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As Elites de Cor: Thales de Azevedo e o Projeto UNESCO de Relações Raciais no Brasil

As Elites de Cor: Thales de Azevedo and the UNESCO race relations project in Brazil

Marcos Chor Maio
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil

As Elites de Cor: Thales de Azevedo e o Projeto UNESCO de Relações Raciais no Brasil

Revista Brasileira de Sociologia, vol. 5, núm. 10, pp. 89-113, 2017

Sociedade Brasileira de Sociologia

Recepção: 20 Maio 2017

Aprovação: 30 Julho 2017

Resumo: Este artigo tem por objetivo abordar a participação de Thales de Azevedo no ciclo de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil, patrocinado pela UNESCO no início da década de 1950, e, sobretudo, abordar sua investigação que resultou no livro As Elites de Cor: um estudo de ascensão social. Em seu estudo, o processo de modernização da sociedade baiana, os desafios à tradição e a dinâmica da mobilidade social são concebidos como potenciais geradores de conflito racial. Esses resultados revelam uma densa pesquisa socioantropológica das relações entre negros, mulatos e brancos em Salvador, ainda que, por vezes, coloquem em tensão as linhas interpretativas mais gerais de seu trabalho sobre a alegada convivência racial harmônica. Inicialmente o artigo versa sobre a trajetória de Thales de Azevedo da medicina social à antropologia. A segunda parte do texto se atém ao contexto de produção da investigação e a análise de “As Elites de Cor”. Diferente da visão comumente aceita de que a intenção do projeto UNESCO de relações raciais era demonstrar que o Brasil representava uma espécie de paraíso racial, o estudo socioantropológico de Thales de Azevedo evidencia que, desde o início do ciclo de pesquisas da UNESCO, houve um interesse da instituição em abordar as desigualdades sociorraciais no Brasil. A investigação da dinâmica da ascensão social das pessoas de cor foi um importante desafio assumido pela agência internacional para tornar inteligíveis as assimetrias raciais.

Palavras-chave: UNESCO, Pensamento social no Brasil, Racismo.

Abstract: The article addresses anthropologist Thales de Azevedo’s participation in the early 1950s cycle of research on race relations in Brazil sponsored by UNESCO, particularly the studies behind his book As Elites de Cor: um estudo de ascensão social. In Azevedo’s book, the process of modernization, challenges to tradition, and the dynamics of social mobility in Bahia society are framed as potential triggers of racial conflict. This perspective stands in contrast with the positive view of alleged harmonious racial coexistence that the author voices in these same pages. After first examining Azevedo’s shift from social scientist of social medicine to anthropology, the article explores the context in which he conducted his study and analyses As Elites de Cor. While it is often held that the aim of the UNESCO race relations project was to show that Brazil represented a kind of racial paradise, Azevedo’s socio-anthropological study made it clear that, right from the outset of the research, the international agency was interested in probing Brazil’s social and racial inequalities. UNESCO faced the important challenge of investigating the social mobility dynamics concerning persons of color in order to elucidate racial asymmetries.

Keywords: UNESCO, Brazilian Social Thought, Racism.

Introdução

A década de 1950 compreende um período de importantes programas de pesquisa no campo das ciências sociais no Brasil. Antropólogos e sociólogos voltaram-se para o exame das possibilidades de desenvolvimento do país e o papel que caberia a eles assumir. A análise das transformações vinha acompanhada pela avaliação das chamadas “resistências às mudanças”, a exemplo do Convênio Columbia University/Estado da Bahia e do Projeto do Vale do São Francisco (CORRÊA, 1987).

Entre os projetos em curso nesse período, destaca-se ainda o ciclo de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil, sob a chancela da UNESCO. A origem do programa de estudos está associada à agenda antirracista formulada pela agência internacional no final dos anos 1940, ainda sob o impacto do genocídio nazista, da persistência do racismo, do processo de descolonização africano e asiático, e dos primeiros passos da Guerra Fria. Em meio ao debate sobre o valor heurístico do conceito de raça sob o patrocínio da UNESCO, o Brasil foi concebido como um laboratório que atestaria cientificamente uma sociedade sem assimetrias raciais, como um contraponto positivo, em perspectiva comparada, às experiências do racismo nos EUA e na África do Sul. Como consequência dessa premissa inicial da UNESCO, uma rede transatlântica de cientistas sociais (Charles Wagley, Roger Bastide, Virginia Leone Bicudo, Luiz de Aguiar Costa Pinto, Oracy Nogueira, Aniela Ginsberg, Florestan Fernandes, René Ribeiro, Edson Carneiro, Marvin Harris, entre outros) desenvolveu pesquisas no Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Bahia, em áreas tradicionais e modernas, gerando um novo, amplo e diversificado quadro interpretativo das relações raciais no Brasil (MAIO, 1999).

O antropólogo Thales de Azevedo esteve envolvido, ao lado de Charles Wagley e Luiz de Aguiar Costa Pinto, no projeto Columbia University/Estado da Bahia, que tinha por objetivo realizar uma série de estudos de comunidade para aferir processos de transformação no mundo rural e oferecer conhecimento para a adoção de políticas públicas nas áreas da educação e da saúde. Thales também participou do programa de pesquisas da UNESCO, cujo foco em Salvador foi a análise da dinâmica da ascensão social de negros e mestiços numa sociedade tradicional, objeto de um conjunto de iniciativas modernizantes do poder público (WAGLEY; AZEVEDO, 1951; MAIO, 1997).

Este artigo tem por objetivo abordar a participação de Thales de Azevedo no ciclo de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil patrocinado pela UNESCO no início da década de 1950 e, sobretudo, sua investigação que resultou no livro As Elites de Cor: um estudo de ascensão social(1955). O trabalho etnográfico de Azevedo foi desenvolvido a partir de questões sociológicas associadas aos temas da mudança social e do desenvolvimento no Pós-Guerra, em sintonia com a decisão da 5ª Conferência Geral da UNESCO, em Florença, de “reduzir tensões causadas pela introdução de técnicas modernas em países não-industrializados e aqueles em processo de industrialização”[1].

Em As Elites de Cor, o processo de modernização da sociedade baiana, os desafios à tradição e à dinâmica da mobilidade social são concebidos como potenciais geradores de conflito racial. Esses resultados revelam uma densa pesquisa socioantropológica das relações entre negros, mulatos e brancos em Salvador, ainda que, por vezes, coloquem em tensão as linhas interpretativas mais gerais de seu estudo sobre a alegada convivência racial harmônica. Nesse sentido, os achados sobre o preconceito de cor em Salvador se alinham às investigações realizadas em São Paulo ou Rio de Janeiro, patrocinadas pela UNESCO, independentemente dos diferentes enfoques teórico-metodológicos, conforme evidenciado em trabalhos anteriores (MAIO, 1997; GUIMARÃES, 1999). Inicialmente, o artigo versa sobre a trajetória de Thales da medicina social à antropologia. A segunda parte do texto se atém ao contexto de produção da investigação e da análise de As Elites de Cor. Diferentemente da visão corrente de que a intenção do projeto UNESCO sobre relações raciais era demonstrar que o Brasil era uma espécie de paraíso racial, o estudo socioantropológico de Thales de Azevedo evidencia que, desde o início do ciclo de pesquisas da UNESCO, houve um interesse da instituição em abordar as desigualdades sociorraciais no Brasil. A investigação da dinâmica da ascensão social das pessoas de cor foi um importante desafio assumido pela agência internacional para se entender as assimetrias raciais no país.

