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Desigualdades educacionais no ensino fundamental de 2005 a 2013: hiato entre grupos sociais
Desigualdades educacionais no ensino fundamental de 2005 a 2013: hiato entre grupos sociais
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 4, núm. 07, pp. 49-82, 2016
Sociedade Brasileira de Sociologia
Recepção: 30 Março 2016
Aprovação: 26 Junho 2016
Resumo: Esse artigo descreve as desigualdades de aprendizado entre grupos de alunos definidos pelo sexo, cor e nível socioeconômico, com base nos dados da Prova Brasil de 2005 a 2013. As desigualdades encontradas indicam que a análise de um sistema educacional deve considerar tanto sua qualidade como sua equidade, esta aferida por medidas de desigualdade. Nos municípios brasileiros, as medidas de desigualdade foram analisadas ajustando-se modelos hierárquicos lineares. Apresentam-se apenas os resultados das capitais dos estados, municípios com resultados de qualidade abaixo do esperado dadas as suas condições socioeconômicas, mas com comportamentos diferentes nas medidas de desigualdades. Onde houve melhoria na qualidade, não houve redução das desigualdades. A melhoria das médias de proficiências tem funcionado como um círculo virtuoso apenas para os grupos sociais mais favorecidos.
Palavras-chave: Qualidade educacional, Equidade educacional, Desigualdades escolares.
Abstract:
Educational inequalities in primary education from 2005 to 2013: gap between social groups
This article describes learning inequalities among groups of students defined by gender, race, and socioeconomic status using data from the cycles of ‘Prova Brasil’, administered from 2005 to 2013. The inequalities found suggest that the analysis of any educational system must consider both its quality and equity. The latter was operationalized by inequality measures. The educational quality and the inequality of the municipalities were measured adjusting linear hierarchical models. The paper presents only the results for the state capitals. In these cities, given their socioeconomic conditions, results concerning quality of education are lower than expected. The inequality measures described exhibit varying patterns among cities. Wherever a quality improvement was found, equity was absent. Average improvement has worked as a virtuous circle, albeit only for the most advantaged social groups.
Keywords: Educational quality, Educational Equity, Educational Inequalities.
1 Introdução
A importância da educação para o desenvolvimento econômico e a redução das desigualdades sociais passou a fazer parte do debate público no Brasil de forma mais intensa após a redemocratização do país. Isto se refletiu em leis que destacam dois conceitos-chave relacionados a esses objetivos: a qualidade e a equidade da educação.
Na Constituição Federal, esses objetivos estão implícitos na noção do direito à educação universalista (CURY, 2008). No artigo 6º da Constituição, a educação é o primeiro dos direitos sociais e o artigo 205 explicita que a educação visa dotar cada cidadão dos aprendizados necessários para “o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).
Num primeiro momento, o atendimento a esse direito se deu pela garantia do acesso à educação básica para as crianças e jovens de 7 a 14 anos. A ampliação do ensino fundamental para nove anos, em 2006, incluiu as crianças de 6 anos (BRASIL, 2006). Em 2009, esse direito se estendeu para a faixa etária de 4 aos 17 anos, objetivo a ser alcançado até o fim de 2016 (BRASIL, 2009).
Ao longo das décadas de 1990 e 2000, diversas políticas foram aprovadas com o objetivo de garantir condições mais equitativas para o funcionamento da educação básica e reduzir as desigualdades entre os sistemas estaduais e municipais de ensino. Por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica (LDB), de 1996, que regulamentou as finalidades desse nível de ensino; e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de 2007 criado para equalizar os valores custo/aluno em cada estado. O Programa Bolsa Família, que articula a transferência de renda direta a condicionalidades de saúde e educação, também deve ser destacado pelo seu efeito na frequência e permanência na escola do grupo beneficiário (HERMETO et al., 2007).
Essas políticas contribuíram para a universalização do ensino fundamental, a melhoria no fluxo escolar nos anos iniciais (1º ao 5º ano do ensino fundamental) e para a elevação da média educacional dos brasileiros. Estudos com dados demográficos mostram que os anos iniciais do ensino fundamental estão mais equitativos, pois, nas últimas décadas, houve redução dos efeitos da origem social, do grau de urbanização, das diferenças regionais e entre redes de ensino nos indicadores educacionais dessa etapa. Entretanto, os efeitos de fatores relacionados à origem social e contextos locais ou escolares continuam a operar de forma persistente nos níveis mais altos de ensino (MONT’ALVÃO NETO, 2011; RIBEIRO; CENEVIVA; BRITO, 2014).
Em 2014, foi aprovado o Plano Nacional da Educação (PNE) com metas para o país atingir uma educação com qualidade e mais equitativa no prazo de 10 anos (BRASIL, 2014). No PNE, a noção de qualidade contempla todos os níveis, modalidades e etapas de ensino e a equidade está associada à ideia de justiça, inclusão de minorias e redução das desigualdades em todas as dimensões do direito à educação.
