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“EU SOU UMA CIDADE”: PERSPECTIVAS DE ANÁLISE SOBRE EDUCAÇÃO, URBANIZAÇÃO E SANITARISMO NAS AMÉRICAS A PARTIR DA ANIMAÇÃO ENVIRONMENTAL SANITATION (1945)
Michele Aparecida Siqueira Dias; Paula de Castro Broda
Michele Aparecida Siqueira Dias; Paula de Castro Broda
“EU SOU UMA CIDADE”: PERSPECTIVAS DE ANÁLISE SOBRE EDUCAÇÃO, URBANIZAÇÃO E SANITARISMO NAS AMÉRICAS A PARTIR DA ANIMAÇÃO ENVIRONMENTAL SANITATION (1945)
“I am a city”: perspectives of analysis on education, urbanization, and sanitation in the Americas based on the animated short film Environmental Sanitation (1945)
Esboços: Histórias em Contextos Globais, vol. 28, núm. 49, pp. 834-853, 2021
Universidade Federal de Santa Catarina, Brazil
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RESUMO: Durante a Segunda Guerra Mundial, o governo dos Estados Unidos criou o Office of the Coordinatior of Inter-Americans Affairs (OCIAA), órgão direcionado para trabalhar nas estratégias de aproximação e consolidação das relações entre o país e a América Latina. Para tanto, a direção do escritório ficou a cargo de Nelson Rockefeller, empresário ligado à Fundação Rockefeller, que já atuava na região. Debates deste período apontavam que o problema de saúde e falta de sanitarismo era crônico nos locais que apresentavam maiores índices de analfabetismo. Para resolver esse entrave, Rockefeller convidou Walt Disney para produzir curtas-metragens educativos sobre tais questões e, desta forma, criar um mecanismo que auxiliasse na instrução e letramento da população. Esse artigo tem por objetivo explorar as formas como essas constatações e preocupações aparecem no curta Environmental Sanitation (1945), parte da série Health for the Americas (1944-1945). O desenho, que tem como personagem principal uma cidade, parte deste ponto de vista particular para contar sobre sua transição de vila simples e sem recursos em um espaço moderno e urbanizado. Verificaremos, assim, por meio de uma análise de alguns aspectos do curta, de que maneira a animação sintetiza as várias problemáticas ressaltadas em relatórios realizados tanto pelo Estúdio Walt Disney, quanto pelo OCIAA, e que também foram amplamente discutidas por governos e intelectuais da época, principalmente em reuniões que discutiam tais questões sobre a urbanização das cidades.

PALAVRAS-CHAVE: Fundação Rockefeller, Walt Disney, Relações Estados Unidos-América Latina.

ABSTRACT: During the Second World War, the US government created the Office of the Coordinator of Inter-Americans Affairs (CIAA), an agency that worked on strategies to approach and consolidate the relations between the country and Latin America. For this mission, Nelson Rockefeller, related to the Rockefeller Foundation, was put in charge. Debates from this period pointed out that health and the lack of sanitation were chronic issues in places with high illiteracy rates. Therefore, to solve this obstacle, Rockefeller invited Walt Disney to produce educational animated short films about these concerns, and create a mechanism to assist the education and literacy programs for the Latin-American population. This paper aims to explore the animation “Environmental Sanitation”, part of the “Health for the America” series (1944-1945), which uses the point of view of the City to narrate its transition from a small and poor village into a modern and urbanized place. By analyzing some aspects of the short film, we want to verify how the animation synthetizes the problems highlighted by Walt Disney and CIAA reports, which were also widely discussed by governments and intellectuals in meetings during the 1940s.

KEYWORDS: Rockefeller Foundation, Walt Disney, US-Latin American Relations.

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“EU SOU UMA CIDADE”: PERSPECTIVAS DE ANÁLISE SOBRE EDUCAÇÃO, URBANIZAÇÃO E SANITARISMO NAS AMÉRICAS A PARTIR DA ANIMAÇÃO ENVIRONMENTAL SANITATION (1945)

“I am a city”: perspectives of analysis on education, urbanization, and sanitation in the Americas based on the animated short film Environmental Sanitation (1945)

Michele Aparecida Siqueira Dias
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Paula de Castro Broda
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Esboços: Histórias em Contextos Globais, vol. 28, núm. 49, pp. 834-853, 2021
Universidade Federal de Santa Catarina, Brazil

Recepção: 14 Novembro 2020

Aprovação: 19 Março 2021

“Eu sou uma cidade” é a primeira frase da narradora do curta-metragem Environmental Sanitation, produzido pelos Estúdios Walt Disney, no ano de 1945. Tal afirmação abre um leque de importantes considerações a serem feitas pelo espectador. A primeira e mais importante é que a história será contada e conduzida pela personagem principal: a própria cidade. Aqui, o espaço não é apenas o local onde a história acontece, mas também o principal agente da narrativa. O segundo fato a ser observado, é que não estamos falando de qualquer personagem, mas da cidade latino-americana, observada e retratada pelos Estados Unidos.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a percepção estadunidense sobre a importância da América Latina para construção de uma identidade panamericana1 (na qual todos seriam irmãos, colaboradores ou parceiros em prol das Américas) aumentou consideravelmente, ainda que as relações entre os Estados Unidos e os países ao sul já acontecessem com maior afinco desde o começo do século (ATIQUE, 2010; DIAS, 2019; MARINHO, 2001). O vínculo entre os países das Américas permitiu a circulação de ideias, agentes e propostas, que foram amplamente potencializadas por esta postura transnacional,2 no final da década de 1930.3

Em tempos de confito, esse foi o momento chave para o aumento da hegemonia estadunidense e seu posicionamento como líder do continente. Para ajudar nessa missão, estratégias foram projetadas e agências governamentais criadas, como o Office of the Coordinatior of Inter-Americans Affairs (OCIAA)4 um dos principais responsáveis pela transformação da visão estadunidense sobre a população latinoamericana, apresentando-as agora como repúblicas progressistas e irmãs, ao mesmo tempo que construía um discurso em prol da segurança hemisférica.

Neste momento, alguns nomes foram fundamentais para ajudar a elaborar projetos e laços. Para dirigir o OCIAA, o então presidente Franklin Delano Roosevelt nomeou Nelson Aldrich Rockefeller, da família de empresários e principais acionistas da petrolífera Standard Oil, um notório filantropo com grande conhecimento sobre a América Latina e ligado à uma fundação que há muito já se encontrava presente nesses países.5 Rockefeller, por sua vez, muito influente em diversos setores e grande entusiasta do poder educacional do cinema, fez uma parceria com o também empresário e cineasta Walt Disney, para produção de curtas-metragens cuja intenção era disseminar informações sobre saúde pública e higiene para as populações pobres latino-americanas.

Este artigo, assim, tem como objetivo analisar Environmental Sanitation, parte de uma série de animações denominada Health for the Americas, lançada entre 1944 e 1945, que circulou por países como México, Honduras, Equador, Bolívia, Cuba, Guatemala, entre outros.6 Ao todo, a produção soma dez capítulos, que não possuem relações narrativas entre si, mas que se observados em conjunto, contam uma história que tende a um acúmulo de conhecimentos, os quais esperava-se que os espectadores fossem adquirindo conforme assistiam cada episódio em uma determinada ordem.7 Os curtas têm duração entre oito e dez minutos, com temáticas que falam sobre saúde pública, insetos vetores de doenças, alimentação saudável e hábitos de higiene — problemas comuns ao continente.