Do Sanitarismo à Antropologia Social

Thales de Azevedo (1904-1995) estava prestes a completar 40 anos quando foi convidado pelo Secretário de Educação, Isaías Alves, a lecionar antropologia na recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Bahia. Seguia, assim, a tradição dos médicos-antropólogos brasileiros (CORRÊA, 1982). Oriundo de família de classe média baiana, formada por médicos, farmacêuticos e bacharéis, seu pai era proprietário de uma farmácia em Salvador. Teve formação católica no Colégio Padre Antônio Vieira (AZEVEDO, 1993, p. 54; 1996, pp. 142-143).

Entre 1922 e 1927, cursou a Faculdade de Medicina da Bahia. Como médico-sanitarista, Thales participou da campanha contra a malária e a epidemia da peste bubônica no interior do estado, residindo entre 1929-1933 na cidade de Castro Alves. Entre 1934 e 1938, foi médico do Instituto de Assistência e Previdência dos Marítimos (IAPM) e do Departamento de Saúde do Estado da Bahia (AZEVEDO, 1996, p. 139; 1993, pp. 36-38).

Além dos artigos elaborados com base em suas atividades clínicas e divulgados em revistas como Brasil Médico, Bahia Médica, Cultura Médica e Hora Médica (BRANDÃO, 1993, pp. 64-70), Thales desenvolveu estudos de caráter antropológico a exemplo das práticas de cura dos índios brasileiros, além de críticas à crença na existência de assimetrias raciais ditadas pelo determinismo biológico, como ilustra o artigo “Raças humanas superiores e raças inferiores”, publicado na revista Mundo Médico em 1931, uma crítica ao racialismo do médico neurologista Américo Valério, professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (AZEVEDO, 1993, p. 53; 1996).

A experiência como médico clínico sofre uma mudança nos anos 1940 a partir do contato com o médico e geógrafo Josué de Castro, com quem fez um curso de alimentação e nutrição na então Universidade do Brasil (atual UFRJ). Thales se interessa pelos aspectos sociológicos da saúde, da medicina social, pelas determinações sociais da doença e as interfaces entre medicina e ciências sociais.[2] Em 1943, torna-se professor de antropologia da Universidade da Bahia (BRANDÃO, 1993, p. 54).

No início de sua carreira como professor universitário, Thales lecionou antropologia física e se aproximou da antropologia cultural de Franz Boas e dos estudos da Escola Sociológica de Chicago. Ele lembra a frágil institucionalização das ciências sociais ao afirmar que, até o início dos anos 1950, as atividades na Faculdade de Filosofia “limit[avam-se] às aulas, ao ensino, e pouc[o] trabalho [de pesquisa]” (AZEVEDO, 1964, pp. 5-6). As investigações, quando existentes, eram de responsabilidade dos próprios pesquisadores, como no caso do seu livro de história social intitulado O Povoamento da Cidade de Salvador (1949).

O livro se caracteriza por uma ampla investigação histórica e socioantropológica sobre a cidade de Salvador no intervalo entre os séculos XVI e XIX. Entre os temas abordados, encontram-se: os primórdios do mercantilismo ultramarino e o papel desempenhado pelo Brasil no processo de expansão de Portugal, incluindo as estratégias econômicas e políticas da ocupação territorial, a interação entre os primeiros colonizadores lusitanos com a população nativa e o cotidiano da cidade de Salvador.

Thales de Azevedo, inspirado no argumento de Freyre da miscibilidade e tolerância portuguesa, da ausência de preconceito de cor e/ou de raça, associado ao enquadramento teórico de Pierson que concebe a existência na sociedade baiana de um sistema de classes aberto à mobilidade vertical, conclui que as distâncias sociais entre brancos e negros eram compensadas por mecanismos tradicionais, como o compadrio, já presente no século XVIII (AZEVEDO, 1949, p. 171).

No capítulo intitulado “Democracia Racial”, Thales descreve a suposta excepcionalidade baiana, regida por um padrão harmônico de interações raciais herdado da cultura ibérica. Isso fica evidente em sua análise das relações entre a morfologia da cidade, a distribuição das classes sociais e a localização dos tipos etnicorraciais. Thales engloba raça à classe ao ponderar que “não era o preconceito de raça ou de cor que separava a população em bairros diferentes, antes as distinções de classe que distanciavam os senhores, os ricos, os nobres dos escravos, dos plebeus, dos que comerciavam, dos que exerciam ofícios mecânicos. Houve, naturalmente, conflitos entre os tipos étnicos que aqui se reuniram, mas, ao que parece, esses conflitos traduzem sobretudo antagonismos econômicos”(AZEVEDO, 1949, p. 189). Ao considerar “casos isolados de intolerância” por parte dos brancos em relação aos pardos, pretos e caboclos, geradores de tensões sociais, Thales de Azevedo ressalta que “eram mais medidas de segurança das classes dominantes contra a ascensão política da plebe do que indícios de ódios de raças” (ibidem, p. 189-190).

Na perspectiva de Thales, a tradição ibérica de incorporação de mouros e negros[3], conforme a visada de Gilberto Freyre, contribuiu para que a cidade de Salvador, por ocasião da Independência do Brasil, fosse “uma democracia racial governada não exclusivamente pelos brancos, mas também, [segundo as palavras de Von Spix e Von Martius], ‘por aqueles que assim se consideram’” (ibidem, p. 195). Nesse sentido, como veremos adiante, quanto à sua crença no mito da democracia racial, não há solução de continuidade entre a perspectiva adotada em O Povoamento da Cidade de Salvador e o estudo de Thales de Azevedo sobre As Elites de Cor, associado ao projeto UNESCO de relações raciais sobre a mobilidade social em Salvador, não obstante a novidade encontrada na densa etnografia realizada pelo antropólogo.

Em 1949, após a publicação do livro O Povoamento, houve uma guinada na carreira de Thales de Azevedo, com a sua inserção no projeto Columbia University/Estado da Bahia e na pesquisa da UNESCO. Nesse momento, sua condição de antropólogo social se consolida. Civilização e Mestiçagem(1951) é uma espécie de síntese desse contexto de mudanças.

