Resumo: Na região dos Grandes Lagos da América do Norte de meados do século XVII a meados do XVIII, nativos algonquinos e agentes coloniais franceses interagiram em meio ao complexo processo de contato colonial. As condições de existência naquele espaço impeliam algonquinos e franceses a um apoio recíproco para se atingir objetivos específicos. Isso ocorria de tal modo que eles produziram concepções comuns de adequados modos de agir, isto é, aquilo que denominamos de middle ground. A necessidade inevitável de comunicação nos termos do outro gerou um processo de oportunos e criativos mal-entendidos mútuos, os quais produziam novos conteúdos culturais que, ao se tornarem convenções entre as partes envolvidas, se transformavam num novo referencial que orientou as ações dos sujeitos históricos. A abordagem teórica desse conceito é discutida nesse texto por meio da análise das relações cotidianas nas quais algonquinos e franceses produziram essa zona de inteligibilidade mútua. As congruências culturais, que deram forma ao middle ground, eram respostas a problemas e controvérsias que giravam em torno de questões como sexo, violência e comércio. A análise das medidas tomadas nesses campos relacionais expõe que os conteúdos híbridos surgiam de reiteradas tentativas de se encontrar conexões entre os referenciais normativos franceses e costumes algonquinos. As respostas produzidas nessas situações não se configuravam como noções exclusivamente francesas ou algonquinas, mas como improvisações e criações emergidas em pontos onde as culturas se cruzavam e promoviam uma zona cultural intermediária em que as expectativas de cada lado poderiam encontrar um grau aceitável de satisfação.
Palavras-chave:Middle groundMiddle ground,Contato colonialContato colonial,Mal-entendidosMal-entendidos.
Abstract: In the Great Lakes region of North America from the mid-17th to the mid-18th century, Algonkin natives and French colonial agents interacted in the midst of the complex process of colonial contact. The conditions of existence in that space impelled Algonkins and French to reciprocal support to achieve specific goals. This happened in such a way that they produced common conceptions of adequate ways of acting, that is, what we call middle ground. The inevitable need for communication in terms of the other generated a process of opportune and creative mutual misunderstandings, which produced new cultural contents that, when they became conventions between the parties involved, became a new reference that guided the actions of historical subjects. The theoretical approach of this concept is discussed in this text through the analysis of the daily relationships in which Algonkins and French produced this zone of mutual intelligibility. Cultural congruencies, which formed the middle ground, were responses to problems and controversies that revolved around issues such as sex, violence and trade. The analysis of the measures taken in these relational fields exposes that the hybrid contents arose from repeated attempts to find connections between French normative references and Algonquin customs. The responses produced in these situations were not exclusively French or Algonkin notions, but rather improvisations and creations that emerged at points where cultures intersected and promoted an intermediate cultural zone in which the expectations of each side could find an acceptable degree of satisfaction.
Keywords: Middle ground, Colonial contact, Misunderstandings.
Tradução
O middle ground
The middle ground

Por todo o tempo nós fazemos os outros parte de uma “realidade” que nós inventamos sozinhos, negando sua criatividade por usurpar o direito de criar, nós usamos esses povos e seus modos de vida e os tornamos subservientes a nós mesmos
(Roy Wagner, The Invention of Culture).
Em ação, os povos colocam seus conceitos e categorias em relações ostensivas com o mundo. Tais referenciais colocam em jogo outras determinações dos sinais, além de seus sentidos recebidos, a saber, o mundo real e os povos envolvidos
(Marshall Sahlins, Islands of History).
I
Porque os franceses e os algonquinos eram parceiros de comércio e aliados, as fronteiras dos mundos algonquino e francês derreteram-se nas bordas e se fundiram. Embora os franceses e os índios identificáveis obviamente continuassem a existir, se uma determinada prática ou forma de fazer as coisas era francesa ou indígena, depois de um tempo, não era tão clara. Isso não aconteceu porque indivíduos índios se tornaram “franceses” ou porque os franceses fossem nativos, embora ambos possam ter ocorrido. Em vez disso, era porque os algonquinos, que se sentiam perfeitamente à vontade com seu status e práticas como índios, e franceses, confiantes na retidão dos modos franceses, precisavam lidar com pessoas que não compartilhavam nem seus valores nem suas crenças sobre o modo apropriado de realizar tarefas. Eles tinham que chegar a alguma concepção comum de formas adequadas de agir; eles tiveram que criar o que eu já tenho referido como um middle ground.[1]
A criação do middle ground envolveu um processo de invenção mútua tanto pelos franceses como pelos algonquinos. Esse processo passou por vários estágios, dos quais o mais antigo é ao mesmo tempo o mais notado e o menos interessante. Foi nessa fase inicial que os franceses, por exemplo, simplesmente assimilaram os índios em sua própria ordem conceitual. Os índios tornaram-se sauvages e os franceses reduziram a religião indígena à adoração do demônio e feitiçaria. Os algonquinos, por sua vez, pensaram nos primeiros europeus como manitous. Em ambos os lados, novas pessoas foram espremidas em categorias existentes de maneira mecânica.[2]
O letramento deu a esta fase inicial uma potência e uma durabilidade para os europeus que, de outra forma, não teriam. Como os franceses eram alfabetizados, o conhecimento dos índios era difundido longe do local de real contato. Tal conhecimento, não desafiado pela experiência real com os índios, sobreviveu como uma potente relíquia cultural. Muito tempo depois de ter deixado de governar as ações daqueles que realmente viviam entre os indígenas, a ideia de índios como literalmente sauvages, ou homens selvagens incorporando virtude ou ferocidade naturais, persistiu entre intelectuais e estadistas na França. Assimilados em controvérsias europeias, esses índios imaginários se tornaram os índios de Chateaubriand e Rousseau. Eles assumiram importância, mas foram separados dos processos contínuos de contato entre verdadeiros algonquinos e europeus reais. No pays d’en haut, os índios e brancos de classe social e status amplamente diferentes tinham, por uma série de razões, que se apoiar uns nos outros para alcançar fins bastante específicos. Foram esses homens franceses (pois as francesas não apareceriam até muito mais tarde) e os homens e mulheres algonquinos que criaram um terreno comum – o middle ground – sobre o qual proceder (JAENEN, 1982, p. 43-56).
Esse processo de criação resultou naturalmente das tentativas de seguir as convenções normais de comportamento em uma nova situação. Cada lado buscou objetivos diferentes de uma maneira diferente. Autoridades e mercadores franceses procuravam racionalizar e ordenar o que viam como o mundo imprevisível dos sauvage; algonquinos procuraram, em certo sentido, o oposto. Eles queriam mudar ou reajustar a ordem dada por meio de apelos por favor pessoal ou isenção. Da mesma forma que buscavam poder especial para reajustar a ordem do mundo das plantas, dos animais e dos espíritos, apelando para os manitous, procuravam mudanças benéficas no mundo social apelando aos franceses. Muitas vezes, nos exemplos que se seguem, quando os franceses buscavam a imposição de regras rígidas e rápidas, os algonquinos procuravam o “poder” que vinha derrubar a ordem desequilibrada, afirmando a exceção pessoal e humana. O resultado das tentativas de cada lado de aplicar suas próprias expectativas culturais em um novo contexto foi muitas vezes uma mudança na própria cultura. Ao tentar manter a ordem convencional de seu mundo, cada grupo aplicou regras que mudaram gradualmente para atender às exigências de situações particulares. O resultado desses esforços foi um novo conjunto de convenções comuns, mas essas convenções serviram de base para outras lutas para ordenar ou influenciar o mundo da ação.[3]
O middle ground dependia da incapacidade de ambos os lados obterem seus objetivos através da força. O middle ground cresceu de acordo com a necessidade dos povos encontrarem um meio, além da força, para obter a cooperação ou o consentimento de estrangeiros. Para ter sucesso, aqueles que operavam no middle ground tinham, necessariamente, que tentar entender o mundo e o raciocínio dos outros e assimilar o suficiente desse raciocínio para colocá-lo em seus próprios propósitos. Particularmente nos conselhos diplomáticos, o middle ground era um domínio de constante invenção, que era justa e constantemente apresentado como convenção. Sob as novas convenções, surgiram novos significados, e assim o ciclo continuava.[4]
Talvez o aspecto central e definidor do middle ground tenha sido a disposição daqueles que o criaram para justificar suas próprias ações em termos daquilo que consideravam ser as premissas culturais de seus parceiros. Aqueles que operavam no middle ground agiam por interesses derivados de sua própria cultura, mas tinham que convencer as pessoas de outra cultura de que alguma ação mútua era justa e legítima. Ao tentar tal persuasão, as pessoas naturalmente procuraram congruências, percebidas ou reais, entre as duas culturas. As congruências chegavam a muitas vezes parecer – e, de fato, eram – resultados de mal-entendidos ou acidentes. De fato, para os observadores posteriores, as interpretações oferecidas pelos membros de uma sociedade para as práticas de outra podem parecer ridículas. Isso, no entanto, não importa. Qualquer congruência, por mais tênue que seja, pode ser colocada para trabalhar e pode tomar vida própria se for aceita por ambos os lados. As convenções culturais não precisam ser verdadeiras para serem eficazes, assim como os precedentes legais. Elas só precisam ser aceitas.
O middle ground do pays d’en haut existia em dois níveis distintos. Era um produto da vida cotidiana e um produto de relações diplomáticas formais entre povos distintos. Para os historiadores, no entanto, o middle ground é inicialmente mais fácil de perceber como foi articulado em contextos formais.[5]
Em junho de 1695, a aliança dos Huron-Petuns, Ottawas e franceses estava em uma de suas recorrentes crises. Os Ottawas e Huron-Petuns, temendo que os franceses fizessem uma paz separada com os iroqueses, empreenderam negociações secretas próprias com as Cinco Nações. Essas negociações receberam um impulso adicional das promessas inglesas de comércio a taxas consideravelmente inferiores às dos franceses. O comandante francês em Michilimackinac, Antoine Laumet de La Mothe, Sieur de Cadillac, suspeitando da existência dessas conversas, mas sem saber os detalhes delas, tentou interromper as negociações solicitando grupos de guerra liderados por partidários franceses entre os Ottawas. Embora relativamente poucos, os grupos de guerra ameaçaram os iroqueses e assim interromperam os planos para a paz. Os líderes daqueles que favoreciam a paz, particularmente um chefe huroniano conhecido como o Barão, procuraram impedir as guerras sem mencionar as negociações dos Huron-Petuns com os iroqueses. Para ter sucesso, o Barão tinha que realizar uma de duas coisas. Ele tinha que fornecer razões aceitáveis tanto para os franceses quanto para seus partidários a respeito de porque os grupos de guerra não deveriam partir. Ou, fracassando isto, ele tinha que afastar os Ottawas pró-franceses de Cadillac e dos jesuítas. Para alcançar esses fins, convocou um “grande e numeroso” conselho das nações de Michilimackinac para se encontrarem, assim como com Cadillac, os jesuítas e “os franceses mais respeitáveis do posto” (CALLIÈRES..., 20 out. 1696; NARRATIVE..., 1694, 1695 [1853, v. 9, p. 604-9]).
O conselho se reuniu para pouco mais do que ouvir uma história do Barão. Ele disse a seus ouvintes que recentemente havia sido descoberto no país ao redor de Saginaw Bay um velho e sua esposa, cada um com cerca de cem anos de idade. Eles residiam lá desde a expulsão dos Hurons de seu próprio país. O velho homem conhecia e relatara tudo o que passara nas guerras ocidentais desde a destruição dos Hurons e prestara especial atenção às embaixadas dos iroqueses para Onontio. Ele sabia todas essas coisas por causa de suas comunicações com o Mestre da Vida que falava diretamente ao velho homem e que lhe enviava animais e fazia seus campos ficarem cheios de milho e abóboras. O velho homem também sabia da presente trégua de fato com os iroqueses e insinuou que o primeiro lado a quebrá-la seria inevitavelmente destruído (NARRATIVE... 1694, 1695 [1853, v. 9, p. 607]).
O velho homem exortou os índios a estarem atentos aos Vestes Negras e a aplicarem-se à oração porque, se o Mestre da Vida “que é uma em três pessoas, que formam apenas um Espírito e uma Vontade” não fosse obedecido, ele mataria o milho como no ano passado. Finalmente, o velho homem disse-lhes que o oitavo dia deveria ser observado pela abstinência do trabalho e deveria ser santificado pela oração. Os mortos, ele disse, deveriam ser sepultados em andaimes em vez de serem enterrados no chão, para que pudessem mais facilmente pegar o caminho para o paraíso. Finalmente, o velho homem insistiu que todos eles ouvissem a voz de Onontio e seguissem sua vontade. Ao concluir a recitação da mensagem do velho homem, o Barão ofereceu a Cadillac um presente de castor do próprio velho. Cadillac, que pensava que de toda a história apenas o castor não era imaginário, recusou o presente, “sendo esta voz desconhecida para ele” (NARRATIVE... 1694, 1695 [1853, v. 9, p. 607]).
A história do Barão foi uma tentativa de usar e expandir o middle ground para que seu próprio interesse – a paz com os Iroqueses – pudesse ser garantido. A paz não poderia ser protegida pelas formas culturais normais dos Huron. Se o assunto dependesse apenas dos não cristãos Ottawas e Huron-Petuns, o Barão não teria de recorrer à história do velho homem, com todos os seus elementos cristãos e proféticos. Se ele estivesse se dirigindo apenas aos índios, o conselho poderia ter sido convocado para considerar um sonho que contivesse a mesma mensagem. Sonhos, no entanto, como o Barão percebeu muito bem, não tinham legitimidade para os franceses que estavam instigando seus partidários a agir. O que tinha legitimidade para eles era a revelação divina, e assim o barão lhes deu uma. A tentativa do Barão fracassou porque, como o cronista de seu discurso observou com desdém, os franceses apenas associavam “crença a certas revelações e visões [...] porque elas são autorizadas”. O velho homem foi desautorizado e, portanto, provou ser um dispositivo mal-sucedido para transmitir uma mensagem de uma maneira que tivesse legitimidade para os europeus (NARRATIVE... 1694, 1695 [1853, v. 9, p. 607]).
