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O Gênero da Posse da Terra: um estudo sobre o poder de negociação de mulheres titulares de lotes via reforma agrária

The gender of Land Tenure: a study on the power of negotiation of women who hold title of the land via land reform policies

Maria L. D. A. Barbosa
Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa (CAPINA), Brasil
Débora F. Lerrer
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil

O Gênero da Posse da Terra: um estudo sobre o poder de negociação de mulheres titulares de lotes via reforma agrária

Revista Brasileira de Sociologia, vol. 4, núm. 8, pp. 243-274, 2016

Sociedade Brasileira de Sociologia

Recepção: 30 Junho 2016

Aprovação: 08 Novembro 2016

Resumo: Ocupar terras, ser assentada via política de reforma agrária e ser titular do lote é um fato que raramente ocorre na trajetória da maioria das mulheres do campo. Este estudo, com pesquisa realizada no Assentamento Santa Rosa/Córrego das Posses, localizado na região do Vale do Mucuri em Minas Gerais/Brasil, teve como foco verificar se e como o direito e a posse da terra reposicionam as mulheres em âmbito doméstico e público, isto é, se conferem a elas maior poder de barganha. A literatura aponta que a construção de igualdades reais para as mulheres rurais está vinculada à conquista da posse da terra. O caso estudado apontou que a posse influencia as possibilidades de negociação das mulheres, mas, sobretudo, quando é operada concomitantemente a outras dimensões, como a renda, divisão sexual do trabalho, relações sociais e família.

Palavras-chave: relações de gênero, posse da terra, assentamento.

Abstract: Occupying, settling on the basis of agrarian land reform policies, and holding title of the land are not common facts in the trajectory of most rural women. This research examines if and how having rights to land leads to changes in the bargaining power of women, both domestically and in public sphere. The fieldwork was carried out in the Settlement Santa Rosa/Córrego das Posses, in the Mucuri valley, Minas Gerais. The case under study shows that such rights influence the capacity of women for negotiation, particularly when combined with changes in other dimensions, such as income, the sexual division of labor, social relations, and the family.

Keywords: gender relations, land tenure, settlement.

Apontamentos sobre o acesso das mulheres à terra via reforma agrária

O ponto de partida deste estudo[1] foi refletir se o direito e a posse da terra ampliam o poder de negociação das mulheres em âmbito público (sociedade) e privado (famílias), dialogando com o estudo de Carmen Deere e Magdalena León (2002). Neles, as autoras apontam que a “terra” é uma importante “barganha”, pois além de ser considerada como um bem econômico material, que proporciona segurança econômica, pode significar bem-estar e garantia de liberdade e dignidade. Elas argumentam que o acesso à terra aumenta a possibilidade de produção, acesso a crédito, assistência técnica, informação e participação em diferentes espaços políticos, sendo elemento essencial na construção de igualdades reais entre homens e mulheres camponeses.

Outra referência teórica sobre essa temática é Bina Agarwal (1997) que chama atenção para o fato de que a posse da terra é uma das vias centrais do acesso ao poder de negociação. Desde a instituição da propriedade privada, a mulher, por ser mulher, foi excluída do acesso e do direito à posse. Agarwal (apud DEERE e LEON, 2002) trabalha com o conceito de “direitos efetivos” à terra, o que inclui o “direito legal”, além do “reconhecimento social” perante à comunidade, como também o “controle efetivo” sobre a terra. Segundo a autora, esses três fatores da relação com a terra podem coexistir, mas também podem existir separadamente, o que, portanto, não garantiria a igualdade de gênero[2].

Baseando-se nessa perspectiva, Deere e Leon (2002) expõem a diferença da “igualdade formal” para a “igualdade real”: enquanto a primeira refere-se à igualdade de direito, a segunda o faz em relação aos “resultados”, abrangendo tanto a igualdade econômica como as dimensões simbólicas da vida social. Relacionada a isso está a igualdade de oportunidades, que basicamente significa dar condições a homens e mulheres de terem os mesmos pontos de partida (igual acesso à educação, emprego, assistência médica, circulação por espaços públicos, entre outros) (IBID.).

Segundo Deere e Leon, as principais possibilidades de acesso à terra, como herança, mercado e política de distribuição das terras, expressam a desigualdade de gênero no contexto latinoamericano. Além disso, quando as mulheres são proprietárias de terra, na maioria das vezes, os lotes ou parcelas são menores em relação aos dos homens (IBID.).

No Brasil, o Censo Agropecuário de 2006 indicou que dos “4.367.902 estabelecimentos da agricultura familiar[3] pouco mais de 600 mil estabelecimentos familiares (13,7%) eram dirigidos por mulheres, enquanto na agricultura não familiar essa participação não chegava a 7%”, segundo o IBGE (apud NOBRE, 2012, p. 43).

No âmbito da reforma agrária, forma de acesso à terra que interessa a esse trabalho, os homens são os principais beneficiados. O I Censo da Reforma Agrária de 1996 e 1997 indicou que apenas 14.460, ou seja, 12,6% de mulheres beneficiárias tinham a titularidade do lote. Enquanto a titulação masculina era de 98.749, ou seja, 85,9% dos beneficiários da política (MELO, SABBATO, 2010). Supõe-se que o Estado estaria contemplando todas as pessoas da família sob o princípio de generalidade do papel do homem. Nessa perspectiva, um dos principais trabalhos das feministas, nas últimas décadas, foi destacar que a família é antes caracterizada pela hierarquia e desigualdades do que pela igualdade. Beneficiar os homens chefes de família não significaria, portanto, favorecer as mulheres e os filhos em igualdade (DEERE e LEON, 2002).

A titulação conjunta foi uma conquista baseada nessa reflexão e se tornou um importante meio pelo qual a mulher tem obtido acesso à posse, sem excluir o homem. A partir dos estudos em países da América Lática, Deere e Leon (IBID.) defenderam conclusivamente que a titulação conjunta de terras implica maiores conquistas para as mulheres, de modo que, em números, é a forma de acesso à terra que mais tem beneficiado as mulheres.

Torna-se ainda importante chamar a atenção para o fato de que os principais direitos de propriedade da terra para as mulheres no Brasil são consequência da participação das trabalhadoras rurais em organizações sindicais, no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e no Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR). A partir da década de 1980, as ações das mulheres nos sindicatos e nos movimentos se fortaleceu e a tônica das reivindicações foi o acesso à propriedade e aos direitos trabalhistas. Com a Constituição de 1988, as mulheres conquistaram o direito legal à propriedade e a possibilidade de titulação conjunta para as terras distribuídas via reforma agrária. Todavia, por ser uma possibilidade legal ao invés de obrigatoriedade, tal direito não foi implementado até o ano de 2000.

Segundo Anita Brumer e Grabriele dos Anjos (2010), em 2001 o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) fez algumas mudanças nas normas de seleção de beneficiários pela reforma agrária para melhorar o acesso das mulheres, alterando alguns dos seus procedimentos administrativos para uma perspectiva de igualdade de gênero (Resolução de n°6 de 22 de fevereiro de 2001). Para as autoras, essa mudança reflete o reconhecimento de que o acesso à terra e à titulação conjunta são mecanismos importantes para que as mulheres assentadas tenham maior poder de barganha, não só dentro de casa, mas também externamente, na sociedade. Todavia, chamaram a atenção para que a política de redistribuição de terra seja acompanhada por outras, que garantam às mulheres renda.