O primeiro capítulo do livro é a palestra de abertura do ano letivo de 1951 da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia, onde Thales de Azevedo discorre sobre as relações entre o biológico e o cultural posicionando-se criticamente em relação ao determinismo racial. No tempo do desenvolvimento, diante da crescente inquietação pelos rumos econômicos e pelo processo de mudança social, os constructos raciais não assumiriam relevância em face do contexto histórico e da atuação de cientistas sociais, educadores, religiosos, políticos e administradores. Em chave sanitarista não racialista, Thales assevera que: “o passado e o futuro da Bahia não tem nada a ver com as características raciais de sua composição e só [se] relacionam com as condições biológicas de seu povo na medida em que estas traduzem má nutrição, doença ou outra sorte qualquer de déficit capaz de diminuir a produtividade, a energia e a resistência dos indivíduos” (ibidem, p. 24).[4]

Em contato com a produção da escola boasiana (Ruth Benedict, Ashley Montagu, Melville Herskovits e outros), no contexto do Pós-Guerra, Thales destaca a singularidade da experiência brasileira em matéria de relações entre o biológico e o cultural, isto é, a mestiçagem. Esta contribuiu decisivamente “para criar o melhor dos padrões de relações inter-raciais conhecido no mundo de hoje, que é sem contestação o brasileiro e em particular o baiano” (ibidem, p. 43).

Dada a evolução demográfica da cidade de Salvador, que registra um número reduzido de imigrantes estrangeiros, em sua maioria de procedência europeia, o aumento da mortalidade de negros e o elevado grau de miscigenação favorecem o vertiginoso crescimento de “pardos, mulatos ou mestiços” (ibidem, p. 62). Thales acrescenta que uma intervenção racional mediante a implantação de políticas públicas gerando a elevação do padrão de vida (educação, saúde, trabalho) da sociedade baiana, associada à inexistência de discriminação racial, permitiria a melhoria da qualidade de vida da população de cor (ibidem, p. 67).

Thales alerta, no entanto, para os perigos da quebra da tradição (padrão harmônico de relações raciais, isolamento demográfico e cultural) com o advento da industrialização (exploração do petróleo e de energia elétrica) que “poderá contribuir para uma integração mais rápida dos elementos de cor na sociedade local, como acentuar, por influências vindas de fora e pelas novas relações econômicas resultantes da ascensão do proletariado de cor, a tênue e discreta rivalidade inter-racial na Bahia” (ibidem, p. 67). A modernização capitalista e a estruturação de uma sociedade de classes podem provocar uma competição entre brancos e não-brancos, o aumento da visibilidade do preconceito de cor e, com isso, ameaçar o tradicional ethos baiano. Assim, Thales retomará adiante sua preocupação em preservar a identidade baiano-brasileira, a excepcionalidade local como matriz fundante, singular, calcada no ideário democrático-racial, diante de um mundo em mudanças, permeado por tensões sociais e raciais (MAIO, 1997).

Antes mesmo de elaborar sua pesquisa para a UNESCO, Thales esboçou em linhas gerais os principais contornos de sua visão sobre as relações raciais em Salvador, com base, principalmente, nos livros O Povoamento da Cidade de Salvador(1949) e Civilização e Mestiçagem(1951). Em As Elites de Cor(1955), Thales é surpreendido pelo seu próprio trabalho etnográfico quando evidencia a existência do preconceito de cor.

Thales de Azevedo e a Pesquisa da UNESCO

Em princípio, o Departamento de Ciências Sociais da UNESCO escolheu a Bahia como lugar privilegiado para a realização das pesquisas (MÉTRAUX, 1950). O elevado contingente de negros e a tradição de estudos sobre os cultos africanos em Salvador desde o final do século XIX estavam associados à imagem de uma sociedade tradicional, cordial e avessa ao conflito racial. Essa representação da sociedade brasileira produzida por intelectuais brasileiros e estrangeiros, especialmente nos anos 1930 e 1940, como nos mostra Dantas (1988), vinha ao encontro das expectativas que predominavam inicialmente na UNESCO. Nos anos 1930 e 1940, a “grande ‘metrópole negra’ brasileira”, caracterizada pela intensa miscigenação (MÉTRAUX, 1951, p. 3) e pela harmonia, atraiu a atenção de cientistas sociais predominantemente norte-americanos, além do francês Roger Bastide (PARK, 1945; TURNER, 1943; LANDES, 1947; FRAZIER, 1942; PIERSON, 1945; HERSKOVITS, 1943).

Contudo, o interesse pela Bahia não se limitava ao imaginário racial positivo. No final dos anos 1940, o tema do desenvolvimento despontava no domínio do Ponto IV, uma política de modernização das áreas periféricas lançada pelo governo Truman nos albores da Guerra Fria (RIST, 2002). A partir do convênio celebrado entre a Universidade de Columbia e o Estado da Bahia, idealizado pelo educador Anísio Teixeira, em parceria com o antropólogo Charles Wagley e contando com a participação de Thales de Azevedo e do sociólogo Luiz de Aguiar Costa Pinto, o projeto propunha um conjunto de investigações em comunidades do interior baiano com o fito de colher informações e análises capazes de servirem de instrumento de promoção da modernização em educação e saúde nas áreas rurais. Na visão de Wagley, o projeto tinha o propósito de: “investigar (...) a mudança cultural associada à introdução de tecnologia e ideologia ocidentais, concomitantemente a procedimentos administrativos complexos em área atrasada em que o processo está atualmente ocorrendo com rapidez” (WAGLEY; AZEVEDO; COSTA PINTO, 1950, p. 14).

O projeto Columbia University/Estado da Bahia foi criado sob o signo do desenvolvimento. Esse surgiu no pós-guerra como um conjunto de representações e práticas no âmbito das relações entre povos e sociedades. Ele operou a redefinição da situação das ex-colônias e nações periféricas, que à luz dos padrões civilizacionais dos países afluentes do mundo ocidental passaram a ser vistas como “pobres” e “subdesenvolvidas” (ESCOBAR, 1995). Tendo como pressuposto a noção de continuidade histórica, de destino comum entre as diferentes regiões do globo, este discurso definiu como prioritária a luta contra o atraso daqueles países (RIST, 2002). A mudança social deveria ser concebida pelos atores no campo da saúde como algo inexorável, uma importante marca da sociologia dos anos 1950. Desse modo, cientistas sociais apontaram a importância de estudos socioantropológicos que dessem inteligibilidade a tal processo e orientassem a mudança social, sob o controle de governos e agências com programas de desenvolvimento (FIGUEIREDO, 2009; MAIO; LIMA, 2009).

Segundo Wagley, a transferência de tecnologia das nações ricas para as subdesenvolvidas era geralmente pensada de forma impositiva, sem que fosse devidamente considerado o problema da incorporação, pelas populações locais, dos padrões culturais ocidentais. Investidos de uma visão que privilegiaria sobremaneira a dimensão cultural (códigos de conduta, sistema de crenças, rituais, costumes, normas, valores, linguagem), os antropólogos seriam capazes de aquilatar as implicações, em termos de reações e conflitos, que inovações técnicas em determinado setor da vida social poderiam acarretar em outros. Isto porque, com frequência, a integração efetiva à cultura local exigia a remodelação dos novos elementos (WAGLEY, 1951a; MAIO et al., 2013).