Há muitas formas de caracterizar as desigualdades educacionais. Por exemplo, os dados populacionais permitem estudar a relação entre variáveis de origem social com o alcance educacional da população em termos de alfabetização, anos de estudos e níveis concluídos (CASTRO, 2009; FERNANDES, 2005; SILVA; HASENBALG, 2000; MONT’ALVÃO, 2011). Já os dados do censo escolar e das avaliações educacionais permitem descrever as desigualdades de rendimento (aprovação, reprovação e abandono) e desempenho entre redes de ensino e grupos sociais nas escolas (KLEIN, 2006).
Neste artigo optamos por enfatizar a centralidade das desigualdades no estudo da qualidade e equidade educacional. Embora esse tema deva ser tratado em todas as etapas e modalidades de ensino, os dados existentes são mais abrangentes para o ensino fundamental, cuja frequência é obrigatória há muitos anos. As desigualdades de aprendizado e a segregação entre escolas públicas e privadas já é um fenômeno bastante explorado na literatura (BARBOSA; FERNANDES, 2001). Porém, há diferenças dentro da rede pública de ensino que precisam ser conhecidas, tema que será explorado neste trabalho.
Para isso analisamos os dados de todas as edições da Prova Brasil de 2005 a 2013, avaliação educacional em larga escala realizada bianualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). A Prova Brasil é composta por testes de Matemática e Língua Portuguesa (ênfase em Leitura), aplicados aos alunos do 5º e 9º anos do ensino fundamental das escolas públicas. A avaliação inclui questionários contextuais para caracterização dos alunos, escolas, professores e diretores[1]. Excluímos da base de dados as escolas públicas federais porque elas constituem um segmento muito pequeno (menos de 1% das matrículas neste nível de ensino) e com perfil social mais parecido com o das escolas privadas (ALVES; SOARES; XAVIER, 2014).
O artigo está organizado em três seções, além desta introdução. Na próxima seção apresentamos os conceitos e indicadores adotados. Na seção seguinte, destacamos os resultados descritivos das desigualdades e as variações entre as capitais das unidades da Federação em termos de qualidade e equidade em educação. Nas considerações finais discutimos os resultados à luz dos desafios para as políticas educacionais.
2 Unidades de análise, conceitos e indicadores
2.1 Qualidade em educação
Não existe um consenso sobre a definição do conceito de qualidade em educação, mas, o conceito tem sido utilizado principalmente a partir de três dimensões: acesso à escola, permanência e aprendizado adequado (GUSMÃO, 2013; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005). Assim sendo, obter informações sobre o acesso de cada indivíduo a uma escola, acompanhar a sua trajetória escolar e o seu nível de aprendizado são necessários para verificar as dimensões da qualidade assim compreendida.
Uma vez que as condições da oferta educativa afetam essa qualidade, a análise da contribuição das escolas deve ser feita. Isso exige informações sobre os profissionais das escolas, as suas condições de funcionamento, o projeto pedagógico e, finalmente, sobre os resultados de aprendizado e fluxo dos alunos de cada escola.
Portanto, para analisar a qualidade da educação, as duas abordagens, a centrada no estudante (indivíduo) e a centrada na escola (contexto da educação) são necessárias. No Brasil, os dados para essas abordagens são produzidos pelas pesquisas demográficas, o censo escolar e as pesquisas de avaliações educacionais.
2.2 Equidade em educação
A noção de equidade geralmente é tida como equivalente à de justiça. Entretanto, a definição do que é justo e injusto ou do que é equitativo não é consensual (MEURET, 2011; SIMIELLI, 2015). Na educação, a equidade está associada ao tratamento desigual de desiguais, ação necessária tendo em vista a desigualdade inicial entre os estudantes. Dubet (2004), por exemplo, argumenta que um sistema escolar justo deveria garantir uma base de conhecimento comum a todos, como é o salário mínimo ou a assistência médica, para proteção dos alunos mais fracos e desfavorecidos.
Uma política social equitativa é aquela em que ações são tomadas para o controle das desigualdades de gênero, de raça/cor e de nível socioeconômico dos alunos, por exemplo. Essas políticas podem ser planejadas para combater as desigualdades de acesso à escola, de progressão no sistema educacional ou de resultados escolares (desempenho, aprovação, conclusão de uma etapa, diploma etc.). Entretanto, com a universalização do ensino fundamental, os critérios de igualdades de oportunidades educacionais se voltam para a garantia do direito ao aprendizado (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005).
A equidade na educação básica deve ser avaliada pelos seus efeitos sociais, pelas consequências que a desigualdade pode acarretar na trajetória dos alunos. Portanto, os conceitos de qualidade e equidade são ambos essenciais no debate educacional, já que é possível ter qualidade sem equidade e equidade sem qualidade.
2.3 Indicador de desigualdade
As desigualdades são estudadas por meio da relação entre grupos sociais. Na educação, elas remetem à distância entre grupos quanto ao acesso à escola e ao sucesso escolar (alcance educacional, trajetória regular, aprendizado) e não sobre diferenças entre indivíduos.