Dentro dos assuntos apresentados, doenças como malária, febre amarela e ancilostomose foram abordadas de forma clara e direta, explicando de maneira didática questões cientificas — ainda que com uso de linguagem simples: o que eram as enfermidades, como eram transmitidas e de que maneira os hábitos das populações (representada por diversos personagens), mesmo que decorrentes de costumes e tradições locais, acabavam contribuindo para proliferação dos vetores e a manutenção de epidemias. Estas animações, custeadas pelo OCIAA, deveriam circular entre a população latino-americana com o apoio fundamental das atividades da Fundação Rockefeller.

Dentro do conjunto destas animações, Environmental Sanitation, oficialmente produzido em 1945, mas exibido na América Latina somente em 1946, representaria o ápice da modernização e desenvolvimento proposto pelos desenhos. Como dito anteriormente, os produtores esperavam que as audiências já tivessem absorvido ideias como funcionamento do corpo humano e ação de doenças de episódios anteriores. Uma vez compreendidas essas questões, acreditava-se que a população estabeleceria uma conexão entre vida saudável e força para trabalhar — e, consequentemente, que o trabalho levaria a uma transformação positiva de sua comunidade. Por isso, este curta apresenta um caráter excepcional. Enquanto os demais possuem um narrador em terceira pessoa, que interage com as personagens, esta é a única história narrada em primeira pessoa, do ponto de vista próprio, tecendo considerações sobre a sua trajetória, desde uma pequena vila rural, até se transformar em um território grande e totalmente urbanizado. As considerações apresentadas neste curta, como veremos a diante, reúnem diversos debates realizados durante este período, como os Congressos Pan-americanos de Arquitetos, a XI Conferência Sanitária Pan-americana e a 3ª Reunião de Ministros de Relações exteriores da América Latina, ambos realizados no Rio de Janeiro em 1942 (CEJUDO, 2016, p. 43).

Deste modo, pretendemos expor aqui uma análise do curta, concatenando discussões sobre a urbanização que eram debatidas naquele momento. Consideramos importante, antes mesmo de apresentar a descrição do documento em si, apontar algumas questões fundamentais sobre a sua produção, como por exemplo as pesquisas da Fundação Rockefeller e seus programas de pesquisa e educação sanitária, apresentados a seguir, e que são de extrema importância para compreender a elaboração da série Health for the Americas.

A FUNDAÇÃO ROCKFELLER E OS PROGRAMAS DE PESQUISA E EDUCAÇÃO SANITÁRIA

Fundada em 1913 por John D. Rockefeller Senior, e presidida por seu filho, John D. Rockefeller Junior, a Fundação Rockefeller foi fruto da reorganização das ações e juntas filantrópicas mantidas por esta família desde o final do século XIX (CAMPOS; MARINHO, 2015, p. 19). Tinha como missão ajudar os Estados Unidos e outros países na disseminação do saber e da filantropia científica,8 melhorar a saúde pública e incentivar pesquisas e educação em saúde (VALIM, 2011, p. 48). Isso porque, de acordo com as diretrizes da Fundação, ter alguma doença era entendido como a principal desgraça da vida, fonte de todos os males que poderia acometer um indivíduo: pobreza, crime, violência, ignorância, vício ou taras hereditárias (LÖWY, 2006, p. 123).

No entanto, é interessante observar que antes da concepção da Fundação, foi criado, em 1901, o Instituto Rockefeller para Pesquisas Médicas, e a Junta para Educação em 1903, organizações que contribuíram para a formação do The Rockefeller Sanitary Comission, em 1909, que tinha como meta erradicar a ancilostomíase (também conhecido no Brasil como “Amarelão”) do sul dos EUA (CAMPOS; MARINHO, 2015, p. 19). Para coordenar esse projeto, foi escolhido Wicklife Rose, famoso nome do mundo da educação estadunidense no período, mas com poucos conhecimentos médicos ou biológicos. De acordo com a historiadora Ilana Löwy, essa escolha demonstra a importância central que a educação em saúde tinha para a Fundação e suas intervenções sanitárias posteriores. (LÖWY, 2006, p. 124).

Em primeiro lugar, a ancilostomíase — que também tem um episódio dedicado na série Health for the Americas — foi escolhida pois o sul dos EUA enfrentava uma epidemia grave da doença e, em segundo, porque erradicá-la seria simbólico para a relação entre regiões quentes e uma suposta preguiça natural da população desses lugares, apresentando uma proposta de progresso. Segundo Löwy,

A ancilostomíase é uma doença induzida por um verme que sobrevive nos intestinos, que enfraquece consideravelmente os indivíduos atingidos e reduz sua capacidade de trabalho. A preguiça natural das populações das regiões quentes, sua falta de entusiasmo para o trabalho, especialmente nas plantações, encontrou, desse modo, uma explicação científica e a esperança de um tratamento eficaz. Os ovos do verme que induz essa doença estão presentes nos excrementos e podem sobreviver no solo; a contaminação ocorre, portanto, principalmente quando se anda descalço. Para os médicos, a solução do problema da transmissão da ancilostomíase era simples: administração de um medicamento, o timol associado a sais purgativos (os sais de Epsom) para curar as pessoas infectadas, seguida da introdução de meios preventivos capazes de evitar a recontaminação das latrinas e, finalmente, o uso de calçados (LÖWY, 2006, p. 124).

Ainda para a historiadora, esta primeira campanha acabou reverberando para os demais projetos da Fundação Rockefeller e suas missões pela América Latina, estabelecendo alguns postulados na atuação, como: a “convicção de que a pobreza está ligada à ignorância e a má saúde”, o que provaria que a educação seria a solução para erradicar essa condição; a relação entre “a capacidade de trabalho dos indivíduos e seu estado de saúde e bem-estar”; a importância da “difusão da civilização por meio da mudança de hábitos e o abandono do estado selvagem próximo da natureza” (representado na situação descrita acima como o uso do calçado); há, ainda, a pureza como ideal, em oposição à sujeira (LÖWY, 2006, p. 124-125). Como veremos adiante, todos esses apontamentos são abordados pelos desenhos, em especial ao curta analisado. A educação e o progresso podem ser vistos, em outros episódios, na atenção detalhada dada ao ensino da construção adequada da latrina (e que, posteriormente em Environmental Sanitation, se transforma em um banheiro com encanamento separado de esgoto e água).

Em 1913 a campanha de erradicação da ancilostomíase foi encerrada, já que se entendia que a doença se extinguiria com as medidas socioeducativas ensinadas para a população (o que, na verdade, não aconteceu até a década de 1960). No ano seguinte, iniciou-se uma ofensiva contra a febre amarela. Segundo Gabriela Marinho e Cristina de Campos, a partir da experiência da Comissão Rockefeller para Erradicação da Ancilostomíase, foi criada uma International Health Commission, que funcionou entre os anos de 1913 e 1916, sendo depois substituído pelo International Health Board. Para as autoras, tais comissões sobre pesquisa médica acabaram elevando a posição da Fundação Rockefeller no controle da saúde internacional (CAMPOS; MARINHO, 2015, p. 20).

