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Um caminho metodológico para identificar redes de ensino mais justas na educação básica
A methodological approach to identify fairer education networks in basic education
Um caminho metodológico para identificar redes de ensino mais justas na educação básica
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 4, núm. 8, pp. 171-190, 2016
Sociedade Brasileira de Sociologia
Recepção: 29 Maio 2016
Aprovação: 26 Outubro 2016
Resumo: Este artigo propõe um caminho metodológico para identificar redes de ensino mais justas na educação básica, nas quais o maior número possível de alunos domina o conhecimento que se define como necessário, sobretudo aqueles alunos cuja origem lhes impõe situações de desigualdade social. Elaborou-se um índice de nível socioeconômico (NSE) para cada aluno; e realizou-se análise de agrupamentos com base na média da proficiência de Matemática, na média do NSE dos alunos e no coeficiente de variação da proficiência de Matemática. Foram identificadas 19 redes municipais de ensino mais justas no estado de São Paulo. Procedimentos de controle mostraram que o caminho metodológico proposto é adequado para indicar redes de ensino que têm conseguido gerar aprendizagens de forma mais equitativa.
Palavras-chave: Equidade, Desigualdade escolar, Metodologia de pesquisa, Justiça na escola.
Abstract: The present article proposes a methodology to identify fairer education networks in basic education, defined as the largest possible number of students mastering knowledge that is defined as necessary, particularly those coming from conditions of social inequalities. An index of socioeconomic level (SEL) was developed and applied to each student; a cluster analysis was conducted based on the mean proficiency in Math, on the mean SEL of the students and on the coefficient of variation of mathematics proficiency. Nineteen (19) fairer basic education systems were identified in the state of São Paulo. Control procedures have shown that the proposed methodological procedure is adequate to identify those education networks that have generated knowledge in a more equitable way.
Keywords: Equity, School Inequalities, Research Methodology, Justice in Schools.
Introdução
Este artigo tem por objetivo propor um caminho metodológico para identificar redes de ensino mais justas na educação básica. Desde os anos 90, o país vem galgando maiores níveis de justiça nessa etapa da escolaridade no que tange ao acesso da população. Entretanto, a permanência na escola e, sobretudo, a aprendizagem continuam sendo um grande desafio para as políticas educacionais (OLIVEIRA, 2007) e costumam atingir as populações menos favorecidas, as crianças que vivem nas regiões mais pobres do país (CASTRO, 2009), nas periferias das grandes cidades (ÉRNICA; BATISTA, 2012), os meninos (FERRARO, 2009) e a população negra (LOUZANO, 2013; FERRARO, 2009).
Nos anos 60, a sociologia da educação demonstrou a correlação entre desigualdade social e desigualdade escolar (BOURDIEU; PASSERON, 1975; COLEMAN, 2008). De acordo com Dubet (2009), desde então os governos têm tentado, por meio de políticas educacionais, enfrentar a (re)produção da desigualdade escolar, sem grandes progressos. Com base em John Rawls, filósofo norte-americano que trata da justiça distributiva, Dubet (2009) apresenta um princípio de justiça para sustentar políticas educacionais para a educação básica. Esse princípio, a igualdade de base, pretende lidar com a correlação entre desigualdade social e escolar, exigindo que todas as crianças, na educação básica, sobretudo aquelas que vivenciam situações de desigualdade social devido à origem, adquiram um conhecimento de base, conforme os objetivos de aprendizagem estabelecidos como necessários nessa etapa da escolaridade. Trata-se de um princípio de justiça que visa a equidade nos moldes de Rawls (2003): quando a distribuição de bens sociais valorizados alcança também os grupos sociais menos favorecidos.