Em 2003, foram também implantadas outras ações voltadas para minimizar a exclusão social das mulheres do campo, como efetivar os direitos à propriedade da terra, ampliar e qualificar o acesso ao crédito, fortalecer a participação das mulheres nos espaços de decisão e sua capacidade de gestão. Além disso, foi criada a “Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres”, vinculada ao MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário)[4], e tornou-se obrigatória a titulação conjunta das terras distribuídas a casais. Por exemplo, no caso de separação, a mulher fica com a terra (se esta tiver a guarda dos filhos), e as famílias chefiadas por mulheres cadastradas no INCRA terão prioridade na ordenação do sistema de classificação de beneficiárias(os), segundo Andrea Butto e Karla Hora (2010).

Olhares para o Assentamento

Em diálogo com essa literatura que tem se debruçado sobre as relações de gênero no campo e investigado se e como a posse da terra é um elemento que impacta nessa dinâmica, realizamos um estudo de caso[5] no assentamento Santa Rosa Córrego das Posses, localizado na cidade de Itaipé, no Vale do Mucuri – Nordeste de Minas Gerais. A pesquisa de campo se desenvolveu, aproximadamente, por três meses não sequenciais. A coleta de dados articulou observação participante e entrevistas semiestruturadas, realizadas no assentamento e na região de seu entorno. Também foi feita análise de documentos relativos ao assentamento na sede regional do INCRA, em Belo Horizonte.

O Assentamento é fruto da luta pela terra, realizada por trabalhadora(e) s rurais, com o apoio do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Teófilo Otoni, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). As famílias assentadas realizaram sua primeira ocupação em 1988. Depois de dois despejos bastante violentos, em 1992 o Assentamento foi criado mediante um acordo firmado entre as organizações citadas acima. As terras circunscritas atualmente pelo Assentamento eram duas fazendas (Santa Rosa e Córrego das Posses) improdutivas que foram compradas por meio das verbas de subvenção social[6] destinadas a uma deputada e a um deputado estadual do Partido dos Trabalhadores (PT) de Minas Gerais e por títulos da dívida pública. Posteriormente, a área foi assumida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) do estado para formalizar o assentamento e dar assessoria às/aos moradora(e)s.

O Assentamento tem área total de 720,9 hectares, existe há 24 anos e atualmente tem 49 famílias moradoras na área, sendo que, entre essas, 35 estão na Relação de Beneficiários (RB) do INCRA e possuem o Contrato de Concessão de Uso (CCU) das terras – em nome de um(a) integrante da família. Entre esse(a)s beneficiários(a)s titulares, oito são mulheres[7]. Nesse sentido, é importante destacar que os primeiros dez anos do Santa Rosa/Córrego das Posses são referentes ao período em que a política de reforma agrária brasileira não incorporava a dimensão de gênero. Os documentos de concessão de uso das terras desse período foram homologados em nome dos homens, embora neles haja referência se o beneficiado tem cônjuge ou não. No caso de ter, no verso do documento foi escrito o nome da mulher, contudo sem nenhuma indicação de que é o nome da esposa.

Neste trabalho, dialogamos principalmente com quatro mulheres deste assentamento – Joana, Paula, Rosa e Clara[8] – que são beneficiárias titulares da concessão de uso da terra, para verificar se a posse da terra aumenta a capacidade de negociação delas. Pelo fato de tais mulheres não terem sido inicialmente titulares de lotes quando o assentamento foi criado, embora todas as quatro tenham participado da luta pela terra, foi interessante considerar as condições pelas quais elas adquiram o direito formal à terra e, a partir disso, verificar se a propriedade influencia a construção de igualdades reais.

No caso de Rosa, a posse da terra se deu porque seu primeiro marido a abandonou no lote ainda nos primeiros anos do assentamento com seis filha(o)s, levando todo dinheiro que tinham. Com a morte dele, a assentada recorreu ao INCRA, solicitando a emissão do documento do lote em seu nome. Para ela, a terra foi considerada um produto da luta, dos enfrentamentos e dos acampamentos. No entanto, o fato de o lote estar em “seu” nome foi relacionado a sua capacidade e habilidade de trabalhar na roça e coragem em permanecer na terra sozinha com a(o)s filha(o)s. Logo, ela remete isso a um momento difícil, de vulnerabilidade – ser mãe solteira no meio do mato –, visto que, de fato, não teve escolha, a não ser enfrentar o trabalho duro e permanecer na terra para que suas/seus filha(o)s não morressem de fome.

Nesse sentido, Rosa não relacionou a titularidade do lote a uma espécie de mérito de “sua” participação na luta ou a uma noção de reconhecimento como “mulher rural”. Em outras palavras, quando ela foi para a ocupação com sua família e foi assentada, o título do lote foi emitido em nome apenas do seu falecido marido, o que não foi um “problema” para ela. Por outro lado, uma espécie de “injustiça” aconteceu quando foi abandonada e teve de assumir as responsabilidades pela(o)s filha(o)s sozinha.

Apesar da terra ter sido um elemento fundamental para enfrentar a situação de “marginalidade” imposta com a morte do marido, em suas narrativas, Rosa afirmou que a vida melhorou mesmo somente com o segundo casamento – com Gabriel –, que possibilitou a família se estruturar – vieram a ter uma casa, a produzir, não passar mais fome e ter a segurança de um “homem” que protegesse suas/seus [agora] 12 filha(o)s, além dela própria. A terra, a despeito de ser o elemento material que deu condições a essa estruturação, em nível simbólico foi o casamento que significou dignidade e bem-estar. Na trajetória de Rosa, esses elementos se combinaram. Refletir sobre seu poder de barganha por meio da posse da terra conduz à incorporação de mais dois elementos: o trabalho e o casamento.

A questão da posse da terra envolve outras dimensões presentes na vida das assentadas, se refletirmos a partir do caso de Joana. Ela é uma assentada de segunda geração do Santa Rosa/Córrego das Posses e recebeu um lote por ser mãe solteira, viver na casa de seus pais, assentados em 1992, e ter participado da luta pela terra.

Quando Joana foi assentada, tinha recentemente se separado de um homem com quem teve um relacionamento marcado por violência e alcoolismo. Ela cuidava de dois dos seus quatro filhos, e com eles foi morar no lote, debaixo de um barraco de lona. Passaram por muita dificuldade, incluindo fome. Pouco tempo depois, ela se casou com Gaspar, um senhor separado que morava sozinho em uma área próxima ao Assentamento. Ele vendeu sua terra e foi morar no lote com ela. Com o dinheiro da venda da terra e da aposentadoria de Gaspar, Joana afirmou que conseguiram construir uma casa, investir na agricultura e compraram “umas vaquinhas” – que são apenas do marido. Em contrapartida ao investimento financeiro, Joana “dividiu” o lote com o companheiro. Atualmente, ela cuida da agricultura e da casa, enquanto ele trabalha com a pecuária.

Nesse caso, a terra em si foi acionada com uma barganha bem clara. Mas no decorrer de seu discurso percebi que é o acesso à renda que ocupa um lugar de destaque para que ela acesse bens materiais e tenha dignidade, negocie no ambiente público e no privado. Joana não abre mão de retirar de sua produção agrícola uma renda e de trabalhar “fora” de casa como doméstica (seja para outra(o)s assentada(o) s ou fora do assentamento), e com esse recurso investir no que considera importante para si, seus filhos e sua casa, muitas vezes sem consultar Gaspar.

Joana consegue acessar estes trabalhos “de fora” graças a sua rede de contatos. Ela é influente no assentamento, o que determina tanto as negociações em casa como na comunidade, pois esta rede de relações proporciona troca de mercadorias e informações. Dessa maneira, as dimensões do parentesco, da relação sexual e da renda foram evidenciadas no cotidiano de Joana como fundamentais para negociar.