Diante desse quadro mais geral da era do desenvolvimento, em junho de 1950, após a decisão da 5ª Conferência Geral da UNESCO de realizar a investigação sobre as relações raciais no Brasil, Wagley abriu negociações com o antropólogo Alfred Métraux, chefe do Setor dos Estudos sobre Raça da UNESCO, que terminou por envolver o convênio Universidade de Columbia / Estado da Bahia.[5] Ao incorporar a equipe liderada por Wagley nos planos da UNESCO, Métraux e seu assistente, o antropólogo brasileiro Ruy Coelho, sugeriram ainda uma pesquisa sobre mobilidade social dos negros na cidade de Salvador. Além da pesquisa sobre o padrão de relações raciais existente em áreas rurais nordestinas, o tema da ascensão social indicava o interesse do staff do projeto UNESCO sobre as transformações sociais em curso num centro urbano tradicional como Salvador e o papel da variável raça nesta dinâmica.[6]

Em dezembro de 1950, ao ser convidado por Alfred Métraux para participar da pesquisa da UNESCO, Thales de Azevedo era representante do governo do Estado, como um dos fundadores e membro do Conselho Diretor da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência da Bahia, no convênio Columbia University/Estado da Bahia. Entre 1949 e 1950, a convite do secretário de Educação e Saúde, Anísio Teixeira, Thales participou da estruturação do projeto de pesquisa e coordenou a coleta de fontes primárias e secundárias, que serviram de subsídio aos estudos de comunidade a serem realizados no interior da Bahia sob a orientação de Charles Wagley (CONSORTE, 1994, pp. 14-15).[7]

A primeira incursão de Thales na pesquisa sobre as relações raciais em Salvador foi a elaboração de um pequeno estudo, influenciado pelo antropólogo e psicólogo social Otto Klineberg, professor da Columbia University, que esteve envolvido em diversos projetos antirracistas da UNESCO (MAIO, 2017), sobre estereótipos raciais mediante a aplicação de questionário. Este instrumento de pesquisa “deveria ser projetado de maneira a não sugerir diretamente aos informantes que se desejava colher estereótipos sobre determinado povo: pensava em verificar se o negro seria mencionado espontaneamente e qual a frequência relativa dessas respostas” (AZEVEDO, 1951b, p. 58). A lista das nacionalidades, etnias e raças continha 55 atributos positivos e negativos. A breve investigação com base no universo de 10 funcionários públicos revelou que os mais altos índices de atributos depreciativos couberam aos negros, judeus, índios e japoneses (ibidem, p. 58; p. 62).

Os achados de Thales, contudo, não cancelaram seu otimismo quanto à experiência histórica baiana como uma sociedade em que “muitas pessoas de cor têm alcançado elevado status social [...], particularmente nos grupos de profissões liberais” (AZEVEDO, 1950, p. 1). Em seu projeto de pesquisa enviado à UNESCO, Thales assevera que esses segmentos sociais adquiriram visibilidade “na ‘sociedade baiana’ em geral e não apenas entre os de sua ‘raça’; segundo se acredita, ‘sobem’ sem grandes dificuldades, sendo reconhecidos e aceitos nos círculos profissionais e, em muitos casos, nas rodas sociais” (ibidem, p. 1). O antropólogo, embasado em fontes secundárias e em incipiente pesquisa de campo, propõe duas hipóteses: “(1) no Brasil existe pouco preconceito de cor e na Bahia ainda menos, e de que (2) o preconceito de classe é mais forte do que o de cor, e por tudo isso, a linha de cor não é um obstáculo intransponível no processo de mobilização vertical na Bahia” (ibidem, p. 1).

A investigação estava prevista para ser desenvolvida em quatro partes: I) uma visão geral da ascensão social das pessoas de cor; II) análise da estratificação social, verificando a distribuição da população de cor na sociedade baiana; III) investigação detalhada de “como uma pessoa de cor pode subir socialmente (ou profissionalmente) na Bahia”; IV) uma avaliação geral e sintética do processo, conjugando perspectiva histórica e análise das especificidades das situações atuais (ibidem, p. 2). No plano de estudo submetido à apreciação da UNESCO, o racismo adquire caráter apenas residual. Todavia, a etnografia levada a cabo por Thales revelou importantes nuances do preconceito de cor na Bahia, sobretudo o papel relevante da variável raça.

Durante o estudo, Thales de Azevedo desenvolveu determinados procedimentos: 1) inquérito sobre a posição das pessoas de cor (em sua expressiva maioria descendentes de negros africanos ou mestiços de africanos com portugueses) nos grupos sociais de prestígio e nas classes superiores da sociedade baiana; 2) descrição dos mecanismos de ascensão social; 3) estudo das reações de brancos e pessoas de cor em face ao fenômeno da mobilidade vertical, especialmente “o problema da aquisição de status e de prestígio por parte dos últimos” (AZEVEDO, 1955, p. 13). As relações entre ascensão social e tensões sociais entre brancos e negros foi objeto da análise de diversas pesquisas sociológicas nos anos 1940 e 1950, a exemplo de Donald Pierson, Luiz de Aguiar Costa Pinto e Virginia Bicudo.

Em termos metodológicos, a pesquisa se desenrolou a partir da observação participante em diversos espaços sociais de Salvador, acompanhando rituais religiosos, militares e cívicos, atividades escolares, reuniões de instituições científicas e culturais, encontros festivos em família e em clubes, visitas a instituições públicas, comerciais e profissionais, eventos esportivos. Foram ainda entrevistados 56 pretos e mestiços entre 128 nomes, majoritariamente pertencentes à elite social e profissional de Salvador. Nos encontros, Thales de Azevedo privilegiou as interações raciais e, sobretudo, os mecanismos de ascensão social (AZEVEDO, 1955, pp. 14-15). Entre os entrevistados negros constam: Milton Santos, que veio a ser um importante geógrafo; Nelson Carneiro, deputado federal e senador, irmão do jornalista e etnólogo Edson Carneiro; o médico Edgard Sant’Ana, amigo de Roger Bastide e que participou das atividades do projeto UNESCO na cidade de São Paulo como um dos intelectuais negros envolvidos na pesquisa; Zilda Guerreiro Ramos, do Departamento de Saúde Pública, irmã do sociólogo Alberto Guerreiro Ramos (AZEVEDO, 1951a). A pesquisa contou ainda com a colaboração de informantes brancos e mestiços, que tivessem amplo conhecimento da história de Salvador. Investigou ainda a imprensa baiana com o intuito de abordar preconceitos, estereótipos existentes nos jornais. Reuniu também documentos, tais como: fichas de associados e fotografias em arquivos de escolas e associações recreativas, religiosas e de aparatos do Estado, como a polícia (AZEVEDO, 1955, pp. 15-17).

