Resumo: O artigo tem por objetivo levantar algumas questões sobre a profissão de sociólogo a partir da análise de dados do Censo Demográfico de 2010 e depesquisas sobre a oferta de vagas por empresas especializadas. O trabalho destaca que graduados em Sociologia e Ciências Sociais têm ocupações profissionais distintas: professor de ensino básico, professor universitário e sociólogo. Com a institucionalização acadêmica e o avanço da pós-graduação no Brasil, sociólogo profissional passou a ser uma categoria estranha à formação curricular dos bacharelados em Sociologia e em Ciências Sociais. O perfil do sociólogo confundiu-se com o de professor universitário vinculado à pós-graduação. O estudo evidencia que o mercado de trabalho para o sociólogo se mantém com demanda regular. O sociólogo se constitui como categoria profissional diferente do professor universitário. A formação acadêmica, embora complementar, deve levar em consideração as especificidades da atuação profissional em Sociologia para além do ensino superior. O reconhecimento das especificidades do trabalho do profissional de sociologia pela própria academia se mostra necessário para a reintrodução de tópicos de formação, nos currículos debacharelados e pós-graduações, que ampliem a possibilidade de inserção do sociólogo na demanda por profissionais qualificados em pesquisa social.
Palavras-chave:Profissão do sociólogoProfissão do sociólogo,mercado de trabalho para sociólogomercado de trabalho para sociólogo,formação do sociólogoformação do sociólogo.
Abstract: The article raises some questions about Sociology as a profession. The analysis was carried on by using the 2010 Brazilian Demographic Census and labor market advertisements collected from specialized companies. The research emphasizes that a Sociology undergraduate degree results in three different professional occupations: high school teachers, university professors and professional sociologists. With the academic institutionalization and the growth of graduate courses in Brazil, professional sociologist has become a strange category in relation to the curriculum for those pursuing a bachelor degree in Sociology and Social Sciences. The professional sociologist’s profile has become indistinct from the training of university professors, especially those linked to postgraduate studies. The study shows that the labor market for sociologists outside academy have a regular demand. The sociologist is a professional group different from faculty professor. The academic formation should consider the applied knowledge needed for professional Sociology. The article concludes that is necessary to reintroduce training topics in the baccalaureate and graduate curricula, which in turn is necessary for increasing sociologists’ possibilities of insertion into the qualified professional job market.
Keywords: Sociology as a Profession, Sociology job market, Sociologist Career Profile.
Artigos
A Sociologia como profissão
Sociology as a profession
Recepção: 18 Março 2017
Aprovação: 25 Maio 2017
O que faz um sociólogo em uma loja de departamentos? Talvez pareça uma desfiguração da formação imaginar um graduado em sociologia trabalhando como sociólogo em outro ambiente que não a universidade. Principalmente, quando se pensa o sociólogo como um professor universitário, um intelectual, autor que publica sobre temas que fazem a crítica esclarecedora sobre tudo aquilo que o senso comum enxerga como natural. Mas há sim um campo profissional para os sociólogos para além do mundo acadêmico. Não apenas órgãos públicos, institutos de pesquisa, sindicatos e organizações não-governamentais contratam sociólogos. Empresas, editoras, lojas de departamento e outros diferentes tipos de instituições demandam regularmente o trabalho que o sociólogo pode realizar. Quando o sociólogo não se apresenta para essas vagas, outros profissionais são contratados para exercer a ocupação que seria de competência do formado em sociologia.
Mas será que o formado em sociologia que ocupa uma vaga de sociólogo em uma loja de departamentos terá perdido o seu status profissional? Para alguns, a sociologia não pode ser realizada fora das trincheiras da academia. A garantia da liberdade para a crítica seria incompatível com os interesses do mercado. No entanto, para os sociólogos que estão atuando concretamente em instituições e empresas fora do mundo acadêmico, sabe-se que é na qualificação profissional que se fortalece a capacidade de atuação crítica. Os limites e os incentivos ao trabalho criativo não são incomuns, mas não é diferente na vida acadêmica, premida por normas, competições entre pares, excesso de burocracia, falta de recursos e condições precárias de pesquisa que tolhem a força de qualquer intenção crítica. De fato, apresença do sociólogo em qualquer equipe de trabalho faz diferença. E o não reconhecimento da academia sobre a situação da profissão do sociólogo é um entrave maior para o fortalecimento da capacidade crítica em qualquer área de atuação, pois nega a formação e a capacitação profissional específica, ou seja, a condição para a atuação crítica, criativa e inovadora do sociólogo no mercado de trabalho.
Um primeiro passo seria o reconhecimento do sociólogo como uma categoria distinta do professor universitário, o que não é uma tarefa simples. A definição da sociologia como profissão é algo bastante complexo e controverso. A própria noção de “profissionalismo” é objeto de disputa em vários campos das Ciências Sociais (MARTIMIANAKIS; MANIATE; HODGES, 2009). Há estudos sobre profissões que se remetem aos padrões de formação e delimitação da atuação de um conjunto específico de atividades. Outrosabordam as delimitações, nem sempre nítidas, entre os diferentes ramos ou especialidades de trabalho. Há ainda os estudos que discutem a profissão a partir das formas de associativismo, que representam os vários níveis de articulação entre garantias de empregabilidade e condições de trabalho (MACDONALD, 1999).