Por reconhecer que Gaspar foi importante para que sua vida e a de seus filhos se estruturasse, Joana considera que a posse da terra é também dele. Todavia, esta na prática não é partilhada, mas dividida – cada um trabalha na sua parte e dentro “desta” possuem autonomia. Gaspar, por ser um senhor de idade avançada, não tem condições físicas de cuidar da agricultura e da pecuária sozinho e assim não disputa com a companheira os espaços do lote. Contudo, o ambiente externo é foco de conflitos, pois ele não gosta que ela trabalhe fora de casa.

Nessa perspectiva, Joana cotidianamente negocia com o marido suas “andanças” e seu trabalho externo fora da unidade doméstica, e não é raro ela fazer “greve de sexo” para garanti-los e mesmo para melhorar estruturalmente a casa. Mas, para além da terra, o que a assentada oferece a ele é uma família e cuidados com sua saúde, enquanto Gaspar é uma retaguarda importante por receber aposentadoria.

Outro caso especifico de como a mulher veio a ter a posse da terra é o de Clara, única assentada titular por herança. Quando ela voltou para o Santa Rosa/Córrego das Posses para assumir o lote que era do seu pai, estava casada e tinha quatro filha(o)s. Como participou da luta pela terra, os demais assentada(o)s não consideraram essa transição um problema e, assim, Clara tornou-se a titular do lote.

Embora afirme que cuide de toda a agricultura no lote e dos trabalhos domésticos, enquanto o marido trabalha com a pecuária, seu discurso indica que quem “manda” é seu companheiro. Ela falaa como se seu trabalho fosse inferiorizado, menor e uma espécie de “ajuda” se comparado ao do marido – que é monetarizado.

P - Pra você faz diferença a terra estar em seu nome?

Clara - Pode-se dizer que é ele quem manda, porque ele que planta, cuida, mexe com criação...

P - Mas você não acabou de falar que você que cuida da agricultura?

Clara - Pois é, eu que cuido... Mas falo que é dele, porque ele compra criação pra ele e coloca aí. Cuida e tudo.

P - A criação é dele ou é sua?

Clara - É dele. Ele que comprou. Só que eu tinha dez cabeças de gado e ele vendeu. Falou que ia comprar outras para mim e até hoje (risos). Vendeu tudo. Mas eu não ligo pra isso, não. Tudo é para dentro de casa mesmo. Vai vender, o dinheiro é para dentro de casa, pra colocar na despesa, faz diferença nenhuma.

Em alguma medida, a posse da terra deve significar poder para Clara porque a comunidade a reconhece como a “assentada”, enquanto no âmbito privado isso foi exposto de modo bem mais sutil. Essa configuração indicou que a posse formal da terra não foi relacionada às negociações que Clara realiza em casa, mas como é ela quem responde pela família perante a comunidade, esse status gera uma retaguarda que é conferida a ela fora do lar, o que pode incidir nas relações domésticas.

Outro caso de referência é o de Paula, que possui a posse da terra porque ficou viúva de seu segundo marido. Mãe de 6 filha(o)s adultos e avó, afirmou que um dos seus planos é se mudar para a área urbana de Itaipé após se aposentar, justamente para deixar a terra para seus filhos que, atualmente, vivem no Assentamento com suas famílias e não possuem lote. Nessa perspectiva, uma dimensão que incide nas negociações dessa mulher é a sucessão, e este processo está sendo pensado com igualdade de gênero, visto que pretende deixar a terra para filhos e filhas.

Nesse caso, a terra foi exposta como sendo “de sua família”, e o título está em seu nome como resultado de sua viuvez, que não foi desejada. Ela expôs que quis se casar novamente logo após o falecimento para não ser assediada por outros homens. De acordo com Paula, é melhor ter alguém para se “encostar”, no sentido de ter “mais respeito”:[9]

Paula - Eles ficam dando muito de cima da gente, então pra livrar deles tem que casar. Se for pra gente ficar solteira para os outros ficarem dando de cima da gente e depois sair falando, mesmo se a gente não gostar, não gostar muito do homem, a gente amparada é melhor que a gente sozinha (...). Pelo menos tem uma segurança dos outros não ficarem “bestando” com aquela palhaçada (...). Tem hora que é melhor caçar pelo menos um “toco” e encostar. Ficar encostada ali, que a gente tem mais respeito.

Neste caso, a capacidade de negociação foi “dita” como fortemente ligada ao casamento e à presença de um homem “marido” em sua vida. Este gera retaguarda, segurança, possibilidade de acesso e circulação.

Como vimos, as condições de negociação em âmbito rural sob a lente “posse da terra” são complexas, porque a “posse” não é um produto para essas mulheres, mas um processo relacional. Quando é acionada como elemento de reflexão, durante as conversas e entrevistas realizadas durante o trabalho de campo, trouxe consigo várias outras dimensões presentes na vida das mulheres, já que nosso olhar não é para a posse “em si”, mas se e como ela reposiciona as mulheres. Além disso, a luta pela terra não foi o único fator acionado por elas para essa “conquista”, que em alguns casos não foi necessariamente narrada com a noção de ‘vitória’. O que foi comum a esses quatro casos é que a titularidade para a mulher se deu por conta da “não presença“ do homem, situação que, de acordo com algumas narrativas, significou momento de muita vulnerabilidade.

Chamamos a atenção que no caso empírico apresentado fica evidente que, após as mulheres terem assumido o lote, uma nova configuração foi criada; apesar disso, a posse convoca outros elementos para relacionarmos ao que estamos nos referindo como capacidade de barganha e como ela ocorre, elementos tais como: parentesco, renda, trabalho, casamento, etc. Em outras palavras, no caso pesquisado a posse da terra é uma condição necessária, mas não é suficiente. A posse, ao ser imersa nas tradições e nas trajetórias, mostrou que foi uma possibilidade de alterar situações que marginalizaram as mulheres, ao mesmo tempo em que se reproduzia determinados costumes. Mais especificamente, ficou evidente que a posse formal do lote pode possibilitar para as mulheres a defesa e a busca de seus interesses, mas não de forma isolada.

Compreendendo que a propriedade e o controle sobre a terra talvez sejam fatores insuficientes para as reflexões sobre a capacidade de negociação das mulheres rurais, Agarwal (1997) apontou mais sete que incidem na arena doméstica, na comunidade, Estado e mercado, quais sejam: acesso a emprego ou outro meio de geração de renda, acesso a recursos comuns (como florestas e pastagens), acesso a sistemas de apoio sociais tradicionais externos (dentro da comunidade – amigos – ou com parentes), apoio do Estado, apoio de ONGs, normas sociais e percepções sociais sobre as necessidades, contribuições ou outros determinantes de merecimento.

Com base nos discursos das assentadas, e considerando as “pistas” da literatura, serão analisadas a seguir outras dimensões presentes no discurso das mulheres enunciadas junto à posse da terra.

Divisão sexual do trabalho no campo e as possibilidades de acesso à renda pelas mulheres assentadas

A divisão sexual do trabalho e as possibilidades de acesso à renda pelas mulheres no Santa Rosa/Córrego das Posses foram apresentadas relacionalmente pelos atores sociais. Possivelmente, essa vinculação seja decorrente do fato do conceito de “trabalho” atualmente ter uma conotação mais limitada, vinculado a uma “remuneração” pelo dispêndio de energia para realização de uma atividade específica.