A International Health Commission, já pensada para América Latina (como também uma forma de contenção sanitária que protegesse os EUA), teve suas intervenções realizadas com apoio dos governos locais e do Departamento do Estado estadunidense. No entanto, as campanhas esbarram, muitas vezes, nas dificuldades das regiões, como a falta de estrutura que forçava as equipes a atuarem, também, como os serviços de saúde locais (LÖWY, 2006, p. 127).

Para a Fundação Rockefeller, a ancilostomíase, a febre amarela e a malária seriam doenças demonstrativas, isto é, enfermidades que teriam rápida eliminação,9 servindo como um bom exemplo da demonstração da superioridade da ciência estadunidense, sem a necessidade de atacar problemas sociais e econômicos (como no caso da tuberculose). Além disso, conforme sugere Löwy, eliminar esses três males era interessante tanto para fundação, quanto para governo dos EUA, já que ambos possuíam a intenção de aumentar a circulação de bens e pessoas no continente, enquanto criaria uma barreira sanitária que protegeria o país de novas ondas de epidemias vindas do Sul (principalmente por conta do trânsito de pessoas e a crença de que as doenças eram carregadas por portadores que infectavam os vetores, os mosquitos). Ao mesmo tempo, “os governos de alguns países da América Latina, preocupados com os estragos provocados pela febra amarela no seu comércio e imagem, manifestaram, por iniciativa própria, desejo de receber ajuda da Fundação Rockefeller nessa área” (LÖWY, 2006, p. 130).

Como vemos, a relação entre educação, saúde pública e sanitarismo era entendida como o principal problema dos vizinhos do sul. William L. Schurz, historiador especialista em América Latina, destacou em relatório de 1941 que já no final da década anterior a preocupação dos governos latino-americanos com o bem-estar da população havia se intensificado, o que aumentou a refexão sobre as prioridades e investimentos nos recursos humanos. Isso porque uma das principais dificuldades estava justamente na questão da saúde, com altos índices de epidemias de malária, tuberculose, ancilostomíase, mortalidade infantil (por doença ou desnutrição), febre amarela, entre outros. No entanto, para o autor, muitos dos obstáculos poderiam ser resolvidos através de simples medidas sanitárias, que refletiriam na solução das questões econômicas da América Latina (SCHURZ, 1942, p. 153).

Assim, os trabalhos da Fundação Rockefeller na área da saúde não são marcados apenas por grandes investimentos em filantropia científica, mas também na circulação de profssionais e estudantes que se dedicavam a estudar tais temas. Podemos ver que já nos primeiros anos de atividade, a Fundação promove a criação da Cadeira de Higiene na Faculdade de Medicina e Cirurgia em São Paulo, no Brasil, no ano 1916. A criação de uma cadeira, que mais tarde resultou no Instituto de Higiene, fazia parte de um projeto do International Health Board de conseguir ampliar as relações da Fundação Rockefeller, por meio da atuação e das relações brasileiras com os outros países da América do Sul (CAMPOS; MARINHO, 2013, p. 21).

Entre 1941 e 1942, outras importantes conexões entre a Fundação e países latinos foram tecidas, em um programa de parceria com a Universidade de Tulane, em Nova Orleans, com a abertura de um curso de pós-graduação em medicina tropical. Na sua primeira turma, nove dos 17 pós-graduandos eram latino-americanos, financiados com bolsas de estudo do Departamento de Estado. A intenção era que esses alunos voltassem para seus países e trabalhassem na administração pública, desenvolvendo programas de saúde para regiões carentes em assistência médica (BRODA, 2013, p. 53). Tal esforço, em conjunto com investimentos no ensino superior, possibilitou a descoberta de diferentes agentes transmissores de uma mesma doença como, por exemplo, a identificação de que a Febre Amarela, em algumas regiões da América Central é transmitida pelo mosquito Haemagogus, enquanto na América do Sul é o Aedes Aegypti (SCHURZ, 1942, p. 154).

Tal troca de informações e o trânsito de pesquisadores pelo continente permitiram a circulação de publicações médicas que, além de disseminar o conhecimento, possibilitou uma maior aproximação e aprofundamento sobre a realidade desses países por parte dos EUA. De certa maneira, essas pesquisas aumentaram o avanço científico na medicina latino-americana. No entanto, é preciso ressaltar que, muitas vezes, tais informações eram interpretadas nas correntes intelectuais (tanto de elites locais, quanto do governo estadunidense) como sinônimo de atraso, implicando na necessidade urgente de desenvolvimento do hemisfério.

Deste modo, podemos inferir que a preocupação de unir educação e saúde era parte de uma agenda da Fundação Rockefeller, do governo estadunidense e das atividades de Walt Disney durante a década de 1940. As produções cinematográficas eram consideradas por Nelson Rockefeller uma arma potente na divulgação de informações sobre saúde e disseminação de propaganda pró-estadunidense. Por isso, o Office tinha uma divisão de cinema que era considerada se não a principal, pelo menos uma das mais importantes do órgão, cujas obras eram basicamente divididas em dois tipos: as que eram destinadas a projeção em circuito comercial e as que eram apresentadas em escolas, clubes, associações, eventos, igrejas e ao ar livre (através de um equipamento que o próprio Office montava), voltada para fins educativos. Internamente, a divisão de cinema se subdividia em outras três seções: produção e adaptação dos roteiros para o português e espanhol; seção de curtas, responsável pelos cinejornais, animações e documentários; e a seção de distribuição dos filmes (BRODA, 2013, p. 27-28).

Como dito anteriormente, Rockefeller convidou Walt Disney para realizar algumas produções para o governo estadunidense. Esta não seria a primeira vez do estúdio, que já tinha feito filmes para o Departamento de Estado, Departamento de Agricultura e até para o governo do Canadá. A sugestão do nome do animador partiu do próprio presidente Roosevelt, devido à sua grande popularidade na América do Sul. Ao todo, entre 1941 e 1943 foram realizadas cinco viagens pelo continente, sendo as que contaram com a presença de Disney as mais famosas. As demais foram feitas por equipes de animadores e desenhistas para recolher material que renderam dois longas-metragens, 15 curtas e um documentário. As expedições foram todas pagas pelo governo dos Estados Unidos, sendo a primeira totalmente custeada pelo OCIAA, além de um contrato de 100 mil dólares pelas produções (BRODA, 2013, p. 43).

É nesse contexto que o material para produção de Health for the Americas começa a ser coletado. A pedido do Office, foi definido que a narração seria fundamental, visto que a audiência para quem a produção se destinava era, em sua maioria, analfabeta (o que impediria uso de placas com dizeres, como é comum nos desenhos). Em uma das viagens da equipe, que visitou países como El Salvador, México e Guatemala, foi realizado um levantamento com entrevistas de profssionais da educação e saúde, frequentadores e líderes de centros comunitários, que apontou quais eram os assuntos considerados mais importantes pela população local. De acordo com o documento, existia uma necessidade urgente do letramento dos mais pobres e sua instrução em questões a respeito de saúde pública e higiene. Perguntados se consideravam que os filmes ajudariam nessa missão, os entrevistaram confirmaram e sugeriram temáticas para serem tratadas, como saneamento, fisiologia e doenças. Além disso, afirmaram que as produções deveriam “entreter e informar na mesma proporção” (CIAA, 1944, p. 1).