Além do questionamento sobre “profissionalismo”, há um debate entre a sociologia das profissões e a sociologia do trabalho. A segunda estaria menos interessada nas questões que demarcam os limites entre as distintas ocupações profissionais. A sociologia do trabalho tem como foco as condições de trabalho e os processos em que se estabelecem as desigualdades no interior do processo produtivo. Por isso, de modo geral, utiliza, com mais frequência, como categorias empíricas os ramos de atividade, e não profissões. Com as diversas questões que derivaram das rápidas mudanças nos processos de reestruturação produtiva dos anos 80 e 90, a sociologia do trabalho passou a ter um espaço de maior destaque entre os pesquisadores de vários países. Muitos questionamentos foram levantados sobre a pertinência de uma sociologia das profissões, que pareceria menos “crítica” em relação aos problemas decorrentes das mudanças no processo produtivo do fim do século XX (EVETTS, 2011; EVETTS, 2003; MACDONALD 1999; ELLIOTT, 1972).
A distinção entre o trabalho do sociólogo profissional e da sociologia acadêmica fica mais obscurecida ainda quando tomada pela definição epistemológica do campo de atuação do sociólogo profissional. Esta abordagem define a atuação do sociólogo a partir da demarcação do objeto de estudos da sociologia (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 2005). Uma das principais influências no Brasil dessa abordagem tem sido o livro “Le Métier de Sociologue” de Bourdieu, Chamboredon e Passeron. O livro, que teve sua primeira edição em 1968, propõe-se a ser uma reflexão baseada nas experiências dos próprios autores sobre o ato prático de se fazer sociologia. A busca de uma definição sobre o objeto de estudos da sociologia, bem como sobre as formas lógicas válidas para a abordagem desse objeto, deveria ser o elemento delimitador do campo profissional do sociólogo.
Bourdieu, Chamboredon e Passeron fazem um manifesto em oposição à tendência escolástica presente na sociologia francesa da década de 1960 e aos procedimentos lógicos de validação da argumentação em destaque na sociologia americana da época. Para além das regras lógicas, proclamam uma defesa da capacidade inventiva do sociólogo. São contrários à separação entre teoria e experiência. Anunciam a ruptura com o senso comum, tese que recuperam de Bacherlard, como passo metodológico necessário para que o sociólogo se coloque além dos preconceitos, do “pensamento ingênuo” e do academicismo. Segundo os autores, o ofício do sociólogo requer a junção da compreensão teórica com um árduo trabalho metódico de “conquista” do objeto de estudos. Na visão dos autores, a crítica epistemológica tinha uma relevância para que se pudesse repensar o ofício do sociólogo.
Como observado, o livro dirigia suas críticas a certos tipos de sociologia em evidência na França e nos Estados Unidos à época. A prática sociológica deveria evitar tanto os excessos dos “teoricistas”, quanto dos “empiristas”. No primeiro grupo estavam os trabalhos da Escola de Frankfurt, cujo representante francês de maior destaque era Lucien Goldmann e o estruturalismo marxista de Althusser. No segundo grupo, estavam os “positivistas”, com destaque para Lazarsfeld.
A crítica de Bourdieu, Chamboredon e Passeron é similar à crítica de Wright Mills contra a “grande teoria” e o “empirismo abstrato”, como formulada no “Sociological Imagination” (MILLS, 2000), publicado quase dez anos antes da primeira edição de “Le Métier de Sociologue”. Enquanto Bourdieu, Chamboredon e Paseron encontram a “grande teoria” ou o “teoricismo” nos intelectuais franceses, Wright Mills se dirige fundamentalmente a Parsons e sua influência na sociologia americana. Já a crítica dos autores de Le Métier de Sociologue ao “empirismo abstrato” ou “positivismo” tinha outro um endereço: Paul Lazarsfeld e sua crescente influência tanto nos Estados Unidos quanto na França, nas décadas de 1940 a 1960. Além de Lazarsfeld, os três autores franceses focalizavam sua crítica também no que entendiam como a variante do empirismo na França: o movimento “economia e humanismo” ou “humanismo sociológico” do Padre Joseph-Louis Lebret.
Segundo os autores, a sociologia norte-americana, que Lazarsfeld representava, era “positivista”, tinha um formato burocrático e estava desconectada da realidade estudada. Era uma pesquisa orientada pelo mercado ou delimitada pelos interesses administrativos do Estado (Cultura, Educação, Trabalho, entre outros temas vinculados aos respectivos Departamentos de Estados nos Estados Unidos). Pouco espaço havia para a capacidade criativa do sociólogo. As enquetes conduzidas sobre orientação do Padre Lebret eram diferentes. Embora também tenha inicialmente trabalhado para o Ministério de Reconstrução e Urbanismo na França no pós-guerra, seus estudos se caracterizavam por levantamentos de dados diretamente com populações socialmente vulneráveis. No fim da década de 1940, a pesquisa com enfoque “humanista”já ultrapassava as fronteiras da França, estendendo-se por diversos países, inclusive o Brasil (BOSI, 2012).
Bourdieu, em resposta a BeateKrais sobre o livro Le Métier de Sociologue, afirma que o “empirismo humanista” da esquerda católica havia criado uma sociologia caridosa. Era o tipo de abordagem sociológica que resultava de ações de pessoas bem-intencionadas (KRAIS, 2008). Contudo, Bourdieu ressaltava, parafraseando o escritor André Gide – criador da Editora Gallimard –, que apenas bons sentimentos em geral produzem uma má literatura e, do mesmo modo, uma má sociologia (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 2005, p. IX).