Thales expõe as dificuldades que nortearam a pesquisa como a existência de uma escassa literatura em ciências sociais sobre a situação racial baiana, especialmente quando trata do processo de mudança social. Os estudos, em geral, versavam sobre escravidão, antropologia física, aculturação e sobrevivências culturais africanas (ibidem, pp. 17-18). Ele se lembra de diagnóstico semelhante realizado por Donald Pierson no livro Brancos e Pretos na Bahia. Ao fazer um balanço dos trabalhos apresentados nos Congressos Afro-brasileiros de 1934 e 1937, Pierson observa que na Bahia não há “qualquer preocupação pelos problemas de conflito racial ou de acomodação” (PIERSON, 1945, p. 269), próprios aos estudos etnicorraciais desenvolvidos pela Escola Sociológica de Chicago. Os intelectuais baianos de cor, inclusive, dedicaram pouca atenção ao estudo do negro, sendo que “o interesse é mais pelo africano, por seus costumes e tradições, especialmente pelas sobrevivências da cultura africana que ainda existem entre os descendentes de escravos importados” (ibidem, p. 283-284, ênfase do autor). Tal desinteresse pelas pesquisas sobre o negro, segundo Pierson, deve-se à limitada existência de tensões raciais na sociedade brasileira bem como à “relativa ausência de qualquer consciência de raça por parte do negro, ou de qualquer outro grupo racial, em resposta a esses problemas” (ibidem, p. 269).[8]

Ao longo dos anos 1940 e 1950, diversos cientistas sociais (Sergio Buarque de Holanda, Roger Bastide, Luiz de Aguiar Costa Pinto, Alberto Guerreiro Ramos, entre outros) teceram críticas à tradição de estudos sobre a cultura africana e sua influência no país por representarem o passado, a tradição, não reconhecendo assim a dinâmica social brasileira e, por conseguinte, a necessidade de um exame sociológico das mudanças em curso (MAIO, 2015). A proposta da UNESCO de realização de um estudo sobre mobilidade social trazia em seu bojo expectativas de transformações sociais. O projeto deveria utilizar métodos sociológicos modernos, compreendendo levantamentos estatísticos, entrevistas de histórias de vida, estudos ecológicos, entrevistas informais, à semelhança dos estudos sociológicos de Chicago (AZEVEDO, 1955, p. 18). Esse período coincide com o avanço do processo de institucionalização das ciências sociais na Bahia (AZEVEDO, 1964). (Error 1: La referencia: MAIO, 2015 está ligada a un elemento que ya no existe) (Error 1: La referencia: MAIO, 2015 está ligada a un elemento que ya no existe)

De meados de fevereiro até o final de outubro de 1951, Thales realizou um trabalho etnográfico com acento sociológico: mobilidade social, relações entre classe, cor e status, estratégias de ascensão social, manifestações do preconceito e da discriminação racial na sociedade baiana são os aspectos mais importantes visados pelo estudo (AZEVEDO, 1955, p. 18). O enfoque teórico de Thales de Azevedo no estudo sobre as elites de cor na Bahia é influenciado por Donald Pierson. A sociedade baiana está estruturada em classes, não em castas, e se caracteriza por interações sociais harmoniosas entre os distintos grupos etnicorraciais. Trata-se de uma sociedade multirracial de classes na qual inexistiriam obstáculos insuperáveis à mobilidade social vertical dos indivíduos em razão da cor. Por último, as chances de ascensão social de negros e pardos estariam se ampliando gradativamente (PIERSON, 1945).

Thales oferece um rico conjunto de dados sobre o cenário baiano acerca das atitudes reveladas nas entrevistas nas quais ocorrem situações de frustração e discriminação. Há diversas barreiras para indivíduos mestiços e negros, a partir de suas próprias iniciativas, alcançarem uma posição social e educacional mais elevada. A etnografia realizada por Thales de Azevedo evidencia as desvantagens à ascensão social dos indivíduos não-brancos calcadas na cor, na educação e na riqueza. Não obstante as diferenças teóricometodológicas entre as pesquisas da UNESCO, inclusive com alegadas clivagens entre os estudos realizados na Bahia e aqueles elaborados em São Paulo (HASENBALG; SILVA; LIMA, 1999), a pesquisa realizada por Thales de Azevedo evidencia que todas as pesquisas da UNESCO, independentemente da região, revelaram o preconceito de cor e as desigualdades raciais no Brasil.[9]

Miscigenação, Ascensão Social e Preconceito de Cor em Salvador

O valor da miscigenação é um dos eixos importantes de reflexão de Thales. Ele representa, como no caso de Gilberto Freyre, um indicador preciso do processo de integração, de democratização que esmaece conflitos, antagonismos e distâncias sociais. Thales chega a citar o escritor austríaco Stefan Zweig, autor do famoso livro “Brasil: País do Futuro”, cujo título tornou-se uma espécie de máxima sobre a sociedade brasileira: “nela [Salvador] originou-se de matéria europeia, africana e americana a mistura nova que ainda fermenta eficazmente” (apud AZEVEDO, 1955, p. 23). Na esteira de Zweig, Thales credita à excepcionalidade baiana ao “crisol de raças, certamente o mais representativo e simbólico das relações raciais no Brasil” (ibidem, p. 25), fruto da colonização e da herança ibérica. Julga inclusive que “nenhum dos Estados brasileiros que contém grande número de pretos apresenta índices tão altos de mestiçagem quanto à Bahia. Isto mostra que o Estado da Bahia é provavelmente o mais importante caldeirão étnico euro-africano do Brasil” (ibidem, p. 44).

A alegada singularidade baiana se revela no sistema classificatório dos vários grupos etnicorraciais, cujos termos mais utilizados para qualificá-los são: brancos, pretos, mulatos, pardos, mestiços, morenos, sararás e caboclos. No caso dos brancos, se observa as denominações: “brancos na cor”, “brancos da terra”, “brancos da Bahia”. A diversificada categorização racial é condicionada por riqueza, educação, estilos, valores das classes dominantes associados às características fenotípicas (ibidem, pp. 25-27).

Não obstante os baianos compartilharem da crença de que “os mores brasileiros condenam toda a sorte de discriminações sociais” (AZEVEDO, 1955, p. 43), no caso dos imigrantes, verifica-se a presença de “moderada discriminação” (ibidem, p. 38). Há diversos estereótipos em relação aos portugueses, judeus, árabes e, principalmente, certo grau de tensão com os espanhóis em função do controle desses de certas atividades econômicas, a exemplo de mercearias e padarias (ibidem, pp. 38-43). Há uma acentuada presença de judeus no mercado mobiliário; pequenas lojas de retalhos (árabes); escritórios de grandes firmas importadoras/exportadoras (ingleses, suíços, alemães). Os imigrantes com suas empresas e estruturas organizacionais familiares reduzem as chances de inserção de pessoas de cor em determinados segmentos do mercado, limitando assim a ascensão social de mulatos e pretos (ibidem, p. 92-94). Esses só conseguem atingir um patamar mais elevado em suas carreiras quando não se deparam com o critério da “pessoa de boa aparência”, expressão sutil supostamente utilizada no mercado de trabalho para excluir indivíduos que não estejam próximos da cor branca. Thales pesquisou 150 médias e pequenas empresas: “não foi vista nenhuma pessoa preta ou mulata escura nas funções de gerente, caixa ou vendedor” (ibidem, pp. 92-98).