Assim, alinhados à ideia da Fundação Rockefeller de equilibrar cultura, educação e diversão em suas ações, as diretrizes das animações foram estabelecidas no seminário On Visual Education, organizado pela OCIAA entre maio e junho de 1943, nos estúdios Walt Disney, em Burbank, Califórnia. Representantes de diversos países da América Latina foram convidados para debater temáticas e estratégias para os curtas-metragens que procurassem informar, entreter e convencer a população latino-americana sobre as medidas necessárias para redução das epidemias (e, de quebra, promover uma ideia de Estados Unidos como modelo de progresso a ser seguido). Para a ocasião, Disney disponibilizou parte da sua equipe, que deveria acompanhar as discussões e transformar todas as sugestões em desenhos, facilitando a compreensão visual (SHALE, 1977, p. 54).

Assim, Health for the Americas foi pensado em uma estrutura simples, sem que fosse necessário um grande orçamento para sua produção. Além da presença do narrador (que seria dublado em espanhol e português), os filmes deveriam ser informativos, porém leves, de fácil compreensão, visto que sua exibição visava populações rurais que possivelmente assistiriam após um dia de jornada. Outro ponto levantado na conferência foi a exclusão de elementos que distraíssem e tirassem o foco, como a presença de personagens famosos (que poderiam levar ao excesso de piadas e situações cômicas) e muitos elementos de fantasia (SHALE, 1977, p. 55). Por essas razões, a série é sempre situada em ambiente rural, revelando uma pobreza crônica, e apresentado por personagens genéricos, que raramente possuem nomes.

Após uma sequência de temas trabalhados, como alimentação saudável, hábitos higiênicos (construção adequada de latrinas, importância da boa higienização das mãos e alimentos antes das refeições, uso de mosquiteiros para dormir, etc.) e a explicação sobre doenças e seus vetores, temos os capítulos finais que apresentam um nível de instrução mais elaborados. Environmental Sanitation, assim, apresenta a consequência “natural” do aprendizado passado: a transformação do vilarejo em cidade urbanizada.

ENVIRONMENTAL SANITATION: A REPRESENTAÇÃO DAS CIDADES LATINAS EM UMA ANIMAÇÃO

Para realizar a análise do curta, partirmos das considerações de Luis Nogueira, que afirma que a análise da animação requer atenção especial porque esta desestabiliza categorias como tempo e espaço. A animação, assim, convive bem com a irrealidade, subverte e desafa leis da física ou normas de conduta. Em outras palavras, um desenho não precisa, necessariamente, ambientar seus acontecimentos em uma cidade real. Apenas valendo-se de poucos elementos que caracterizem o cenário como uma cidade ou que lembrem algum lugar que para o espectador já é suficiente para que a narrativa contada seja, pelo menos, verossímil a quem a assiste. Nogueira defende a ideia de que a animação permite proximidade e compreensão da lógica da sociedade, dada a sua extrema liberdade criativa. Por meio da metamorfose, qualquer elemento pode se tornar algo diferente e fascinante (NOGUEIRA, 2010, p. 61).

A continuidade entre seres animados, animais e objetos inanimados transformam ideias, personagens e acontecimentos, o que dá um caráter novo à sua identidade original do próprio desenho. É por essa razão que é possível que uma cidade narre sua própria história, apontando as transformações, contradições e desafos de sua jornada de pequena vila a um espaço moderno. Em suas falas, a protagonista deixa claro suas preocupações — como saneamento e higiene —, apontando claramente os deveres de seus filhos (os habitantes daquele lugar) para que seu destino seja saudável, feliz e próspero — isto é, urbanizado.

Dentro dessa proposição, também consideramos como alicerce metodológico as considerações de W. J. T. Mitchell sobre os estudos visuais. Partindo da psicanálise e dos estudos subalternos, Mitchell defende que as imagens necessitam ser perguntadas sobre o que elas realmente querem, utilizando o léxico de Jacques Lacan e Frantz Fanon (MITCHELL, 2017). Deste modo, priorizamos em nossa análise sempre nos questionarmos o que a imagem quer nos dizer, circunscrevendo nossa observação as questões concernentes à cidade (tanto aquela representada pela imagem, quanto aquela que narra e faz suas próprias considerações) e as ações de seus habitantes.

O curta se inicia com a primeira afirmação da narradora deixando claro que a história será contada do ponto de vista da testemunha direta. “Eu sou uma cidade”, ela diz. “Eu dou abrigo e protejo meu povo. Eles são meus filhos, e nós somos uma família ocupada, saudável e feliz” (ENVIRONMENTAL, 1945, 37s). Nessa relação paternalista, a cidade vai, então, apontar todo o percurso para chegar até aquele momento da história, afirmando que o crescimento próspero e forte foi fruto de um longo, difícil e doloroso aprendizado: o de saber conviver uns com os outros.

Enquanto era um pequeno vilarejo, os moradores daquele lugar eram felizes, pois viviam tranquilamente suas vidas simples. Ao encerrarem seus ciclos, se mudavam para “outra” cidade — o cemitério —, disposta bem ao lado. No entanto, conforme a cidade se desenvolvia, novas pessoas se mudaram, procurando proteção e acolhimento. O número populacional aumentou e, com ele, os problemas: o primeiro a surgir foi o abastecimento de água. A fonte central já não dava conta de suprir todas as famílias, e o rio não era um bom local de fornecimento, uma vez que estava contaminado pelo sabão das lavagens de roupa e dos que ali se banhavam, bem como pelo lançamento de esgoto. O curta, assim, joga a responsabilidade da poluição das águas exclusivamente para os latino-americanos, ignorando que a crise sanitária se agravou em muitos países pela falta de infraestrutura provocada na instalação de indústrias estadunidenses, processo que ocorria desde a virada do século (CARTWRIGHT; GOLDFARB, 1994, p. 177).

O crescimento populacional também não acompanhou o fornecimento adequado de alimentos. Mercadinhos e lojas de rua vendiam comida sem se preocupar com a sujeira ao redor, como a presença de lixo e da dispensa inadequada dos dejetos humanos. Essa combinação resultava em ratos e mosquitos que trazem doenças (já vistas em outros curtas da série), afirmando que mesmo com a presença de latrinas na cidade, a falta de cuidado e atenção as transformaram em uma ameaça. Logo, com o crescimento desorganizado e a falta de planejamento, a população partilhava de sofrimentos e epidemias, elevando o número de mortes. Para a narradora, as “epidemias eram comuns, deixando incontáveis vítimas em seu rastro. Vítimas do descuido” (ENVIRONMENTAL, 1945, 3min23s) e, por conta dessa desatenção (e egoísmo dos indivíduos), a “outra” cidade crescia junto. Essa fala revela uma redução de questões mais complexas de saneamento básico a ideia de “cuidado”, além da responsabilização do indivíduo por problemas coletivos, sem sequer mencionar a ausência ou obrigações do Estado.