No entanto, as táticas do Barão foram tanto inteligentes quanto reveladoras. Ele tinha conscientemente tentado reforçar a legitimidade da mensagem do velho homem preenchendo-a com fragmentos da doutrina cristã (a Trindade, exortações à oração, atenção aos missionários) e com os comandos de seguir a vontade de Onontio, o governador francês. Havia todos os itens que os franceses dificilmente poderiam contestar. No entanto, o Barão também deu à mensagem um tom de Huron definido. O profeta era um índio que mudou o sábado do sétimo dia para o oitavo. É improvável que isso tenha sido acidental. Já em 1679, os jesuítas haviam elogiado os Huron-Petuns por sua observância particularmente escrupulosa dos domingos e dias festivos. Os Huron-Petuns tinham até um ministro especial da fé que notificava os dias de reunião. Seria surpreendente se o Barão tivesse esquecido tudo isso. Parece mais provável que a mudança do sábado do Barão tenha sido intencional e que ele quisesse significá-la, juntamente com o comando para os sepultamentos em andaimes, colocando o velho homem separado como um índio profeta com uma mensagem indígena do Deus cristão. Não está claro se o Barão acreditava seriamente que os franceses aceitariam a legitimidade de um profeta indígena, mas ao enquadrar a história como ele fez, criou uma situação na qual até a rejeição ao velho poderia servir aos seus propósitos. Quando Cadillac e os jesuítas rejeitaram o velho homem, eles também rejeitaram a exortação à oração e obediência aos missionários e a Onontio. Mais do que isso, ao rejeitar a história, os franceses pareciam insinuar que Deus falava diretamente apenas aos brancos e não aos índios.[6]
Cadillac denunciou a história como ridícula, ironizou a aparente confusão do Barão sobre o Sabbath e exigiu que os índios atacassem os iroqueses. Ele deixou para trás um conselho conturbado. Para os anciãos Ottawa e Huron-Petun reunidos parecia agora que “os franceses estavam sem disposição de ouvir a voz de seu pretenso homem de Deus, alegando que os Vestes Negras eram muito desejosos de serem ouvidos quando contaram histórias sobre Paulo e os anacoretas dos tempos antigos; portanto, eles perguntaram, não deve nosso velho ter a mesma luz?” (NARRATIVE..., 1694, 1695 [1853, v. 9, p. 608]).[7]
O conselho foi apenas uma escaramuça dentro da vasta batalha diplomática travada pela participação dos índios Michilimackinac na guerra dos iroqueses, mas revela o processo que formou o middle ground e tornou as fronteiras entre as sociedades francesa e algonquina tão porosas. Para promover seus interesses, cada lado tinha que obter legitimidade cultural nos termos do outro. O Barão e Cadillac, por mais que pudessem manipular as sutilezas da visão cultural do outro, tinham criado um fórum no qual eles poderiam falar e entender um ao outro. Eles fizeram isso usando, para seus próprios propósitos e de acordo com seu próprio entendimento, as formas culturais do outro. O Barão apelou para uma tradição cristã de profecia e colocou-a para fins indígenas. Ele procurou validá-la, em termos indígenas, por um presente de castor. Cadillac, aparecendo em um conselho indígena, seguiu as formas algonquinas e, sabendo o que significava a aceitação do presente, recusou-o. Aceitar o presente era reconhecer o velho homem, a quem o Barão faria então “falar em todas as ocasiões que julgasse favoráveis a seus desígnios perniciosos”. Ele rejeitou uma adaptação indígena de um dispositivo cristão pelo seu próprio uso de formas diplomáticas algonquinasiroquesas. Ambos usaram as formas culturais do outro de maneira inteligente, embora de forma grosseira. A crueza do cristianismo do Barão ou o domínio de Cadillac da diplomacia indígena importava menos do que a necessidade de cada um empregar esses elementos estrangeiros de alguma forma. Eles os fundiram em algo bastante diferente das culturas algonquina, iroquesa e francesa que lhes deram origem.
O encontro do Barão com Cadillac ocorreu em um fórum diplomático no qual representantes de cada cultura lidavam com um corpo bem formulado de ideias e práticas. Este foi um aspecto do middle ground e aquele em que seus métodos são mais bem documentados e exibidos. O middle ground em si, no entanto, não se originou em conselhos e encontros oficiais; em vez disso, resultou dos encontros diários de indivíduos indígenas e franceses com problemas e controvérsias que precisavam de solução imediata. Muitos desses problemas giravam em torno de questões básicas de sexo, violência e troca de material. A necessidade de resolver esses problemas, talvez até mais do que os problemas de aliança, forçou a existência do middle ground. Mas até mesmo isso complica a questão, pois a distinção entre relações oficiais e relações pessoais era nebulosa e confusa na sociedade algonquina, na qual mecanismos coercitivos e estruturas hierárquicas eram notoriamente fracos.
Embora as autoridades francesas falassem de suas relações com os algonquinos em termos econômicos, políticos e, menos frequentemente, religiosos, paradoxalmente as instituições econômicas e políticas não podiam controlar o contexto do contato. Nas relações do cotidiano do país ocidental, os relacionamentos de algonquinos e franceses, como parceiros comerciais e aliados, eram abstrações, talvez pertinentes aos índios e franceses como agregados, mas tendo pouco a ver com pessoas reais em relacionamentos face a face. Em outra sociedade, com mecanismos mais coercitivos à disposição de uma elite, as relações pessoais entre intrusos, como os franceses e os membros da sociedade anfitriã, podiam ser mantidas em um nível mínimo e pouco penetrante. Os comerciantes deviam ser isolados em locais especiais e receber privilégios especiais; eles deviam ser regidos por regras separadas e tributados a taxas fixadas. O isolamento, entretanto, era impossível entre os algonquinos, que careciam de um Estado com instituições coercitivas e em cuja sociedade a obediência à autoridade geralmente não era um fato social nem uma virtude social (NARRATIVE..., 1694, 1695 [1853, v. 9, p. 608]).[8]
Essa fraqueza da autoridade política e a falta de subordinação na sociedade algonquina atingiram tanto os algonquinos quanto os franceses como a maior diferença entre os dois povos. Para os franceses, essa falta de subordinação, não o estado de desenvolvimento material ou tecnológico dos algonquinos, era o coração da “selvageria” algonquina. Os índios do norte, de acordo com o Sieur d’Aigremont, “não possuem nenhuma subordinação entre si [...] sendo contrários a toda coação. Além disso, esses povos não têm ideia de grandeza Real nem de Majestade, nem dos poderes dos superiores sobre os inferiores” (DRAPER e THWAITES, 1902, v. 16, p. 250 [D’Aigremont para Pontchartrain, nov. 14, 1708]..
Padre Membre, viajando para o sul ao longo do Mississippi com La Salle em 1682, claramente considerava a autoridade como sendo o coração não apenas da sociedade, mas da humanidade. Os Natchez e as sociedades hierárquicas do Mississippi eram tecnologicamente como os algonquinos. Eles eram um povo da Idade da Pedra, mas eram “todos diferentes de nossos índios canadenses em suas casas, vestidos, maneiras, inclinações e costumes [...] Seus chefes possuem toda a autoridade [...] Eles têm seus criados e oficiais que os seguem e os servem em todos os lugares. Eles distribuem seus favores e presentes à vontade. Em uma palavra, geralmente encontramos homens lá” (LE CLERCQ,1881, p. 192).
Os franceses não erraram ao notar a ausência de divisões de classe e instituições estatais e religiosas entre os algonquinos do norte, mas eles se enganaram quando tomaram isso por uma ausência de ordem social. A tradição era o depósito do conhecimento de um povo tribal sobre si próprios como um povo e um guia de como eles deveriam agir. Como a guerra e a doença reduziam as populações e forçavam a fusão de povos anteriormente distintos, os sobreviventes pareciam se apegar às suas tradições. Mas eles eram como crianças sugando os seios de suas mães mortas; a tradição não podia mais sustentá-los.[9]
A fraqueza da autoridade coercitiva entre os algonquinos teria importado menos se a autoridade francesa tivesse oficialmente chegado ao Oeste. Com o declínio do comércio nas feiras, no entanto, a supervisão francesa oficial das trocas se tornou uma miragem. Os índios já não viajavam longas distâncias para cidades europeias fortificadas ou postos avançados para trocar peles. Algumas trocas limitadas desse tipo ocorreram em Forte Saint Louis, no país de Illinois, e em Michilimackinac e nos postos Perrot erguidos entre os Sioux, mas a maior parte do comércio era obra de pequenos grupos de franceses que viajavam para aldeias indígenas e campos de caça. Uma vez que esses comerciantes tinham perdido seu status de manitous, eles eram estranhos sem posição social nas aldeias algonquinas. Eles também eram estrangeiros ricos, com bens muito além de suas próprias necessidades imediatas, que permaneciam virtualmente indefesos. Se eles fossem bem-sucedidos como comerciantes, eles tinham que encontrar meios de proteger a si mesmos, seja pela da força, seja estabelecendo laços pessoais dentro das comunidades em que negociavam (THWAITES, 1900, v. 65, p. 239; ECCLES, 1974, p. 110; CHAMPIGNY...4 nov. 1693; MEMOIRE... ago, 1688; CALLIERES... 15 out. 1694; MEMOIRE... 10 fev. 1696; COMMMERCE... 1696; QUAIFE, 1917, p. 16-18; UNITITLED MEMOIRE...).
A elite francesa temia as consequências desse contato. As autoridades francesas pensavam que os franceses que se deslocavam dentro da sociedade algonquina poderiam escapar de seu domínio, a menos que fossem mantidos sob rígido controle. O que horrorizava as autoridades francesas tanto quanto os danos econômicos que acreditavam que os coureurs de bois causavam era a ameaça social que representavam. Segundo os oficiais, os coureurs de bois estavam se metamorfoseando em sauvages, isto é, homens além do controle da autoridade legítima. O que era particularmente horripilante sobre a “selvageria” dos coureurs de bois era que eles pareciam se vangloriar dela. Eles usavam suas liberdades para zombar dos homens de quem nunca duvidaram que eles eram seus melhores. Em seu retorno ao Illinois em 1680, La Salle descobriu que seus homens não apenas haviam desertado, mas também demolido seu forte, roubado seus bens e, na mão de um homem que La Salle reconheceu como Le Parisien, tinham deixado rabiscado em uma tábua um epíteto de despedida: Nous sommes touts Sauvages (“Somos todos selvagens”) (DUCHESNEAU... 10 Nov. 1679 [v. 9, p. 133-34]; DENONVILLE... 13 nov. 1685; CHAMPIGNY... 10 maio; DENONVILLE... jan. 1690 [v.9, p. 442-43]; ).[10]
Le Parisien, claro, não era mais sauvage que La Salle. Ele simplesmente compartilhou com seus superiores um mal-entendido comum da sociedade algonquina como um lugar de licença sem ordem. Foi essa percepção equivocada que deu à palavra sauvage seu poder como uma metáfora do que os funcionários consideravam um perigo e homens como o Le Parisien viam como uma oportunidade – a fuga da subordinação. Que a maioria dos coureurs de bois pudesse escapar totalmente das mãos restritivas do estado e da igreja era um exagero. No entanto, em outro sentido, o medo das autoridades e a esperança do Le Parisien não eram totalmente equivocados. Os franceses no Oeste podiam agir independentemente num grau notável, ainda que apenas temporariamente, alcançando acomodações com os algonquinos, entre os quais viajavam e viviam. Eles fizeram contato com um complexo processo social apenas parcialmente sob o controle da igreja e do estado. No Oeste, esse processo centrava-se nos franceses que as autoridades não consideravam representantes legítimos de sua própria sociedade e que na verdade eram vistos como um perigo para ela. Havia sempre uma tensão entre esses homens e os outros franceses que possuíam uma posição legítima: homens que como La Salle vinham com permissão da Coroa; ou missionários, como os jesuítas; ou comandantes militares; ou comerciantes licenciados. Os franceses no Oeste muitas vezes cooperavam, mas tal cooperação nunca poderia ser presumida. Os índios, portanto, tinham que estabelecer laços sociais apropriados com um grupo diversificado e muitas vezes conflituoso de franceses.[11]
Alguns desses diversos franceses, por sua vez, representavam perigos para a ordem social algonquina, porque atingiram o coração da identidade algonquina, argumentando que as práticas tradicionais não eram inatas, mas transferíveis de um povo para outro. Os missionários e o cristianismo, nesse sentido, representavam uma força potencialmente subversiva que, se não assimilados nas tradições algonquinas, poderiam destruir a própria identidade daqueles que o aceitavam. Somente no país de Illinois essa ameaça foi logo concretizada, e lá, onde os perigos do cristianismo foram mais plenamente enfrentados, os argumentos dos oponentes dos missionários são reveladores. Os adversários da Igreja basearam seu ataque parcialmente no argumento de que a oração era ineficaz, e o batismo trouxe a morte, mas eles também trabalharam a partir da suposição de que o cristianismo deslocou as tradições centrais para a identidade de vários grupos Illinois e apropriou-se dela. Em um estilo de argumento que prenunciava apelos posteriores a um “modo indígena”, os anciões Illinois afirmavam que, como a identidade era inata, o cristianismo era próprio dos franceses; crenças Illinois eram adequadas para os Illinois. Como um importante chefe Peoria, um adversário do cristianismo, expressou:
eu devo celebrar uma festa [...] e eu devo convidar todos os homens velhos e todos os chefes de bandos [...] Depois de falar de nossos remédios e do que nossos avós e ancestrais nos ensinaram, tem esse homem que veio de longe remédios melhores do que nós temos, para nos fazer adotar seus costumes? Suas fábulas são boas apenas em seu próprio país; nós temos as nossas, que não nos fazem morrer como as dele fazem.
Ou, nas palavras de um ancião Kaskaskia, “cheio de zelo pelos antigos costumes do país e percebendo que seu crédito e o de sua classe [son semblable] seriam reduzidos se o seu povo adotasse a fé”.
Todos vocês que têm até agora escutado ao que o Vestes Negras têm dito para vocês entrem em minha cabana. Eu devo da mesma forma ensinar a vocês o que aprendi do meu avô, e no que nós deveríamos acreditar. Deixem os mitos deles para os povos que vêm de longe, e vamos nos apegar às nossas próprias tradições (THWAITES, 1900, v. 64, p. 173, 183).