No entanto, Thales reitera argumento de Pierson de que os baianos aproximam-se ou evitam-se antes em função predominantemente de seu status, de sua posição social, do que de sua cor ou raça. A estrutura de classes acentuadamente hierarquizada é constituída por estratos superiores compostos quase exclusivamente por brancos, contrastando com os segmentos sociais inferiores, formados por pessoas de cor.[10] A mestiçagem, como processo de democratização social, de representação de um princípio igualitário, de redução das distâncias sociais, pode ser objeto de tensões na medida em que altere a estrutura de classes (ibidem, pp. 46-47). No caso dos mulatos, quando estes conseguem se integrar ao mundo dos brancos, os estereótipos oscilam entre a ‘inteligência’, os ‘dramas psicológicos’ e a ‘pernosticidade’ (ibidem, pp. 25-28). Em sentido mais amplo, o processo de modernização da sociedade baiana leva à incorporação de negros e mulatos ao proletariado, tornando-os conscientes ao reivindicarem seus direitos de cidadania. Esse novo cenário pode não apenas gerar conflitos sociais, mas culminar com enfrentamentos entre negros e brancos. Movidos pelo ressentimento de sua condição racial, os trabalhadores mestiços e pretos, considerados “negros ousados”, tendem a revelar não somente a importância da variável cor no processo de mobilidade social, mas também a possibilidade de permitir maior visibilidade as clivagens raciais (ibidem, pp. 68-69).

Em sua apresentação descritiva da estrutura social baiana, Thales define três classes sociais: 1) “os descendentes da velha aristocracia, os grandes proprietários e comerciantes, os intelectuais e profissionais como advogados, médicos, engenheiros, os políticos, os oficiais das forças armadas, os poetas, os jornalistas, os professores da Universidade e os poucos industriais”; 2) a classe intermediária, uma espécie de classe média, composta por funcionários públicos e comerciantes 3) a “classe baixa”, que exerce predominantemente ofícios manuais (ibidem, p. 70).

Apesar do status dos baianos estar associado em parte ao status atribuído especialmente à origem familiar e à cor, vale destacar, conforme Thales, que pretos e mestiços podem ser vistos como indivíduos no mercado capitalista, concorrencial, caso tenham determinados atributos como educação, condições econômicas, hábitos da cultura dominante, ou seja, aspectos próprios ao status adquirido, que podem se reverter em ascensão social (ibidem, pp. 70-71; GUIMARÃES, 2002, p. 146).

Como evidência da dinâmica da sociedade baiana, Thales informa que pardos e pretos pertencentes às classes subalternas habitam em bairros da periferia de Salvador ou em pequenos aglomerados de casas pobres em espaços residenciais dos bairros das classes altas. Encontram-se ainda, nestas áreas, famílias de cor classificadas nos estratos médio e superior. Esses segmentos, investidos de recursos educacionais e econômicos, circulam socialmente em locais predominantemente brancos (hotéis, restaurantes, cafés, casas de chá, cabarés). Com efeito, numa sociedade em que não há castas, diferente do caso norte-americano, mulatos e pretos com traços fenotípicos que os aproximam aos brancos passam a pertencer ao mundo destes. O custo para tal incursão é a adesão de mestiços e negros aos valores e as atitudes da classe dominante. Nesse sentido, há expectativas de que as pessoas de cor, segundo alguns informantes de Thales, tenham um comportamento discreto, comedido, não dando vazão as alegadas “atitudes agressivas, os modos pernósticos e afetados, os gestos espalhafatosos, a pose”, estereótipos atribuídos aos mestiços, aos mulatos. Essa pressão social dos brancos sobre as pessoas de cor que conseguem ascender socialmente é própria de uma sociedade aristocrática, como a baiana, regida por uma etiqueta no relacionamento entre desiguais, em que qualquer atitude de uma pessoa que destoe do seu status passa a ser mal vista, independentemente da cor. Thales, todavia, vai além, acentuando a importância do preconceito de cor: “Pior ainda se é de cor, porque não só é tida como mal educada porém ‘ousada’, capaz de ‘tomar muita liberdade’ com pessoas que não conhece ou que ‘não são da sua classe’” (ibidem, pp. 73-74).

Não só riqueza e educação permitem aos pardos e pretos superarem a barreira de cor. Deve-se acrescentar o universo dos vínculos pessoais e familiares. Segundo um ditado popular: “mais vale um amigo na praça do que dinheiro na caixa” (ibidem, p. 75). De todo modo, as pessoas de pele mais escura experimentam significativos obstáculos para alcançar um status mais elevado. Os mestiços claros têm maiores chances de aquisição de status caso tenham comportamento semelhante aos brancos (ibidem, pp. 75-76).

Os indivíduos mestiços e negros de diversos matizes ao ascenderem na escala social enfrentam dificuldades quanto à sua nova condição. Em função da importância de elevar o status social, as pessoas de cor aderem cultural e socialmente ao branco, assumindo a sua “epiderme social”. Os setores médios mestiços e negros são objeto, portanto, de ressentimentos dos que se mantêm nas camadas subalternas, fenômeno que já havia sido observado por Virginia Bicudo (2010).

Chegam a ser considerados traidores da cor, “metido a branco”, “não querer ser de cor” (ibidem, p. 77).[11] Nos casamentos interraciais, cor e classe são variáveis que interferem nas opções matrimoniais. Essas uniões são concebidas como um canal de ascensão social de mulatos e negros frequentemente utilizado na Bahia e, em particular, nas camadas intermediária e inferior, atingindo, segundo Thales, 20% numa amostra de 222 pares. Nessas uniões, as mulheres são mais claras que os maridos em 43% dos casos (ibidem, p. 79). Thales observa a resistência das famílias dos homens de cor clara ao casamento com mulheres de cor mais escura como uma consequência da ameaça de perda de status numa sociedade que elege o branco como parâmetro estético e social. Como símbolo de elevação social, o casamento interracial é visto como uma forma de “melhorar a raça” (ibidem, p. 82).

Homens de cor de camadas médias ou baixas têm maior facilidade de se casarem com uma mulher branca do mesmo estrato social. Por outro lado, as uniões de homens brancos com mulheres negras, especialmente se elas tiverem uma tonalidade de cor mais preta, experimentam intensa oposição da sociedade. Esse fenômeno se deve à centralidade da família da mulher que acaba por absorver o homem à futura prole (ibidem, pp. 87-88). Com base na análise dos casamentos, Thales conclui que a cor tem importância fundamental nas relações sociais, não podendo ser englobada pela variável classe social na definição do status. Em suas palavras: “funcionando a cor e os traços somáticos, principalmente, como símbolos de status, a resistência aos intercasamentos traduz ao mesmo tempo preconceito de classe e de raça, ou melhor, de ‘cor’. (...) Os intercasamentos são realmente o ponto crítico das relações raciais na cidade” (ibidem, p. 90).