Por exemplo, ao se medir o aprendizado de um conjunto de estudantes, não se espera observar igualdade. Ao contrário, espera-se observar variações aleatórias. Assim sendo, quando se comparam dois alunos, não é possível saber se a eventual diferença de aprendizado é uma simples variação ou é fruto de uma desigualdade sistemática.
Para esclarecer isso, precisamos comparar o aprendizado dos alunos segundo grupos definidos por variáveis, tais como: sexo, raça/ cor, região do país, local de moradia, nível socioeconômico ou outra característica de interesse. Em uma situação de igualdade de oportunidades, tratamento e resultados educacionais[2], as variações entre esses grupos seriam semelhantes.
Neste artigo, para analisar as desigualdades entre grupos tomamos como medidas de resultado o aprendizado em Leitura e Matemática. Em seguida, escolhemos variáveis para definir os grupos sociais de interesse.
A forma de medir a diferença de resultado entre esses grupos obedeceu ao nível de mensuração das variáveis escolhidas (sexo, raça/ cor e faixas de nível socioeconômico). Como elas são categóricas é possível determinar a distância entre as distribuições da medida de qualidade entre os grupos. A desigualdade educacional será observada pelo hiato de desempenho entre os grupos sociais.
Para interpretar substantivamente esse hiato é preciso estabelecer algum parâmetro para o desempenho dos alunos. Para isso, consideramos as metas bianuais estabelecidas pelo governo federal para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Os pontos da escala de proficiência para definir essas metas, do 5º e 9º ano do ensino fundamental, distam entre si 75 pontos. Isto equivale a um acréscimo anual de aproximadamente 20 pontos[3]. Utilizamos nas análises descritivas esse valor como referência para avaliar o tamanho das diferenças entre as médias de proficiências segundo grupos de estudantes. Ou seja, um grupo que está em desvantagem de 20 pontos em relação a outro está cerca de 1 ano de aprendizado atrás, mesmo cursando a mesma série.
3 Resultados: desigualdades educacionais entre indivíduos
Nesta seção, descreveremos as desigualdades entre grupos de estudantes em todas as edições da Prova Brasil, a saber, 2005, 2007, 2009, 2011 e 2013. Esses dados compreendem 23.090.008 alunos e 70.183 escolas em todos os municípios do país. O percentual de alunos em cada grupo consta na tabela 1A do Apêndice 1. O hiato entre os grupos, mostrado por meio das análises descritivas, são distâncias reais, uma vez que os dados da Prova Brasil são censitários.
Na Prova Brasil, o desempenho dos alunos é estimado por meio de um modelo de três parâmetros da Teoria da Resposta ao Item (TRI) e os escores resultantes recebem o nome técnico de proficiência (KLEIN, 2013). A escala de proficiência, originalmente em desvios-padrão, é transformada para valores de 0 a 500 pontos. Como a escala de proficiência é a mesma para as diferentes edições da Prova Brasil, devido ao processo de equalização utilizado na análise dos testes, as variações na proficiência dos alunos de um determinado ano escolar, entre as edições, refletem a melhoria ou piora no aprendizado das coortes avaliadas[4]. Além disso, como a mesma escala é usada para expressar os escores dos alunos dos diferentes anos escolares ou séries, os alunos do 5º ano tipicamente têm proficiências com valores mais baixos do que os alunos do 9º ano.
No Apêndice, a tabela 1B apresenta as estatísticas descritivas das proficiências em Leitura e Matemática.
3.1 Diferenças segundo o sexo do aluno
As tabelas 1 e 2 mostram as médias das proficiências em Leitura e Matemática segundo a variável sexo e as diferenças entre os grupos. Em Leitura, tanto no 5º ano quanto no 9º ano, houve melhora nas médias, de 2005 a 2013. Porém, as meninas estão claramente em patamar superior de aprendizado e as diferenças cresceram. Em Matemática também houve melhora das médias, mas o comportamento é diferente: os meninos estão em vantagem, sendo que as d iferenças são maiores no 9º ano. Vale registrar, entretanto, que o hiato das meninas no 5º ano, em Matemática, é relativamente pequeno, inferior a 10 pontos. Na escala da Prova Brasil esse não é um valor substancial que não possa ser equalizado.
O hiato de desempenho entre meninas e meninos é um resultado consistente com a literatura educacional sobre diferenças de gênero. Vários estudos internacionais de avaliação concordam com que as alunas têm um desempenho em Leitura melhor do que os alunos, enquanto que, em Matemática, a diferença de gêneros é menos clara e mais instável (EURYDICE, 2010).
Porém, as explicações sobre como se dá esse processo de diferenciação não são convergentes. Walden e Walkerdine (1985 apud ANDRADE; FRANCO; CARVALHO, 2003) realizaram um estudo qualitativo na Inglaterra e apontaram que, para além do esforço individual, as expectativas de papéis relacionadas ao gênero influenciam as práticas de sala de aula, principalmente em Matemática a partir da etapa equivalente ao segundo segmento do ensino fundamental (6º ao 9º ano). No Brasil, Carvalho (2003) destacou os papéis socialmente construídos nas escolas sobre masculinidade e feminilidade como elemento para discutir o fracasso escolar dos meninos. Senkevics e Carvalho (2015) apontaram algumas práticas familiares que contribuem para construir papéis de gênero que, no caso das meninas, favorecem a maior proximidade delas com os processos escolares.