Dubet (2008, 2009) propôs o referido princípio de justiça “igualdade de base” buscando confrontar desafios e contradições presentes nas sociedades democráticas contemporâneas, tais como: essas sociedades vivem a contradição de valorizar liberdade e igualdade e ao mesmo tempo produzir permanentemente desigualdade; a meritocracia, nesse tipo de sociedade, é responsável por articular a representação de igualdade e a hierarquia de posições sociais, de modo a evitar o retorno à noção de castas; a desigualdade escolar afeta a trajetória escolar das crianças e sua dignidade; a desigualdade escolar impacta a configuração futura da desigualdade social devido à relação entre trajetórias escolares, desigualdade social e desigualdade escolar; a educação básica é direito obrigatório subjetivo, portanto, se há correlação entre desigualdade social e desigualdade escolar não é justo que, na educação básica de direito obrigatório, a distribuição do bem social “educação escolar” seja pautada por princípios de justiça meritocrática.
Ao adotar o princípio igualdade de base, evitando o mérito – uma vez que a trajetória escolar e a aprendizagem não são como um jogo com jogadores que partem do mesmo patamar, devido à correlação entre desigualdade social e escolar –, uma rede de ensino da educação básica evitaria que parte das crianças, justamente aquela que é mais desprovida de bens sociais, passe pela experiência do fracasso escolar, construindo para si a identidade de “perdedora”. Além disso, evitam-se também trajetórias escolares turbulentas, que dificultarão a chegada dessas crianças a posições sociais mais prestigiadas.
Nessa perspectiva, para saber se há justiça, é preciso observar os resultados das distribuições, mas sem se pautar somente na média dos resultados, uma vez que não se trata de construir o bem-estar para a maioria, mas para todos, distribuindo de modo a favorecer os mais desprovidos (RAWLS, 2003; DUBET, 2009). Considerando, portanto, a avaliação do desempenho dos alunos em larga escala – Prova Brasil – como uma forma de verificar a distribuição do bem social educação escolar, buscou-se um caminho metodológico que pudesse indicar redes de ensino mais justas, aquelas que mais se aproximam de uma rede que cumpre o princípio de justiça igualdade de base.
O objetivo do procedimento metodológico da pesquisa foi buscar escolas mais justas e não completamente justas, tendo em vista o apontamento de Ribeiro (2014), que, com base em Dubet (2009) e Crahay (2000), conclui que em educação, no tipo de sociedade em que vivemos, que produz desigualdade permanentemente e valoriza igualdade e liberdade, o possível é obter níveis mais justos de uma distribuição de bens advinda das políticas e práticas educacionais em um processo permanente de decisões com vigilância sobre como se usam os insumos, como se realizam os processos e como se efetivam os resultados envolvidos na implementação das políticas. Para Ribeiro (2014), dada a tendência à produção permanente da desigualdade social no tipo de sociedade em que vivemos, a equidade – enquanto distribuição de bens sociais valorizados que favorece também os grupos sociais que experimentam situações acentuadas de desigualdade social – somente pode ser fruto da política, conforme afirma Santos (1979). Por redes mais justas entendem-se, com base nas referências acima, aquelas que conseguem fazer, por meio da política educacional, com que o maior número de alunos, sobretudo aqueles que experimentam situações de desigualdade social, alcance o conhecimento definido como necessário para uma determinada etapa da educação básica. Trata-se, então, de um princípio de justiça que busca a equidade.
O caminho metodológico traçado
Primeiramente, elaborou-se, com base nos microdados da Prova Brasil 2007 e dos questionários associados a essa prova respondidos por alunos de toda a rede pública do estado de São Paulo, um índice de nível socioeconômico (NSE) dos alunos. Fez-se uso do software Multilog para executar metodologia à luz do que foi realizado por Soares e Andrade (2006). Para tanto, indicadores de renda (conforto doméstico da residência do aluno) e da escolaridade de mães e pais foram utilizados. Ao todo, selecionou-se13 itens dos citados questionários respondidos por alunos de 4ª e 8ª séries.
A seleção de um único estado ocorreu para controlar minimamente as diferenças de contexto que, no Brasil, são muito intensas quando se observam estados de diferentes regiões geográficas.