Há uma série de capítulos em A Elite de Cor que abordam os canais de mobilidade vertical na Bahia. Na esfera política, a ascensão social das pessoas de cor ocorre mediante a função de cabos eleitorais, sindicalistas, candidatos de cor identificados com as camadas populares e assumindo, desse modo, um “símbolo de status”. Thales observa também que só um número limitado de negros e mestiços escuros consegue galgar o topo dos cargos públicos[12]. Os concursos são um canal privilegiado para a inserção de mulatos e pretos no aparato estatal, embora venham a ocupar cargos de menor prestígio. No caso dos mestiços, eles têm maiores possibilidades não apenas de integrar os quadros administrativos como atingir cargos de direção, assim como as mulheres negras com maior instrução adquirem crescente visibilidade no funcionalismo público (ibidem, pp. 109-111).

No caso das Forças Armadas, o Exército tem critérios mais democráticos de recrutamento. Contudo, para atingir o oficialato, só se forem “mestiços bem disfarçados” (ibidem, p. 115). Quanto às escolas de oficiais, não há seleção prévia com base na cor, mas mestiços e negros frequentemente não conseguem atingir o grau de instrução e o condicionamento físico exigidos. Na Polícia Militar, predominam os homens de cor, embora a recém-criada escola de formação de oficiais tenha provocado um processo de branqueamento do contingente militar em função do baixo desempenho escolar das pessoas de cor e do aumento do prestígio da corporação no Estado da Bahia. No que concerne à Guarda Civil e ao Corpo de Bombeiros, instituições que detêm menor prestígio, a maioria da corporação é composta por pardos e negros (ibidem, p. 117).

Thales de Azevedo transitou por diversos espaços socioculturais como as artes, a religião, os esportes, a vida intelectual. Vamos nos fixar em alguns desses canais de ascensão social, a exemplo da educação. Importante barreira à entrada das pessoas de cor no mundo dos brancos, a instrução é um instrumento privilegiado de mobilidade vertical, de redução da distância social. Thales faz uma análise sobre as escolas públicas, a composição dos alunos e professores por cor, os esforços das camadas populares para manter seus filhos estudando, e constata que a resistência à inserção de pessoas não-brancas nas instituições de ensino vem diminuindo. Elas estão adquirindo status, maior visibilidade, especialmente entre as pessoas dos estratos sociais inferiores (ibidem, p. 135).

No campo das profissões liberais, Thales assevera que todos os não-brancos de origem humilde podem, mediante qualidades individuais (trabalho, dedicação, talento), assumir uma condição social mais elevada da que possuíam na origem. Para isso, uma das possíveis alternativas é alcançar a condição de profissional liberal. As oportunidades para tal ascensão vêm ocorrendo a partir da ampliação do ensino público secundário, associada ao aumento do número de alunos pretos e pardos nas instituições escolares e à melhoria das condições de vida, levando à entrada de pessoas de cor na universidade em maior escala. Thales afirma que, nas instituições acadêmicas, não há tensões interraciais, mas seus informantes assinalam a ocorrência de preterição de pessoas de cor em várias faculdades, como as de engenharia e direito.

Thales pondera que as pessoas de pele mais escura não entram nos clubes ricos e, quando eventualmente conseguem superar a barreira da cor pelo alto grau de instrução, sentem-se isoladas no meio social dos grupos dominantes. Nos clubes recreativos, são mais frequentes as restrições à entrada de pessoas de cor. Os informantes de Thales de Azevedo tentam atenuar esses limites considerando que a exclusão de negros se deve “tanto a preconceitos de cor quanto a serem tais associações dominadas pelas velhas famílias que se opõem à admissão de membros que não sejam do seu próprio grupo social e econômico” (ibidem, p. 167). Em outro sentido, “as pessoas claras (...) desde que sejam ‘socialmente brancas’, não encontram barreiras. Estas, além disto, apagam-se à medida que os clubes são mais modestos” (ibidem, p. 167). Configura-se assim uma correlação entre posição social, nível econômico-social, prestígio das associações recreativas e barreiras sociais centradas na cor.

Após reunir um amplo e diversificado conjunto de informações obtido em sua etnografia sobre a participação de negros e mestiços em múltiplas atividades sociais em solo baiano (do clero, aos esportes, ao comércio, à vida militar etc.), Thales de Azevedo chega à conclusão de que “é somente em parte verdadeira a ideia de que na Bahia não existem preconceitos e discriminações por motivos de cor”. (ibidem, p. 194). E, aceitando em parte os resultados do trabalho de Donald Pierson, afirma que, sendo a sociedade baiana multirracial e de classes, portanto não havendo castas, “as pessoas de cor têm o seu status condicionado por suas qualidades e aptidões individuais, competindo em igualdade de condições com os brancos” (ibidem, p. 195), pois as “discriminações são muito brandas e (...) dificilmente se podem distinguir dos antagonismos de classes (...)” (ibidem, p. 194).

Em princípio, independentemente da cor, qualquer pessoa, vivendo num sistema de concorrência aberto, pode pela fortuna, capacidade intelectual, méritos profissionais, qualidades morais ou pela associação desses componentes, ascender socialmente. Todavia, os indivíduos de cor ao procurarem se elevar socialmente enfrentam barreiras atribuídas “em parte à influência de preconceitos e também ao fato de em sua maioria pertencerem às classes economicamente mais inferiores na escala social” (ibidem, p. 195). Infere-se desta afirmação que existe o preconceito de cor em Salvador. Ao mesmo tempo, Thales considera que a ascensão social das pessoas de cor é relativamente comum e mais frequente atualmente do que em períodos anteriores (ibidem, p. 196). É sua opinião que as relações inter-raciais na Bahia são informadas por certo costume que condena toda discriminação ostensiva tendo por base a intolerância racial ou o preconceito de cor. A dinâmica da acomodação mútua entre brancos e não-brancos vem sendo presidida pelo padrão cultural do “homem cordial”, próprio à sociedade brasileira e, em particular, à baiana (ibidem, p. 197). Entretanto, a modernização em curso na Bahia poderia alterar o ethos baiano em meio ao desenvolvimento de conflitos.

Considerações finais

A pesquisa de Thales de Azevedo revela uma série de tensões no processo de ascensão social da população de cor. De um lado, há uma variedade de resistências, preconceitos presentes nos setores médios e altos quanto à elevação social de mestiços e negros. De outro, existem os estímulos, motivações para a continuidade da mobilidade social ascendente, representadas pela possibilidade de superar a condição inferior que se apresenta implacável quando coincide status baixo e cor escura.