Uma síntese dos resultados no PISA de países europeus encontrou explicações relacionadas às características dos alunos[5]. As meninas leem mais livros não escolares e se saem melhor em itens com apoio de textos literários, mas não há diferenças significativas de gêneros com textos informativos. Por outro lado, os meninos têm maior autoestima em relação à sua capacidade na Matemática e eles são mais numerosos entre os alunos com resultados excepcionais nessa competência, o que eleva a média do grupo (EURYDICE, 2010).
Vale ainda registrar que o avanço da escolarização feminina é um fenômeno mundial e que ocorre também no Brasil (RIBEIRO; SCHLEGEL, 2014; ROSEMBERG; MADSEN, 2011), o que pode contribuir para reforçar as vantagens femininas na Leitura e diminuir diferenças em Matemática.
3.2 Diferenças segundo a cor do aluno
No questionário contextual da Prova Brasil, cada aluno deve escolher, entre cinco categorias de raça/cor, aquela em que se classifica: branco, pardo, preto, amarelo e indígena. Como são poucos os alunos que se autodeclaram amarelos ou indígenas (cerca de 5%), optamos por destacar somente as diferenças entre brancos, pardos e pretos.
Nas tabelas 3 e 4 há duas diferenças que precisam ser analisadas: entre brancos e pretos; e entre pardos e pretos. Os alunos que se autodeclaram pretos, mesmo apresentando melhora da proficiência, sobretudo no 5º ano, têm desempenho pior do que os que se autodeclaram brancos ou pardos. A distância entre pardos e pretos, embora substancial, é menor do que a entre brancos e pretos, cuja diferença está destacada na última coluna da tabela (Pt-B). Socialmente o mais preocupante é que as diferenças não têm diminuído ao longo dos anos. Vale destacar que a distância entre pretos e brancos é mais expressiva do que a observada entre meninas e meninos. O aluno preto está em desvantagem equivalente a quase um ano de aprendizado, embora esteja cursando a mesma série que o aluno branco.
As desigualdades educacionais entre a população branca e não branca são muito conhecidas no país. Mesmo com a expansão educacional observada nas últimas décadas, os brancos permanecem à frente na média de anos de estudo e no acesso aos níveis mais altos de ensino (CASTRO, 2009; FERNADES, 2005). Os nossos resultados dão destaque para as desigualdades que ocorrem dentro das escolas e corroboram com outros estudos sobre desigualdades entre alunos discriminados por raça/cor em relação à proficiência (PAIXÃO; ROSSETO; CARVANO, 2011; SOARES; ALVES, 2003).
Soares e Alves (Ibid.) mostraram, com base nos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica, que alunos discriminados segundo a cor/raça, com condições socioeconômicas e em escolas semelhantes, têm resultados significativamente distintos. As diferenças entre esses grupos aumentam quando as escolas são melhores. Os autores sugerem duas possíveis explicações: a primeira, que as práticas e atitudes internas às escolas podem favorecer os alunos brancos; e, a segunda (não excludente), que as diferenças individuais são potencializadas quando inseridas em contextos mais favoráveis (escolas com melhor infraestrutura, melhores professores, colegas com atraso escolar menor).
3.3 Diferenças segundo o nível socioeconômico do aluno
A relação entre nível socioeconômico (NSE) e sucesso escolar é a mais explorada desde os estudos precursores de Coleman (1966) e Bourdieu e Passeron (2008). Na literatura, não há uma única abordagem empírica para operacionalizar o NSE (ERIKSON; GOLDTHORPE, 1992; GAZENBOOM; DE GRAAF; TREIMAN, 1992). Mas as possibilidades de construir medidas de nível socioeconômico são as que mais se desenvolveram na pesquisa educacional empírica (ALVES; SOARES; XAVIER, 2014; SOARES, 2005).
Neste trabalho, a medida do NSE do aluno sintetiza vários itens do questionário contextual relacionados à escolaridade e setor ocupacional de seus pais, a posse de itens de conforto e a contratação de empregados domésticos no domicílio[6]. O NSE foi calculado por meio da Teoria da Resposta ao Item (TRI), especificamente aplicou-se o modelo de Samejima (1969), apropriado para itens com respostas ordinais. A TRI é semelhante à análise fatorial uma vez que ambas estimam variáveis latentes. Entretanto, a vantagem da TRI é a forma pela qual o modelo trata os dados ausentes, uma vez que a estimação pode ser feita com itens parcialmente respondidos. Nas avaliações educacionais é comum que muitos estudantes não respondam a todos os itens dos questionários (SOARES, 2005).