Para operacionalizar a ideia de redes de ensino mais justas com base em Dubet (2008, 2009) e, assim, classificar as redes de ensino no que tange à sua proximidade em relação ao princípio de justiça igualdade de base, foram analisados agrupamentos constituídos com os seguintes critérios: média de proficiência em Matemática na Prova Brasil 2007; coeficiente de variação das proficiências dos alunos em Matemática na Prova Brasil 2007 (que representa o nível de desigualdade escolar de cada rede); NSE dos alunos, elaborado a partir dos questionários associados à Prova Brasil 2007 respondidos pelos alunos. Desse modo, considerou-se como sendo mais justas aquelas redes que, atendendo alunos com níveis socioeconômicos mais baixos, conseguem maior desempenho médio dos alunos em Matemática, menor nível de desigualdade escolar (medido pelo coeficiente de variação do desempenho dos alunos em Matemática), e cumprem melhor o princípio de justiça igualdade de base. Ou seja, que conseguem proporcionalmente fazer com que mais alunos cheguem ao nível de desempenho que se considera como adequado, inclusive aqueles alunos com menor NSE. A decisão de verificar o desempenho em Matemática foi baseada em Alves (2009), para quem o desempenho dos alunos nesse conhecimento é mais afeito à relação com o que é realizado pela escola em comparação com o resultado de língua portuguesa.
Em seguida, foi verificado como as redes de ensino se comportam diante da definição de 200 ou 225 como corte que estabelece nível adequado de proficiência dos alunos de 5º ano em Matemática. Esses cortes foram selecionados com base em Alves (2009), que afirma que 200 é um número de pontos suficiente para dizer que os alunos têm domínio de um conjunto de habilidades da Matemática necessárias nos anos finais do ensino fundamental. Os cortes também se basearam na proposta elaborada pelo Todos pela Educação (2007) e utilizada pelo Ministério da Educação (MEC) (BRASIL, 2008), que considera que o número de pontos necessários para expressar esse conhecimento é 225. Optou-se por usar os dois cortes, uma vez que o Estado brasileiro ainda não finalizou a mediação de um acordo que possa expressar o que seria oficial. Cabe observar que a proposta de Dubet (2009), igualdade de base, exige que o Estado defina o conhecimento que deve ser dominado por todos os alunos ao cabo de um determinado período. De forma inadequada, na falta de um currículo comum no país que expresse esse conhecimento necessário para todos, as avaliações externas do desempenho dos alunos em larga escala, coordenadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/ MEC), têm oferecido parâmetros para a definição de metas de apoio às políticas e planos educacionais, conforme se pode observar na leitura do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014).
A análise de agrupamentos foi efetuada unicamente sobre dados das redes de ensino municipais do estado de São Paulo, com mais de cinco mil matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental no ano de 2005. Trata-se de 69 redes municipais. Essa escolha foi referenciada no fato de que tais redes têm maiores desafios em termos de desempenho dos alunos e de equidade. Tomou-se como unidade de estudo a rede municipal de ensino de cada localidade.
Resultados
Conforme mencionado, a análise de agrupamentos foi efetuada com base nas variáveis: média da proficiência de Matemática na Prova Brasil 2007; média do NSE dos alunos, calculado a partir de suas respostas aos questionários associados à Prova Brasil; e coeficiente de variação da proficiência de Matemática na Prova Brasil 2007. Foram identificados quatro grupos de redes de ensino após análise da variabilidade e da interpretação de cada um dos agrupamentos gerados. A Tabela 1 e a Figura 1 apresentam as médias das variáveis para cada grupo.