A cidade, então, continua lamentando o suposto destino sombrio de seus filhos se nada mudasse. Para ela, há apenas uma solução: a limpeza. Notamos, assim, que a solução para a principal transformação da cidade se daria — de acordo com a narrativa — por meio de um projeto amplo de sanitarismo, ainda que este conceito fosse expresso de maneira genérica como “limpeza”. A narradora continua apontando que o primeiro passo para mudança deveria ser a construção de um reservatório e uma barragem, com uma estação de tratamento, adicionado substâncias que purificavam a água — alertando que estas não provocariam outras doenças. Por meio de um sistema de encanamento moderno que previne vazamentos, desperdício e evita contaminações, o suprimento chegaria à casa das pessoas. Essa melhora na distribuição permitiria e ampliaria a higienização correta das mãos e o banho adequado em um banheiro disposto agora dentro das residências. Vale ressaltar que, embora o curta tenha uma preocupação de instruir de que maneira a água seria depurada e levada novamente para os habitantes, assuntos específicos como que tipo de substância seria utilizada no sistema hídrico ou quais os materiais “modernos” para a nova tubulação nunca eram especificados, por acreditar-se que este seria um conteúdo muito complexo para as audiências.

Resolvida essa questão, o segundo problema a ser enfrentado era a respeito do descarte correto dos dejetos: com sistema de coleta de esgoto subterrâneo, levado por canos para além dos limites da cidade, o qual seria alocado de “forma cientifica e segura” (ENVIRONMENTAL, 1945, 5m3s). Como observamos, novamente, a narradora não menciona em momento algum, informações mais detalhadas sobre o tratamento desse esgoto. Por outro lado, nos lugares onde ainda não houvesse urbanização, a água pura seria levada por hidrantes, assim como latrinas em locais adequados, bem cuidadas, sanitárias e limpas, para manter os arredores livres de doenças perigosas, o que nos aponta uma contradição entre espaços, já que parece esperar-se que nem todas as regiões latino-americanos teriam acesso ao sanitarismo com sistemas de encanamento modernos anteriormente comentado. Deste modo, o curta retoma continuamente a necessidade de uma série de medidas para que a cidade conquiste um sistema sanitário eficiente, mas em nenhum momento as imagens nos indicam quem seria o responsável para a consolidação dessas ações — como o Estado, ou a discussão de políticas públicas de saneamento —, reforçando que esta seria uma atuação exclusiva (e individual) de seus moradores em prol de um bem coletivo maior.

Assim, os dias obscuros de descuido ficariam para trás. Agora as mulheres lavam suas roupas em uma lavanderia comunitária, com compartimentos separados, evitando que usem a mesma água. A cidade e seus habitantes, desta forma, se tornam pouco a pouco uma família limpa, sem lixo e restos de comida na rua, sem ratos e moscas. A partir daqui o lixo é colocado em lixeiras com tampa, coletado de cada casa e dispensado com o método apropriado (ainda que não seja especificado qual). As ruas foram pavimentadas e equipadas com sistema de drenagem da chuva, evitando enchentes. (ENVIRONMENTAL, 1945, 5m15s). O mais interessante ao notar esta passagem de uma cidade imprópria para a comunidade para esta nova cidade, é que ao retratarem o skyline, podemos observar que todos os edifícios possuem a mesma altura, exceto um com uma cúpula, remetendo à uma prefeitura estadunidense, um lembrete à importância da democracia.

As lojas e vendas de rua se transformaram em mercados que “refetem a vigilância dos vendedores na segurança da saúde dos meus filhos” (ENVIRONMENTAL, 1945, 7m), com um bom pavimento e calçamento para os habitantes. Ali é vendido vegetais frescos e protegidos da desidratação do sol, cortes de carne para serem escolhidos em expositores com vidro, assim como a separação dos lacticínios e pães. Orgulhosa, a cidade afirma: “comida limpa, comida chique, uma infinidade de variedade, mas nada expostos às moscas perigosas” (ENVIRONMENTAL, 1945, 7m20s). A população não está mais preocupada a respeito da segurança e limpeza da comida, das ruas, das casas e de seus corpos.

As características urbanas da cidade são um tópico que deve ser comentado. É nítida a diferença entre os espaços antes e depois da educação sanitária de seus moradores, porém é necessário destacar alguns elementos da nova cidade que surge, como uma praça principal, o tamanho dos edifícios e o padrão entre as casas habitáveis, com área para jardins e recreação, mostrando aos espectadores não apenas uma cidade salubre e arejada, mas um desejo urbano comum a todos — locais aprazíveis e com qualidade de vida.

O curta se encaminha para o final, confirmando que aquele lugar agora é um ambiente alegre e saudável (focando em um parquinho com crianças brincando), e esta seria a recompensa do cuidado. “Sim, minhas crianças aprenderam a lição bem. Eles aprenderam que para viver uns com os outros, eles devem proteger uns aos outros. E que o descuido de um, ameaça a segurança de todos” (ENVIRONMENTAL, 1945, 7min46s), diz. Encerrando seu discurso, a narradora reafirma que a luta contra doenças nunca termina, mas que se cada um dos habitantes se mantiver “sempre vigilantes, nós encaramos o futuro confantes pois sabemos que uma cidade que protegerá seu povo enquanto seu povo proteja sua cidade” (ENVIRONMENTAL, 1945, 8m8s). O desenho se encerra com uma vista noturna da cidade, com luz elétrica iluminando as janelas das casas, indicando a chegada do progresso naquele antigo vilarejo.10

Como é possível notar, a narrativa tem uma preocupação em individualizar os problemas, reduzindo a sua origem ao “descuido” e a solução ao “cuidado”. Nesta cidade, o Estado está ausente como agente que organiza a sociedade civil — não apenas de obrigações quanto ao espaço, mas até de uma possível liderança. Em todos os momentos, o curta nos oferece uma solução baseada na ação individual dos seus moradores, mas que perpassa o coletivo, já que a cidade segura e acolhedora só é possível de se alcançar com todos fazendo a sua parte. Essa situação dualista também refete a flosofa da Fundação Rockefeller de que a pobreza estaria relacionada à preguiça e a falta de cuidado e, para superar essa condição, bastaria o afinco ao trabalho e o consequente progresso seria alcançado — desde que hábitos fossem mudados, a transformação da vila em cidade seria completa.

O exemplo máximo dessa lógica seria a possibilidade de escolher diversos alimentos em um mercado. O curta parece dizer, assim, que o progresso transforma o habitante rural em cidadão, já que ele ganha status de consumidor. Ainda que o dinheiro não seja sequer citado em nenhuma das animações de Health for the Americas — o que nos dá a entender o quanto as sociedades latino-americanas são peculiares, talvez até “atrasadas”, uma vez que cada família pode produzir exatamente aquilo que precisa para sobreviver — Environmental Sanitation, aponta para o pico do progresso: o supermercado, local onde os trabalhadores (agora consumidores, ainda que não sejam assim chamados) podem escolher os melhores alimentos sem necessariamente precisar labutar arduamente para cultivá-los. Com esse tempo “livre”, agora podem dedicar-se a novas atividades como o lazer, a educação e outros tipos de ofícios que não os diretamente relacionados à terra. O trabalho, assim, serve para a manutenção do progresso. A civilização apresentada no desenho parece ser sedutora e fácil de conquistar.