Atingindo os altos graus da hierarquia, pessoas de cor ainda encontram da parte dos brancos da própria classe uma expectativa de que incorporem valores e comportamentos dos setores dominantes. Os negros de classe média gozam de maiores oportunidades não só para branquear-se socialmente, como para branquear fisicamente sua descendência através de casamentos mistos – preocupação que vem avolumar frustrações e conflitos decorrentes da hipervalorização, inclusive estética, do branco e rejeição do preto numa sociedade de dominação branca. Note-se que se trata de tensões que, pelo próprio caráter da situação (tentativa de penetração no grupo branco e consequente abandono do grupo de cor), são ocultadas pelos indivíduos atingidos e, portanto, não encontram canais em que possam vocalizar seus anseios e frustrações.

Os depoimentos de negros e mulatos são semelhantes aos dos negros de outras cidades da região Nordeste (RIBEIRO, 1956), bem como da região sudeste do país (BASTIDE; FERNANDES, 1955), no que se refere às tensões em face de determinadas situações sociorraciais. Thales considera a boa convivência interracial existente na Bahia como um valor arraigado do sistema de normas e valores (mores), não obstante sua etnografia tenha frequentemente assinalado com agudeza situações particulares de preconceito de cor. Ele acaba por concluir que dificilmente se poderia distinguir o preconceito de cor do de classe.

Diversos entrevistados mostraram-se otimistas quanto à ampliação das oportunidades das pessoas de cor ascender socialmente. O processo de mudança social em curso, a partir da emergência de novas relações sociais provocadas pela dinâmica da industrialização da Bahia (petróleo, usinas hidrelétricas), gera transformações de tal ordem que poderão ameaçar o tradicional ethos baiano. Esse se traduz pela crença na ascensão social de pretos e pardos mediante a educação (instrução e boas maneiras), a aculturação (associado a mores e cultura dominantes), as relações pessoais e familiares (sistema de compadrio) especialmente no plano educacional, o que leva à proteção e integração da gente de cor (AZEVEDO, 1955, pp. 197-198).

Nesse sentido, o desenvolvimento capitalista baiano redundaria numa sociedade plenamente competitiva, regida pelo individualismo e por princípios ideológicos igualitários e menos hierárquicos, afastando-se, desse modo, da tradição. As preocupações de Thales podem ser sintetizadas pelas palavras de Roger Bastide, ou seja, seria bom “que o rápido progresso da Bahia não traga qualquer prejuízo as qualidades da alma que são seu charme” (AZEVEDO, 1953, p. 20). Embora tributário da ideologia da democracia racial e de uma de suas vertentes regionais, o ethos baiano, Thales reconhece que o conflito e seu acirramento no plano racial são um dos cenários possíveis do processo de modernização, em detrimento do ideário das relações raciais harmoniosas.

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Notas

[1] Records of the General Conference of UNESCO, Fifth Session, Florence, July 1950. Resolutions, Social Sciences, Studies of Social Tensions, no. 3.22, p. 40. Paris: UNESCO Archives.
[2] Em carta a Donald Pierson (23/11/1949), Thales de Azevedo lembra que “a Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo (cadeira de Higiene) exige dos alunos um trabalho de pesquisa em qualquer parte do Brasil e que vários estudantes têm ido a outros Estados e até países vizinhos a fim de fazer seus surveys sanitários”. Acervo Donald Pierson, Projeto História da Antropologia no Brasil, IFCH/UNICAMP. Faz parte da tradição dos grandes sanitaristas brasileiros dos anos 1910 e 1920 os estudos com preocupações etnográficas em relação à população do interior do país (LIMA, 1999).
[3] Thales de Azevedo chega a reforçar o argumento de Gilberto Freyre contra os postulados de Oliveira Viana em Evolução do Povo Brasileiro, que acreditava que os portugueses que colonizaram eram de origem nórdica, dólico-loura. Para Thales, “convém reparar que está por esclarecer a procedência dos portugueses que se fixaram na Bahia. É sabido que foram sobretudo alentejanos e estremenhos, fortemente arabizados, os lusos que mais emigraram muito embora saíssem pelos portos do norte de Portugal, opinião de autores portugueses que Gilberto Freyre adota contra o parecer de Oliveira Viana” (AZEVEDO, 1949, p. 193).
[4] O problema é a doença, as condições de vida e não a raça, máxima que informou a atuação dos sanitaristas desde os anos 1910 (LIMA; HOCHMAN, 1996).
[5] Carta de Charles Wagley a Alfred Métraux, 18/6/1950, p. 1. Race questions & protection of minorities. REG 323.1. Part I upto 30/VI/50 (caixa 145), Arquivos da UNESCO.
[6] Carta de Ruy Coelho a Charles Wagley, 27/7/1950. Race questions & protection of minorities. REG 323.1. Part II upto 31/VII/50 (caixa 145), Arquivos da UNESCO.
[7] Em carta a Donald Pierson (23/11/1949), Thales de Azevedo faz uma descrição geral do trabalho que vem desenvolvendo para o projeto Columbia University/Estado da Bahia. Da coleta realizada constava: “uma bibliografia [...] sobre a Bahia, [...] material estatístico sobre [a] população em seus aspectos físicos e econômicos; distribuição por sexos, grupos de idade, profissões etc., produção, rebanhos [...] de maneira a ter uma ideia de como se distribuem, pela área do Estado, as diversas atividades”. Thales lamenta a carência de material e a limitada produção acadêmica nas áreas da geografia humana e da sociologia regional na Bahia. Além disso, registra as dificuldades de conseguir dados junto ao IBGE no sentido de poder confirmar a hipótese da correlação entre a divisão fisiográfica do Estado e áreas culturais. Fundo Donald Pierson, AEL/UNICAMP. Consorte (1994, pp. 12-13) recorda que nessa época chegou a participar de uma pesquisa sobre padrão de vida em Salvador, sob a orientação de Thales de Azevedo.
[8] O diagnóstico de Pierson vai de encontro aos achados de sua etnografia, que revela uma série de tensões sociais e raciais nos capítulos 2 e 3 (MAIO; LOPES, 2017).
[9] Para uma visão crítica sobre a divisão dos estudos sobre as relações raciais no Brasil entre “escola baiana e nordestina” e “escola paulista”, ver Guimarães (1999).
[10] Conforme sondagens realizadas em Salvador, que tinha na época 400 mil habitantes, a cidade seria composta etnicamente por 33% de brancos, 47% de mestiços e 20% de pretos (AZEVEDO, 1955, p. 46).
[11] Bicudo (2010) encontrou semelhante fenômeno em sua dissertação de mestrado em sociologia defendida na então Escola Livre de Sociologia e Política em 1945, sob a orientação do sociólogo Donald Pierson.
[12] A militância política de esquerda e mais especificamente do Partido Comunista Brasileiro faz pressão para que os brancos alterem suas posições privilegiadas. Há relatos que acusam o PCB de fomentar a “luta de raças” (ibidem, p. 106).
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