As tabelas 5 e 6 mostram as médias dos estudantes agregados pelo seu respectivo nível socioeconômico em quintis. Na coluna Diferença (5-1) destacamos o hiato entre os alunos com os maiores e menores valores de NSE. As diferenças são enormes e todo o avanço no aprendizado médio dos estudantes brasileiros não mudou em nada as desigualdades. Os alunos com menor NSE (1º quintil) apresentam médias muito semelhantes em todas as edições da Prova Brasil. Isso mostra a importância de se colocar na pauta do debate educacional a diminuição destas diferenças.
O hiato entre os alunos discriminados por grupos de NSE é o mais elevado observado até agora. Esse é um constrangimento real, extraescolar, que afeta diretamente as escolas e as salas de aula (BROOKE; SOARES, 2008). No entanto, o tamanho da diferença deve ser destacado. Em 2013, no 5º ano, tanto em Leitura quanto em Matemática, um aluno com NSE mais baixo está em desvantagem equivalente a mais de dois anos de aprendizado, quando comparado a um aluno com NSE mais alto. Alunos com essa defasagem serão fortes candidatos a não concluírem o ensino médio ou não conseguirem avançar para o ensino superior. Importante ressaltar que essas diferenças se referem aos alunos matriculados em escolas públicas estaduais e municipais. Um hiato tão elevado sinaliza que as nossas escolas públicas são, em média, incapazes de garantir a igualdade de oportunidades.
3.4 Diferenças segundo grupos definidos por múltiplas variáveis
Normalmente definimos o nível de desigualdade de um sistema como a força do peso da origem social sobre os resultados educacionais. Mas o que ocorre é que os mecanismos de produção dessas desigualdades são complexos e certas características dos grupos se reforçam ou compensam determinadas desvantagens.
Quando os grupos são definidos por múltiplos critérios, diferenças ainda mais acentuadas são observadas. As tabelas 7 e 8 apresentam as médias de proficiência de grupos de alunos definidos por sexo, cor e quintis do NSE. Como todas as combinações dessas variáveis produziram muitos grupos, nas tabelas são mostrados apenas os grupos entre os quais as diferenças são mais notáveis.
Na tabela 7, com os resultados de Leitura, a coluna Diferença (E-D) destaca as distâncias entre as meninas brancas com NSE mais alto (5º quintil) e os meninos pretos com NSE mais baixo (1º quintil). No 5º ano, a distância entre esses dois grupos é enorme e crescente. O mesmo padrão é observado no 9º ano, exceto em 2013 em que é observada uma pequena queda da diferença entre os grupos.
Na tabela 8, a coluna Diferença (G-B) destaca a distância entre meninos brancos com NSE mais alto e meninas pretas com NSE mais baixo, que sistematicamente têm desempenho pior em Matemática. As diferenças entre os grupos, no 5º ano, são crescentes ao longo do período analisado. No 9º ano, a tendência é de crescimento até 2009 e depois de queda.
Quase todas as distâncias entre os grupos são superiores a 40 pontos (dois anos de aprendizado) e algumas ultrapassam 60 pontos. Isso significa que dois alunos que estão matriculados na mesma série, mas diferentes em relação ao sexo, à cor e ao NSE, podem estar distantes ao equivalente a mais de três anos de aprendizado um do outro. Mas vale destacar que as diferenças entre NSE são aquelas que mais pesam para as distâncias verificadas nas tabelas 7 e 8.
3.5 Desigualdades educacionais em Municípios
Os municípios brasileiros podem ser usados como unidade de análise das desigualdades educacionais. Há uma vasta literatura sobre o efeito das escolas, que indica que estas podem fazer a diferença (BROOKE; SOARES, 2008). Porém há menos estudos sobre o efeito dos municípios em relação aos resultados escolares (RIANI; RIOS-NETO, 2008; SOARES; ALVES, 2013).
Neste artigo, consideramos como medida da desigualdade entre os municípios a distância entre as médias de proficiência dos alunos matriculados em escolas de cada município brasileiro. Com isso, queremos responder à seguinte pergunta: há municípios que conseguem garantir bons resultados educacionais, não obstante as desigualdades relacionadas ao sexo, cor e nível socioeconômico dos seus alunos?
A pesquisa educacional já estabeleceu, além da dúvida razoável, que os resultados de aprendizado estão associados a características dos estudantes, de suas escolas e de suas famílias (MADAUS; AIRASIAN; KELLAGHAN, 2008; BOWLES; GINTIS, 2008). Algumas dessas relações foram descritas nas tabelas anteriores. Assim sendo, é natural o uso de modelos de regressão nos quais a variável resposta seja o aprendizado e as variáveis independentes sejam características dos estudantes e de suas respectivas famílias e escolas.
Por outro lado, os resultados dos alunos matriculados na mesma escola não são independentes. Eles sofrem a influência do mesmo ambiente escolar. Do mesmo modo, escolas do mesmo município sofrem influências da política local. Por essa razão, o uso de modelos hierárquicos de regressão é recomendado, pois eles consideram a dependência entre observações de diferentes estudantes e escolas (RAUDENBUSH; BRYK, 2002).