Nesse sentido, de acordo com Lisa Cartwright e Brian Goldfarb, a animação promove a saúde como mérito, mesmo em lugares em que empresas estadunidenses causaram diretamente crises e epidemias, como a cólera e a disenteria. Essa transferência de responsabilidades é colocada no discurso da animação quase como um sentimento cívico, apelando para preocupação individual para zelar pelo coletivo. Além disso, não há qualquer menção sobre a presença de indústrias — representada pela presença dos Estados Unidos e suas companhias. Para alcançar a prosperidade da América Latina, bastaria a saúde e felicidade dos habitantes (CARTWRIGHT; GOLDFARB, 1994, p. 178).

PENSAR AS APROXIMAÇÕES DAS CIDADES NAS AMÉRICAS

Deste modo, cabe apontar aqui, a pertinência do tema levantado pela animação Environmental Sanitation às questões discutidas pelos países do continente americano, não apenas sobre sanitarismo, mas também sobre a urbanização nas cidades latino-americanas.

Fica evidente, em toda a narração, que a cidade só pode contar sua história porque seus moradores aprenderam uma lição importante: a do saneamento. O senso de coletividade é importante para que a cidade continue evoluindo e sendo um lugar aprazível para todos, porém, é preciso destacar aqui que tal coletivo só é atingido quando todos executam sua parte, individualmente. Embora o desenho se coloque como uma meta a ser atingida, em momento algum é apresentado ao espectador a melhor maneira de chegar nesse objetivo, senão por uma atitude voluntarista. Cada um deve fazer sua parte para influenciar o próximo e, se a cadeia quebra, todos falham. Não é colocado para a audiência a possibilidade de discussões de projetos, nem pleito de lideranças locais ou conselhos que possam levantar quais as melhorias são efetivamente necessárias ali. As obrigações do Estado ficam totalmente ausentes, caindo no individuo a responsabilidade de transformar aquela comunidade em um lugar “saudável” e “feliz”.

Como viemos apontando desde o início deste artigo, há uma questão de expor um modelo — e este nos é apresentado pelo curta —, que está localizado em uma esteira de discussões sobre as cidades que foi presente em todo o século XX, mas, principalmente, na primeira metade do século. Como apontado por Josianne Cerasoli, podemos verificar que uma das potencialidades para se compreender o panamericanismo está no âmbito da circulação dos conhecimentos científicos e técnicos, em diversos campos do saber (CERASOLI, 2012, p. 6). Dentro desta afirmação, as cidades foram um importante elemento de debate entre os países nas Américas. Segundo Fernando Atique, os Congressos Pan-americanos de Arquitetos foram um espaço privilegiado de trocas de experiências profssionais e de assimilação de diversos modelos que estavam presentes no continente, sendo o primeiro congresso realizado na cidade de Montevidéu, no Uruguai, no ano de 1920. Apesar das primeiras edições tratarem sobre temas como a regulamentação da profssão dos arquitetos nos países, as reuniões também tangenciavam outros temas, como, por exemplo, o da habitação (ATIQUE, 2005). Sobre a quinta reunião deste Congresso, no ano de 1940, Atique faz importantes considerações:

O evento [...] fechou um ciclo de vinte anos, permitindo a leitura de uma discussão muito interessante sobre temas sociais, quer seja sobre a resolução do crescimento desordenado das cidades, quer sobre o problema habitacional da população de baixa renda, ou, ainda sobre a necessidade de se lutar por fundos de aposentadoria para os arquitetos (ATIQUE, 2010, p. 55).

Assim, podemos estabelecer que os debates sobre as condições das cidades americanas eram pauta nas discussões entre os países e seus profssionais. Algumas destas considerações aparecem no livro do urbanista estadunidense Francis Violich, Cities of Latin America: Planning and Housing in the South, uma publicação de 1944, que foi um resultado da viagem de que o autor fez pelas Américas, analisando a ocupação urbana de cidades de países como México, Guatemala, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Uruguai, Brasil, Venezuela e Paraguai (VIOLICH, 1944, p. X).11

Ao analisar questões sobre o planejamento urbano e habitação das cidades latino-americanas, Violich dedica um de seus capítulos para abordar os problemas urbanos que são enfrentados por estas cidades, os dividindo em categorias: problemas em termos sociais, políticos e físicos. De modo geral, podemos ver algumas zonas de contato, a partir das análises de Violich e do que foi comentado sobre as ações da Fundação Rockefeller e do Office nas ações de aproximação com a América Latina.

Os problemas de ordem política apontados por Violich, são causados pelo fato de que os países da América Latina possuem uma democracia muito jovem e imatura, sendo agravado pela “ignorância” dos governos quanto a importância de técnicos no planejamento das cidades (VIOLICH, 1944, p. 58). Tais questões são somadas as sociais, para os quais a falta de investimentos e dinheiro aparece como um dos primeiros a serem elencados. Mas, como aponta o autor, a partir de conversa com técnicos de serviços urbanos locais, o maior problema social era educacional. Segundo Violich:

Juntamente com a baixa renda, a falta geral de educação foi apontada, repetidamente, pelos técnicos de planejamento e habitação da América Latina como a principal causa de diversos problemas sociais, que impossibilitavam o tipo de programa de planejamento e moradia que tais técnicos almejavam. Esses homens e mulheres perceberam, e deixaram claro para mim, que a única razão pela qual conseguimos, nos Estados Unidos, desenvolver um processo de planejamento na medida em que temos, é porque geralmente nosso povo e funcionários são orientados pela educação e por uma ilustração geral. O grau de esclarecimento da população na América Latina varia muito de um país para o outro, mas geralmente há uma relutância em aceitar novos métodos. [...] a educação do povo é um processo gradual, mas essencial para a democracia sobreviver (VIOLICH, 1944, p. 52).

Assim, a educação é apontada como o principal meio de sobrevivência das comunidades e da democracia. Por fim, os problemas de ordem física estavam centrados em questões fundamentais: a saúde e o saneamento. Sobre estes problemas, Violich aponta:

Os problemas de saúde e saneamento, geralmente, são os que mais precisam de solução, nas cidades latino-americanas. Os sistemas de saneamento, garantidos nas cidades dos Estados Unidos, ainda não foram totalmente desenvolvidos em muitas cidades ao sul de nossas fronteiras. A falta de um sistema de drenagem de esgoto adequado é a fonte de condições de vida precárias, frequentemente encontradas em regiões tropicais e semitropicais. Os programas de planejamento urbano na América Latina surgem, frequentemente, da necessidade de eliminar uma condição de saneamento que afeta a saúde da comunidade (VIOLICH, 1944, p. 47).

Deste modo, alinhando às considerações propostas por Francis Violich e sabendo que o continente americano possuía um fluxo contínuo de circulação de saberes, discussões sobre saúde (fomentados pela Fundação Rockefeller) e problemas urbanos (presente em congressos sobre este saber técnico), é possível compreender que o curta Environmental Sanitation carrega em si uma série de questões presentes nas Américas, principalmente sobre a importância do saneamento e do planejamento na construção de uma comunidade saudável, e que se influenciada pelo modelo estadunidense, poderia ser uma democracia.