A operação do middle ground deve ser entendida dentro de um contexto dual. Primeiro, havia a fraqueza dos controles hierárquicos dentro das aldeias algonquinas e a fragilidade de qualquer autoridade que os oficiais da França exerciam sobre os franceses no Oeste. Em segundo lugar, havia a ameaça cultural que cada sociedade parecia representar à elite da outra. O que isso significava na prática era que tanto a extensão quanto o significado das relações sociais entre franceses e algonquinos eram frequentemente negociados em grande parte em um nível face a face dentro das próprias aldeias, e que essas relações não eram o que as autoridades francesas ou os anciões algonquinos poderiam ter preferido que fossem. Isso não significa que não houvesse elemento oficial envolvido, mas sim que decisões oficiais poderiam não determinar o curso das relações reais.
II
O leque de relações negociadas no middle ground era bastante grande, mas deixando de lado por enquanto o comércio de bebidas alcoólicas, os problemas em duas arenas de contato – sexo e violência – parecem ter sido particularmente agudos. As relações sexuais entre homens franceses e mulheres indígenas, e a violência entre franceses e índios, homens e mulheres, acompanhavam o comércio por toda a parte no Oeste. Um facilitava o comércio e o outro ameaçava destruí-lo; ambos apresentavam problemas de interação cultural que precisavam ser negociados. O sexo e a violência são, portanto, importantes não apenas por seu próprio direito, mas também como meios para compreender como a acomodação cultural no middle ground, de fato, funcionava.
O que tornou as relações sexuais entre franceses e mulheres indígenas tão importantes para o contato no Oeste foi que, até a década de 1730, poucas mulheres francesas tinham chegado naquela região. As francesas eram uma curiosidade no upper country. A aparição de Madame Le Sueur em Forte Saint Louis, na década de 1690, criou um alvoroço que ela, como os índios que visitavam a Europa, teve que consentir em uma exposição pública para que os curiosos pudessem vê-la. A ausência de mulheres francesas significava que os homens franceses procuravam ativamente as mulheres indígenas como parceiras sexuais. Nem todos os homens franceses fizeram isso, é claro. Os jesuítas e muitas vezes seus donnés eram celibatários. Essa era uma condição que, se não desconhecida entre os algonquinos, era considerada por eles com a mesma combinação de curiosidade e repulsa com que os franceses consideravam os berdaches de Illinois e a aceitação das relações homossexuais entre muitos povos algonquinos (DE GANNES (Deliette)... c. 1690 [Illinois Historical Collections. v. 23: p. 338]).[12]
Algonquinos eventualmente aceitavam o celibato jesuíta, mas os jesuítas nunca aceitaram costumes sexuais algonquinos, particularmente quando outros homens franceses se mostravam tão entusiasmados com eles. O sexo dificilmente era um assunto pessoal; foi governado e regulado pelas autoridades competentes. Os árbitros supremos do sexo entre os franceses eram precisamente aqueles que, teoricamente, tinham a menor experiência prática, os sacerdotes. Os jesuítas tinham um interesse vocal e ativo nas atividades sexuais dos franceses e dos índios (THWAITES, 1899, v. 54, p. 179-183, 1900, v. 65, p. 235-245; CADILLAC... Set. 25, 1702 [MPHC, v. 33, p. 143]; ORDONNANCE... 8 abr. 1690).
Foi o interesse dos jesuítas na conduta sexual de outras pessoas, juntamente com a experiência e as observações mais imediatas de homens como Perrot, Lahontan e Deliette, que possibilitaram a reconstrução das relações sexuais de seus contemporâneos, mas a própria natureza dessas fontes requer que elas sejam usadas com cuidado. Para entender as relações sexuais entre algonquinos e europeus, devemos remover a combinação de fantasia sexual, crítica social e jansenismo com a qual os franceses muitas vezes encobriam suas descrições. Existem poucas descrições relativamente diretas das relações sexuais, mas as fontes são muitas vezes abertamente polêmicas. Os jesuítas estavam interessados em denunciar e restringir o que eles consideravam como imoralidade sexual algonquina e francesa – poligamia, adultério e prostituição – enquanto, no outro extremo, o Barão de Lahontan por vezes se deliciava em usar os índios como armas para agredir a lei, o costume e a hipocrisia europeias (THWAITES, 1900, v. 65, p. 193-199; 229-243; 1905, v. 2, p. 455-456, 460-461, 605-618).
Apesar de seus propósitos diferentes, quase todos os relatos franceses eram unidos, primeiro, por sua incapacidade de compreender o status das mulheres em relação aos homens, exceto em termos de relações conjugais e, segundo, por sua tendência a agrupar relações sexuais reais em termos de dois polos opostos de conduta, com casamento em um extremo e prostituição e adultério no outro. Ao tentar impor suas próprias categorias culturais às ações das mulheres algonquinas, os franceses tendiam a selecionar material que fazia as mulheres parecerem apenas um conjunto desordenado e lascivo de europeias, não pessoas seguindo uma lógica social inteiramente diferente. O resultado imediato foi definir uma mulher em termos de uma pessoa – seu marido real ou potencial – que pode não ter estado nem perto de ser a figura mais significativa na vida da mulher. Dependendo de sua identidade tribal, uma mulher algonquina, muitas vezes, tinha um relacionamento mais durável e significativo com sua mãe, pai, irmãos, irmãs ou avós, ou com outras mulheres sem parentesco do que com seu marido ou maridos. Nem era o status de uma mulher algonquina dependente apenas do marido. Sua participação em organizações rituais ou, entre algumas tribos como os Shawnees, Huron-Petuns e Miamis, seu próprio status político em cargos confinados a mulheres exerciam mais influência sobre sua posição social do que o status de seu marido.[13]
Mesmo quando os mais cuidadosos e sensíveis dos observadores europeus falavam sobre o status das mulheres e das relações sexuais, eles eliminavam grande parte do mundo social real que dava a essas relações seu pleno significado. Perrot e o Padre Lafitau, por exemplo, escreveram relatos desapaixonados sobre os costumes matrimoniais do casamento algonquino. Eles reconheceram o casamento como um contrato social entre famílias, como era na Europa, mesmo se presentes fossem dados à família da noiva, em troca, como dizia Perrot, do corpo da noiva, em vez de para o noivo como na Europa. No casamento, a autoridade coercitiva, tão fraca noutros lugares na sociedade algonquina, endurecia. Uma vez casada, uma mulher era claramente subordinada ao marido. Os franceses viam as duras punições infligidas às mulheres por adultério entre os Illinois e os Miamis como a evidência mais notória de subordinação. Deliette disse que ele tinha visto evidências de que mais de cem mulheres tinham sido executadas por adultério durante os sete anos que ele passou entre os Illinois. Outros enfatizavam a mutilação de mulheres adúlteras pelos maridos, que cortavam um nariz ou uma orelha, e os estupros de gangues infligidos a esposas infiéis por homens solicitados propositalmente pelo marido. Não havia penalidades equivalentes para o adultério dos homens. Para os franceses, essas trocas de características, a subordinação das mulheres e o duplo padrão sexual faziam disso um mundo duro, mas reconhecível e compreensível.[14]
O problema era que esse retrato, como as próprias fontes francesas deixam claro, estava incompleto. A subordinação de uma mulher ao marido não era necessariamente permanente. Ela poderia chamar parentes do sexo masculino para protegê-la e reivindicá-la. Ela poderia deixar o marido e voltar para sua própria família sempre que escolhesse. Entre muitos grupos, o adultério não era severamente punido. Segundo Cadillac, a liberdade sexual das mulheres casadas dos Ottawa e Huron-Petun era tão grande que tornava o adultério uma categoria sem sentido. E, de fato, as próprias categorias eram o problema. As concepções europeias de casamento, adultério e prostituição simplesmente não podiam abranger a variedade real de relações sexuais nos pays d’en haut.[15]
Os jesuítas e outros europeus não impuseram essas categorias culturais como um exercício etnográfico; eles fizeram isso em uma tentativa de entender e regular a atividade sexual. Essa foi uma tarefa que os missionários viram como parte essencial de seus propósitos no Oeste. O adultério, a prostituição e o casamento obviamente existiam, mas a maioria dos contatos sexuais acontecia entre homens franceses e mulheres indígenas, que gozavam de considerável liberdade sexual, mas não eram prostitutas. Não havia categoria francesa apropriada para essas mulheres algonquinas livres e solteiras.
Devido a esta falta de paralelos prontamente disponíveis da sociedade francesa, e por causa das diferenças entre a hierarquia de Miamis e Illinois, por um lado, e os remanescentes algonquinos, por outro, os relatos franceses dos padrões sexuais esperados das mulheres solteiras jovens entre os algonquinos variam amplamente e são muitas vezes internamente contraditórios. Deliette, por exemplo, diz que os Illinois valorizavam muito a castidade, mas ele prossegue dizendo que virtualmente todas as mulheres, até as casadas, tinham amantes.[16]
Lahontan creditou às mulheres algonquinas solteiras uma liberdade sexual praticamente completa:
a uma jovem mulher é permitido fazer o que lhe agrada; deixam-na ser o que for, nem o pai nem a mãe, o irmão nem a irmã podem fingir controlá-la. Uma jovem mulher, dizem eles, é dona de seu próprio corpo e, por seu direito natural de liberdade, é livre para fazer o que lhe agrada.
A única barreira social à relação sexual antes do casamento era o medo da gravidez, o que tornaria impossível obter um marido de alto prestígio, mas Lahontan disse que as mulheres sabiam como abortar a gravidez indesejada. Entre a maioria dos grupos, essa liberdade sexual aparentemente terminava com o casamento. Mas algumas mulheres nunca se casaram. Havia, de acordo com Lahontan, uma classe de mulheres chamada Ickoue ne Kioussa, ou mulheres caçadoras − “pois elas normalmente acompanham os homens caçadores em suas diversões”. Essas mulheres argumentavam que não podiam suportar “o conjugal yoak”, que eram incapazes de criar filhos e “eram impacientes demais para passar o inverno na aldeia”. Lahontan considerou tudo isso como um “disfarce para a lascívia”, mas observou que essas mulheres não eram censuradas por seus pais ou outros parentes, que afirmavam, por exemplo, “que suas filhas têm o comando de seus próprios corpos e podem dispor de si como acharem adequado”. As crianças que essas mulheres tinham eram criadas por suas famílias e “consideradas uma questão legal”; elas tinham direito a todos os privilégios, exceto que não podiam se casar com famílias de notáveis guerreiros ou conselheiros.[17]
Tais citações de Lahontan devem ser lidas com cautela, uma vez que os índios muitas vezes o serviam como meros veículos para sua própria crítica da sociedade francesa, e sua análise muitas vezes diferia daquelas dos observadores mais experientes das nações algonquinas. Lahontan, por exemplo, tornou o divórcio entre os algonquinos um evento muito mais trivial do que Perrot, que passou grande parte de sua vida entre os índios ocidentais. E certamente entre os Illinois, as mulheres não eram totalmente livres antes do casamento; irmãos influenciavam muito a vida sexual de suas irmãs. Não obstante, apesar da tendência de Lahontan de generalizar demais e de suas invenções notórias, suas afirmações não podem ser descartadas como simples fabricação romântica. Outros relatos corroboram suas descrições de jovens mulheres algonquinas. As memórias de Joutel sobre os Illinois, embora confundam a coabitação com as mulheres de caça e o casamento, consubstanciam a descrição de Lahontan. De acordo com Joutel, os casamentos dos Illinois não duravam mais do que os partidos desejavam permanecer juntos, pois eles “livremente se separam depois de uma temporada de caça, cada um indo para onde queria sem cerimônia”, e ele observa: “Há mulheres que não fazem segredo de terem tido a ver com franceses”. Cadillac também observou que às meninas “é permitido desfrutarem por si mesmas e experimentar o casamento o quanto quiserem e com quantos meninos elas desejarem sem reprovação”.[18]
As mulheres mais jovens e as mulheres de caça desfrutavam de liberdade substancial ao se envolverem em relações sexuais com os franceses e desempenharam um papel importante no estabelecimento dos termos costumeiros de relações sexuais entre os algonquinos e os franceses. Inicialmente, muitos franceses, como os jesuítas, podem ter encarado esse tipo de relação como simples prostituição ou, como Joutel, como um casamento frouxo e facilmente dissolvido, mas na década de 1690, a reconheceram como uma forma costumeira e separada de relações sexuais no comércio de peles. Basicamente, as mulheres adaptaram a relação das mulheres de caça com os caçadores às novas condições do comércio de peles. Essas mulheres não apenas tiveram relações sexuais com seus companheiros franceses, assim como elas também cozinharam e lavaram para eles, fizeram suas roupas e cortaram sua madeira. Ao denunciar essas mulheres, o Padre jesuíta Carheil as descreveu em termos similares aos de Lahontan:
os comerciantes tornaram-se tão acostumados a ter mulheres para seu uso nos locais de comércio, e estas tornaram-se tão necessárias para eles, que eles não podem passar sem elas, mesmo em suas jornadas [...] Refiro-me a mulheres solteiras, mulheres sem maridos, mulheres que são senhoras de seus próprios corpos, mulheres que podem dispor deles a esses homens, e as quais os últimos sabem estão dispostas a fazê-lo – em uma palavra, elas são todas as prostitutas de Montreal que são alternadamente trazidas para cá e levadas de volta; e são todas as prostitutas deste lugar, que são transportadas da mesma maneira daqui para Montreal, e de Montreal para cá [...] O pretexto que eles geralmente alegam de levar mulheres em preferência a homens nessas jornadas é que as mulheres lhes custam menos do que os homens e são satisfeitas com os salários mais baixos. Eles falam a verdade; mas o próprio fato de elas serem satisfeitas com salários menores é uma prova manifesta de sua devassidão [...] As mulheres, sendo depravadas, os querem como homens; e eles, de sua parte, as querem como mulheres, em todas as suas jornadas – depois do que [...] eles abandonam uns aos outros. Elas separam-se destes apenas para procurar outros (THWAITES, 1900, v. 65, p. 193-199).[19]
O que o Padre Carheil entendeu mal e denunciou como prostituição teve pouco a ver com esse termo como comumente entendido. Essas mulheres não solicitavam clientes e não vendiam atos sexuais discretos. Sexo acompanhava um acordo geral para fazer o trabalho comumente esperado das mulheres na sociedade algonquina. Nem era um relacionamento, um casamento temporário. No casamento, a esposa não recebia nenhum pagamento do marido, nem era tão livre quanto uma mulher de caça para dissolver um relacionamento e começar outro. Finalmente, esses relacionamentos não eram contratos entre famílias. Eles eram, ao contrário, uma ponte para o middle ground, um ajuste para o sexo inter-racial no comércio de peles, onde as concepções iniciais de conduta sexual mantidas por cada lado eram reconciliadas em uma nova relação costumeira. O apelo das uniões que ofereciam trabalho temporário e companhia sexual aos coureurs de bois é óbvio, mas essas relações também podem ter florescido por causa das mal equilibradas taxas sexuais dentro das sociedades algonquinas, aparentemente o resultado da guerra.