Sobre a transformação capitalista, Maria Ignez Paulilo (2004) comentou que foi por meio desta que se tentou subordinar a sociedade ao mercado. A noção de “trabalho”, por esse sistema, foi diretamente relacionada ao econômico, sendo que o econômico seria o “produtivo” e, nesse sentido, o trabalho “não produtivo” seria o realizado no espaço doméstico. Logo, a separação entre trabalho doméstico e produtivo no meio rural torna-se insuficiente, pois, como apontou a mesma autora, nesse contexto, a relação de produção e consumo está imbricada. Ademais, Paulilo (2004) ressalta que é um empobrecimento do termo “trabalho produtivo” ser associado apenas ao que tem “valor de troca”, ou seja, a mercadoria, excluindo, por exemplo, o trabalho doméstico quando não é remunerado. Ou seja, só é trabalho o que se produz e tem valor de troca.

A maioria dos estudos que vieram a contribuir com a mudança do conceito de trabalho, como os realizados por Bruschini (2012), referenciaram-se na “mulher urbana”; porém, por significarem esforços em compreender o trabalho das mulheres de maneira relacional e ampliada, além de afirmá-lo como “trabalho”, fornecem elementos interessantes também para as reflexões em meio rural. Nesse sentido, consideramos principalmente a definição de “trabalho doméstico” da autora, pois empreende ao conceito um conjunto de atividades na esfera material e simbólica.

São eles (a numeração não significa ordenação ou hierarquia): 1) cuidados com a moradia familiar (limpeza, arrumação, cuidado de plantas, limpeza e manutenção de utensílios domésticos etc.); 2) alimentação e higiene pessoal, cozinhar, lavar utensílios, costurar, lavar e passar roupas); 3) prestação de cuidados físicos e psicológicos aos membros da família (cuidado com filhos, idosos ou dependentes); 4) administração da unidade doméstica (administração do patrimônio e das contas do domicílio e aquisição de bens de consumo); e 5) manutenção da rede de parentesco e de amizade (visitas, telefonemas e troca de presentes ou de pequenos favores, reforçando laços de solidariedade) (BRUSCHINI 1990, apud BRUSCHINI, 2012, p. 263).

Nesse sentido, expomos as abordagens de Bruschini (2012) e Heredia (1979) como complementares para esta pesquisa. Ao vivenciar o cotidiano de mulheres do Assentamento observamos que realizam as atividades “domésticas” ou as “relacionadas à casa”, como as cinco apresentadas e explicadas por Bruschini (IBID.), e também os cuidados com os “animais do terreiro” (galinha, porco, cachorros, etc.) e as atividades ligadas à terra em volta da casa, como horta e árvores frutíferas, apresentada por Heredia (IBID.). Essas atividades dão conta de expressar a complexidade dos afazeres que algumas assentadas realizam e consideram como trabalhos domésticos[10]. As análises de Paulilo (1987), em seu trabalho “O peso do trabalho leve”, convergem com a perspectiva de que as atividades da unidade familiar são desvalorizadas por ser a mulher o agente da ação. A autora conclui que nas áreas rurais o trabalho realizado pelas mulheres é considerado “leve” não pelo fato de ser menos desgastante, complexo ou nocivo, mas por ser a mulher responsável por realizá-lo. O trabalho leve é o menos valorizado social e economicamente, visto como secundário ao trabalho “pesado” do homem.

Paulilo (IBID.) complementa que, no meio rural, mesmo que o trabalho considerado masculino e o feminino sejam nomeados diferentemente de “leve e pesado”, se a mulher realizar o mesmo trabalho que o homem, na grande maioria das vezes será pior remunerada. Ela conclui, portanto, que o que determina o quanto se paga é, em suma, o gênero de quem recebe.

Heredia (1979), ao analisar a relação entre a unidade de produção[11] (roçado) e a unidade de consumo (casa) no meio rural, apontou que se configura uma relação estreita entre esses dois meios da vida cotidiana, e que as relações de gênero são fundamentais para a compreensão das atividades que as mulheres e os homens desenvolvem. A conclusão a que a autora chegou, de maneira geral, é que “a oposição casa-roçado delimita a área de trabalho e do não-trabalho, assinalando os lugares feminino-masculino relativos a essa divisão” (IBID., p. 79).

Em outras palavras, a casa é um espaço estritamente feminino; por conseguinte, o homem por ser o provedor, é quem exerce a autoridade, ou seja, existe a noção de que é o roçado (produção) que dá condições de existência ao consumo (casa), e, por isso, em última instância, quem define o funcionamento da casa é o chefe de família. Além disso, por mais que a mulher ou a(o)s filha(o)s realizem atividades no roçado, seu trabalho geralmente tem o caráter de “ajuda”, pois é o homem quem controla as tarefas, mesmo quando essa “ajuda” ocorre em todas as funções desempenhadas no roçado.

As observações de Beatriz Heredia (IBID.), a partir de seu trabalho de campo na Zona da Mata de Pernambuco, são bastante convergentes com o que foi observado no Santa Rosa/Córrego das Posses. A maioria das assentadas realiza atividades na roça e também são inteiramente responsáveis pelos trabalhos na casa. Em grande parte das famílias, foi possível perceber que o trabalho que a mulher realiza na roça é realmente considerado como “ajuda”, pois o homem é quem controla.

No entanto, algumas delas deixaram claro que decidem, às vezes exclusivamente, sobre o trabalho na roça. Isso não quer dizer, consequentemente, que a autoridade em âmbito doméstico esteja nivelada entre o casal. E, menos ainda, que o homem e a mulher tenham acesso a rendas iguais, porque o trabalho na terra é uma das vias para se obtê-la.

No caso de Joana, por exemplo, mesmo ocupando a função de agricultora do núcleo familiar, é com o salário da aposentadoria de Gaspar que a família é mantida economicamente. Joana fez questão de delimitar qual parte do lote lhe pertence e qual é de direito do seu companheiro. Ela planta café, mandioca, cuida da horta e das galinhas, e o dinheiro que recebe, quando vende os produtos, cabe a ela gastar. Gaspar, seu companheiro, em sua parte prefere criar gado ou alugar seu pasto para fazendeiros da região. Todavia, como é aposentado, sua renda cobre os principais custos da família (alimentação, remédios, transporte, energia elétrica, etc.). Em suma, a mulher realiza o trabalho doméstico e na roça, é reconhecida como agricultora, mas a renda principal é proveniente do salário do homem. Esse caso, apesar de trazer elementos novos, fortalece o que as autoras chamaram a atenção, ou seja, que o homem é o “provedor” e é isso que constrói em grande medida a autoridade patriarcal.

Outro exemplo é o caso de dona Carminha, a moradora mais velha na área do Córrego das Posses[12]. Desde o início do assentamento, sua roça é separada daquela de seu companheiro. Ela planta mandioca, cana, feijão, horta e, além disso, cria porco e galinha. Seu companheiro tinha a roça com basicamente as mesmas culturas – exceto a horta. Ela fez questão de afirmar que cada um tem sua roça para que possam fazer o trabalho “de seu jeito”, contudo ponderou que a roça do marido às vezes produz mais, porque ele “só” se dedica à roça, enquanto ela também cuida da casa.