Os estudos do “humanismo cristão” ou “socialismo cristão” geralmente tinham como objeto problemas urbanos relacionados com a pobreza, a fome, o trabalho, a renda e as condições de moradia. Apesar de tratar diretamente com questões sociais relevantes, Bourdieu afirma que o trabalho do sociólogo não é se deixar comover ou sofrer com o sofrimento dos grupos estudados, mas explicar as condições sociais em que tais fenômenos se reproduzem. Para tanto, é necessário que o pesquisador tenha a coragem de se distanciar do seu objeto de estudos, o que não ocorria com as pesquisas coordenadas pelo Padre Lebert.
Mas, apesar da advertência de Bourdieu, a visão epistemológica da profissão do sociólogo caminhou em sentido contrário e produziu uma identificação do sociólogo com o militante que produz uma “sociologia radical” (COLFAX; ROACH, 1971) ou uma “sociologia pública” (SCHWARTZMAN, 1991). E, por definição epistemológica, essa sociologia de missão (radical e crítica) se opõe à sociologia como profissão (burocrática e conformada). Tal visão pode ser ilustrada com afirmação de Héctor Leis, para quem o atrativo da sociologia para a juventude nos anos 60 e 70 seria a “irreverência transgressora de seus postulados, vocação perdida no século XXI” (LEIS, 2000, p. 12).
A leitura mais atenta de Bourdieu mostra que essa é uma falsa dicotomia. A atividade do sociólogo, segundo o autor, move-se constantemente entre dois campos opostos, geralmente identificados por conjuntos conceituais agrupados em “ismos” (humanismo, socialismo, positivismo etc.). O “teoricismo”, que na França havia sido influenciado pela filosofia existencialista, prendia os sociológicos em uma “grande teoria”, rebuscada em argumentos sobre conflitos que só tinham existência na imaginação de intelectuais que nunca haviam entrado em contato direto com o mundo real dos trabalhadores, camponeses ou qualquer outro grupo social. Althusser e Lucien Goldman seriam os exemplos dessa vertente sociológica na França. De outro lado, estava o “empirismo”, seja na versão “positivista” ou “burocrática” de Lazarsfeld, seja na ação católica reformadora que era inspirada pelas pesquisas do dominicano Joseph-Louis Lebret. Ambos estavam em contato direto com as pessoas reais, tinham desenvolvido métodos eficientes de coleta e análise de dados, mas lhes faltava a proximidade com a teoria sociológica (intencionalmente, no caso da vertente burocrática, ou por uma ingenuidade moralista, no caso da intenção religiosa reformadora).
A proposta do livro “Le Métier de Sociologue” seria romper com esse dualismo. Para os autores, a atividade do sociólogo só seria possível pela junção entre a experiência empírica e a liberdade reflexiva que a teoria pressupõe. Por isso, no entender dos autores, o objeto de estudos precisa ser construído pelo pesquisador, não inventado. A reflexão teórica subjaz ao processo de construção do objeto. A interação metódica entre o objeto de estudos real e a reflexão teórica deveria ser acompanhada pelo ato contínuo da vigilância epistemológica. Esse é o processo que permite a criação da crítica sociológica. Fora isso, tem-se apenas a crítica escolástica da “grande teoria”, os resultados encomendados de pesquisa do “empirismo” ou o voluntarismo moralista dos reformadores sociais da esquerda católica francesa.
É importante ressaltar que, embora não exista uma resposta direta de Lazarsfeld às críticas de Bourdieu e Mills sobre o perfil de sociólogo “empirista”, encontra-se nos trabalhos de Lazarsfeld também a preocupação em se superar o dualismo: teoria versus empiria. O autor, em vários estudos, reforça a importância do trabalho do sociólogo em diferentes frentes de atuação, não restrito à acadêmica. Em todos esses campos de atuação, o sociólogo, segundo Lazarsfeld, deveria combinar a capacidade de formulação teórica com uma sólida base para análise de dados. Uma das principais questões para o trabalho profissional do sociólogo em qualquer campo – desde políticas públicas, assessoria jurídica, pesquisas de opinião, assistência social, relações internacionais, entre outras – seria o de como traduzir em questões práticas os problemas sociológicos de pesquisas. O profissional deveria evitar o distanciamento entre as evidências descobertas pela pesquisa e as recomendações para a ação sobre a realidade estudada, parte inerente do trabalho do sociólogo (LAZARSFELD; WILLIAM; WILENSKY, 1967, p. X). Embora apareça na imaginação acadêmica como uma crítica de Bourdieu e Mills, na verdade essa questão – a relação entre o uso científico da teorização e a capacidade de formulação de respostas para os problemas práticos investigados – foi formulada por vários autores e permanece como um dos pontos centrais no debate sobre a prática profissional do sociólogo (GIDDENS, 1996; TURNER, 2008; VELOSO; FREIRE; OLIVEIRA; LOPES, 2012).
Essa reflexão não se restringe aos Estados Unidos e à Europa. É a marca da sociologia no período pós-guerra, que aprofunda o questionamento da profissão do sociólogo e se traduz no dilema entre permanecer um “intelectual” livre para a grande reflexão teórica ou tornar-se um “consultor, técnico ou especialista”, atado à “sociologia empírica” (TANGUY, 2012). Esse dilema ampliou-se com o recrutamento de sociólogos para as agências de planejamento de políticas públicas e monitoramento das transformações sociais em curso no pós-guerra.