Verificamos que havia, na primeira metade do século XX, vários debates sobre as cidades nas Américas pautados por assuntos sobre a urbanização, melhoramentos e a importância do sanitarismo. Em seu texto, Violich considera que “a limpeza urbana acompanha diretamente a estabilidade econômica e política” (VIOLICH, 1944, p. 48). Podemos inferir, então, que tal consideração está presente no curta, e que a limpeza urbana só seria garantida pela educação da comunidade latina, seguindo um modelo proposto pelos EUA. Por essa razão, os problemas sobre educação expostos na animação eram entendidos como uma sina da América Latina. Resolvê-los seria uma maneira de superar o atraso crônico e desembocar, quase que naturalmente, no progresso, representado aqui pelas cidades estadunidenses, formando assim laços de uma identidade pan-americana representada pelo urbano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir que os trabalhos realizados pelo Office of the Coordinatior of Inter-Americans Affairs alinhavam diversos debates que ocorriam em diferentes esferas do conhecimento, como o da saúde e do urbano. Ao analisarmos o curta animado Environmental Sanitation (1946) da série Health for the Americas, produzido pelos Estúdios Walt Disney, temos aqui elementos que apresentam tais discussões, e que possuem um eixo condutor muito claro: o da educação da comunidade para atingir um progresso moldado pelos Estados Unidos.

Cabe ressaltar que esses desenhos foram promovidos juntamente com um programa de letramento, que foi planejado em conjunto e acompanhado de perto por alguns governos latino-americanos, como a Secretaria de Educação Pública do México (CEJUDO, 2016, p. 7). Nesse sentido, gostaríamos de salientar aqui que as relações entre EUA e América Latina, observadas a partir da atuação do Office ou das produções de Disney vão além dos longas-metragens tão bem conhecidos pela historiografia brasileira. Há certamente muitas perguntas e materiais sobre este período que, alinhados com a perspectiva da circulação de saberes e profssionais nas Américas, podem dar materialidade às relações panamericanas, como apontado por Josianne Cerasoli (2012, p. 6).

Ao mostrar os diversos problemas que devem ser superados por uma comunidade, a cidade guia seus moradores de uma simples vila para um espaço urbanizado, com uma praça central, edificações que seguem o mesmo gabarito de altura, ruas asfaltadas e limpas, com iluminação. De certo modo, a cidade que se alcança através da educação e da higiene da comunidade, é uma cidade modelo.

O discurso, no entanto, ainda parecia muito longe da prática, visto que algumas das audiências rurais consideraram mais fantasia ver suas vilas transformadas em ruas pavimentadas, casas com luz elétrica e mercados com vitrines envidraçadas do que as famosas animações de Walt Disney (SHALE, 1982, p. 58). Apesar disso, é interessante notar que a partir de tal discurso, o que nos é apresentado por Environmental Sanitation, vai além das discussões sobre urbanização e sanitarismo, propostos pela Fundação Rockefeller e por debates em esferas técnicas, e chega em uma representação do American way of life de forma literal: aqui, o caminho americano — pautado pela educação e higiene — leva a comunidade a um modo de morar e de viver essencialmente dos Estados Unidos. Percebemos, assim, que o principal objetivo do curta, e da série como um todo, está em educar sobre as formas de construção de uma sociedade (americanizada).