Logo, mesmo que as mulheres exerçam atividade de produção com total autonomia e administrem a renda proveniente desse trabalho, como são as “únicas” responsáveis pelo trabalho doméstico não conseguem ter, na maior parte dos casos, o mesmo “rendimento” do que os homens. Apenas o caso da família de Rosa abre uma exceção a essa “regra” no Assentamento. Tanto a assentada como seu companheiro, Gabriel, afirmaram que ele realiza também trabalhos domésticos. Em uma das vezes que estive no lote, ele disse: “eu trabalho a metade que ela trabalha e faço as coisas que ela manda”. Além disso, em outro momento, declarou ter cozinhado durante um período que Rosa estava grávida, ao mesmo tempo em que trabalhava na roça e fazia a construção da casa em que vivem no lote.

A grande maioria da(o)s assentada(o)s afirmou que o serviço da casa é total responsabilidade da mulher, da “mãe” e/ou alguma “filha” adolescente. Joana expôs que por conta dessa sobrecarga algumas mulheres param de trabalhar na roça porque os homens não ajudam em casa, e pontuou não considerar “justo” a mulher fazer o serviço doméstico sozinha.

Dessa forma, apesar de existir exceções, de maneira geral o trabalho na roça – os ligados à terra e à criação de gado - é considerado masculino, e o trabalho doméstico – conjunto de atividades circunscritas à casa e ao entorno dela – é o “lugar da mulher”. Essa divisão também está relacionada ao que é considerado “trabalho” e “não trabalho”, como concluiu Heredia (1979). Um exemplo sobre isso foi a fala de Gaspar, companheiro de Joana, quando disse que são poucas as mulheres que “trabalham” no Assentamento, porque, além de não trabalharem na roça, as casas são pequenas e, por isso, têm “pouco serviço”.

Sobre a possibilidade de trabalhar “fora” do Assentamento, são poucas as que procuram, sobretudo pela dificuldade de se ausentar da unidade doméstica, além de ser extremamente difícil encontrar trabalho nas áreas próximas. Quando as assentadas narraram ter trabalhado fora, geralmente foi como empregada doméstica em residências nas cidades ou como diarista em alguma fazenda da região. Situação diferente foi observada em relação aos homens, que, em sua grande maioria, têm o costume de ficarem períodos fora do Assentamento, trabalhando nas cidades, principalmente em obras de construção civil – a conhecida migração temporária.

A(o)s assentada(o)s que disseram ter melhores condições de vida, significando especialmente ter acesso a bens materiais (geladeira, fogão à gás, TV, água encanada, banheiro interno nas casas, entre outras coisas), vincularam essa situação à aposentadoria de um ou mais membros do grupo familiar. Tal é o caso de Joana que, após se casar com Gaspar, aposentado, afirmou: “Graças a Deus as coisas melhoraram pra gente, não por causa do INCRA, mas porque Gaspar é aposentado. Se não fosse por ele estávamos passando fome até hoje”. Como no Assentamento existe um contingente grande de pessoas de mais de 70 anos, o salário da aposentadoria talvez seja a principal renda para a metade das famílias da área

Se aposentadoria é a renda mais elevada de uma/um assentada(o), e por isso muito significativa, a maioria das mulheres se referiu à renda que obtêm pelo programa “Bolsa Família”[13] de forma mais entusiasmada por ser um benefício que poder conferir a “elas” responsabilidades pelo núcleo familiar[14].

Joana - Graças a Deus depois que saiu a Bolsa Família ajudou a gente demais (...). As coisas melhoraram, pois a gente pode comprar um caderno pro filho da gente e uma comida. Meu bolsa família em um mês era R$15,00 noutro era R$30,00, por conta do vale gás. O Bolsa Família começou com Fernando Henrique, chamava Bolsa Escola. Depois que Lula entrou que ampliou. Agora nós mulheres recebemos por criança, pois a gente passava muito aperto.

A pesquisa de Maria Mercedes Rabelo (2011), “Redistribuição e Reconhecimento no programa Bolsa Família: a voz das beneficiarias”, traz observações sobre o uso desse dinheiro pelas mulheres do Rio Grande do Sul que são muito próximas das narradas pelas assentadas do Santa Rosa/Córrego das Posses. A maioria das mulheres usa o recurso para alimentação e compra de bens, como roupas, calçados, material escolar para os filhos, gás, etc. – da mesma maneira que as beneficiárias do Bolsa Família no Assentamento. Destaca-se, ainda, que a estabilidade que o dinheiro proporciona possibilita a elas realizar algum tipo de planejamento. Ao comentar sobre o Programa, as assentadas disseram que é pouco dinheiro, mas é bom por ser “recebido todo mês”.

A mesma autora concluiu que o Programa tem contribuído para a construção e ampliação da “noção de ter direitos”, “a política redistribuitiva produz impactos tanto do ponto de vista material quanto simbólico” (IBID., p 259). Destacou também que, apesar de o Bolsa Família não ser uma “política de gênero”, a transferência de renda à mulher pode inicialmente promover mudanças nas relações de poder, implicando em relações mais igualitárias entre homens e mulheres. A partir do momento em que uma mulher dispõe de uma renda estável para si e para seu filho, há a possibilidade de um certo grau de empoderamento.

O programa Bolsa Família beneficia a grande maioria das mulheres do Santa Rosa/Córrego das Posses. Segundo Joana, quem não é cadastrada recebe aposentadoria. A única assentada que tem filha(o)s e não recebe é Rosa, visto que seu núcleo familiar recebe duas aposentadorias – uma de seu pai e outra de um filho que possui necessidades especiais –, ultrapassando a renda que é considerada carência.

Além de possibilitar o acesso das mulheres assentadas a bens essenciais, o Bolsa Família tem contribuído para uma espécie de “recrutamento” das assentadas. A convocação para reuniões e participação em projetos sociais da prefeitura de Itaipé tem se baseado no cadastro das famílias que são beneficiadas pelo Programa, como um critério de carência, segundo as assentadas. Este “recrutamento” das “mães” pode vir a gerar processos que permitam a inserção política das mulheres em espaços que até então não tinham acesso. Em outras palavras, pode contribuir diretamente com outras esferas que compõem a vida das mulheres, para além da econômica, o que não é previsto por esta política.

Portanto, entre as possibilidade de acessar renda para a maioria das mulheres assentadas, tem destaque o Programa Bolsa família – ou seja, o apoio do Estado. Além disso, há a aposentadoria, comercialização dos produtos agrícolas e trabalhos remunerados externos ao lote[15], este último ocorrendo em pouquíssimos casos. A renda, para essas mulheres, possibilita que acessem o que desejam - bens materiais e simbólicos - como utensílios e equipamentos para casa, alimentos, roupas, produtos de higiene e beleza, brinquedo para a(o) s filha(o)s, deslocamentos ou passeios, diálogos por telefone, investimento na agricultura ou criação de animais, ajudar a(o)s amigos e vizinha(o)s, dar o dízimo para a Igreja.

Esse acesso proporcionado pela renda está ligado, em certa medida, à divisão sexual do trabalho. Se a mulher trabalha estritamente em âmbito doméstico, será difícil conseguir uma renda própria. Mas, ao mesmo tempo, isso não significa que ao ocupar os ambientes de produção na roça, ela vá obter uma renda ou poderá decidir sobre a renda do grupo familiar. Um exemplo que contribui para visualizar como a renda pode ser um elemento ordenador de posições é o caso de Clara. Apesar de ser responsável por toda a agricultura no lote, além de fazer os trabalhos domésticos, ela não possui outra fonte de renda a não ser o Bolsa Família. Como é apenas seu marido quem realiza as atividades que envolvem trocas monetárias (vendas, recebimentos e pagamentos) ela acaba por reafirmar a autoridade dele enquanto provedor da família.