Média | Desvio Padrão | Erro Padrão | Intervalo de Confiança de 95% para a média | Mínimo | Máximo | N | |
NSE | -0,090 | 0,085 | 0,010 | [-0,110; -0,069] | -0,314 | 0,081 | 69 |
G1 | -0,175(C) | 0,060 | 0,016 | [-0,210; -0,141] | -0,314 | -0,109 | 14 |
G2 | -0,050(A) | 0,060 | 0,018 | [-0,090; -0,010] | -0,121 | 0,050 | 11 |
G3 | -0,133(B) | 0,065 | 0,015 | [-0,164; -0,102] | -0,304 | -0,034 | 19 |
G4 | -0,026(A) | 0,056 | 0,011 | [-0,049; -0,003] | -0,092 | 0,081 | 25 |
Nota de Matemática - Prova Brasil 2007 | 202,628 | 11,276 | 1,358 | [199,919; 205,337] | 180,573 | 232,069 | 69 |
G1 | 190,371(A) | 6,727 | 1,798 | [186,487; 194,255] | 180,573 | 206,090 | 14 |
G2 | 194,021(A) | 8,761 | 2,641 | [188,139; 199,91] | 184,751 | 211,601 | 11 |
G3 | 212,937(C) | 7,644 | 1,754 | [209,253; 216,621] | 204,956 | 232,069 | 19 |
G4 | 205,443(B) | 6,783 | 1,357 | [202,643; 208,243] | 195,013 | 218,808 | 25 |
CV (Nota de Matemática - Prova Brasil 2007) | 0,223 | 0,016 | 0,002 | [0,220; 0,227] | 0,192 | 0,265 | 69 |
G1 | 0,230(C) | 0,007 | 0,002 | [0,226; 0,234] | 0,219 | 0,240 | 14 |
G2 | 0,250(D) | 0,008 | 0,002 | [0,245; 0,256] | 0,240 | 0,265 | 11 |
G3 | 0,210(A) | 0,010 | 0,002 | [0,206; 0,215] | 0,192 | 0,223 | 19 |
G4 | 0,218(B) | 0,007 | 0,001 | [0,215; 0,221] | 0,201 | 0,231 | 25 |
Os quatro agrupamentos podem ser assim interpretados, por observação das médias das variáveis para cada grupo:
Grupos | Número de municípios | NSE | Desigualdade Escolar (CV Matemática) | Desempenho médio em Matemática |
1 | 14 | Mais baixo | Alta | Baixo |
2 | 11 | Mediano | Mais alta | Baixo |
3 | 19 | Segundo mais baixo | Mais baixa | Mais alto |
4 | 25 | Alto | Mais alta | Alto |
Para finalizar a tarefa de operacionalizar o conceito de igualdade de base, considerando as referências de Dubet (2008, 2009), verificou-se como são, nesses grupos de municípios, as proficiências dos alunos com NSE mais baixo.
A Tabela 2 e a Figura 2 apresentam as medidas-resumo do desempenho em Matemática na Prova Brasil 2007 no grupo de alunos classificados no 1º tercil de NSE (NSE ≤ -0,422), que representa o grupo de alunos com mais baixo nível socioeconômico.
Média Desempenho dos alunos Matemática Menor Tercil NSE | Desvio Padrão | Erro Padrão | Intervalo de Confiança de 95% para a média | Mínimo | Máximo | N | |
Total | 195,866 | 9,910 | 1,193 | [193,485; 198,246] | 177,993 | 221,051 | 69 |
G1 | 185,919(A) | 6,071 | 1,622 | [182,414; 189,424] | 177,993 | 202,151 | 14 |
G2 | 187,980(A) | 6,315 | 1,904 | [183,738; 192,223] | 180,834 | 199,873 | 11 |
G3 | 205,504(C) | 7,705 | 1,768 | [201,791; 209,218] | 195,692 | 221,051 | 19 |
G4 | 197,580(B) | 5,858 | 1,172 | [195,162; 199,999] | 184,296 | 209,453 | 25 |
Observa-se que o grupo 3 contempla as redes que apresentaram o maior desempenho médio em Matemática, seguido pelo grupo 4. Os grupos 1 e 2 apresentaram as menores médias (similares entre si). A média da proficiência dos alunos em Matemática no grupo 3 alcança valor maior que 200, ainda que menor que 225. É possível perceber que é no grupo 3 (segundo grupo com menor NSE, porém com a menor desigualdade escolar em relação a todos os demais grupos) que o conjunto de alunos com menor NSE obtém as maiores médias em termos de proficiência em Matemática na Prova Brasil 2007 (205,50). Vale observar que é também no grupo 3 que a distância entre a maior e a menor proficiência alcançada pelos alunos dentre aqueles de NSE mais baixo também é menor: 16 pontos contra 23 (grupo 1), 20 (grupo 2) e 22 (grupo 4).