Os modelos hierárquicos têm uma flexibilidade que se tornou essencial para a análise da questão de pesquisa considerada. Como um dos objetivos deste artigo é caracterizar as desigualdades municipais, o método de análise deveria permitir que a associação entre o aprendizado e os fatores explicativos fosse diferente para cada município.
Isso é facilmente acomodado na especificação do modelo. Alternativamente seria necessário utilizar uma regressão para cada município o que, considerando o número de municípios brasileiros, dificultaria enormemente a análise.
Neste trabalho, ajustamos três modelos lineares hierárquicos de regressão múltipla com três níveis, que utilizam, em conjunto, os dados das cinco edições da Prova Brasil para os dois segmentos do ensino fundamental (5º e 9º anos). O desempenho escolar foi analisado considerando, portanto, os alunos (nível 1), as escolas (nível 2) e os municípios (nível 3).
Nos três modelos, a variável resposta é a proficiência do aluno em Matemática. A escolha dessa competência se justifica porque estudos com dados de avaliações educacionais indicam que o aprendizado da Matemática está mais relacionado ao ambiente escolar ao contrário da Língua Portuguesa que se beneficia muito da origem familiar (BARBOSA; FERNANDES, 2001). As equações do modelo estão no Apêndice 2.
Em todos os modelos, no nível do aluno, foram consideradas variáveis explicativas usualmente utilizadas para descrever diferenças quanto ao desempenho escolar: sexo, cor e NSE (descritas nas seções anteriores); a adequação idade-série, para controlar se o aluno teve uma trajetória escolar regular ou não (FERRÃO et al, 2001; MEZENES-FILHO; RIBEIRO; 2009; SOARES et al, 2012); e o ano escolar que o aluno estava matriculado, para permitir a análise do conjunto dos dados simultaneamente. Também foram incluídas variáveis indicadoras da edição da Prova Brasil, visto que os modelos foram ajustados com todos os dados disponíveis.
No nível da escola, foi considerado o nível socioeconômico médio da escola obtido por agregação do NSE dos alunos por escola. Essa variável visa controlar a forte segmentação entre os estabelecimentos de ensino, mesmo entre escolas públicas.
No nível dos municípios nenhuma variável foi incluída, uma vez que o que interessa é o efeito-município (WILLMS, 1992). Este é obtido pelo termo aleatório da equação do nível 3 do modelo, conforme explicado detalhadamente no Apêndice 2
Nos modelos, o coeficiente da variável do grupo social de interesse pode variar no terceiro nível. Assim, por exemplo, para analisar as desigualdades dos municípios em relação às meninas, permitimos que o coeficiente da variável indicadora do sexo feminino variasse entre os municípios. O mesmo foi feito em relação à variável indicadora para a cor preta e também para a variável do NSE dos alunos. Os coeficientes para essas variáveis no nível do município são uma estimativa do tamanho das desvantagens dos alunos com essas características associadas aos municípios, além das desvantagens observadas na média geral.
Os resultados dos modelos, apresentados na tabela 9, não são inesperados e confirmam mais uma vez os achados da literatura sobre a relação entre origem social e desempenho (BROOKE; SOARES, 2008). Os coeficientes das covariáveis (efeitos fixos) têm sinais na direção esperada e os valores são muitos semelhantes nos três modelos.
A variável nível socioeconômico médio das escolas (MNSE) possui coeficiente positivo. O resultado evidencia que as escolas reproduzem a desigualdade social do país. Ressaltamos que, neste estudo, não estão incluídas as escolas públicas federais nem as escolas privadas. Caso contrário, muito provavelmente encontraríamos efeitos maiores da média do NSE. O padrão observado para o NSE do aluno é semelhante. Quanto mais elevado o NSE maior a estimativa da média da proficiência do aluno.
Os alunos pardos e pretos têm desempenho inferior ao do grupo de referência (alunos brancos), mas a diferença dos pretos é muito maior. As alunas têm desempenho inferior ao dos alunos em Matemática. Os coeficientes do atraso escolar são negativos, o que é um resultado compatível com resultados anteriores sobre os efeitos deletérios de trajetórias irregulares no desempenho acadêmico (RIANI; SILVA; SOARES, 2012).
Na parte inferior da tabela 9 estão os componentes da variância (efeitos aleatórios), que se referem às fontes de variação nos resultados: alunos, escolas e municípios. Nessa parte interessa destacar dois conjuntos de resultados. O primeiro consiste na variação dos municípios no que se refere à média das proficiências. Esta variação equivale ao efeito município, que é definido pelos termos residuais da equação de nível 3 (Intercepto1/Intercepto2,u00). Os efeitos dos municípios expressam a parcela do desempenho acadêmico do aluno que pode ser atribuído ao fato dele estudar em um determinado município, excluídas as suas características pessoais e familiares e também características da sua escola. Portanto, é uma medida da qualidade do ensino do município. Foram estimados esses efeitos para todos os municípios brasileiros.