Esse será o perfil também no Brasil, de acordo com o relato biográfico de sociólogos de diferentes regiões no país (BASTOS et al, 2006), bem como a análise da institucionalização da sociologia e do mercado de trabalho do sociólogo no país (BONELLI, 1994; CARVALHO; ATTOS, 2005; LIEDKE FILHO, 2005; NOGUEIRA, 1981; MIRHAN, 2015; SCHWARTZMAN, 1991). Formar-se-á a autoimagem do sociólogo como intelligentsia, portador de uma missão conscientizadora e crítica, não pelo resultado de seu trabalho de pesquisa, mas pela disseminação dos princípios teóricos que fundamentam as diferenciações sociais. Com o avanço do sistema de pós-graduação no Brasil, o professor universitário encarnou cada vez mais esse papel e o sociólogo de ofício foi ofuscado na formação acadêmica.
O ponto de vista da constituição da sociologia como ciência e do fazer sociologia como atividade intelectual marcou a forma de se perceber e valorizar o ofício do sociólogo. De maneira geral, a profissão passou a ser definida pela inserção em instituições acadêmicas. O que define o sociólogo, enquanto profissional, não é a formação de origem, a prática de atuação ou os limites epistemológicos dentro dos quais aborda o seu objeto de estudos. O sociólogo é legitimado pela participação em instituição acadêmica de nível superior reconhecida como tal pelas Associações de Pesquisa, Agências de Credenciamento e Agências de Financiamento. Isso significa que o sociólogo (o mesmo vale para outras áreas das ciências sociais) é aquele que atua profissionalmente no âmbito de um programa universitário, geralmente de pós-graduação em instituição pública, reconhecidamente como sendo de sociologia ou de ciências sociais. Essa definição é tão corrente entre acadêmicos que a literatura sobre o campo de atuação profissional desconhece o sociólogo.
Nessa visão, “pesquisador acadêmico” é o próprio sociólogo. Isto é, o professor universitário mestre ou doutor, ou ainda o bolsista de pós-graduação, que atua preferencialmente em universidades públicas é visto como sociólogo, sem adjetivos. O sociólogo que não atua na academia é um estranho a ser reconhecido. São profissionais chamados de “sociólogos não acadêmicos”, “sociólogos de mercado” (PALENCIA, 2005), “sociólogos extra acadêmicos” (TORINI, 2012) entre outras adjetivações. O professor universitário, sobretudo os que atuam em pós-graduação, não se veem como professores de sociologia. São eles os “sociólogos”, embora muitos dos quais não tenham formação em bacharelado em sociologia, não sejam graduados em sociologia e, o mais importante, não tenham experiência de atuação profissional como sociólogo.
A identidade entre professores universitários e sociólogos não foi um problema no início do processo de institucionalização da sociologia. Conforme Bonelli (1994), por exemplo, na base da Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo – ASESP (posteriormente transformada em sindicato), na década de 1970 e 1980, havia mais filiados e membros da direção que atuavam como professores universitários, provavelmente, pelo fato de que a atividade universitária permita uma aglutinação maior do que a congregação de profissionais dispersos em várias instituições e empresas, muitos dos quais sendo os únicos sociólogos em equipes multiprofissionais.
Por conta dessa construção da identidade profissional do sociólogo a partir de características epistemológicas que mais reproduzem uma imagem autocentrada do trabalho do professor universitário, os bacharéis em sociologia, principalmente aqueles sem mestrado ou doutorado, que atuam profissionalmente fora do âmbito acadêmico, de modo geral, ficam invisíveis aos olhos da academia.
Essa concepção pode ser verificada na exposição de Durand (1984):
Depois de 15 ou 20 anos de formação de um público numeroso de sociólogos nas escolas superiores, os espaços de trabalho aumentaram e multiplicaram-se. Já não dá para conhecer pessoalmente a maioria dos colegas: os diplomados são 12 mil só no estado de São Paulo. Os sociólogos distribuem-se hoje em pelo menos cinco áreas distintas de atividade: a pesquisa comercial, o magistério secundário, o magistério superior (que comporta, para muitos, atividade de pesquisa acadêmica) e uma série de postos no aparelho de Estado onde ele é tido por “técnico em planejamento” (...) Esses domínios de atividade não têm equivalência em termos de legitimidade, de remuneração, de horizontes de carreira e de participação nas entidades da categoria. Ao contrário de outros ramos de ensino superior, em sociologia o estudante é formado quase exclusivamente por pessoas que partilham apenas um dos espaços de atividade: o magistério superior e a pesquisa acadêmica. Assim, é fácil passar-lhe uma definição de sociólogo que aponta para uma idéia de trabalho intelectual muito impregnada dos maneirismos, das exigências e das recompensas das hierarquias universitárias e da cultura acadêmica: presença em simpósios, congressos e conferências, titulação e publicações. É por meio dela que a comunidade dos sociólogos, centrada nesse modelo, distingue quem a ela pertence ou não. As demais frentes de trabalho não se representam no magistério das ciências sociais, mantendo-se em relação a elas atitude que vai da complacência à hostilidade, em nome do militantismo político e/ou do pensar teórico. (DURAND, 1984, online).
As “cinco áreas distintas de atuação” que trata o autor, legalmente, se definem em três categorias profissionais, conforme definição do Catálogo Brasileiro de Ocupações (CBO), definido pelo Ministério do Trabalho (MTE). A última atualização da CBO ocorreu em 2002 e a descrição da categoria segue o que estabelece a legislação que regulamenta a profissão do sociólogo: Lei nº 6.888, de 10 de dezembro de 1980 e o Decreto nº 89.531, de 5 de abril de 1984.