Foi calculado ainda o percentual de alunos com menor NSE, com proficiência em Matemática na Prova Brasil 2007 igual ou acima de 200 ou 225, no âmbito de cada um dos agrupamentos.
Conforme se pode observar na Figura 3, o grupo 3 agrega o maior percentual de alunos com NSE mais baixo e com níveis de proficiência em Matemática, na Prova Brasil 2007, compatíveis com os dois critérios que foram tratados como possíveis indicadores para o alcance da igualdade de base. Vê-se que, se o corte para indicar nível de competências e habilidades aceitáveis para o final dos anos iniciais do ensino fundamental fosse o adotado pelo MEC (pelo menos 225 pontos), no grupo 1 apenas cerca de 20% dos alunos de NSE mais baixo teria alcançado essa condição; 21% deles no grupo 2; e 26% no grupo 4. O grupo 3 contaria com um percentual mais elevado, cerca de 30%. Considerando o corte referenciado em Alves (2009) (mínimo de 200 pontos), percentuais bem maiores de alunos com baixo NSE estariam em situação compatível com nível adequado de proficiência: 35% dos alunos de baixo NSE no grupo 1; 38% no grupo 2; 46% no grupo 4. O grupo 3 propiciaria essa situação para mais de 50% desses alunos.
Foi também calculado o percentual de alunos com proficiência igual ou maior que 200 ou 225 sobre o total de alunos dos municípios, no âmbito de cada agrupamento. Conforme mostra a Figura 4, o grupo 3 conseguiria elevar quase 60% de seus alunos a um nível definido como adequado de proficiência se o corte indicativo fosse 200; caso o corte fosse 225, o percentual seria 40%. Esses percentuais são mais elevados que a situação alcançada por todos os demais grupos, inclusive o grupo 4, que possui a média do NSE dos alunos mais elevada dentre todos os grupos de redes de ensino.
Portanto, com base no tratamento de dados feito acima, considerou-se que as redes de ensino municipais mais justas nos anos iniciais do ensino fundamental são aquelas que compõem o grupo 3.
Visando verificar a pertinência desse resultado advindo dos procedimentos metodológicos acima compartilhados, foram usados dados de outra pesquisa– Bons Resultados no Ideb: em busca de fatores explicativos. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2010). Para encontrar municípios no estado de São Paulo com mais de mil matrículas, em 2005, nos anos iniciais do ensino fundamental, cujo desempenho no Ideb não pudesse ser explicado essencialmente por fatores socioeconômicos locais, essa pesquisa calculou um índice sintético, com base em variáveis socioeconômicas, para representar o NSE dos municípios. Três distintas dimensões de análise foram selecionadas, cada qual expressa por um conjunto de indicadores:
Riqueza: PIB per capita (2006), remuneração média do emprego formal (2008) e percentual do valor adicionado na administração pública no total do valor adicionado (2006).
Condições sociais: taxa de mortalidade na infância (2005-2007) e proporção de pessoas atendidas pelo Programa Bolsa Família (maio/2010).
Receitas: receita orçamentária per capita (2007) e percentual de receitas de arrecadação própria no total da Receita Bruta (2007).