Muitos relatos do final do século XVII sobre a população algonquina ocidental enfatizam tanto o desequilíbrio sexual quanto a presença da poligamia sororal – a prática de um marido se casar com duas ou mais irmãs. Relações sexuais com os coureurs de bois ofereceram uma alternativa à poligamia. A poligamia era também um alvo particular dos missionários jesuítas, que não relutavam em estabelecer uma conexão entre as fomes, as epidemias que varriam as aldeias e os casamentos plurais. As denúncias jesuíticas da poligamia parecem ter alcançado pelo menos algum sucesso temporário na região de Michilimackinac. Em 1670, em resposta a uma epidemia, os homens de Sault Sainte Marie tomaram de volta as primeiras esposas e renunciaram àquelas esposas que haviam tomado a partir do primeiro casamento. Posteriormente, os Kiskakon Ottawas, os mais cristianizados dos Ottawas, eram também o grupo de Ottawas com o menor número de polígamos, e, supostamente, os Kaskaskias abandonaram a poligamia inteiramente no início do século XVIII. Em outros lugares, os jesuítas nunca conseguiram erradicar completamente a poligamia, mas mesmo o sucesso parcial produziu resultados irônicos. Dado o desequilíbrio da população entre homens e mulheres, qualquer aumento na classe de mulheres solteiras produzia mais mulheres que poderiam estar dispostas a se unir aos franceses.[20]
Que a luta dos jesuítas contra a poligamia possa ter aumentado o número de mulheres que se consorciavam com os franceses foi apenas uma das ironias criadas pelas tentativas francesas e algonquinas de chegar a padrões mutuamente inteligíveis de conduta sexual. As mulheres de caça, como um grupo, transportaram e modificaram um padrão de relações sexuais algonquino para o comércio de peles em suas ligações com os coureurs de bois, mas um grupo menor de mulheres cristãs indígenas também foi influente na criação de outros padrões de conduta sexual por meio de suas próprias relações com homens tanto franceses quanto algonquinos. A influência dessas mulheres não foi sentida em todos os lugares; necessariamente, estava confinada a grupos nos quais os jesuítas tiveram sucesso em fazer um número significativo de convertidos: os Huron-Petuns, os Kiskakon Ottawas e, acima de tudo, os Kaskaskias da confederação de Illinois.[21]
A influência das mulheres cristãs emergiu mais claramente entre os Illinois. No final do século XVII e início do século XVIII, havia sinais de crise sexual entre os Illinois. Eles tinham uma razão sexual desequilibrada, que Deliette, provavelmente exagerando, estimava como quatro mulheres para cada homem. Os próprios Illinois pensavam que seu padrão tradicional de casamento estava em decadência e, em relatos franceses, eles combinavam punições draconianas por adultério com ligações sexuais generalizadas entre homens franceses e mulheres indígenas. Em 1692, os Illinois em grande parte tinham abandonado Starved Rock e tinham construído aldeias no extremo sul do lago Peoria, criando assim uma coleção de aldeias em Pimitoui. Os franceses que acompanharam os Illinois haviam construído o segundo Forte Saint Louis, próximo a essas aldeias. Pimitoui também serviu como sede da atividade missionária jesuíta entre os Illinois e as nações vizinhas. Padre Gravier, missionário do Illinois desde 1688 ou 1689, estabeleceu uma missão permanente lá em 1693. Em 1696, o sacerdote estimou que, nos seis anos anteriores, batizara cerca de duas mil pessoas. Mesmo admitindo muitos dos batismos no leito de morte e de crianças que não cresceram como católicos praticantes, essa é uma figura substancial. Grande parte do sucesso duradouro de Gravier ocorreu entre os Illinois, particularmente entre as mulheres jovens, que, segundo Deliette, “muitas vezes tiram proveito dos ensinamentos e zombam das superstições de sua nação. Isso muitas vezes irrita muito os homens velhos” (DE GANNES (Deliette)... c. 1690 [Illinois Historical Collections. v. 23, p. 329-330; 335-337]).[22]
Na década de 1690, o apelo sexual diferencial do ensino católico começou a ter repercussões significativas entre os Illinois. Isso, por sua vez, influenciou a maneira como as sociedades francesas e dos Illinois estavam ligadas. O ensino jesuíta entre os Illinois nos anos 1690 enfatizou o culto da Virgem Maria, e com isso veio uma forte ênfase na castidade e na virgindade. Essa ênfase sobre uma poderosa figura religiosa feminina, cujo poder, como o dos jesuítas, estava ligado à abstinência sexual, atraía uma congregação composta em grande parte por mulheres, particularmente mulheres jovens e meninas mais velhas. Como essas jovens mulheres entenderam o cristianismo e o culto da Virgem não está totalmente claro. Elas podem tê-los identificados em termos de organizações rituais femininas, mas, dada sua tendência de zombar das tradições dos Illinois, elas também os viam claramente em oposição às práticas religiosas existentes. Durante um período de guerra, desafios culturais diretos para os jesuítas, o declínio da população e, se os relatos franceses estão corretos, a violência generalizada dos homens contra as mulheres, as ações dessas mulheres tiveram implicações sociais e culturais diretas. As mulheres adotaram o ditado comum algonquino de que as mulheres solteiras eram “mestres de seu próprio corpo” e justificavam não a experimentação sexual, mas a abstinência sexual. Elas então experimentaram poderes religiosos que derivavam da oração e da doutrina católica contra os poderes que os anciãos derivavam de visões e tradições. As ações delas ultrajaram tanto os homens jovens, que encontravam suas próprias oportunidades sexuais diminuídas, quanto os anciãos e xamãs que foram diretamente desafiados.[23]
Nesta disputa, o cristianismo e o mundo social e cultural dos algonquinos estavam se tornando parte de um único campo de ação, e o resultado influenciou não apenas a sociedade algonquina, mas também a francesa. Os franceses no Oeste não estavam mais entusiasmados com a nova influência cristã entre as mulheres Illinois do que os homens Illinois. Os franceses também se ressentiam da nova capacidade dos jesuítas, por meio de sua influência sobre as mulheres, de controlar a vida sexual dos coureurs de bois e dos voyageurs. O ressentimento deles foi além disso.
A influência dos jesuítas ameaçava não apenas a atividade sexual, mas também a capacidade dos comerciantes e coureurs de bois de criar laços com a sociedade algonquina, da qual seu ofício, e talvez suas vidas, dependia. A questão crítica aqui não eram as ligações casuais, mas o casamento. Casamentos formais entre mulheres indígenas e franceses eram bastante raros durante o século XVII. O casamento à la façon du pays, isto é, de acordo com o costume algonquino local, pode ter ocorrido, mas há poucas referências ao casamento inter-racial de qualquer tipo até a década de 1690. Em 1698, o Padre St. Cosme mencionou voyageurs com esposas Illinois e, mais ou menos na mesma época, o Padre Carheil mencionou outros voyageurs em Michilimackinac que haviam se casado entre os índios. Em teoria, poder-se-ia esperar que os jesuítas e a elite colonial em geral aprovassem o casamento entre franceses e mulheres indígenas como uma alternativa às relações sexuais não regulamentadas no pays d’en haut. Na mesma linha, era esperado que os voyageurs franceses, operando em um mundo de abundantes oportunidades sexuais, fossem indiferentes aos laços conjugais formais. De fato, no entanto, suas posições eram quase o oposto durante a década de 1690. O aparente aumento súbito dos casamentos inter-raciais na década de 1690 pode estar ligada às tentativas cada vez mais sérias dos franceses de forçar os coureurs de bois a sair do pays d’en haut. Estes culminaram no abandono francês da maior parte dos postos ocidentais no final da década de 1690. Por meio do casamento, os coureurs de bois podem ter sido levados a estabelecer as conexões de parentesco necessárias com os índios que seriam vitais para a habilidade de qualquer homem francês de permanecer em segurança no Oeste.[24]
Essas tentativas receberam considerável simpatia dos comandantes franceses, geralmente com interesses comerciais próprios, que eram responsáveis não por políticas abrangentes, mas por relações cotidianas com os índios. Tanto Henry de Tonti quanto o Sieur de la Forest, em Forte Saint Louis, apoiaram tentativas de fortalecer os laços com os Illinois por meio de casamentos mistos. O plano de Cadillac para Detroit no início do século XVIII incluía a promoção de casamentos entre soldados e mulheres indígenas. Ele explicou: “casamentos desse tipo fortalecerão a amizade dessas tribos, como as alianças dos Romanos perpetuaram a paz com os Sabinos através da intervenção das mulheres que os primeiros haviam tirado dos outros” (THWAITES, 1900, v. 64, p. 201-203; CADILLAC... 15 Out., 1700 [MPHC, v. 33, p. 189]).[25]
Os índios, como os comandantes, viam o casamento como parte integrante de sua aliança com os franceses. Os chefes masculinos de famílias, pelo menos, saudavam os casamentos com entusiasmo. O casamento, muito mais do que as prevalecentes relações francesas com as mulheres caçadoras, colocou o sexo firmemente na arena política. Como ambos os lados reconheceram, o casamento era uma aliança entre famílias que envolvia muito mais pessoas do que os parceiros conjugais. Não apenas a propriedade passava para as mãos da família da noiva, mas estabeleceram relações de parentesco que permitiram que ambas as famílias recorressem a seus parentes por ajuda e proteção. Por causa das implicações sociais mais extensas do casamento, em comparação com as relações com as mulheres de caça, uma mulher encontrava sua família muito mais interessada em sua escolha de um parceiro francês permanente do que em suas ligações casuais (THWAITES, 1900, v. 64, p. 195, 197, 207, 211; QUAIFE, 1917, p. 39, 45; PERROT [Memoir], 1912, p. 64-69; LAFITAU, 1924-77, v.1, p. 336-37).
Os jesuítas e altos funcionários franceses, no entanto, não eram entusiastas do casamento, porque davam aos voyageurs e coureurs de bois uma posição independente no pays d’en haut e também por motivos racistas. Os jesuítas não favoreceram o casamento inter-racial no século XVII. Sua solução preferida para os problemas da moralidade sexual era banir a maioria dos franceses do upper country e colocar aqueles que permanecessem sob rigorosa supervisão jesuíta. Gradualmente, porém, os jesuítas e outros sacerdotes da parte superior da Louisiana chegaram a aprovar o casamento inter-racial se a esposa fosse católica. Dos vinte e um batismos registrados na aldeia francesa de Kaskaskia entre 1704 e 1713, a mãe era indígena e o pai francês em dezoito casos. Em 1714, o Sieur de la Vente, o cura para a Louisiana, elogiou o casamento misto como um caminho para as pessoas da colônia. Ele sustentou que as mulheres illinois e das tribos vizinhas eram “mais brancas, mais laboriosas, mais hábeis, melhores empregadas e mais dóceis” do que as mulheres indígenas encontradas em outras partes do Oeste e do Sul.[26]
As principais autoridades coloniais eram muito mais consistentes em sua oposição ao casamento misto do que os sacerdotes. No Canadá, eles preferiam que os franceses se casassem e se estabelecessem em torno de Quebec ou Montreal. À medida que a política oficial envolvia a supressão dos coureurs de bois e sua remoção do Oeste, os oficiais não poderiam ser abertamente entusiasmados com casamentos lá. Eles associaram essas considerações políticas com a repulsa racista aos resultados dos casamentos franco-indígenas. Como o governador de Vaudreuil explicou em oposição ao casamento inter-racial em Detroit em 1709: “o mau nunca deve ser misturado com o bom. Nossa experiência deles neste país deve impedir-nos de permitir casamentos desse tipo, pois todos os franceses que se casaram com selvagens foram licenciosos, preguiçosos e intoleravelmente independentes, e seus filhos foram caracterizados por uma preguiça tão grande quanto os próprios selvagens”. Na época em que ele era governador da Louisiana, Cadillac, que certa vez defendeu o casamento misto, e seu intendente, Duclos, se opunham ao casamento misto nos mesmos termos. As mulheres indígenas eram, segundo eles, licenciosas e deixavam os homens que não lhes davam prazer, e mesmo se o casamento durasse, o resultado seria uma população de “mulatos [mulâtres], ociosos, libertinos e ainda mais patifes dos que [lá] estão nas colônias espanholas”.[27]
Dado esse conjunto de preocupações sociais e culturais, as divisões dentro de cada sociedade e a inevitabilidade de membros de ambas as sociedades serem figuras integrais na decisão de resultados, não é de surpreender que a perspectiva de um casamento entre uma mulher cristã illinois e um francês precipitasse uma crise que acabou por ser decidida no middle ground. Em 1694, a tentativa de Michel Accault de se casar com Aramepinchieue trouxe à luz tanto a total complexidade de relações entre as duas sociedades e os processos pelos quais o middle ground estava emergindo.