Quando um aluno se forma em um curso de sociologia ou de ciências sociais, ele se torna profissional nas seguintes categorias:
Professor de sociologia do ensino superior – CBO: 2347-70
Formação: bacharel ou licenciado. Para o exercício da profissão em universidades públicas, normalmente se exige formação em pós-graduação, quase sempre com o título de Doutor. Para o exercício da atividade em universidades ou faculdades privadas, usualmente não se exige formação em pós-graduação.
Registro profissional no Ministério do Trabalho: não há
Filiação Sindical: Sindicatos de Professores de Ensino Superior, As-sociações de Docentes, Associação Nacional dos Docentes (ANDES-sindical).
Professor de sociologia no ensino médio – CBO: 2321-70
Formação: licenciado.
Registro profissional no Ministério do Trabalho: não há
Filiação Sindical: Sindicatos de Professores de Escolas Públicas, Associações de Professores (APP-sindicato)
Sociólogo – CBO: 2511-20
Formação: bacharelado.
Registro profissional no Ministério do Trabalho: existente, confor-me Lei Nº 6.888, de 10 de dezembro de 1980, e Decreto nº 89.531, de 5 de abril de 1984
Filiação Sindical: Sindicatos de Sociólogos, Associações de Soció-logos, Federação Nacional dos Sociólogos.
Em cursos universitários de Ciências Sociais, a formação do bacharelado serve como base para a profissão de Antropólogo – CBO: 2511-05 e de Cientista Político– CBO: 2511-15. Embora não haja definição legal sobre o exercício dessas profissões, a Associação Brasileira de Antropologia e a Associação Brasileira de Ciência Política definem como antropólogo e cientista político aqueles que possuem formação em nível de pós-graduação nas respectivas áreas. Além das áreas profissionais específicas, os bacharéis em sociologia podem fazer parte também da categoria de ocupação Pesquisadores em Ciências Sociais e Humanas – CBO: 2035-05.
Existem na Câmara dos Deputados várias iniciativas que propõem revisões na regulamentação da profissão do sociólogo. O mais recente é o Projeto de Lei 197/2015 de autoria do Dep. Chico Alencar que modifica a Lei de 6.888/80, estendendo a competência do exercício da profissão de sociólogo aos licenciados em Sociologia, Sociologia e Política ou Ciências Sociais. Se aprovada essa lei, os licenciados teriam o mesmo tratamento que os bacharéis em sociologia. O ensino de sociologia permaneceria reservado aos licenciados, conforme a lei que torna obrigatória a disciplina no ensino médio, Lei n. 11.684, de 2 de julho de 2008.
O contrassenso é que a formação curricular, que privilegia na prática a carreira de professor universitário, enfatiza a formação do bacharel como construção idealizada de um pesquisador apto a atuar em um mercado de trabalho também idealizado. Essa relação ambígua pode levantar questões éticas, quando envolve o uso de alunos de graduação e de pós-graduação em projetos docentes pessoais, conduzidos como se fossem prática de pesquisa sociológica (PESCOSOLIDO, 1991, p. 356).
Essa distinção é muito clara em várias áreas. Para a sociologia, essa delimitação tem sido ofuscada ao longo das décadas. O professor universitário de sociologia se vê como sociólogo e, com muita frequência, não enxerga o sociólogo que atua profissionalmente como tal. Ou ainda, vê com certo preconceito um sociólogo “não acadêmico”, como sendo “técnico”, “sociólogo de mercado”, “burocrata”, “trabalhador para o capital”. Esse sociólogo não seria verdadeiramente sociólogo, uma vez que não teria a liberdade para a imaginação sociológica crítica, que só o trabalho garantido pela autonomia das universidades públicas (ou reconhecidas como tal) permite. Essa dicotomia entre sociólogos do “campo intelectual” e sociólogos do “mercado” era algo que se propunha a ser superado já nos anos 80, quando do início do movimento de criação das primeiras associações profissionais de sociólogos, conforme se pode ilustrar pelo texto de Durand (1984):
Para que a categoria dos sociólogos ganhe força, mesmo como categoria intelectual, deve aglutinar o maior número de participantes em suas entidades culturais e profissionais. É completamente inútil querer discutir, em última instância, se o que fazem os bacharéis em ciências sociais nos vários domínios de trabalho é ou não sociologia. Se eles creem que assim seja, o movimento de preservação de identidade que a crença provoca já tem efeitos práticos positivos para a unidade do todo e para o jogo de cintura no mercado de trabalho. Justamente a melhor política para as entidades representativas de profissionais liberais que se dispersam em áreas diversas de práticas está em operar e administrar uma definição flexível do métier, evitando cisões que enfraquecem. É preciso tolerância em relação aos parceiros de diploma que trabalham em espaços onde o jogo de interesses se exprime em controle ideológico mais intenso. A questão não deve ser enfrentada com silêncios e reservas, mas antes com desafios. (DURAND, 1984, online).
Do ponto de vista da “aglutinação” da categoria, o sociólogo precisa ser reconhecido e incorporado nos currículos de formação de nível superior, para que a profissão possa se fortalecer cada vez mais. Felizmente, muitas universidades e centros de pesquisa, juntamente com associações e sindicatos de sociólogos, já vêm realizando um trabalho de aproximação para o aprimoramento contínuo do diálogo entre sociólogos que não atuam na academia, sociólogos que atuam na academia e professores de sociologia.