Como vimos, entre as dimensões que as mulheres demonstraram ser importantes para analisarmos o que seja barganha, e como ela se dá em seus cotidianos, estão a renda e o trabalho. Todavia, para Agarwal (1997), é preciso fazer um esforço para que os fatores relacionados ao econômico não sejam sempre os enfatizados nos estudos sobre este poder de barganha das mulheres. A seguir serão descritos outros elementos enunciados nos discursos das assentadas que não estão diretamente ligadas ao econômico.

Casamento, filha(o)s, parentela e sistemas de apoio social

As relações sociais que são construídas para além das unidades domésticas contribuem para ampliar os olhares acerca das dimensões que condicionam, possibilitam e restringem as possibilidades de negociação das mulheres. Para expor algumas dessas relações, serão discutidos os vínculos consanguíneos, ou seja, as relações de parentesco[16], e também alguns espaços não institucionalizados onde as pessoas se encontram regularmente ou com certa frequência.

Em Santa Rosa/Córrego das Posses, os núcleos familiares estão vinculados, em sua maioria, a um grupo de parentesco, sendo que existem três famílias que se reproduziram predominantemente. Elas têm o maior número de pessoas porque durante as ocupações de terra o “patriarca” tinha um grande número de filha(o)s, a maioria jovens ou crianças. Posteriormente, eles cresceram na área e constituíam seu núcleo familiar na mesma. Quem não pertence a um grupo de parentesco é porque possivelmente foi para as ocupações de terra solteiro e sozinho e, ainda, teve poucos filhos quando já assentado.

Na obra “Impactos dos assentados: um estudo sobre o meio rural brasileiro”, é salientada uma espécie de “capacidade” dos assentamentos em fortalecer laços de parentesco e construir grupos:

Os assentamentos podem atuar, então, como mecanismos de recomposição das famílias, aproximando membros que anteriormente se encontravam dispersos, possivelmente em função das dificuldades acarretadas pela necessidade de se inserir no mercado de trabalho, contribuindo para garantir a reprodução não apenas econômica, mas também e fundamentalmente social desse grupo de trabalhadores. Por outro lado, podem gerar novas pressões sobre a terra, na medida em que a agregação de novos membros pode intensificar o uso da terra no lote e favorecer a saída para outros lotes ou mesmo para novas ocupações de terra (...). A criação do assentamento impõe novas formas organizativas, muitas vezes implica rearranjo espacial de famílias, provoca a convivência com pessoas pouco conhecidas ou mesmo desconhecidas, reativando laços de solidariedade, desfazendo outros, formando grupos diferenciados e, por vezes, produzindo conflitos (LEITE, HEREDIA, MEDEIROS, et al., 2004, p. 259).

Essa citação contribui para refletir sobre os “arranjos” observados durante a pesquisa de campo no Santa Rosa/Córrego das Posses. Embora a parentela não tenha sido um elemento exposto como um dinamizador social, proporcionando diálogo, circulação e encontros entre a(o)s assentada(o)s, foi possível perceber que a rede de parentesco atua construindo uma espécie de legitimação “invisível” das pessoas que compõem o grupo. Assim, não por coincidência a maioria das minhas principais informantes (entre elas, Paula, Joana e Rosa) fazem parte de um mesmo arranjo familiar. Os laços consanguíneos agiram como espécie de “guia” pelo Assentamento.

Todavia, pertencer a uma rede de parentesco não proporciona necessariamente a(o)s assentada(o)s apoio material e imaterial (psicológico, espiritual, afetivo etc). As relações sociais com esse caráter são construídas em outros ambientes, como nos grupos de oração (católica ou evangélica), nos jogos de futebol feminino, nos encontros nas vendas, nas reuniões na escola e cotidianamente com a vizinhança mais próxima, ajudando principalmente com doação ou trocas de alimentos.

Além disso, é importante pontuar que os grupos que identificamos são fluidos – ora são construídos por algumas pessoas, ora por outras; também podem ser excludentes de outros, como a “venda” e a Igreja evangélica, ou, por outro lado, fortalecer outro grupo. Como exemplos desse último caso, citamos o fato dos horários do treino do time de futebol feminino serem diferentes do grupo de oração católico para que elas possam conciliar as duas atividades. Há também algumas mulheres que se encontram no futebol e depois vão tomar uma “cervejinha” na venda. Também existe o caso de um grupo de oração católico composto por pessoas de dentro e de fora do Assentamento.

A maioria das mulheres geralmente participa de algum espaço de encontro regular, ainda que algumas tenham afirmado que preferem ficar a maior parte do tempo em ambiente privado, como uma forma de evitar fofocas, brigas e problemas. Nessa perspectiva, é interessante pontuar que possivelmente elas criaram mais possibilidades de circulação e diálogo do que os homens. Estes, na maioria, não frequentam os grupos de oração, não vão às reuniões na escola e não se encontram para realizar nenhuma atividade física ou de lazer com frequência. O principal espaço que os homens vão para se distrair é a venda durante à noite, espaço também frequentado pelas mulheres, mas em menor número.

De maneira geral, os relatos e as observações em campo indicaram que a parentela é um arranjo que confere uma legitimidade sutil para os membros e para as relações sociais construídas nesses grupos citados, onde a(o)s assentada(o)s circulam e se encontram com alguma regularidade, configurando-se como sistemas de apoio social, segundo Agarwal (1997).

Outros dois elementos expostos pelas mulheres titulares de lotes que não estão diretamente ligados ao econômico são o casamento e a maternidade. Em seus discursos, é perceptível a construção da legitimidade ou da maioridade da mulher quando ela se torna mãe. Um exemplo disso é a destinação de um lote para Joana, que era mãe solteira. Mesmo considerando que um dos requisitos para a titulação seja a participação na luta pela terra, no caso de Joana, dificilmente ela teria sido beneficiada com um lote se fosse “sozinha”.

Segundo a pesquisa de Sarti (1996), “a autoridade feminina vincula-se à valorização da mãe, num universo simbólico em que a maternidade faz da mulher, mulher, tornando-se reconhecida como tal, senão ela será uma potencialidade, algo que não se completou” (Ibid., p. 43). Mas ter filha(o)s também significa, principalmente para a mulher, a desvinculação da família de origem e o “direito” ao prazer sexual, visto que, segundo a pesquisa da autora, a reprodução legitima moralmente a sexualidade da mulher.

No assentamento, a possibilidade de reprodução e o exercício dela é importante para o que é compreendido como ser mulher. As mulheres mães com as quais conversamos expuseram direta ou indiretamente que desejavam ter filha(o)s, e as jovens que tive a oportunidade de perguntar consideram a maternidade uma experiência desejável. Por outro lado, o casamento foi exposto com algumas ressalvas.

Ainda que a grande maioria das mulheres assentadas com mais de 18 anos tenha pelo menos uma/um filha(o) e esteja casada ou amasiada, foi possível mapear casos de meninas que não desejam se casar. Uma delas, com 20 anos, disse não querer se casar por desejar sair do assentamento para estudar[17] – fatos que se excluem, segundo ela. Uma das filhas de Clara, então com 16 anos, diz não querer se casar e é apoiada pela mãe que demonstra reconhecer o casamento como uma escolha.

Todavia, de maneira geral, o casamento foi narrado pelas mulheres como o meio para se construir uma vida melhor, pois este pode implicar, entre outras coisas, ter uma casa própria onde se terá um pouco mais de autonomia. Paulilo (2000), expondo sobre o matrimônio no mundo rural, aponta que a mulher solteira, geralmente, tem mais chances de não ter uma vida “própria”.