A controvérsia sobre o casamento de Accault e Aramepinchieue não pôs os Illinois contra os franceses. Em vez disso, dividiu cada grupo de uma maneira que só pode ser apreendido olhando para as posições sociais da noiva e do noivo. Aramepinchieue era a filha de Rouensa, um dos chefes principais Kaskaskia. Ela era uma cristã fervorosa e o orgulho da missão de Illinois. Michel Accault era um francês que veio pela primeira vez para o Oeste com La Salle. Mais tarde, ele acompanhou o Padre Hennepin em sua viagem aos Sioux. Depois disso, ele tinha negociado amplamente no Oeste e estabelecido uma reputação entre os jesuítas como um libertino e um inimigo da fé. Aramepinchieue, portanto, tinha ligações tanto com a elite de Kaskaskia como com o Padre Gravier. Accault estava ligado a Henry de Tonti e aos franceses à sua volta em Forte Saint Louis e era inimigo de Gravier. Seu casamento com Aramepinchieue fortaleceria as conexões de uma proeminente família Kaskaskia com os franceses em benefício de ambos. Rouensa anunciou o casamento precisamente nesses termos. Ele estava fortalecendo sua aliança com os franceses.[28]
O problema era que esta união proposta, embora pudesse ligar franceses e algonquinos, também enfatizava as divisões internas dentro de cada grupo. Aramepinchieue recusou casar-se com Accault. O Padre Gravier apoiou sua decisão. Seu alvo imediato era Accault. Ele não iria sancionar a influência dentro da sociedade indígena de um francês que ele considerava dissoluto. Ele poderia, a contragosto, permitir o casamento de franceses católicos com mulheres indígenas cristãs, mas só o faria em circunstâncias que promovessem a causa da verdadeira fé. Ele disse aos pais de Aramepinchieue e a seu pretendente que “Deus não ordenou que ela não se casasse, mas também que ela não poderia ser forçada a fazê-lo; que somente ela era senhora de fazer um ou outro”. A declaração de Gravier demonstra que não importava o quanto a repressiva moralidade católica pudesse parecer em retrospecto, ela poderia ser usada para reforçar a influência das mulheres sobre suas vidas e suas famílias. Mulheres como Aramepinchieue sempre tiveram algum controle sobre a escolha de parceiros no casamento, mas o cristianismo lhes apresentou um novo mecanismo de controle. O que tornou essa singularidade não foi a capacidade da mulher de rejeitar pretendentes indesejados, mas os aliados que poderiam ser reunidos para manter sua decisão contra as pressões familiares (THWAITHES, 1900, v. 64, p. 205-207, 213, 280; 1900, v. 64, p. 211, 195).[29]
Em certo sentido, a decisão de Aramepinchieue representa uma clara rejeição das normas algonquinas e um apelo a um conjunto de padrões alheios, mas em outro sentido, Aramepinchieue apelava a tais padrões apenas para fortalecer um senso algonquino próprio da autonomia de uma mulher. A afirmação de Gravier de que ela era “senhora para fazer um ou outro”, afinal, ecoava o princípio algonquino de que as mulheres solteiras eram “mestres” de seus próprios corpos. Gravier, que procurava subverter as práticas sexuais tradicionais dos Illinois por contradizer o catolicismo, e Aramepinchieue, que usava o catolicismo para manter os valores que sustentavam essas mesmas práticas, encontravam-se assim aliados. Por definição, então, o envolvimento de franceses e indígenas, a necessidade de membros de cada grupo de obterem assistência de membros do outro para satisfazer desejos surgidos dentro de sua própria sociedade, e a incapacidade de normas francesas ou indígenas governarem a situação, estes foram conflitos do middle ground.
O resultado inicial da recusa da noiva foi um impasse, que tanto Rouensa quanto o comandante francês tentaram romper com os limitados meios coercitivos de que dispunham. Rouensa expulsou Aramepinchieue de sua casa, mas ela foi protegida pelo Padre Gravier, que conseguiu abrigo para ela com uma família neófita. Sua rejeição aos desejos de seus pais afligiu-a profundamente, mas ela justificou suas ações apelando para a doutrina católica. Os chefes em conselho retaliaram tentando suspender os cultos católicos na capela. Pelo menos cinquenta pessoas, virtualmente todas mulheres e meninas, persistiram em ir à igreja. O conselho então (embora tenha negado isso) parece ter enviado um guerreiro armado com um taco para interromper os serviços. As mulheres o desafiaram. Entre os Illinois, lados opostos se formaram claramente ao longo das linhas de gênero. Nem todas as mulheres abandonaram os chefes, mas o cristianismo era, no momento, uma sociedade religiosa de mulheres que desafiava um conselho masculino. Entre os franceses, a divisão estava necessariamente entre os homens. O comandante francês, longe de interromper a interferência da missão, regozijou-se e denunciou Gravier publicamente diante dos franceses e dos índios. Quando essas táticas não conseguiram afetar o sacerdote, nem o comandante, nem Rouensa se sentiram confiantes o suficiente para aumentar o nível de violência, embora os Kaskaskias deixassem aberta a opção de mais coerção (THWAITHES, 1900, v. 64, p. 195-205).
Esse confronto não serviu aos interesses de nenhum dos lados. Aramepinchieue estava em turbulência por causa de sua alienação de seus pais, aos quais era intimamente ligada. Gravier deparou-se perante a impossibilidade de praticar outras atividades missionárias diante da oposição do conselho, o qual ameaçou confinar sua promissora missão a um grupo sitiado de jovens mulheres e meninas. Por outro lado, Gravier e a noiva juntos bloquearam um casamento que tanto os Kaskaskias quanto os franceses queriam profundamente.
A situação, no final, foi resolvida por uma série de trocas. Aramepinchieue, de fato, negociou um compromisso com seu pai. Ela disse a Gravier: “Eu penso que se eu consentir no casamento, ele te ouvirá a sério, e induzirá todos a fazê-lo”, e ela concordou com o casamento nos termos que seus pais, por sua vez, “concedem-me o que eu peço”. Eles concordaram. Rouensa negou sua oposição ao cristianismo em pleno conselho e exortou os presentes a “obedecer agora ao Veste Negra”. Sua concordância foi sincera e ele e sua esposa começaram a instrução para o batismo. Accault também se tornou católico praticante mais uma vez e aliado dos jesuítas. Em retorno, o chefe dos Kaskaskias, como ele informou aos outros chefes da confederação com presentes consideráveis, estava “prestes a se aliar a um francês”.[30]
O casamento, portanto, foi uma grande jogada para Gravier. Ele trouxe para a igreja o mais proeminente líder civil dos Kaskaskia e seu irmão, um líder de guerra igualmente proeminente, e abriu o caminho para tornar os Kaskaskias os mais católicos dos algonquinos do Oeste. O agente principal nesses eventos foi uma mulher de dezessete anos que apelava para padrões estrangeiros tanto para controlar sua condição quanto, eventualmente, para alterar a condição de sua nação. Em 1711, supostamente os Kaskaskias eram virtualmente todos católicos, e os missionários fizeram incursões significativas entre outros grupos Illinois. Aramepinchieue havia mantido e fortalecido as relações que mais importavam para ela – aquelas com seus pais e a congregação cristã de mulheres. O preço era o casamento com Accault, mas isso poderia muito bem ter permanecido para ela um arranjo social subsidiário. O cristianismo não transformou imediatamente o casamento. As autoridades francesas afirmariam mais tarde que as mulheres illinois cristãs menos devotas do que Aramepinchieue ainda se sentiam livres para deixar seus maridos franceses sempre que quisessem (THWAITES, 1900, v. 64, p. 79-81; PALM, 1931, p. 38; PENICAULT, 1953, p. 139-40).[31]
Mulheres como Aramepinchieue raramente são visíveis nos documentos, mas seus rastros aparecem em todos os lugares. Negociações diplomáticas e guerra, as grandes expedições comerciais, estas eram obras de homens, mas os franceses que apareceram nas aldeias algonquinas viajaram com mulheres algonquinas ou tinham ligações com elas lá. Grande parte de seu pequeno comércio era provavelmente com mulheres. O trabalho que eles adquiriam era geralmente de mulheres. No dia a dia, as mulheres faziam mais do que os homens para tecer os franceses no tecido de uma vida comum franco-algonquina. Tanto dentro quanto fora do casamento, essas mulheres criavam filhos com os franceses, alguns dos quais viriam a formar um povo separado, os métis, os quais serviam de mediadores entre franceses e algonquinos e se tornaram de importância crítica para a região.
O próprio Gravier continuaria a fazer seus maiores ganhos entre as mulheres illinois, mas em outras tribos da confederação ele não iria adquirir aliados do status de Aramepinchieue. Em 1706, Gravier retornou a Pimitoui. Os Kaskaskias tinham partido para se reinstalar no Mississippi, os franceses tinham abandonado o Forte Saint Louis, e os Peorias, que permaneciam no local, se ressentiam o suficiente das táticas agressivas de Gravier para atacá-lo fisicamente. Eles o feriram e, reveladoramente, deixaram-no aos cuidados de “algumas mulheres de reza” até que Kaskaskias, enviados por Rouensa, resgataram o sacerdote. O Padre Gravier nunca se recuperou totalmente de suas feridas e acabou morrendo de complicações. Sua morte, um lembrete do quanto o middle ground poderia ser instável e tênue, também serve como uma transição para a segunda questão que exigia cooperação franco-algonquina – violência e assassinato inter-racial (THWAITES, 1900, v. 65, p. 101-103; PALM 1931, p. 36, 47; BLASINGHAM, 1956a, p. 201; BAUXAR 1986, p. 49).[32]
III
Embora nem todos os assassinatos, como demonstra o assassinato do Padre Gravier, tenham surgido do comércio, a violência e o assassinato inter-racial como um todo estavam inextricavelmente ligados ao comércio. Somente em 1684, o único ano em que um resumo é dado, trinta e nove franceses que negociavam no Oeste morreram nas mãos de seus aliados algonquinos. Os índios assassinaram franceses durante roubos, os mataram em disputas por dívidas ou presentes, atacaram em tentativas de impedir que armas fossem para seus inimigos, mataram-nos para vingar assassinatos dos franceses e, à medida que o comércio de bebidas alcoólicas se expandia, os matavam em brigas de bêbados. Os franceses, por sua vez, usavam a força contra os ladrões, o que não impedia que o roubo se tornasse uma parte da troca estabelecida como presentes ou barganhas.[33]
O comércio, em suma, não era um processo pacífico; a violência era uma opção tanto para adquirir bens quanto para protegê-los. Em parte, a violência era tão prevalente no comércio inicial porque um acordo comum sobre a natureza da troca em si só se desenvolveu gradualmente. Os franceses nem sempre atendiam às demandas indígenas por presentes; eles não agiram tão generosamente quanto amigos e aliados deveriam; eles, como os índios logo descobriram, pediam mais por seus bens do que os ingleses pediam; e finalmente, os franceses forneciam armas aos inimigos de seus aliados. Os índios, por sua vez, roubavam. Os comerciantes franceses prontamente classificaram as nações algonquinas por sua propensão em roubar. Os Fox eram ladrões; os Illinois carregavam tudo o que podiam colocar sobre as mãos; os Chippewas na margem norte do Lago Superior pilhavam qualquer canoa francesa que encontravam sozinhas. Os Sauks também eram ladrões, mas não tinham a habilidade da vizinha Fox. Os Sauks também eram ladrões, mas não tinham a habilidade da vizinha Fox. Quando os franceses estavam fornecendo aos Sioux, o roubo em pequena escala deu lugar à pilhagem organizada, de modo que o Padre Nouvel achou que a vida de nenhum francês era segura viajando de ou para o país dos Sioux. Eventualmente, o roubo em si tornou-se institucionalizado, pois os comerciantes franceses aprenderam a deixar itens pequenos para serem roubados, mas um certo nível de violência permaneceu endêmico ao comércio.[34]
Talvez a preocupação intercultural mais intrigante dos franceses e dos algonquinos fosse como resolver e limitar o número de assassinatos decorrentes do comércio, quando não havia autoridade no Oeste capaz de criar um monopólio sobre a violência e estabelecer a ordem. A violência tornou-se uma das preocupações centrais do middle ground. Quando os assassinatos ocorreram entre algonquinos e franceses, cada lado trouxe fórmulas culturais bem diferentes para lidar com a situação. Para os índios nordestinos, tanto algonquinos quanto iroqueses, aquelas pessoas mortas pelos aliados poderiam ser compensadas com presentes ou escravos ou, na falta delas, pelo assassinato de outro membro do grupo ofensor. A decisão sobre como proceder era tomada pelos parentes da pessoa morta, mas a pressão social extensiva era geralmente exercida para aceitar uma compensação sem vingança de sangue, já que matar uma pessoa do grupo ofensor muitas vezes apenas convidava a futuras retaliações. Entre os franceses, o assunto era mais simples. A sociedade em geral assumia a responsabilidade de punir o assassinato. A punição não era deixada para os parentes da vítima, mas sim para o Estado. A compensação esperada pelo assassinato era a morte do assassino.[35]
Das diferenças óbvias aqui, duas eram particularmente importantes. No esquema francês das coisas, exatamente quem cometeu o assassinato era de suma importância, já que o assassino individual era considerado responsável pelo crime. Somente quando um grupo se recusava a entregar um assassino conhecido, surgia a responsabilidade coletiva. Para os índios, identificar o assassino não era tão importante quanto estabelecer a identidade do grupo ao qual o assassino pertencia, pois era o grupo – família, parente, povo ou nação – que era considerado responsável pelo ato. Ambos os lados estabeleceram medidas culturais de equivalência para compensar os mortos, mas a equivalência francesa era invariavelmente outra morte. Como os franceses enfatizaram repetidas vezes nos casos que se seguem, a morte só poderia ser compensada por mais mortes. Os índios, se necessário, também invocariam uma doutrina similar de vingança, mas sua preferência era sempre, em suas palavras, “ressuscitar os mortos”, isto é, restaurar a vida do morto fornecendo um escravo no lugar da vítima, ou “cobrir os mortos”, isto é, apresentar aos familiares bens que servissem como equivalentes.[36]
A maioria dos assassinatos no Oeste não deixou vestígio nos documentos, mas um exame daqueles registrados pode ser recompensador. Três incidentes em particular oferecem documentação suficiente para análise cultural. O primeiro ocorreu em 1682 ou 1683, quando dois franceses foram assaltados na Península Keweenaw no Lago Superior e assassinados por um menominee e vários chippewas. Esses assassinatos ocorreram quando o pays d’en haut estava em um estado de quase caos. Os ataques iroqueses, que haviam devastado os Illinois, até então não tinham sido vencidos. Os partidos iroqueses tinham recentemente atingido os Illinois e os Mascoutens e estavam se aproximando da própria Green Bay. Os franceses não apenas pareciam incapazes de proteger seus aliados, mas uma epidemia que os Potawatomis atribuíam à feitiçaria jesuíta havia devastado recentemente as aldeias ao redor da baía. Os Potawatomis haviam assassinado dois donnés franceses em retaliação e haviam começado os esforços para criar uma ampla aliança antifrancesa. Uma recente aliança entre os Saulteurs e os Sioux, que Daniel Greysolon Dulhut havia ajudado a orquestrar, inflamara ainda mais os povos de Green Bay contra os franceses. Eles tentaram bloquear o comércio francês com os Sioux. Os Fox já haviam lutado e derrotado uma grande força Sioux-Chippewa com uma perda considerável para si mesma, e uma guerra Chippewa-Fox em larga escala parecia iminente. Mas aparentemente nem todos os Chippewas saborearam o novo alinhamento. Achiganaga, um importante chefe de Keweenaw, havia atacado os Sioux e planejava novos ataques. Seus partidos de guerra, assim como os dos povos em Green Bay, ameaçavam a vida dos voyageurs franceses.[37]
Em meio a essa turbulência, um grupo liderado pelos filhos de Achiganaga, incluindo pelo menos um menominee, membro de uma tribo de Green Bay, assassinou dois franceses. Seu motivo pode ter sido roubo. Ou Achiganaga pode ter procurado romper o comércio sioux, quebrar a nova aliança de outras bandas Proto-Ojibwa com os Sioux e juntar-se aos povos da baía em um movimento antifrancês maior. De qualquer forma, seus filhos assassinaram dois franceses e roubaram suas mercadorias. Dulhut, apesar das poderosas relações de parentesco dos acusados dos assassinatos, prendeu o menominee em Sault Sainte Marie e enviou um partido que capturou Achiganaga e todos os seus filhos em Keweenaw. Os povos algonquinos locais reagiram aos atos de Dulhut recorrendo a procedimentos costumeiros. Os Saulteurs ofereceram aos franceses o calumet – a cerimônia padrão para estabelecer a paz e a amizade – e depois ofereceram escravos para ressuscitar os franceses mortos e encerrar o assunto. O emissário de Dulhut recusou todas essas ofertas e negou a legitimidade de tal equivalência cultural, dizendo-lhes “que cem escravos e cem pacotes de castores não poderiam fazê-lo traficar no sangue de seus irmãos”.[38]
Até este ponto, tudo aparenta ser apenas mais um exemplo de algo que aparece na literatura muitas vezes: um europeu etnocêntrico que impõe à força formas culturais próprias de um povo que ele considera selvagem. A selvageria como uma maneira de olhar para os índios era, no entanto, de utilidade limitada nas florestas. Dulhut dificilmente estava em condições de agir como se os índios não tivessem cultura. O Estado francês não comandava o monopólio da violência no Oeste e sua autoridade era fraca. Dulhut não tinha um sistema judicial estabelecido para apelar, a menos que desejasse tentar transferir seus prisioneiros para Quebec ou Montreal. Quando os assassinos tivessem sido eliminados, ele e seus homens continuariam a viajar entre os índios circundantes, que não estavam suscetíveis a esquecer qualquer ação que fizessem. Os pensamentos deles sobre o assunto não podiam ser ignorados com segurança, e Dulhut, tendo rejeitado as normas indígenas, flexibilizou consideravelmente as suas próprias.