Mas onde estão os “parceiros de diploma” (Durand, 1984)? De acordo com os dados do Censo Demográfico (Gráfico 1), a maioria (22,12%) dos graduados, até 2010, em Sociologia e Estudos Culturais (o que inclui Antropologia, mas não inclui Ciência Política), que estavam empregados no momento do Censo, ocupava cargos em Ocupações mal definidas ou não declaradas. Ou seja, exercia profissões que não encontravam definição clara na CBO. A seguir, os graduados em Sociologia ocupavam as profissões de Professores do Ensino Fundamental e Professores do Ensino Médio (11,39% e 10,59%, respectivamente). Trabalhavam como Sociólogos, Antropólogos e afins 9,55% dos respondentes do Censo. Professores Universitários representavam 6,40%. Não houve indicação no dado captado pelo Censo sobre quantos Professores Universitários atuavam efetivamente na área de Sociologia.
Os graduados em Ciências Sociais e Comportamentais (Cursos Gerais) tinham uma distribuição semelhante, conforme o Gráfico 2, com 20,73% atuando em ocupações mal definidas ou não declaradas. Mas, ao contrário dos Graduados em Sociologia e Estudos Culturais, entre os Graduados em Ciências Sociais e Comportamentais, a profissão de Sociólogo, Antropólogo e Afins ocupava apenas a sétima posição na distribuição de ocupações. Havia mais graduados em Ciências Sociais atuando como Escriturários (7,17%), Professores do Ensino Pré-Escolar (4,89%) e Categoria Outros (4,65%) do que como Sociólogos (4,54%). Mais distante ainda estava a ocupação de Professores de Universidade e do Ensino Superior (3,57%), ocupando a nona posição na distribuição de ocupações, atrás de Secretários (3,76%).
Os dados do Censo demográfico mostram que tanto os Graduados em Sociologia e Áreas Afins quanto os Graduados em Ciências Sociais e Comportamentais (Cursos Gerais) têm uma gama grande de ocupações. A maioria das ocupações não é na área de formação, mas esse não é um problema específico da Sociologia ou das Ciências Sociais. A inadequação entre a formação universitária e o mercado de trabalho vem sendo questionada por vários autores. É um problema antigo e persistente do ensino superior e que atinge a todas as áreas do conhecimento. Esse também não é um problema peculiar do Brasil. Tem sido uma preocupação de acadêmicos e formuladores de políticas públicas em vários outros países (BLOIS, 2015; CASTILLO, 1994).
O ponto principal da distribuição de ocupações entre os graduados em Sociologia e Estudos Culturais e Ciências Sociais e Comportamentais está no fato de que as oportunidades e escolhas profissionais seguem a seguinte ordem: Professores do Ensino Fundamental, Professores do Ensino Médio, Sociólogos e Afins e, por fim, Professores Universitários.
Notas: Os dados no gráfico correspondem a 70% da frequência acumulada. Os 30% restantes correspondem a ocupações com menos de 1,25% de frequência.
IBGE, Censo Demográfico, 2010. Elaboração própria.Um estudante que havia completado um curso superior em Sociologia ou Ciências Sociais até 2010 tinha mais chances de trabalhar como Professor do Ensino Básico do que como Sociólogo. Mas tinha mais chances de trabalhar como Sociólogo do que como Professor de Ensino Superior. Essa informação deve ser tomada com cuidado. As ofertas de emprego para Ensino Básico são maiores do que para Sociólogo e Professor de Ensino Superior. Não se pode deduzir pelo Censo demográfico que a área de atuação no Ensino Básico ou no Ensino Superior seja propriamente Sociologia ou Ciências Sociais, pois a informação não é detalhada a esse ponto. Pode-se ter um Graduado em Sociologia ministrando aulas de História no Ensino Básico.
O que se pode destacar com mais rigor é que, ao contrário do que se espera na academia, existe uma maior ocupação no mercado de trabalho de Sociólogos propriamente e Professores de Ensino Básico do que de Professores do Ensino Superior, ainda que Professores Universitários que dão aulas de Sociologia (embora nem todos formados em Sociologia ou Ciências Sociais) se vejam como os Sociólogos por excelência.
Notas: Os dados no gráfico correspondem a 70% da frequência acumulada. Os 30% restantes correspondem a ocupações com menos de 1 % de frequência.
IBGE, Censo Demográfico, 2010. Elaboração própria.Como se formou essa imagem invertida? Comparando-se o perfil dos profissionais graduados em Ciências Sociais com os dados do Gráfico 3, percebe-se que havia mais professores universitários de sociologia em 1970 do que sociólogos. O Censo demográfico de 1970 não separa os graduados em Sociologia e Estudos Culturais e graduados em Ciências Sociais e Comportamentais, como acontece no Censo de 2010. Há uma categoria, graduados em Ciências Sociais, da qual se presume que inclua todos os casos. Por isso, além de outras diferenças referentes ao universo amostral, a comparação entre os Censos de 1970 e 2010 deve ser tomada com bastante cautela. Mas, se for possível extrair alguma pista sobre as mudanças ocorridas entre os anos de 1970 e 2010, pode-se inferir que houve uma mudança no perfil profissional do graduado em Ciências Sociais/Sociologia.
Quando a Sociologia começou a firmar-se institucionalmente no Brasil, com a ampliação do sistema nacional de pós-graduação na década de 1970, a profissão de Professor Universitário de Sociologia tinha um peso maior em termos de vagas ocupadas (7%) do que a profissão de sociólogo (5%). Naquele momento, a maior parte dos graduados em Ciências Sociais estava trabalhando em outras ocupações não relacionadas com a formação na área (55%). Em seguida, os graduados ocupavam vagas como professores no ensino médio (30%).