Dessa pesquisa, foram selecionadas apenas as informações dos municípios com mais de cinco mil matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental. Com esses dados, procedeu-se a uma regressão, também considerando as dimensões socioeconômicas acima mencionadas. Havia, em 2005, 69 municípios com mais de cinco mil matrículas nas redes municipais nos anos iniciais do ensino fundamental no estado de São Paulo. A regressão mostrou que, desses, 24,4% tiveram desempenho acima do esperado, controlando seus contextos a partir das dimensões socioeconômicas acima citadas. A Tabela 3 mostra que todos os 19 municípios do grupo 3, constituído pelas redes consideradas mais justas, apresentaram desempenho acima do esperado. Isto é, seus desempenhos não podem ser explicados apenas por suas condições socioeconômicas locais. E é somente no grupo 3 que essa situação acontece. Conforme afirma Santos (1979), equidade, no tipo de sociedade em que vivemos, é fruto de política. E, nessas redes, os resultados educacionais não podem ser explicados apenas por seus contextos socioeconômicos.
Grupos - desempenho | Total | |||||
Esperado ou abaixo do esperado | Acima do esperado | |||||
N | % | N | % | N | % | |
Total | 25 | 36,2% | 44 | 63,8% | 69 | 100,0% |
G1 | 8 | 57,1% | 6 | 42,9% | 14 | 100,0% |
G2 | 8 | 72,7% | 3 | 27,3% | 11 | 100,0% |
G3 | 0 | 0% | 19 | 100,0% | 19 | 100,0% |
G4 | 9 | 36,0% | 16 | 64,0% | 25 | 100,0% |
A Tabela 4 mostra a lista de municípios do estado de São Paulo que, nos anos iniciais do ensino fundamental, pelos dados da Prova Brasil em 2007, estão conseguindo maiores níveis de equidade.
O grupo 3 agrupa as redes municipais dos anos iniciais do ensino fundamental que, relativamente às demais redes com mais de 5 mil matrículas nessa etapa da escolaridade, apesar de terem a segunda condição de NSE dos alunos mais adversa, estão obtendo resultados que não podem ser explicados somente pelas condições socioeconômicas: tais redes conseguem os maiores desempenhos em termos de média, a menor desigualdade escolar, oferecendo os maiores níveis de proficiência aos alunos com menores NSE e incorrendo, portanto, nos maiores percentuais de alunos com proficiência acima daqueles patamares (200 ou 225) que poderiam indicar o nível adequado de conhecimento na referida etapa da educação básica.
Municípios | Média NSE dos alunos* | Proficiência média dos alunos | CV | Média das proficiências dos alunos tercil menor NSE | % alunos 200 ou mais | % alunos 255 ou mais | % alunos 200 ou mais (tercil NSE mais baixo) | % alunos 225 ou mais (tercil NSE mais baixo) |
Araçatuba | -0,1 | 211,11 | 0,21 | 206,36 | 59,3 | 37,1 | 54,4 | 33,2 |
Barretos | -0,11 | 210,56 | 0,21 | 203,82 | 58,2 | 37,6 | 52,2 | 31 |
Caraguatatuba | -0,16 | 206,43 | 0,22 | 200,18 | 53,1 | 32,3 | 47,2 | 26,6 |
Franca | -0,2 | 212,38 | 0,22 | 207,72 | 59,2 | 38,7 | 55,6 | 33,2 |
Guaratinguetá | -0,11 | 205,02 | 0,21 | 196,63 | 51,2 | 31,1 | 42,8 | 22,8 |
Indaiatuba | -0,06 | 225,2 | 0,19 | 219,22 | 71,6 | 50,9 | 65,8 | 45,9 |
Itapetininga | -0,23 | 209,34 | 0,22 | 199,4 | 59,2 | 34,9 | 52,5 | 27,3 |
Itapeva | -0,3 | 213,48 | 0,22 | 206,69 | 58,5 | 39,1 | 52,2 | 32,6 |
Itatiba | -0,07 | 209,05 | 0,21 | 198,2 | 55,6 | 35,4 | 45,1 | 25,7 |
Leme | -0,19 | 204,96 | 0,22 | 195,22 | 50,2 | 31 | 42,4 | 22,7 |
Lorena | -0,12 | 206,13 | 0,2 | 197,63 | 54,1 | 32,7 | 47,6 | 26,6 |
Marília | -0,13 | 225,43 | 0,22 | 216,21 | 68,2 | 49,4 | 61,4 | 41,4 |