O meio rural não é um bom lugar para as solteiras. RODRIGUES (1993), na sua leitura antropológica do celibato laico, camponês e feminino mostra como esta condição é constituída por “recusas, retenções e negações”. A solteira não tem direito a uma vida sexual nem a uma casa própria. Fica com os pais até que morram, depois mora de favor com irmãs ou cunhadas, ajudando nas lidas da casa, da roça e a cuidar dos sobrinhos (IBID., p.12).

No caso de Clara, constituir uma família significou mais que sua autonomia em relação à família de origem, mas, também, herdar o lote que era do seu pai. Embora tenha dito que recebeu o lote do pai por “ser trabalhadora”, também é importante considerar que era a única filha que havia constituído uma família. Nesse sentido, ela possuía condições de cuidar da propriedade, enquanto seus irmãos ainda eram solteiros e não gostavam de trabalhar na terra. Provavelmente, o lote não seria propriedade de Clara atualmente se ela na época fosse solteira e não tivesse filha(o)s, mesmo sendo uma mulher trabalhadora.

O casamento também pode significar, para a mulher, segurança. Para Paula, uma mulher solteira é vulnerável. Seu caso é interessante porque ela possui recursos econômicos para sustentar a família, é titular da terra, tem a maioria de sua/seus filha(o)s morando próximo e, inclusive, tem um filho solteiro adolescente que mora com ela. Mesmo assim, justificou seu terceiro casamento para não ficar “desamparada”, reconhecendo a importância de ter um companheiro mesmo que não seja o provedor de teto e alimento.

Para Joana e Rosa, a ausência do homem foi narrada enquanto relacionando-se a uma vulnerabilidade. Quando voltaram a ter marido, a presença deste foi relacionada a um momento em que a vida no lote começou a melhorar, especialmente no sentido de não faltar alimentos.

As contribuições do casamento, nesses dois casos, também podem ser identificadas em vários aspectos: na força de trabalho para realizar as atividades na roça, no carinho e cuidado com a(o)s filha(o)s, pela renda do companheiro que pode investir no lote e na construção de uma casa, e na legitimidade moral que este confere à família, como na narrativa de Paula, para quem o homem representa um “guardião”.

Por outro lado, as mulheres expressaram também rompimentos com o matrimônio, principalmente quando sofreram alguma forma de violência pelos seus companheiros. Paula, Joana e Rosa evitaram falar da relação com seus primeiros maridos, mas afirmaram que a separação se deu porque foram desrespeitadas. Ou seja, tanto o casamento como a separação são ações que se complementam, em certa medida, para a manutenção da família. A separação não anula a importância do “homem/ marido” para estas, visto que está entre as possibilidades delas a busca de outro que zele pelos membros e que ajude a bancar a alimentação e o bens materiais para o bem estar do núcleo.

Dessa forma, tanto o casamento como a(o)s filha(o)s são componentes importantes para elas serem reconhecidas como mulheres e é envolvendo principalmente o que consideram importante para a família que construíram suas possibilidades de trabalho, lazer, espiritualidade, relações sociais externas, entre outras coisas.

Considerações finais

Realizar esta pesquisa sobre as possibilidades de negociação das mulheres titulares de lotes no Assentamento Santa Rosa/Córrego das Posses, sob a lente de análise da “posse da terra”, foi um exercício que indicou que ambos os conceitos, “barganha” e “posse”, são processuais e relacionais. Nesse sentido, chamamos atenção para os caminhos pelos quais as mulheres vieram a ter a posse da terra para, posteriormente, considerarmos como esta aparece em seu cotidiano e é acionada para se obter o que se considera importante.

Os trabalhos de Deere e Leon (2002) e Agarwal (1997) são referências importantes, visto que articulam a posse da terra com o aumento de poder de barganha para as mulheres rurais. Além disso, indicam que outras dimensões podem interferir nesse processo, como: acesso a emprego ou outro meio de geração de renda, acesso a recursos comuns, acesso a sistemas de apoio sociais tradicionais externos, apoio do Estado, entre outras.

À luz dessas abordagens, identificamos que a posse da terra é estabelecida processualmente, não se concluindo apenas com a obtenção do direito formal. Lutar pela terra, adquirir um lote, não necessariamente inclui a posse da terra já que esta é, majoritariamente, masculina. A conquista de igualdade real não é dada apenas pela igualdade jurídica de gênero, mas se efetiva quando operam outros processos que “legitimam” as titulações individuais para elas, conferidos principalmente por relações de parentesco, ao desempenharem papéis de esposas, mães e filhas, ou pela condição de trabalhadoras. É importante afirmar que esses papéis são acionados quando se dá a ausência do homem, seja no papel de marido ou pai, o que evidencia o caráter patriarcal da posse da terra.

Nessa perspectiva, queremos chamar atenção para o fato de que, como a propriedade foi [é] um elemento negado à mulher por décadas, não ter o direito formal sobre este bem não necessariamente significa para elas uma injustiça. Em outras palavras, como o homem é visto como o representante legal da família, a titularidade do lote em nome dele no assentamento não representa um problema para elas. Essa configuração deve-se aos arranjos de poder vigentes em uma sociedade caracterizada, de acordo com Bourdieu (2011), pela dominação masculina, na qual mesmo a mulher possuindo direitos formais, não significa que tenha interiorizado este direito e compreendido o que seja tê-lo ou não. Logo, a posse vista como um processo e não como um produto, implica em considerar as trajetórias e negociações cotidianas – seja nos trabalhos domésticos ou na esfera pública - dessas mulheres.

No exercício de verificar como a posse dialoga com o poder de barganha, a compreendemos, também, como “relacional” a outras dimensões da vida dessas mulheres. Por exemplo, no que diz respeito à dimensão do trabalho, a posse possibilitou a desmistificação, em certo sentido, da noção de trabalho leve e pesado, visto que a titularidade sobre o lote pode ser acionada para viabilizar a autonomia nos trabalhos realizados na roça, além daqueles circunscritos à casa. A posse também foi acionada por mulheres como autoridade para “dividir” os espaços de trabalho na terra. A posse relacionada a uma renda como a aposentadoria proporcionou, por exemplo, a possibilidade de colocar a terra à disposição dos membros da família, uma vez que gera uma retaguarda, e a terra é vista como necessária apenas para morar, mas não necessariamente para gerar renda. Assim, a “posse” é relacional não só a outras dimensões presentes na vida das assentadas, mas também às outras pessoas, principalmente aquelas que compõem a família.

A barganha ou a negociação, conceitos que têm o mesmo sentido nesse trabalho, significam, para estas mulheres, “o meio pelo qual se consegue” o que se valoriza e o que está na ordem do que importa para si ou para um coletivo. Para isso, não se pode e nem é o desejado romper completamente com papéis e estruturas que reproduzem a dominação de gênero. A pesquisa de campo demonstrou que o reposicionamento pode ocorrer quando a mulher “usa” desse lugar socialmente legitimado (mãe, esposa etc) para conseguir o que deseja, ao mesmo tempo, que possui a posse da terra – o direito formal. É neste “cruzamento” que pode ser produzida a desmistificação do gênero da posse da terra. Como chamou atenção Paulilo (2000), muitas lutas das mulheres, como a luta pela autonomia econômica, por exemplo, podem estar dissociadas de um desejo ou ideal de igualdade de gênero. Logo, refletir sobre a negociação que as mulheres realizam no contexto analisado significou fazer um exercício de não tomar como referência um ideal individualizador da conquista da autonomia. Sem fugir à perspectiva de identificar como as mulheres estão se reposicionando e qual é o papel da posse da terra para esse processo, consideramos que essa mudança se dá sem a anulação da noção do papel da mulher como mãe e esposa. Assim, o objeto empírico nos demonstrou que o reposicionamento pode ocorrer quando a mulher “usa” desse seu lugar socialmente legitimado para conseguir o que deseja.