Outras diferenças indicam a mudança no perfil do profissional egresso dos cursos de Ciências Sociais/Sociologia. Em 1970 (Gráfico 3), 45% dos graduados atuavam profissionalmente como Professor de Ensino Médio, Professor Universitário, Sociólogo e Outros Professores. Em 2010, entre os graduados em Sociologia e Estudos Culturais (Gráfico 1), um número menor atuava nessas áreas, 38%. A ordem de ocupação também mudou: Ensino Fundamental e Ensino Médio permanecem em primeiro lugar, mas há mais ocupações de sociólogos do que de Professores Universitários. Entre os graduados em Ciências Sociais e Conhecimentos Gerais (Gráfico 2) também houve mudança. Um número ainda menor tinha ocupação na área, 31%. A ordem de ocupação reflete a mesma distribuição dos graduados em Sociologia: em primeiro lugar, a ocupação de Ensino Fundamental e Ensino Médio; seguido de Sociólogos e áreas afins e, por fim, Professores Universitários.
Nota: Em 2010, inclui Sociologia e Estudos Culturais e Ciências Sociais e Comportamentais (Cursos Gerais). Em 1970, inclui Ciências Sociais.
IBGE, Censo Demográfico, 2010, 1970. Elaboração própria.Conforme se pode observar, no Gráfico 4, o peso das pessoas com faixa etária acima de 40 anos entre os que possuem graduação em Ciências Sociais e Sociologia tornou-se maior com o passar das décadas. O gráfico não se restringe aos graduados ocupados em profissões relacionadas à sociologia, mas inclui todos os graduados empregados em qualquer profissão ou não empregados.
A inversão demonstrada no Gráfico 4 não pode ser atribuída somente a um desencanto da sociologia pela juventude, como observou Héctor Leis (2000, p. 12). Há o acúmulo das gerações e também a mudança do perfil etário da população brasileira. Mas o Gráfico 4 e a Tabela 1 indicam, certamente, que o peso de graduados acima de 40 anos ainda tem uma contribuição grande na construção da imagem do ofício de sociólogo, a partir do perfil delineado nos anos 60 e 70.
Conforme se observa na Tabela 2, o peso maior de pessoas declaradas com sexo feminino persiste, como já havia sido destacado por Bonelli (1994) no estudo sobre a institucionalização da sociologia no estado de São Paulo. Um fato a se registrar no perfil dos graduados em sociologia e ciências sociais em 2010 é que, entre os autodeclarantes de Cor ou Raça “preta”, a diferença entre “feminino” e “masculino” é menor do que entre Cor ou Raça “branca”, bem como “parda”. Entre os autodeclarantes “indígenas”, há mais pessoas do sexo “masculino” do que do “feminino”. Entre os autodeclarantes de Cor ou Raça “amarela”, encontra-se a maior diferença entre sexo “feminino” e “masculino”. Essa variação pode ser indicativa de oportunidades e valorização do curso e merece um aprofundamento maior em outros trabalhos específicos.
O fato é que, independente da visão que a academia constrói para si mesma, o campo de trabalho profissional dos sociólogos existe e é bem distinto do que imagina o professor acadêmico. Atualmente, é bem mais diversificado do que nos anos 70 e 80.
Já existem estudos que acompanham a transformação do mercado de trabalho para sociólogos. Mas ainda não há uma fonte de dados sistematizada e regular específica, além das bases disponíveis pelo IBGE e pelo Mistério do Trabalho. Com essas bases, encontram-se dados sobre a ocupação de postos de trabalho, mas não sobre a oferta de vagas. Os estudos mais recentes que fazem esse esforço do mapeamento das vagas para atuação profissional específica de sociólogo (BARROS; SILVA, 2015; BLOIS, 2015; ESTEVAM, 2014; TORINI, 2012) apontam para o mesmo fenômeno: o número de sociólogos em atuação é restrito, mas há constantes ofertas de vagas. É comum que as ofertas sejam feitas de maneira genérica, de modo que outros profissionais de humanidades e ciências sociais aplicadas também podem se candidatar a esses postos de trabalho.
Para acompanhar a oferta de vagas, nossa pesquisa realizou um acompanhamento sistemático dos anúncios online de duas grandes agências de emprego que atuam no Brasil: as empresas Ideed e Catho. A primeira é uma empresa norte-americana que tem atuação em mais de 50 países. A segunda é uma empresa brasileira, com sede em Barueri-SP, líder do segmento no país. Durante 22 meses, entre 2013 e 2014, a equipe de pesquisa registrou todos os anúncios de vagas ofertados online que continham as palavras-chave “Sociólogo”, “Socióloga”, “Sociologia” ou “Cientista Social”. Os anúncios foram analisados e permaneceram os que de fato se tratavam de ofertas de vagas. Foram extraídas e catalogadas informações de cada anúncio referente ao cargo, salário, local, exigências de formação e outras informações. Registraram-se, no período, 659 ofertas de vagas no total. Foram 445 vagas para Professores (67,5%), sendo que 292 foram ofertas para Professores de Sociologia no Ensino Fundamental e Ensino Médio (incluem Sociologia e Filosofia) e 153 foram alertas para vagas de Professor de Sociologia (incluem Sociologia e Filosofia, Ciências Sociais, Sociologia e Humanidades) em universidades privadas. Nenhuma vaga em universidades públicas foi ofertada nesse período, bem como não houve anúncio de concursos públicos. As vagas para sociólogos (não professores) foram 32,5% do total, sendo que 68 dessas vagas ofertadas eram para analistas (em geral); 51 vagas ofertadas para atuação no SESI, SENAI ou SESC (inclui oferta de estágio); 28 vagas para área de pesquisa (em geral, exceto marketing); 23 vagas para área de marketing; 17 vagas para meio ambiente ou área ambiental; 15 vagas para área de informática e 12 vagas para área de assistência social.