O que se seguiu em Michilimackinac foi uma série de mais improvisações extraordinárias, enquanto Dulhut e vários chefes e anciões de Ottawa, Huron-Petun e Chippewa lutavam para criar um middle ground no qual o assunto pudesse ser resolvido. O principal apelo de Dulhut era para a lei e o costume franceses, mas ele tentou repetidamente, embora necessariamente de modo um tanto ignorante, justificar seu recurso à lei e ao costume, equiparando-os às práticas indígenas. Tendo rejeitado o meio preferido de resolver os assassinatos entre os aliados – a cobertura ou ressurreição dos mortos – ele insistiu na penalidade exigida dos inimigos: a vingança do sangue. Os índios, por sua vez, prestaram pouca atenção ao que mais importava para os franceses, o modo apropriado de estabelecer a culpa e punir o perpetrador. Eles só procuravam oferecer uma compensação adequada aos vivos e restabelecer a paz social (DULHUT'S LETTER abr. 12, 1684 [WHC v. 16, p. 119]).
O resultado foi uma série de híbridos culturais bizarros. As várias bandas de Ottawa, Chippewa e Huron-Petun se reuniram em conselho com Dulhut apenas para encontrarem-se transformados pelos franceses em um júri para o julgamento do menominee, Achiganaga e dois de seus filhos. Parentes do acusado foram esboçados como advogados, testemunhos foram dados e escritos, e os assassinos, com exceção de Achiganaga, admitiram livremente o crime. Os anciãos colaboraram com esse ritual francês, aparentemente acreditando que depois de executado, os franceses aceitariam uma compensação apropriada. Em vez disso, Dulhut exigiu que os próprios índios executassem os assassinos. Para os índios, a negativa de Achiganaga em confessar constituía a absolvição, e ele não era mais parte do processo, mas a execução dos três homens restantes, após a compensação ter sido recusada, teria sido o equivalente a uma declaração de guerra aos Saulteurs e Menominees por parte dos executores. Os anciãos ficaram tão chocados e confusos com essa exigência que nem sequer deram uma resposta (DULHUT'S LETTER abr. 12, 1684 [WHC v. 16, p. 118-120]).
Dulhut, neste ponto, decidiu unilateralmente executar o Menominee e os dois filhos de Achiganaga como as partes reconhecidamente culpadas. Essa decisão não só perturbou os índios em Michilimackinac, mas também chocou os franceses em invernada em Keweenaw, que enviaram a Dulhut uma mensagem advertindo que, se ele executasse os assassinos, os parentes dos índios se vingariam dos franceses. Eles imploraram para que ele agisse com moderação. As normas francesas simplesmente não podiam ser impostas com impunidade. Dulhut, depois de consultar Sieur de La Tour, o homem que estava há mais tempo entre as tribos do lago e mais familiarizado com seus costumes, procurou mais uma vez apelar ao costume indígena e devolver o assunto ao middle ground. Ele novamente tentou encontrar alguma conexão entre a lei francesa e o que ele considerava costume indígena. Como dois franceses haviam morrido, Dulhut executaria apenas dois índios – o menominee e o mais velho dos dois filhos de Achiganaga – para “matarem homem por homem, os selvagens não teriam nada a dizer, já que é sua própria prática”. Ele anunciou essa decisão na cabana de um chefe de Ottawa que os franceses chamavam Le Brochet, acrescentando que, embora a lei e o costume franceses exigissem a execução de todos os homens envolvidos no roubo, ele estaria contente com uma vida por uma vida (DULHUT’S LETTER abr. 12, 1684 [WHC v. 16, p. 119-121]).
Por sua decisão, Dulhut estabeleceu uma conexão tênue entre costumes algonquinos e franceses – uma vida por uma vida – mas ele também revelou os significados muito diferentes que uma sentença tinha em cada cultura. Só agora, segundo Dulhut, os Ottawas acreditavam que os franceses realmente executariam dois dos homens. Os chefes dos Sable Ottawas e os Sinago Ottawas, eles mesmos não envolvidos no assassinato, imploraram a Dulhut para poupar os assassinos. Eles também buscavam um middle ground e apelaram para um precedente francês. A pedido de Onontio, os Ottawas haviam poupado um prisioneiro iroquês. Os franceses deveriam agora fazer o mesmo por eles. Dulhut negou que as situações fossem equivalentes. Os Iroqueses eram prisioneiros de guerra; esses homens eram assassinos. Aqui as diferenças gritantes entre as categorias culturais ottawa e francesa emergiram em ação (DULHUT’S LETTER abr. 12, 1684 [WHC v. 16, p. 120-121]).
A vingança de sangue era apropriada em cada sociedade, mas para diferentes categorias de assassinatos. Para os algonquinos, havia dois tipos de assassinatos – mortes nas mãos de inimigos e mortes nas mãos de aliados. A resposta apropriada dependia da identidade do grupo a quem o assassino pertencia. Se o assassino pertencia a um grupo aliado, então os mortos eram levantados ou cobertos. Se os assassinos se recusavam a fazer isso, então o grupo se tornava inimigo, e o preço apropriado aos inimigos, vingança de sangue, era exigido. Para os franceses também havia dois tipos de mortes – mortes em guerra e assassinatos. Matar inimigos em guerra teoricamente não trazia retribuição depois que a batalha terminava. Para eles, o campo de batalha era uma arena cultural separada do resto da vida. Liberar os iroqueses era, portanto, apenas apropriado; ele era um soldado, não um assassino. Algonquinos na prática não reconheciam tal arena cultural como campo de batalha; eles matavam seus inimigos quando e onde os encontravam, a menos que fossem protegidos ritualmente. Para os franceses, era o assassinato que exigia vingança de sangue; para os algonquinos, eram assassinatos por inimigos, assassinatos que os franceses viam como guerra. A insistência francesa na vingança de sangue em uma categoria inadequada, portanto, criou uma grande confusão. Para os Ottawas, a lógica de tal resposta – que os inimigos deveriam ser poupados, mas que os aliados deveriam ser mortos – era incompreensível (DULHUT’S LETTER abr. 12, 1684 [WHC v. 16, p. 120-121]).[39]
A saída deste impasse foi criada por um homem chamado Oumamens, um chefe dos Amikwas (um grupo proto-Ojibwa). Ele falou pelos Saulteurs em conselho e recorreu ao tipo de ficção cultural que frequentemente disfarça o início da mudança cultural. Ele se levantou e elogiou, de todas as coisas, a misericórdia de Dulhut, porque ele libertou Achiganaga e todos menos um de seus filhos. Com efeito, Oumamens escolheu enfatizar as ações de Dulhut que se conformavam ao costume algonquino. Ele anunciou que os Saulteurs estavam satisfeitos. Dulhut, por sua vez, enfatizou não a misericórdia, mas dissuasão. Se os anciãos “tivessem desde o início dado a conhecer aos rapazes que, no caso de cometerem más ações, a tribo os abandonaria, teriam sido mais bem aconselhados e os franceses ainda estariam vivos”. Ambos os lados tendiam a enfatizar o aspecto do caso que fazia sentido cultural para eles. Uma hora depois, à frente de quarenta e oito franceses com quatrocentos guerreiros observando, Dulhut executou os dois índios (DULHUT’S LETTER abr. 12, 1684 [WHC v. 16, p. 120-121]).
As execuções não estabeleceram a legitimidade da justiça francesa. De fato, nos dias que se seguiram às execuções, os índios as trataram como mais dois assassinatos a serem resolvidos, e Dulhut consentiu em seus procedimentos. Como o filho de Achiganaga e o menominee foram executados no território dos Huron-Petuns e Ottawas, esses grupos foram implicados, e eles tomaram medidas para resolver o caso todo (DULHUT’S LETTER abr. 12, 1684 [WHC v. 16, p. 124]).
Três tribos de Ottawa – os Sables, Sinagos e Kiskakons – deram dois cintos wampum para os franceses para cobrir seus mortos e outros dois cintos para Achiganaga e parentes do menominee. No dia seguinte, os Huron-Petuns fizeram o mesmo. Dulhut, por sua vez, realizou um banquete para Le Brochet, o chefe de Sable, para “tirar a dor que eu lhe causei, pronunciando a sentença de morte dos dois selvagens em sua cabana, sem falar com ele sobre isso”. Dulhut então cobriu Achiganaga com presentes, e os Saulteurs deram aos franceses em Keweenaw cintos adicionais “para garantir que nenhum problema ocorresse pela morte de seu irmão; e existindo quaisquer planos malignos, para contê-los por esses colares dos quais eles são portadores” (DULHUT’S LETTER abr. 12, 1684 [WHC v. 16, p. 124]).
O incidente é revelador precisamente porque foi tão indeciso, tão improvisado, precisamente porque nem as regras culturais francesas, nem algonquinas governaram totalmente a situação. Ambos os costumes foram desafiados, conscientemente explicados e modificados na prática. Dulhut não estabeleceu a primazia da lei francesa e não impediu novas mortes. O que ele fez foi abalar, mas não eliminar, a capacidade das normas algonquinas de governar os assassinatos de franceses por índios. Ambos os lados agora tinham que justificar suas próprias regras em termos do que eles percebiam ser as práticas do outro. O que aconteceu em 1683 não estava, no final, totalmente de acordo nem com as concepções de crime e punição francesas, nem com as indígenas. Em vez disso, envolvia considerável improvisação e a criação de um middle ground em um ponto em que as culturas pareciam se cruzar, de modo que as expectativas de cada lado pudessem encontrar pelo menos alguma satisfação. Em Green Bay, na primavera seguinte, o padre Nouvel pensou que as execuções de Dulhut haviam produzido um bom efeito, mas ao mesmo tempo ele atribuía o desejo de reconciliação de Potawatomis e Sauks com os franceses ao medo crescente dos Iroqueses, e não ao medo de represálias francesas. Nouvel, por sua vez, não exigiu mais execuções; ele estava disposto a aceitar a oferta de Potawatomis e Sauks para cobrir as mortes dos dois donnés franceses que haviam assassinados (NOUVEL [Pere] ... 23 abr. 1684 [AN, C11A, v.6, f. 523]).[40]
Em Michilimackinac, em 1683, Dulhut operou sem autoridade específica do governo francês por suas ações. Ele improvisou suas soluções. Os assassinatos em Detroit, cerca de vinte anos depois, em 1706, levaram a negociações com as mais altas autoridades coloniais, numa época em que a aliança franco-algonquina tinha criado um middle ground consideravelmente mais elaborado, no qual índios e franceses poderiam trabalhar. De fato, foi a própria aliança que criou as condições que causaram os assassinatos e forneceu as formas cerimoniais que os compensavam.