O segundo conjunto de resultados de efeitos aleatórios consiste na análise das variáveis NSE, sexo feminino e cor preta como possíveis fontes de variação das proficiências entre os municípios. Isto é observado pela covariância entre o intercepto do terceiro nível (município) e o coeficiente de inclinação da variável de interesse (respectivamente NSE10/Intercepto2,u130;FEMININO/Intercepto2,u60; e PRETO/Intercepto2,u90) Esse parâmetro é considerado uma medida da equidade entre grupos sociais. Os resultados indicam que há variação estatisticamente significativa dos coeficientes de NSE, sexo feminino e cor preta entre municípios.
Para analisar esses resultados, produzimos gráficos que representam a relação entre as medidas de qualidade (efeito município) e de equidade dos municípios. Nos gráficos apenas as capitais estão representadas com círculos, não obstante tenham sido estimados os efeitos para todos os municípios do país. Os nomes das capitais foram abreviados para melhorar a visibilidade[7]. As linhas de referências horizontal e vertical dividem os gráficos em quadrantes. A posição da linha horizontal corresponde ao valor do intercepto (eixo da qualidade). Valores positivos e mais altos significam mais qualidade. A linha vertical (eixo da equidade) corresponde à estimativa do coeficiente de inclinação da variável de interesse em cada município. Neste caso, a interpretação depende do valor e sinal do coeficiente da variável nos modelos, conforme explicaremos a seguir. A linha desse eixo é posicionada no valor zero, que representa a estimativa dos coeficientes de cada variável analisada nos respectivos modelos.
O gráfico 1 apresenta os resultados considerando o NSE. No eixo da equidade, valores mais altos significam menos equidade. No 1º quadrante, localizado no canto superior direito, estão as capitais com valores mais altos para a medida de qualidade. Nessas capitais, o NSE contribui para acirrar as diferenças porque valores mais altos correspondem a peso mais elevado da origem social dos alunos. Por exemplo, em Palmas (PAL), a proficiência média dos alunos está em torno de 200 pontos e o efeito da variável NSE está em torno de 4 pontos. Isto significa que nessa cidade o efeito médio do NSE (3,3 pontos, ver modelo 1 na tabela 9) é acrescido de 4 pontos. Ou seja, as diferenças entre os alunos ficam mais acirradas em Palmas do que, por exemplo, em Belém (BEL). Esta capital, por sua vez, está localizada no 3º quadrante (canto inferior esquerdo), que reúne cidades com medidas de qualidade mais baixas, mas com melhor medida de equidade, porque o efeito do NSE está abaixo de zero. Ou seja, em Belém o peso do NSE sobre a proficiência média dos alunos é menor.
O gráfico 2 apresenta os resultados considerando a variável sexo feminino. Embora o gráfico também esteja dividido em quadrantes, não há ocorrências de valores positivos para equidade. Para a interpretação do eixo da equidade, valores mais baixos significam menos equidade. Por exemplo, Campo Grande (CGR), que está localizada no 2º quadrante (canto superior esquerdo), possui um valor mais alto para qualidade (pouco mais de 200 pontos) e possui um efeito da variável feminino em torno de -9 pontos. Isto quer dizer que, nessa cidade, o efeito médio da variável feminino (-5,16 pontos, ver modelo 2 na tabela 9) é acrescido de -9 pontos. Ou seja, o valor se torna mais negativo, indicando mais desigualdade entre alunos e alunas. Belo Horizonte (BH), por sua vez, apresenta valor para qualidade na média e uma medida de equidade menos baixa. Isto significa que as diferenças entre os alunos e as alunas nessa cidade ficam um pouco menos acirradas do que nas capitais que estão à sua esquerda no gráfico.
O gráfico 3 apresenta os resultados considerando a variável cor preta e deve ser interpretado como o gráfico 2. Por exemplo, no 2º quadrante (canto superior esquerdo) a cidade do Rio de Janeiro (RJ) possui um valor para qualidade mais alto (pouco mais de 200 pontos) e um efeito da variável cor preta em torno de -10 pontos. Ou seja, nessa cidade, o efeito médio da cor preta (-9,05 pontos, ver modelo 3 na tabela 9) é acrescido de -10 pontos. A interpretação dessa evidência é que há mais desigualdade entre alunos pretos e brancos no Rio de Janeiro do que nas capitais que estão a sua direita no gráfico. Por outro lado, Salvador (SAL) se destaca por ser a capital onde a condição de aluno preto é, comparativamente às outras capitais, um pouco melhor. Isso pode ser o resultado de uma maior homogeneidade da população quanto ao quesito cor. Vale notar, entretanto, que a medida de qualidade de Salvador está abaixo da média.