Material suplementar
REFERÊNCIAS
ATIQUE, Fernando. Arquitetando a “boa vizinhança”: Arquitetura, cidade e cultura nas relações Brasil–Estados Unidos (1876-1945). São Carlos: Editora Pontes, 2010.
ATIQUE, Fernando. O debate sobre habitação nos Congressos Pan-Americanos de Arquitetos: 1920-1940. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 11., 2005, Salvador. Anais [...]. Salvador: ANPUR, 2005. Disponível em: http://www.xienanpur.ufba.br/524.pdf. Acesso em: 6 out. 2021.
BRODA, Paula de Castro. Health for the Americas: As animações dos Estúdios Walt Disney voltadas para as famílias latino-americanas no contexto da Política da Boa Vizinhança (1940-1946). 2013. 222 f. Monografa (Bacharelado e Licenciatura em História) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, 2013.
CAMPOS, Cristina de; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C. A Fundação Rockefeller e a Institucionalização da Higiene em São Paulo: da cadeira ao Instituto de Higiene (1918-1922). In: MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; MOTA, André. Racionalidades em Disputa: Intervenções da Fundação Rockefeller na ciência, medicina e práticas médicas do Brasil e da América Latina. São Paulo: Casa de Soluções e Editora, 2015. p. 11-34.
CARTWRIGHT, Lisa; GOLDFARB, Brian. Cultural Contagion: On Disney’s health education films for Latin America. In: SMOODIN, Eric. Disney Discourse: producing the Magic Kingdom. Nova York: Routledge, 1994. p. 169-180.
CEJUDO, María Rosa G. Disney Health Films in Mexico. Oxford Research Encyclopedia of Latin American History. Oxford University Press, Oxford, 7 jul. 2016 (online). Disponível em: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-318. Acesso: 25 nov. 2019.
CERASOLI, Josianne Frância. O lugar da América: Por uma expressão arquitetônica moderna, panamericana e universal nos anos 1920. In: ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA – ANPUH-SP, 11., Campinas, 2012. Anais [...]. Campinas: ANPUHSP, set. 2012. Disponível em: http://www.encontro2012.sp.anpuh.org/resources/anais/17/1342390117_ARQUIVO_Cerasoli_ANPUH_texto2012.pdf. Acesso em: 6 out. 2021.
DIAS, Michele A. S. Conexões Ocultas na Casa Paulista: A Caixa Estadual de Casas para o Povo (CECAP) e suas relações com os EUA por meio da International Basic Economy Corporation (IBEC). 2019. 196 f. Dissertação (Mestrado em História) – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2019.
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GIMENES, Gabriela Xabay. Estados Unidos e América Latina nas páginas do Chicago Tribune: pan-americanismo e Exposição Universal de Chicago (1889-1894). 2016. 217 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
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VIOLICH, Francis. Cities of Latin America: planning and housing in the South. Nova York: Reinhold Publishing Corporation, 1944.
WEINSTEIN, Barbara. Pensando a história fora da nação: a historiografia da América Latina e o viés transnacional. Revista Eletrônica Da ANPHLAC, São Paulo, n. 14, p. 10-31, 2013.
Notas
Notas
1 O termo “panamericanismo” surge a partir das ideias de James Blaine, político republicano. Segundo Blaine, a única maneira de superar a crise de superprodução da década de 1870 seria buscando novos mercados consumidores, o que se daria ampliando as relações comerciais dos Estados Unidos, principalmente com a América Latina. O termo “Pan-americanismo” começou, então, a circular na imprensa estadunidense como um conceito, e desde então passou a denominar o conjunto de políticas, cooperação econômica e incentivos à integração continental, do Canadá à Patagônia e que possuiu diversos significados durante a primeira metade do século XX (ATIQUE, 2010, p. 27-44; GIMENES, 2016, p. 68-87).
2 Compreendemos aqui uma análise em perspectiva transnacional, “que enfatiza questões para as quais o país não é a principal arena de interação ou confito. A história transnacional também tem iluminado os problemas da história comparativa, com sua tendência a comparar dois casos nacionais estáveis separadamente e ignorar a circulação e a interação. No entanto, a intenção da história transnacional não é apagar a história nacional, mas complicá-la” (WEINSTEIN, 2013, p. 10). A opção por uma abordagem transnacional é a de enfatizar a circulação de ideias e saberes pelo território sobre a educação sanitária e o urbano, mas principalmente de nos desvencilharmos de análises simplistas que diminuem as relações entre Estados Unidos e América Latina como imperialismo, sem questionar como tais relacionamentos foram dadas. Cabe salientar que não estamos negando tal postura dos estadunidenses, mas sim defendendo que é preciso avaliar primeiro as relações para que então possamos chegar em tal resposta.
3 Reforçamos que, embora a temática da Política de Boa Vizinhança não seja nova na historiografia brasileira, ainda há poucas pesquisas em português que discutam os curtas-metragens produzidos pela parceria Disney-Rockefeller nesse período, com as atenções mais voltadas para os longas Alô, Amigos (1942) e Você já foi à Bahia? (1944). O mesmo acontece em língua inglesa sobre tais animações, sendo a maioria dos trabalhos (listada na bibliografa ao final) datada entre 1970 e 1990.
4 Optamos por chamar o Office of the Coordinatior of Inter-Americans Affairs como OCIAA ou Office. Em 1940, o órgão foi criado como Office for the Cordination of Commercial and Cultural Relations between the American Republics. Em seguida, mudou para Office of the Cordinator of Inter-American Affairs, ressaltando a importância do coordenador (Nelson Rockefeller). No final de 1944 o OCIAA mudou novamente o nome para Office of Inter-American Affairs, quando Rockefeller saiu do cargo (DIAS, 2019, p. 89).
5 De forma resumida, John Davison Rockefeller Senior (1839-1937), foi um dos maiores filantropos dos EUA e o principal acionista da Standard Oil Company, uma companhia de refinamento, armazenamento, transporte e distribuição de petróleo. Segundo Gabriela Marinho, as atividades filantrópicas sempre fzeram parte das ações de John D. Senior, e passaram para o filho, John D, Junior, que trabalhou junto com o Pastor Frederick Gates nas ações de criação e desenvolvimento das juntas filantrópicas da família, com a Fundação Rockefeller. Nelson Aldrich Rockefeller (1908-1979) foi um dos filhos de John D. Rockefeller Jr, e se estabeleceu como administrador do Rockefeller Center, em Nova York, e com o passar dos anos construiu sua imagem de filantropo e político (MARINHO, 2001, p. 14-16).
6 Embora os relatórios de produção confirmem a dublagem dos desenhos em espanhol e português, até o momento não foram encontrados indícios documentais que comprovem a circulação da série no Brasil.
7 De acordo com o documento “A guide to Health for the Americas: A series of instructional films”, o curta analisado deveria ser o sexto a ser exibido para suas audiências. Esse manual foi produzido pelo OCIAA para os profssionais que fossem lidar com os desenhos, sugerindo abordagens e aplicações do método. O guia também apresentava uma defesa do cinema como ferramenta educativa atrativa, já que sua linguagem seria simples, com amplo alcance, sem restrições (faixa etária, conhecimentos prévios, origem) para instruir, o que reforça a crença do Office de que os hábitos higiênicos da população seriam completamente alterados após a utilização dos curtas (CIAA, 1944, p. 2-5).
8 Sobre o conceito de filantropia, destacamos a definição apontada por Marinho “destinação de recursos privados para a atuação em atividades de interesse público. No caso específico da filantropia científica, há destinação de recursos privados para a produção de conhecimento científico” neste último caso, envolvem atividades como doações, financiamento e fomento de pesquisas (MARINHO, 2001, p. 14).
9 Para os pesquisadores da Fundação Rockefeller, as doenças que tinham vetores conhecidos (como parasitas e mosquitos) seriam fáceis de serem erradicadas uma vez que seus transmissores fossem completamente eliminados. Para tanto, as teorias que pautavam as atuações dos sanitaristas estadunidenses partiam da teoria do foco-chave. De modo pragmático, a tese afirma que os agentes dessas doenças (como a febre amarela, por exemplo) se mantêm em número limitado entre duas epidemias. Um local só poderia ser considerado “foco-chave” se possuir um trânsito muito grande de viajantes ou recém-chegados, já que a população local já teria superado a última crise e, portanto, estaria imune, ao contrário dos novos indivíduos. Assim, o mosquito só transmitiria a enfermidade se picasse uma pessoa infectada e, em seguida, contaminar alguém não-imune. Se o número de pessoas novas no local for muito grande, isso desencadearia novas epidemias. Para a Fundação Rockefeller haveria apenas um único foco-chave na América Latina: o porto de Guayaquil, no Equador. Essa teoria, que se baseava em fórmulas e projeções matemáticas que considerava o tamanho de aglomerações e as densidades populacionais em uma comunidade, ia contra as teses de médicos latino-americanos e da Missão Pasteur, que formularam suas hipóteses a partir de observações e atendimentos in loco, afirmando que o continente como um todo era um foco de febra amarela, com picos de ressurgimentos e momentos “silenciosos” (LÖWY, 2006, p. 128-129).
10 É interessante observar que, segundo Atique, a vida urbana na passagem dos séculos XIX e XX, enfatizou a iluminação como uma das conquistas da modernidade. No Brasil, a iluminação e o fornecimento de energia elétrica estiveram atrelados à ação de profssionais estadunidenses, além da incorporação de tecnologias produzidas ou patenteadas pelos EUA, Alemanha e França (ATIQUE, 2010, p. 87).
11 Francis Violich aponta que a viagem que ele realizou pela América Central e na região do Caribe teve que ser encurtada por causa de problemas que surgiram com a Segunda Guerra Mundial (VIOLICH, 1944, p. X).
APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

Não se aplica.

FINANCIAMENTO

Não se aplica.

Autor notes
AUTORIA

Michele Aparecida Siqueira Dias: Mestre. Doutoranda, Universidade Estadual de Campinas, Instituto Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Campinas, SP, Brasil.

Paula de Castro Broda: Mestre. Doutoranda, Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História Social, São Paulo, SP, Brasil.

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção e elaboração do manuscrito: BRODA, P. C.; DIAS, M.A.S.

Coleta de dados: BRODA, P. C.; DIAS, M.A.S.

Análise de dados: BRODA, P. C.; DIAS, M.A.S.

Discussão dos resultados: BRODA, P. C.; DIAS, M.A.S.

CONFLITO DE INTERESSES

Não houve confito de interesses.

EDITORES

Flávia Florentino Varella (Editora-chefe)

Tiago Kramer de Oliveira

Waldomiro Lourenço da Silva Júnior

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Michele Dias e Paula Broda. CAPPH, Estrada do Caminho Velho, 333 – Sala 330, 07252-312, Guarulhos, S P, Brasil.

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