Mundo. Ler desenvolvimento e subdesenvolvimento como duas faces da formação do processo de formação do capitalismo; colonialismo, imperialismo e neocolonialismo como expressões distintas de um mesmo processo histórico. Expor o caráter contraditório e falacioso da “missão civilizatória” do colonialismo. As imagens de armas que se multiplicavam pelas páginas da publicação eram, também, instruções sobre o que fazer. Ainda que não rompa por completo com a lógica da alteridade e o discurso do desenvolvimento, os textos adquirem caráter híbrido e referências são mobilizadas de forma herética. As narrativas operam com jogos de escalas, que alternam enfoques regionais, nacionais, continentais, globais e internacionalistas. Como em uma câmera fotográfica, distintas lentes permitem e condicionam as possibilidades de traduzir e simbolizar experiências que ora se distanciam, ora se aproximam. Enfim, um mundo cindido pela colonização e conectado pela vontade de libertação.

Agradecimentos

Ao professor Mateus Fávaro Reis, que com muita generosidade e atenção orientou essa pesquisa de Mestrado. Aos professores Ana Mónica Lopes, Adriane Aparecida Vidal Costa e Luiz Estevam de Oliveira Fernandes, pelas contribuições valiosas no exame de qualificação e na banca de defesa. Ao amigo Átila Augusto Guerra de Freitas por auxiliar no desafiador processo de adaptação para o formato atual, e pelo companheirismo de sempre. A todos e todas que contribuíram para a escrita deste texto, com leituras, provocações e questionamentos ou com afeto e cuidado, contribuições não menos importantes. Às centelhas da esperança.

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Notas

[1] Todas as traduções originais do inglês e do espanhol apresentadas neste artigo são de responsabilidade da autora.
[2] O trabalho da Ospaaal não se limitou à publicação da revista Tricontinental; previa outras formas de atuação política e da coordenação de vasta produção cultural, que incluiu boletins, livros, cartazes de propaganda, exposições de arte, programas de rádio, documentários e filmes de curta-metragem (MAHLER, 2018; YOUNG, 2018).
[3] A principal compilação de textos publicados na revista Tricontinental publicada pela Ospaaal foi intitulada, precisamente, Rebelión Tricontinental: las voces de los condenados de la tierra de Africa, Asia y America Latina (2006).
[4] Não é o objetivo aqui exaurir o debate acerca dos estudos pós-coloniais, mas pontuar o papel importante de suas contribuições para este trabalho. Miguel Mellino (2008) e Emmanuelle Santos (2013) oferecem pontos de partida interessantes para reflexões acerca dos estudos pós-coloniais.
[5] Em função das limitações de espaço, não será possível nos aprofundarmos no debate sobre o giro decolonial. Para uma introdução à atuação do coletivo e às principais teses desenvolvidas por seus membros, ver “América Latina e o giro decolonial” de Luciana Ballestrin (2013).
[6] Não há espaço, neste breve artigo, para uma análise mais ampla da forma como expoentes do movimento negro nos Estados Unidos, sobretudo os mais radicalizados, participaram das páginas da revista Tricontinental e dos cartazes da Ospaaal. O tema motivou a escrita de Cuba, a Tricontinental e o movimento negro estadunidense: reflexões sobre os caminhos da solidariedade (1966-1974), em coautoria com Taciana Garrido. Naquelas páginas, buscamos demonstrar que a produção cultural da Ospaaal operou como um importante espaço de denúncia da segregação racial e divulgação internacional das lutas do movimento negro nos Estados Unidos. Por outro lado, na esteira de trabalhos como o de Mahler (2018), Sawyer (2006) e De la Fuente (2001), ressaltamos que ao pôr em foco a denúncia ao racismo em sociedades capitalistas segregadas como os Estados Unidos e a África do Sul, o discurso internacionalista do Estado cubano buscava também externar as tensões e os conflitos raciais, enquanto cerceava as possibilidades de questionamento do racismo na sociedade insular.

Notas de autor

Rua do Seminário, s/n, 35420-000, Mariana, MG, Brasil.

Información adicional

ORIGEM DO ARTIGO: Extraído e adaptado da Dissertação de Mestrado – “O povo colonizado não está sozinho”: Terceiro Mundo, anti-imperialismo e revolução nas páginas da revista Tricontinental (1967-1976) – apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto, em 2018.

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