IV
Em 1706, como os guerreiros Ottawas partiram para atacar os Sioux, um potawatomi os avisou de que na sua ausência os Huron-Petuns e os Miamis avançariam sobre a aldeia ottawa e matariam os que permanecessem. Os líderes da guerra dos Ottawas consultaram os líderes civis e, embora alguns hesitassem, o velho e poderoso chefe Sable, a quem os franceses chamavam de Le Pesant, os convenceu a atacar primeiro. Os Ottawas emboscaram um grupo de chefes Miamis, matando cinco deles, e depois atacaram a vila miami, levando os habitantes para o forte francês. Os franceses atiraram contra os Ottawas e mataram um jovem ottawa que acabara de ser reconhecido como líder de guerra. Embora os líderes dos Ottawas tentassem impedir qualquer ataque contra os franceses, guerreiros furiosos mataram um padre recoleto francês do lado de fora do forte e um soldado que saiu para resgatá-lo.[41]
Os Ottawas tentaram todos os meios cerimoniais à sua disposição para efetuar uma reconciliação com os franceses, mas foram rejeitados pelo homem que comandava na ausência de Cadillac. Nos combates subsequentes, os franceses tomaram o partido dos Miamis, assim como os Huron-Petuns (a nação que os Ottawas alegaram ter organizado a conspiração contra eles). Antes dos Ottawas se retirarem para Michilimackinac, três franceses, cerca de trinta ottawas, cinquenta miamis e um número desconhecido de huron-petuns foram mortos. A questão crítica entre os franceses e os Ottawas, no entanto, foram os homens mortos durante a primeira troca: o jovem líder dos Ottawas, outro homem dos Ottawas com fortes parentes em Michilimackinac, o recoleto, e o primeiro soldado francês morto.[42]
Os combates em Detroit em 1706 resultaram de algumas brechas básicas na aliança que os franceses haviam construído e ameaçavam dissolvê-la completamente. Em seu zelo para promover Detroit, um posto que ele tinha fundado em 1701, Cadillac havia recrutado aliados franceses para se estabelecerem ali sem pensar muito nas disputas pendentes entre eles. Em 1706, os moradores incluíam, entre outros, membros de três tribos dos Ottawas – Sinagos, Kiskakons e Sables – Huron-Petuns e Miamis. Básico para a aliança e crítico para esses assentamentos multitribais foi a mediação. Os franceses tinham que se certificar de que os assassinatos entre as tribos fossem resolvidos e os mortos, cobertos. Cadillac havia prometido fazer isso, mas os mortos não cobertos e não vingados continuaram a envenenar as relações entre os Miamis e os Huron-Petuns, por um lado, e os Ottawas, por outro. O próprio Le Pesant tinha apresentado uma lista dos mortos deixados a descoberto e não vingados antes da partida do fatídico partido de guerra. O resultado da recusa francesa em agir foi a luta de 1706 e uma ameaça a toda a aliança.[43]
Os assassinatos em Detroit produziram uma situação que nem os líderes franceses nem os Ottawas desejavam. Como Vaudreuil lamentou em seu relatório do caso ao Conde de Pontchartrain, o fiasco em Detroit ameaçou “começar uma guerra que pode nos causar apenas despesas consideráveis, a perda de uma nação que nos serviu fielmente e, além disso, um comércio considerável, a cada ano”. Para os Ottawas, o resultado não parecia mais favorável. Interrupção do comércio de bens, empobrecidos e expulsos de seus campos, eles descobriram que “toda a terra estava estupefata e a carestia havia tomado conta de nossos ossos”. Resolver tal conflito estava, no entanto, longe de ser simples. A proeminência dos mortos em ambos os lados intensificou as dificuldades de resolver os assassinatos. Os Ottawas mortos tinham poderosos parentes; os franceses enfatizaram o particular horror de matar um padre; e Cadillac prometeu aos Miamis e Huron-Petuns a destruição dos Ottawas como vingança pelos seus próprios mortos. As negociações para resolver esses assassinatos seriam, segundo o governador de Vaudreuil, um dos assuntos mais importantes da história do upper country.[44]
As formas cerimoniais da aliança franco-otawa moldaram as negociações desde o início. A aliança estava centrada em Quebec, a casa de Onontio, e foi formulada na linguagem do parentesco à qual tanto os franceses como os algonquinos atribuíam grande significado. Líderes dos franceses e dos algonquinos negociaram de acordo com formas rituais que colocavam o governador francês, Onontio, na posição de pai dos índios, dos quais os Ottawas eram seus filhos mais velhos. Os franceses sentiam-se em casa com tais formulações patriarcais e atribuíam-lhes significados bastante específicos. Para eles, toda autoridade era patriarcal, desde o Deus Pai até o rei (o pai de seu povo) até o pai em sua casa. Pais mandavam; os filhos obedeciam. Os Ottawas entendiam o relacionamento de maneira um pouco diferente. Um pai era gentil, generoso e protetor. Um filho devia um respeito paterno, mas um pai não podia compelir à obediência. No estabelecimento de um middle ground, um tomava tais congruências como o outro poderia descobrir e resolver seus significados mais tarde.[45]
Dentro da aliança, essas formas rituais de pai e filho tinham, assim, uma ambiguidade embutida que influenciaria o curso das negociações que se seguiram aos combates em Detroit. Negociações no Oeste (em Sault Sainte Marie e Michilimackinac) cobriram os mortos dos Ottawas para a satisfação daquela nação, mas cobrir os mortos franceses se mostrou mais difícil. Muitos dos assuntos em questão aqui giravam em torno de questões sobre a maneira apropriada de um pai agir em relação a seus filhos errantes. Em Quebec, Vaudreuil, em suas negociações com os Ottawas no outono de 1706 e na primavera de 1707, insistiu em formular as alianças e as obrigações dos Ottawas em termos do patriarcado cristão. O governador demandou que os Ottawas se apresentassem diante dele conforme os pecadores penitentes se apresentavam diante do Deus cristão. A habitual compensação dos Ottawas pelos mortos era inadequada e inapropriada.
Eu sou um bom pai e enquanto meus filhos ouvirem minha voz, nenhum mal jamais acontecerá a eles [...] Não são os cintos que eu preciso, Miscouaky, nem presentes quando meus filhos têm me desobedecido e cometido tais faltas como as suas; o sangue dos franceses não será pago por peles de castor. É uma grande confiança na minha bondade que eu exijo; um verdadeiro arrependimento pela falta que tem sido cometida e completa resignação à minha vontade. Quando o seu povo nutrir esses sentimentos, eu providenciarei tudo.[46]
A resposta dos Ottawas a essas demandas, na maneira usual do middle ground, era buscar a congruência cultural. Eles também se concentraram no patriarcado, mas de um tipo diferente. Otontagan (ou Jean Ie Blanc), o segundo chefe Sable em influência após Le Pesant, falou pelos Ottawas quando eles vieram para Quebec no verão seguinte. Ele admitiu sua culpa (apesar de ter, de fato, tentado salvar o recoleto), mas tentou colocar a responsabilidade primária pelo caso em Le Pesant. A maior preocupação de Otontagan, no entanto, era fazer com que Vaudreuil agisse como um pai ottawa, não francês. Ele enfatizou a beneficência de Vaudreuil. Vaudreuil certamente tinha o poder de matá-lo, mas “não tenho nada a temer porque tenho um bom pai”. Como Vaudreuil havia rejeitado especificamente a cobertura dos mortos, Otontagan concluiu que ele deveria querer que os mortos fossem levantados. A delegação, portanto, trouxe dois cativos adotados para dar a Vaudreuil “para trazer o casaco cinza novamente à vida”. Vaudreuil manteve-se firme por um patriarcado mais rigoroso. Ele exigiu vingança; ele exigiu a cabeça de Le Pesant porque “o sangue do francês geralmente é pago entre nós apenas pelo sangue”. Mas tal demanda, Otontagan disse a Vaudreuil, era impossível. Le Pesant era aliado de todas as nações dos Grandes Lagos. Eles impediriam sua entrega e execução.[47]
Na superfície, as negociações em Quebec parecem ser outro exemplo de uma teimosa recusa francesa em se comprometer. A situação era, de fato, muito mais complexa. Vaudreuil sabia que nenhum líder ottawa possuía autoridade suficiente para entregar qualquer outro, muito menos alguém da relevância de Le Pesant. Sua intenção não era garantir a morte de Le Pesant, mas privá-lo da aliança francesa, destruir sua influência e demonstrar que qualquer chefe responsável pela morte de um francês sofreria o mesmo destino. Como Vaudreuil não esperava que Le Pesant se rendesse, a restauração efetiva dos Ottawas à aliança envolveria algum tipo de compromisso. Como os patriarcas não se comprometeram, ele enviou os Ottawas de volta a Detroit, dizendo-lhes para negociar uma trégua com Cadillac. Ele aprovaria essa trégua sendo que Le Pesant não fosse incluído em nenhum perdão concedido por Cadillac. Por essa manobra, Vaudreuil poderia fazer uma exigência impossível, enquanto deixava a responsabilidade de negociar o que poderia ser um compromisso embaraçoso para seu rival e subordinado, Cadillac.[48]
Em Detroit, a questão maior permaneceu – como a aliança poderia ser restaurada dentro dos parâmetros culturais das partes envolvidas? Le Pesant era chamado de “aquele grande urso, aquele urso malicioso”, e a exigência de Vaudreuil pela sua execução pairava sobre o processo. Os povos que lutavam contra esse problema eram, eles próprios, atores políticos que não estavam necessariamente ligados ao bem-estar de Le Pesant ou de Vaudreuil. Os chefes ottawas negociadores, Otontagan e Onaske, de Michilimackinac, eram rivais políticos de Le Pesant. Eles o protegiam não por amor, mas porque não tinham meios à sua disposição para entregá-lo e temiam as repercussões, se tentassem. Cadillac, por sua vez, era um oponente de longa data de Vaudreuil e muito contente por usar o caso para se beneficiar e constranger o governador. Tanto Cadillac quanto os chefes ottawas poderiam usar as demandas culturais de estrangeiros para promover seus interesses dentro de sua própria sociedade enquanto simultaneamente renovavam a aliança.[49]
A disposição tanto de Cadillac, quanto dos negociadores ottawas de moverem-se de suas posições iniciais reflete esse senso de suas próprias vantagens políticas. Eles também poderiam violar as normas usuais de suas próprias culturas porque a aliança, e o próprio middle ground, criou demandas culturais próprias. Cadillac mudou sua posição primeiro. Ele indicou que a rendição de Le Pesant era mais importante que sua morte. “Desejo que ele esteja em meu poder, seja para lhe conceder sua vida ou matá-lo”, disse a Otontagan. Cadillac estava, com efeito, colocando Le Pesant no lugar dos escravos ou cativos geralmente dados para ressuscitar os mortos. Tal lógica cultural era mais compreensível para os Ottawas do que uma exigência de execução, mesmo que a rendição de um chefe não tivesse precedentes. Estas eram condições incomuns; a aliança em si estava em jogo. Otontagan concordou em entregar Le Pesant: “ele é meu irmão, meu próprio irmão, mas o que podemos fazer?” Como Otontagan e Kinouge, outro chefe, eram, como Le Pesant, Sable Ottawas, eles concordaram em assumir a responsabilidade por sua rendição, tornando a questão um assunto interno dos Sable e limitando as repercussões. Com efeito, uma ficção cultural foi acordada. Cadillac e os Ottawas concordaram em agir como se Le Pesant fosse um escravo sendo oferecido aos franceses em compensação por seus mortos. Cadillac determinaria então se ele viveria ou morreria. Isso fez sentido cultural de uma maneira que a execução de Le Pesant não fazia; preservou a aliança e serviu aos interesses pessoais dos negociadores franceses e Ottawas (COUNCIL… ago. 6, 1707, [Speech of Cadillac, MPHC v. 33, p. 332];COUNCIL... ago. 6, 1707,[Seventh Council, Speech of Onaske, MPHC v.33, p. 332-333, 335-336]; SPEECHES… out. 7, 1707 [MPHC v. 33, p. 363-64]).
Havia dois obstáculos formidáveis para essa solução. O primeiro era os Miamis e os Huron-Petuns, a quem Cadillac fizera simples observadores de todo o caso. Para seu benefício, Cadillac tratou a delegação de Ottawa de maneira imperiosa. Ele deu aos Huron-Petuns, e tentou dar aos Miamis, os cativos ottawas destinados a Vaudreuil para “ressuscitar um pouco de seus mortos – eu não digo completamente”. Ele mesmo, em conselho, fez dos Huron-Petuns os irmãos mais velhos da aliança francesa no lugar dos Ottawas. Mas ele negou-lhes a vingança. Ele advertiu ambas as nações que, com a entrega de Le Pesant, ele consideraria o assunto encerrado. “Não haverá mais sangue para ser visto”.[50]
O segundo obstáculo era prático: quem exatamente convenceria ou forçaria Le Pesant a consentir em servir como escravo dos franceses? Quem forneceu a solução para este problema não é conhecido, mas como foi resolvido é bastante claro. Um procedimento que tinha sido em parte teatro e em parte negociação tornou-se naquele momento totalmente teatro. Depois de negociações consideráveis em Michilimackinac, Le Pesant concordou em vir para Detroit e se render como escravo dos franceses. Segundo Vaudreuil, tudo o que se seguiu foi pré-arranjado entre Le Pesant e um emissário de Cadillac. O quanto os outros Ottawas ou outros franceses sabiam sobre esses arranjos não é claro.[51]
Cadillac comparou o espanto provocado pelo aparecimento de Le Pesant em Detroit ao produzido pela chegada de Doge de Gênova, na França. Evocar essa resposta para fazer os índios se maravilharem com as coisas culturalmente inimagináveis que Cadillac e os franceses poderiam alcançar, era, de fato, o objetivo do drama agora encenado em Detroit. A produção de Cadillac de “A rendição de Le Pesant”, no entanto, teve que representar para uma audiência suspeita e crítica de Miamis, Huron-Petuns e as autoridades francesas que assistiam de longe. Todos eles estavam preocupados nem tanto com a trama quanto com os detalhes culturalmente simbólicos que davam ao drama seu significado. Vaudreuil entregou a versão mais extensa da performance, embora, como será visto, os Miamis fossem os mais críticos (CADILLAC… out. 1, 1707 [MPHC v. 33, p. 352-352]; WORDS… set. 24, 1707 [MPHC v. 33, p. 346-350]; VAUDREUIL… out. 1, 1707, [MPHC v. 33, p. 350-353]).