Mogi das Cruzes | -0,12 | 207,33 | 0,21 | 200,04 | 54,2 | 33,5 | 47,9 | 27,4 |
Ourinhos | -0,11 | 210,71 | 0,22 | 200,55 | 55 | 35,9 | 48,3 | 25,3 |
Pindamonhangaba | -0,18 | 209,68 | 0,21 | 202,83 | 56,8 | 35,5 | 50,2 | 29,3 |
Sta Bárbara d’Oeste | -0,08 | 221,68 | 0,21 | 212,63 | 64,6 | 45,5 | 57,9 | 39,3 |
Sertãozinho | -0,12 | 232,07 | 0,2 | 221,76 | 74,2 | 53,1 | 65,8 | 42,9 |
Sumaré | -0,03 | 211,42 | 0,19 | 203,43 | 59,4 | 35,8 | 51,9 | 29,3 |
Votorantim | -0,1 | 213,84 | 0,22 | 206,77 | 59,9 | 59,9 | 50,7 | 32,2 |
Apenas três municípios – Sertãozinho, Marília e Indaiatuba – apresentaram proficiência média de 225 ou mais, referência à interpretação pedagógica adotada pelo MEC. Para o tercil de alunos com menor NSE, nenhum município alcança esse nível de proficiência média. Entretanto, são essas três redes, dentre aquelas do grupo 3, que apresentam as maiores médias de proficiência em Matemática para os alunos de menor NSE: 216 em Marília; 219 em Indaiatuba; e 222 em Sertãozinho. Todos os municípios do grupo 3 têm médias de proficiência do total de alunos em Matemática acima de 200.
Esses três municípios possuíam os maiores percentuais de alunos com níveis adequados de proficiência em Matemática, cumprindo melhor o critério de justiça “igualdade de base”: aproximadamente 70% contra um máximo de cerca de 60% nos demais, se o corte for 200; e cerca de 50% se o critério for 225, sendo que nos demais municípios esse percentual não ultrapassa 40%.
Quando se observa o percentual de alunos no tercil de NSE mais baixo que têm proficiência acima dos cortes adotados para indicar igualdade de base, verifica-se que a situação prevalece: apenas em Indaiatuba, Sertãozinho e Marília mais de 60% e 40% desses alunos têm proficiência 200 ou 225 ou mais, respectivamente. Na maior parte dos municípios o percentual encontra-se entre 20% e 30%. Portanto, esses percentuais são substancialmente maiores que os dos demais municípios do grupo 3 e maiores ainda que aqueles dos municípios dos demais grupos.
O último controle feito para verificar a pertinência dos resultados foi a observação do percentual de alunos que fizeram a Prova Brasil 2007. Quando se faz uso das proficiências dos alunos advindos de testes padronizados em larga escala para efeito de pesquisa é importante verificar esse percentual. A rede de município pode apresentar um ótimo desempenho porque nem todos os alunos fizeram o teste. Conforme mostra a Figura 5, na maioria das redes com mais de cinco mil matrículas, o percentual de alunos que fizeram a Prova Brasil 2007 é maior do que 80%. E, em boa parte, maior que 90%. Tais dados não impedem a conclusão de que parte dos alunos não fez a prova em um número considerável dos municípios. Porém, em mais da metade (12) dos municípios que aparecem com os melhores indicadores relativos à equidade (grupo 3), o percentual de alunos que realizaram a Prova Brasil é de cerca de 90% ou mais. Marília, Sertãozinho e Indaiatuba, classificados como tendo as redes escolares mais justas, aparecem dentre aquelas com maior percentual de participação dos alunos na Prova Brasil 2007, com destaque para Indaiatuba, cuja quase totalidade dos alunos a realizou. Interessante perceber então que é exatamente nas redes mais justas que esse percentual é maior. Um resultado que fortalece a tese de que se trataria de redes cuja política estaria de fato comprometida com resultados educacionais para todos.