Em uma situação de mais equidade educacional entre os municípios, os efeitos do NSE, sexo feminino e cor preta deveriam ser iguais ou próximos de zero. Isto é, não deveriam variar tanto segundo o local de moradia do aluno. Embora não reportado neste artigo, encontramos 553 municípios com efeito do NSE igual à zero ou negativo, 81 com efeito do sexo feminino igual ou maior que zero; e apenas 1 com efeito da cor preta maior que zero. Nesses municípios a melhora do nível socioeconômico, o fato de ser do sexo feminino ou da cor preta não significa aumento das desigualdades. Porém, tal como ocorre nas capitais, a equidade nesses municípios não caminha necessariamente na mesma direção da qualidade.
Considerações finais
Os indicadores educacionais de acesso, permanência e conclusão das etapas de ensino e de desempenho escolar são considerados para a análise da qualidade da educação de um país. A distribuição desses indicadores varia entre os indivíduos. Entretanto, quando essa variação é uma característica relacionada a grupos sociais, tem-se uma situação de desigualdade.
Para analisar esta questão, apresentamos os resultados do aprendizado dos alunos das escolas públicas segundo a Prova Brasil de 2005 a 2013. Destacamos a melhoria do desempenho em conjunto com a persistente e crescente desigualdade entre os grupos sociais. Consideramos que a situação educacional deve ser tratada simultaneamente pela qualidade (melhora das médias), mas também pela equidade, que é operacionalizada pela análise das desigualdades entre grupos de interesse para as políticas sociais.
Os nossos achados são consistentes com os estudos sociológicos sobre estratificação educacional em relação ao peso das variáveis de origem (MONT’ALVÃO NETO, 2011; RIBEIRO; CENEVIVA; BRITO, 2014). As diferenças entre grupos definidos pela cor são grandes, mas as de nível socioeconômico são ainda maiores. Porém, uma pessoa não é uma cor, um gênero ou tem uma posição social isoladamente. Ela tem tudo isso ao mesmo tempo. Assim, para um grande número de estudantes as desigualdades reais são enormes.
Do ponto de vista das diferenças de gênero, os resultados de desempenho escolar mostram uma forma de desigualdade mais sutil, que geralmente não é captada nas análises que utilizam dados populacionais. O nosso estudo não permite identificar as origens das diferenças no desempenho em Leitura e Matemática entre alunas e alunos. A literatura internacional sugere que as desigualdades de gênero se tornam mais importantes a partir do segundo segmento do ensino fundamental (EURYDICE, 2010), mas faltam estudos mais conclusivos sobre o que ocorre no Brasil. Com base em nossos resultados, é possível inferir que essas diferenças terão importância para a estratificação educacional. As mulheres têm tido alcance escolar superior aos homens, mas elas tendem a ocupar carreiras de menor prestígio (RIBEIRO; SCHLEGEL, 2014). Geralmente, são carreiras para as quais os conhecimentos de Matemática são menos exigidos. Mas vale registrar que a equidade de gênero é mais observada nos municípios do que a equidade de cor.
Para as políticas educacionais, os nossos achados iluminam alguns desafios colocados pelo PNE. Com a expansão do ensino básico, as desigualdades que antes afetavam mais acentuadamente o acesso e a progressão escolar vêm se revelando pelas desigualdades de aprendizado. Os problemas do aprendizado no ensino fundamental constituem uma barreira para o acesso dos alunos aos níveis mais altos de ensino. Para os alunos com nível socioeconômico mais baixo, pretos, meninos (em Leitura) ou meninas (em Matemática), as proficiências mais baixas os colocam em situação muito desvantajosa para seguir sua trajetória escolar.
Finalmente, analisar os efeitos da qualidade e equidade nos municípios constitui uma forma de indicar espaços de ação para as políticas. Os nossos achados sobre os municípios apontam limites nas políticas universalistas para a melhoria dos indicadores educacionais, pois a qualidade da educação nos municípios nem sempre é equitativa.
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Apêndice 1
Apêndice 2
O modelo hierárquico de regressão múltipla para a proficiência em Matemática tem as seguintes variáveis independentes:
Quadro 2A – Variáveis independentes dos modelos hierárquicos lineares
Nota: * Ver Raudenbush and Bryk (2002) sobre centralização nos níveis.
Foram estimados três modelos. Nesses há três termos aleatórios: um associado ao aluno (eijk), outro à escola (r0jk) e um ao município (u00k). O termo aleatório do município representa a medida do efeito município (qualidade do município).
Em cada um dos modelos, há mais um termo aleatório associado ao coeficiente da variável de interesse no nível 3. No primeiro modelo, a variável NSE10 pode variar por município. No segundo e no terceiro modelos, as variáveis FEMININO e PRETO, respectivamente, também puderam variar entre os municípios. Os efeitos das outras variáveis são fixos (não variaram entre os municípios).
Na equação do modelo, o termo aleatório da variável NSE10 (u130k) representa o afastamento do NSE médio do município K à média global (γ1300), o que é interpretado como uma medida da equidade do município. Os outros dois modelos para FEMININO e PRETO têm as mesmas especificações, alterando-se apenas a especificação dos coeficientes aleatórios.
Equação do Modelo Linear Hierárquico – efeito aleatório do NSE entre municípios
Notas