Dessa forma, a possibilidade de negociação ocorre quando uma mulher se casa com um homem aposentado para melhorar de vida, quando decide ter filhos para sair da casa dos pais, ou deixa de realizar trabalhos na roça, visto que o companheiro não contribui com os trabalhos domésticos. Nessa perspectiva, a negociação pode ser pontual, especificamente para algo, ou cotidiana e com efeitos em longo prazo, embora em ambos os casos possa ser entendida como processual, pois as experiências anteriores interferem nas ações e nos desejos que movem os atores sociais.

Dessa forma, a posse formal foi um elemento que possibilitou às mulheres construírem novas ordenações e, apesar de não se poder generalizar, foi por meio desta que vieram a ter um lar. Estas ordenações não tiveram para elas o sentido de questionar, por exemplo, a divisão do trabalho doméstico ou a autoridade masculina.

As construções sociais de gênero, nessa perspectiva, são construídas enquanto território imaterial, por valores que se reproduzem no tempo e no espaço, e território material – como os corpos. O que se entende, sob esse âmbito e quando se considera o espaço social estudado, é que a posse da terra é parte dessa construção, pois tem condições de contribuir para a manutenção das hierarquias e, ao mesmo tempo, para a sua mudança. Todavia, um dos caminhos para desmistificar o gênero da posse é o acesso das mulheres à propriedade da terra. Através deste acesso garantido e reconhecido como direito é que, no futuro, poderemos verificar se efetivamente a posse e a propriedade da terra terão deixado de ser hegemonicamente masculinas.

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Notas

1 Pesquisa desenvolvida para elaborar a dissertação de mestrado concluída em 2014, sob orientação de Débora F. Lerrer: “O Gênero da Posse da Terra: um estudo sobre o poder de negociação das mulheres titulares de lotes no assentamento Santa Rosa/Córrego das Posses, em Minas Gerais”, no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
2 Entendendo tal categoria segundo Joan Scott, como uma conexão entre duas proposições: “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre à mudança nas representações de poder, mas a direção da mudança não segue necessariamente um sentido único (SCOTT, 1989, p. 21).
3 “O estabelecimento foi considerado agricultura familiar quando simultaneamente respeitava o limite de área de quatro módulos fiscais (fração no caso de produtores comunitários), a direção era realizada pela família, a força de trabalho familiar era superior a contratada e a renda provinha principalmente das atividades do estabelecimento” (NOBRE, 2012, p. 43).
4 Responsável pela implementação da política agrária e de diversas políticas agrícolas voltadas para a agricultura familiar, o MDA foi extinto, tornando-se uma secretaria vinculada à Presidência da República, no mês de maio de 2016, logo que o vice-presidente interino, Michel Temer, tomou posse da Presidência da República com o afastamento da presidente eleita Dilma Roussef.
5 Tal método é uma opção interessante, segundo Bent Flyvbjerb (2006), visto que possibilita uma profundidade analítica para compreender determinados fenômenos presentes em um grupo específico e verificar como variam dentro do caso. Ainda, segundo o mesmo autor, permite que as histórias sejam contadas em complexidade, desdobrando muitas delas de diferentes lados, às vezes conflitantes caso contadas em sua diversidade. A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa foi de base qualitativa, que abre a possibilidade de qualificar os indivíduos, as relações cotidianas e a complexidade dos processos envolvidos (BECKER, 1993).
6 As subvenções sociais são aquelas que se destinam a instituições públicas ou privadas, de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa. Elas visam fundamentalmente custear as despesas concernentes à prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional. As subvenções continuam regidas pelas disposições da Lei n° 4.320, de 17 de março de 1964, que institui normas gerais de Direito Financeiro. Informações obtidas em: . Acesso em: 10 mai. 2013.
7 Torna-se fundamental pontuar que na área nenhum “título de domínio” foi emitido até os dias atuais, embora a(o)s assentada(o)s tenham o direito de entrar com o pedido no Instituto, sendo este “o instrumento que transfere o imóvel rural ao beneficiário da reforma agrária em caráter definitivo. É garantido pela Lei 8.629/93, quando verificado que foram cumpridas as cláusulas do contrato de concessão de uso e o assentado tem condições de cultivar a terra e de pagar o título de domínio em 20 (vinte) parcelas anuais”. Disponível em: . Acesso em: 12/10/2016.
8 Todos os nomes apresentados nesse artigo são fictícios, para preservar a identidade das(os) informantes. Trazemos informações mais aprofundadas de apenas 4 das 8 mulheres que possuem a posse da terra por conta da falta de tempo hábil de aprofundar o diálogo com as demais titulares de lote durante o trabalho de campo.
9 Para se ter uma idéia da vulnerabilidade das mulheres rurais com relação a “assédios” de diversos matizes, de acordo com trabalho de Salvaterra (2016), as taxas de violência de mulheres rurais é mais alta do que aquelas verificadas nas áreas urbanas do Estado do Rio de Janeiro, o que é um dado espantoso quando se considera a dificuldade que elas têm de notifica-la Ou seja, mesmo que a maior parte da população do Estado do Rio de Janeiro se concentre em cidades e que, portanto, haja mais violência contra a mulher em termos absolutos na cidade, no campo há mais mulheres a cada 100.000 que foram vítimas de algum tipo de violência: 161,3/100.00 residentes do sexo feminino em zonas urbanas foram vítimas de violência e 202,9/100.000 residentes do sexo feminino em zonas rurais foram vítimas de violência entre os anos 2009 a 2014 (IBID., p. 65-66)
10 Não obstante, dizer que consideraremos trabalho doméstico este conjunto de atividades não significa afirmar que “todas” as mulheres que se disseram responsáveis pelo trabalho doméstico realizam todas essas funções.
11 Heredia (1979) sobre a “produção” disse: “as tarefas desenvolvidas no roçado são consideradas como portadoras de um caráter determinado único: é o trabalho ligado a terra” (p.79).
12 Nesse caso o documento de concessão de uso das terras está em nome de seu companheiro.
13 “O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o país. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria, que tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. Disponível em: . Acesso: 27 jan. 2014.
14 De acordo com o Art. 23-A. do Decreto do Programa. “O titular do benefício do Programa Bolsa Família será preferencialmente a mulher, devendo, quando possível, ser ela previamente indicada como responsável pela unidade familiar no ato do cadastramento. (Incluído pelo Decreto nº 7.013, de 2009). Disponível em: . Acesso: 27 jan. 2014.
15 Durante o campo, foram relatados pelas mulheres trabalhos externos realizados para fazendeiros, e algumas mulheres trabalham em campanhas eleitorais em Itaipé.
16 Na obra “Herdeiros, Parentes e Compadres”, de Ellen Woortmann (1995), o parentesco é considerado relevante para o entendimento da reprodução social do campesinato, seja como casamento ou como descendência, e se relaciona ao patrimônio territorial camponês.
17 Essa garota relatou que tem um namorado e que ele deseja o casamento, assim como seus pais, mas que ela tem feito de tudo para não se casar. De acordo com a narrativa dessa jovem, se casar e ter filhos é a possibilidade de vida mais aceita para as jovens do assentamento e fazer diferente envolve desagradar às pessoas, principalmente sua família.
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