Obs.: Legenda linha vertical: proficiência 225.
Elaborada pela autora com base em Microdados da Prova Brasil 2007, Inep.O Quadro 2 resume os resultados médios gerais de todos os grupos e também das três redes consideradas mais justas, ratificando as ponderações elencadas acima.
Grupos e redes | Número de redes | Desempenho em Mat. Total alunos | Desempenho em Mat. Alunos menor NSE | Desigualdade escolar (CV Mat.) | NSE | % alunos 200 ou mais em Mat. | % alunos 225 ou mais em Mat. | % alunos menor NSE 200 ou mais em Mat. | % alunos menor NSE 225 ou mais em Mat. |
Total | 558 | 210 | 203 | 0,214 | 0,204 | 55 | 36,4 | 49,4 | 30,5 |
Redes grandes | 69 | 202 | 196 | 0,223 | 0,089 | 50,4 | 31,0 | 44,1 | 24,9 |
G 1 | 14 | 190 | 185 | 0,230 | -0,175 | 39,2 | 21,7 | 35 | 18 |
G 2 | 11 | 194 | 187 | 0,250 | -0,050 | 43,7 | 26,3 | 38 | 21 |
G 3 | 19 | 213 | 205 | 0,210 | -0,133 | 59,1 | 38,3 | 52,2 | 31,3 |
G 4 | 25 | 205 | 197 | 0,218 | -0,026 | 53,1 | 32,8 | 45,8 | 26 |
Indaiatuba | 1 | 225 | 219 | 0,19 | -0,06 | 71 | 51 | 65 | 46 |
Marília | 1 | 225 | 216 | 0,22 | -0,13 | 68 | 49 | 61 | 41 |
Sertãozinho | 1 | 232 | 221 | 0,20 | -0,12 | 74 | 53 | 66 | 43 |
Fonte: Elaborado pela autora com base em Microdados da Prova Brasil 2007, Censo Educacional 2005.
Considerações finais
O caminho metodológico apresentado denota ser possível, portanto, a partir de resultados da Prova Brasil e de seus questionários associados, indicar redes de ensino mais justas, operacionalizando uma análise sobre o cumprimento do princípio de igualdade de base, entendido como exigência de que todos os alunos alcancem o conhecimento que se define como necessário, numa dada etapa da educação básica.
Após calcular um índice de nível socioeconômico dos alunos (NSE) e fazer análise de agrupamentos, foram identificados quatro diferentes grupos de redes de ensino, distintos no que tange à situação de justiça na escola e ao cumprimento do princípio de justiça igualdade de base. Um grupo de 19 grandes redes municipais com alunos de menor NSE consegue obter médias bem mais elevadas, sem que a desigualdade escolar esteja entre as maiores. Esse grupo eleva mais alunos dentre os de mais baixo NSE a níveis mais adequados em termos de desempenho em Matemática: a média da proficiência em Matemática dos alunos com menor NSE é mais elevada que nos demais grupos e o percentual de alunos, inclusive daqueles com menor NSE, que galgam proficiência considerada adequada é significativamente maior nesse grupo do que nos demais. Foram, portanto, consideradas redes mais justas. Dentre as redes mais justas, há três que se destacaram ainda mais, ou seja, localidades que poderiam gerar bons estudos de caso, uma vez que há fortes indícios de que suas políticas educacionais estariam incidindo sobre os resultados detectados.
Identificar tais redes de ensino é relevante por permitir a posterior realização de estudos qualitativos sobre as políticas educacionais adotadas nessas redes, as estratégias de implementação dessas políticas e suas práticas escolares, dadas as evidências de que podem estar distribuindo o conhecimento de forma mais justa.
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