Le Pesant, até agora o Godot deste drama, fez sua aparição em Detroit em 24 de setembro de 1707. Ele entregou suas únicas linhas gravadas enquanto olhava para a margem da canoa que o trouxe. Ele tremeu, seja de malária ou medo, e disse: “eu vejo que sou um homem morto”. No entanto, o que Vaudreuil notou foi sua escolta. Ele veio com dez guerreiros que não eram Kiskakon ou Sinago Ottawas, mas Sable Ottawas de sua própria aldeia. Eles foram enviados, disse Vaudreuil, não para entregá-lo, mas para protegê-lo da fúria dos Huron-Petuns e Miamis. Cadillac abusou verbalmente de Le Pesant, referindo-se a ele como seu escravo, mas Cadillac falou com Le Pesant sobre um cinto de wampum. Não se fala com escravos sobre wampum. Um deles falou aos representantes das nações dessa maneira. Os Ottawas então pediram a vida de Le Pesant e, oferecendo um jovem escravo, pediram permissão para retornar a Detroit (CADILLAC… out. 1, 1707 [MPHC v. 33, p. 351-352]; WORDS… set. 24, 1707 [MPHC v. 33, p. 346-348]; VAUDREUIL… out. 1, 1707, [MPHC v. 33, p. 354-357]).
Com o ritual de submissão de Le Pesant, o primeiro ato terminou. Le Pesant, assinalou Vaudreuil, tinha servido ao seu propósito. Sua presença continuada naquele momento se tornou um problema para a Cadillac. Vaudreuil tinha ordenado sua morte e Cadillac tinha prometido aos Miamis e Huron-Petuns que ele o mataria. Mas se Cadillac realmente matasse Le Pesant, ele arriscaria um conflito com os Sable Ottawas e seus aliados nos Grandes Lagos. A rendição de Le Pesant foi útil; sua presença continuada não era (VAUDREUIL… out. 1, 1707, [MPHC v. 33, p. 355-358]).
Cadillac e os Ottawas resolveram o problema escrevendo Le Pesant fora do roteiro. Naquela noite, abandonando os sapatos, a faca e o chapéu surrado, Le Pesant escapou do forte em Detroit. Cadillac, em retaliação, trancou os integrantes de sua escolta por um dia e depois os libertou, argumentando que Le Pesant pereceria na mata e, de qualquer forma, sua influência desaparecera. Vaudreuil estava cético. Le Pesant – cujo nome se traduz do francês como “o pesado”, ou “o gordo” – era notoriamente obeso e tinha quase setenta anos de idade. Que um homem gordo de setenta anos, cuja rendição havia sido objeto de política francesa no país superior por mais de um ano, pudesse escapar passando por sentinelas de um forte francês na primeira noite de seu cativeiro é difícil de acreditar. A única explicação de Cadillac era que Le Pesant tinha perdido muito peso anteriormente. Com Le Pesant fora, Cadillac assegurou aos Ottawas que ele pretendia perdoá-lo de qualquer maneira, livrando-se assim da cumplicidade em sua morte se os Huron-Petuns ou Miamis o pegassem (CADILLAC… out. 1, 1707 [MPHC v. 33, p. 351]; VAUDREUIL… out. 1, 1707, [MPHC v. 33, p. 355]. WORDS… set. 24, 1707 [MPHC v. 33, p. 348-350]).
Vaudreuil, cético e crítico como era, apreciava a boa atuação e a encenação inteligentes, mesmo quando decifrava o drama e explicava as ilusões que pretendia criar. Com os Ottawas e os franceses agindo de acordo com o roteiro, as demandas culturais de cada um foram atendidas, criando um palco artificial e controlado, um tipo especial de middle ground. Vaudreuil apreciou isso (VAUDREUIL… out. 1, 1707, [MPHC v. 33, p. 355]).
Os Miamis e os Huron-Petuns estavam menos entusiasmados. Sua resposta ao drama foi tão dura que Cadillac optou por não a relatar totalmente. Em vez disso, ele relatou apenas a parte final do conselho que se seguiu à fuga de Le Pesant e contou com a presença dos Miamis, dos Huron-Petuns, dos franceses e dos Ottawas. No conselho, seguindo as formas rituais usuais, ele acalmou as águas, removeu as árvores caídas, alisou a terra e abriu o caminho para a paz e o retorno dos Ottawas a Detroit (WORDS… set. 24, 1707 [MPHC v. 33, p. 348-350]).
Infelizmente para a Cadillac, a audiência em dramas históricos desse tipo deve concordar com o roteiro, pois eles sempre têm a opção de adicionar um ato final. Le Pesant retornou a Michilimackinac na mesma canoa e com os mesmos guerreiros que o escoltaram até Detroit, mas isso não encerrou a peça. Cadillac ganhou os Ottawas, mas perdeu os Miamis, que logo mataram não apenas os Ottawas, mas também franceses, e assim começou outra rodada de negociações. A resolução dos assassinatos em Detroit foi, assim, apenas parcialmente bem-sucedida, mas as negociações são, no entanto, esclarecedoras. Elas revelam o substancial e expandido middle ground que a aliança franco-algonquina tinha criado. Aqui problemas comuns poderiam ser resolvidos e soluções mutuamente compreensíveis chegariam. As negociações também revelam até que ponto as soluções poderiam ser roteiros culturais ficcionais elaborados, o teatro político. Essas ficções influenciaram profundamente os eventos em ambas as sociedades.[52]
V
Uma vez estabelecido, o middle ground foi estendido em direções surpreendentes. Os assassinatos que os franceses consideravam apenas de sua própria preocupação tornaram-se questões a serem resolvidas no middle ground. Em 25 de abril de 1723, um soldado francês falou “impertinentemente” a um guarda de armazém, um homem chamado Perillaut, que respondeu passando a espada pelo corpo do soldado. Os franceses julgaram Perillaut e condenaram-no à morte, mas Perillaut, como guarda do armazém (ou maître de la marchandise, como os índios o chamavam), tinha muitos negócios com os Illinois, e sua sentença de morte os perturbou profundamente. Em 29 de abril, três chefes dos Kaskaskias, acompanhados por trinta guerreiros, apareceram para implorar por sua vida. Eles foram seguidos no início de maio por uma delegação de Cahokias que incluía Marie Rompiechoue (ou Rokipiekoue). Essa mulher, que era “muito respeitada em sua aldeia e entre os franceses”, era a esposa de um cahokia, Joseph Ouissakatchakoue. Com toda a probabilidade, Marie Rompiechoue era Aramepinchieue, filha de Rouensa que tinha casado com Michel Accault trinta anos antes. As ações e discursos dessas delegações, particularmente as dos chefes dos Kaskaskia, Kiraoueria e Michel, apresentaram uma figura clara das visões algonquinas do século XVIII sobre assassinato e vingança, e de como tais visões poderiam influenciar as ações francesas.[53]
Kiraoueria, um chefe dos Kaskaskias que era “da Oração” (um cristão), ocupou uma posição particularmente vantajosa para articular a lógica indígena e estendê-la aos assuntos franceses. Os Kaskaskias abriram as questões apresentando o calumet, um símbolo de amizade e aliança. Os franceses sabiam, com meio século de experiência, que aceitar o calumet era conceder o pedido do doador. Kiraoueria tentou então trazer os franceses para o sentido deles. “Você iria”, ele perguntou, “derramar o sangue de um francês para apagar o sangue de outro e você acrescentaria à perda de um homem a perda de outro?” Isso era loucura. Se os franceses insistissem em matar alguém para cobrir o corpo do soldado, eles deveriam atacar os Fox e os Chickasaws, seus inimigos. Esses povos estariam cheios de alegria quando soubessem que os franceses haviam, de fato, vingado os Chickasaws e os mortos de Fox matando uns aos outros (MERENESS, 1916, p. 226-227).[54]
Kiraoueria então explicou a visão algonquina de assassinato. Assassinos eram loucos e nenhuma nação poderia se gloriar em estar livre deles. Mas eles não eram permanentemente loucos. Eles podiam ser redimidos ao invés de serem mortos; os parentes de suas vítimas deviam ser compensados, e o sangue da vítima devia ser coberto. Mais sangue não devia ser derramado em cima deles. Mas Kiraoueria não esperava que os franceses simplesmente aceitassem a lógica algonquina. Na maneira usual de criar o middle ground, ele conectou o que estava dizendo à cultura francesa. Ele juntou-a ao cristianismo:
Eu sei que o Grande Espírito, o Espírito Criador, Deus, nos proíbe, meu pai, de matar nossos filhos [...] Mas Deus, que é o Mestre de tudo, não levanta os olhos acima de nossas loucuras quando pedimos a ele para não estar mais bravo? Ele perdoa; perdoem como Ele faz, meus pais, e pelo amor Dele (MERENESS, 1916, p. 227).
Finalmente, Kiraoueria e Michel, um chefe de guerra, apelaram para a base subjacente do middle ground, a aliança e o símbolo de paz e aliança, o calumet. Kiraoueria implorou aos franceses para não humilhar a ele e a seus chefes recusando seu pedido. Michel citou os momentos em que os Kaskaskias haviam perdido suas vidas para vingar os franceses e como esses guerreiros permaneceram sem vingança a pedido dos franceses. Aqueles homens, guerreiros para quem a vingança deveria ser tomada, estavam descobertos, e agora os Kaskaskias estavam sendo solicitados a assistir os franceses se vingarem indevidamente um do outro (MERENESS, 1916, p. 227-230).
O caso, assim formulado, era, como o comandante francês Boisbriant percebeu, “um assunto delicado”. Mandar os Illinois embora sem concessão era perigoso, particularmente quando Michel tinha levantado obliquamente a questão das mortes Kaskaskias não cobertas. Boisbriant, ao entregar sua resposta, insistiu que o caso não estabelecia precedentes, mas concordou em pedir ao rei o perdão e a libertação de Perillaut. Aqueles Kaskaskias que “morreram para vingar os franceses cobrem o corpo daquele que já foi morto”. Assim terminou o primeiro caso criminal registrado julgado pelos franceses em Illinois. Perillaut estava livre em maio. Ele devia sua liberdade, exatamente como cinquenta anos antes o filho de Achiganaga, devia a sua morte, a uma lógica cultural em evolução que surgiu das convergências, algumas acidentais, outras bastante próximas, de dois sistemas culturais diferentes diante de um conjunto comum de problemas (MERENESS, 1916, p. 228-231).
Separadamente, as histórias dos filhos de Dulhut e Achiganaga, de Le Pesant e de Cadillac, e de Perillaut e Kiraoueria são incidentes amplamente dispersos ao longo do tempo e do espaço, mas juntos formam uma evolução ritual da rendição e redenção que seria central para a aliança franco-algonquina. Esse ritual do middle ground claramente extraiu elementos de ambas as culturas, mas não correspondeu totalmente a nenhuma delas. O ritual operava por analogia. O assassino era para o governador como um pecador era para Deus. O governador era para o assassino como um pai inflexível, mas indulgente, o assassino era com um filho errante. Tais analogias eram ganchos, ambos ligando o novo ritual à pureza dos modos algonquino ou francês de resolver assassinatos e puxando elementos dos processos mais antigos para o middle ground. No sistema francês, os índios assassinos seriam presos enquanto seus crimes fossem investigados; no sistema algonquino, os índios e franceses mortos seriam cobertos ou ressuscitados.
Uma vez formulado, esse ritual de rendição e redenção tornou-se uma peça central do middle ground. Ordens do governador Duquesne para o Sieur de Pean em 1754 expressaram bem seus elementos básicos: “ele deve administrar para ver que ele alcança os assassinos, a quem concederá o perdão da maneira costumeira”. O ritual, no entanto, estava sob pressão constante dos franceses que, tendo cuidado para que os assassinos se entregassem, desejavam que esses fossem executados, e de algonquinos que hesitavam em entregar parentes até mesmo para a prisão temporária antes do perdão “da maneira costumeira”. Cada assassinato, cada rendição e cada perdão se tornaram, assim, uma prova da saúde da aliança. O fracasso de Onontio em perdoar e o fracasso de seus filhos em se entregar sinalizaram crises que só uma renovação do ritual poderia resolver. Como todos os elementos estruturais da cultura, o ritual permaneceu significativo apenas na medida em que era constantemente replicado em ação.[55]
O que estava sendo criado na ação social era um mundo muito diferente daquele que os historiadores esperariam encontrar se confiassem nas etnografias antigas. Nem a evolução deste mundo está muito em conformidade com a literatura de aculturação com a adoção gradual pelos índios de certos valores europeus. Em vez disso, membros das duas culturas estabeleceram uma aliança em que ambos pensavam promover interesses gerados dentro de suas próprias sociedades. Eles mantiveram essa aliança por meio de rituais e cerimoniais baseados em paralelos e congruências culturais, inexatos e artificiais como eles originalmente podem ter sido. Esses rituais e cerimoniais não eram o revestimento decorativo da aliança; eles eram suas bases. Eles ajudaram a unir um mundo comum para resolver problemas, até mesmo assassinatos, que ameaçavam a própria aliança. Essas soluções podem ter sido, como em Detroit, elaboradas ficções culturais, mas por meio delas ocorreram mudanças. Tais mudanças, trabalhadas no middle ground, podiam ser notavelmente influentes, trazendo modificações importantes em cada sociedade e borrando as fronteiras entre elas.
ORIGEM DO ARTIGO: Originalmente publicado como segundo capítulo do livro The Middle Ground: Indians, Empires, and Republics in the Great Lakes Region, 1650-1815. 2ª ed. New York: Cambridge University Press, 2011. p. 50-93. © Cambridge University Press 1991, 2011. Reproduced with permission of the Licensor through PLSclear. Esta tradução possui a permissão do autor Richard White e da editora Cambridge University Press. Reproduzido com permissão do Licenciante através do PLSclear. Termo de licença PLSclear Ref. nº. 9712, data da licença: 05 de novembro de 2019.
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