O acompanhamento das ofertas de vagas pelas agências de emprego apresenta algumas dificuldades. Em primeiro lugar, a reprodutibilidade dos dados é comprometida, uma vez que os anúncios estão disponíveis apenas enquanto a vaga está sendo ofertada. Arquivar o anúncio da vaga, salvando o texto divulgado pela agência, permite o registro para a pesquisa, mas outros pesquisadores não terão mais acesso aos links originais assim que a vaga deixar de ser ofertada. Em segundo lugar, há uma sobrerrepresentação dos dados. Muitas vagas são reofertadas no sistema online quando não preenchidas no tempo estipulado pelo anunciante. Nem sempre a reoferta é identificada no sistema de anúncio. Por isso, deve-se considerar que o número total de anúncios de vagas nas agências online pode ser menor do que o apresentado nesse artigo. Não há como precisar qual a exata redundância de informação contida nos dados sem acesso às informações privativas das agências de emprego. Mesmo assim, a validade em se apresentar os dados tais como registrados pela pesquisa reflete a intenção de se mostrar as vagas disponíveis semanalmente para candidatos interessados em vagas como sociólogos. Foram ofertadas, em média, 30 vagas para sociólogos por dia pelas agências Catho e Indeed, em 2013 e 2014 (Gráfico 5), sendo que nos meses finais do ano essa média subiu para 50 vagas, enquanto nos meses iniciais decresce para 10 anúncios de vagas. Esse é um fenômeno sazonal que se repete para quase todas as categorias profissionais. Das 30 vagas ofertadas, em média, 25 eram cargos para professores de sociologia. Entre esses anúncios, uma média de 23 ofertas de trabalho para o ensino fundamental e médio, além de outras duas para o ensino superior. Outras cinco vagas anunciadas semanalmente eram referentes a atividades profissionais de sociólogo ou similares, como técnico social, gerente de projetos sociais, analista de responsabilidade social.
A maioria dessas ofertas de vagas para sociólogos não é exclusiva para formados em Sociologia ou Ciências Sociais. Não exige formação específica na área e grande parte dos anúncios, inclusive, descreve outras áreas afins que podem ter interesse na oferta, como formados em psicologia, serviço social, economia, contabilidade, administração de empresas e direito. Como a profissão não é fiscalizada, outras áreas acabam ocupando vagas que seriam dos sociólogos.
As ofertas apareceram em 28 cidades diferentes, não apenas capitais, de 8 estados da Federação. Não estão inclusos nesses dados ofertas de trabalho em emprego público (prefeituras, emprestas estatais), normalmente feitos por editais de concurso público. Também não apareceram alertas de empregos para trabalho em sindicatos, partidos ou organizações governamentais, que possuem formas de contratação por redes próprias de contato, muitas vezes, diretamente vinculadas às Universidades públicas. Dificilmente essas organizações utilizam os serviços das agências de empregos.
Apesar das ofertas de trabalho para sociólogo serem restritas, o que esses dados ressaltam é que há uma regularidade, ou seja, há um mercado de trabalho para sociólogos. Há uma demanda de empresas e instituições pelo trabalho que o sociólogo é capaz de efetuar.
Em média, um graduado em Sociologia ou Ciências Sociais não ganha menos do que graduados em áreas similares, embora outras áreas possam alcançar salários maiores em menos tempo.
Nota: Ciências Sociais inclui Ciências Comportamentais (Cursos Gerais); Sociologia inclui Estudos Culturais (não inclui Ciência Política); Educação refere-se a Ciências da Educação (não inclui Formação de Professores); História inclui Arquivologia; Filosofia inclui Ética. Rendimento no trabalho principal não se refere necessariamente ao ganho em trabalho relacionado com a formação da graduação.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2010. Elaboração própria.Conforme o Gráfico 6, a mediana do rendimento no trabalho principal para graduados em Sociologia e Ciências Sociais está abaixo, mas não distante dos graduados em economia. Está acima dos graduados em Educação, História e Filosofia. Em todos os casos comparados, trabalhadoras recebem em média menos do que homens. No caso de Sociologia, Educação e História, os maiores salários individuais são recebidos por mulheres. Mas a concentração de baixos salários entre respondentes do sexo feminino é bem maior do que entre os respondentes do sexo masculino. No caso de Ciências Sociais, quase 75% das graduadas recebiam salário igual ou abaixo do que a mediana do sexo masculino. A distribuição do rendimento demonstra que a formação em Ciências Sociais ou Sociologia não se diferencia de formações similares, nem em relação às possibilidades de ganhos, nem em relação às desigualdades persistentes.
Se os graduados em Sociologia e em Ciências Sociais, conforme o Gráfico 1 e Gráfico 2, ocupavam diferentes profissões, além de sociólogo, professor universitário e professor do ensino médio, também os que declararam exercer o cargo de Sociólogo, no Censo Demográfico de 2010, tinham graduação em diferentes áreas. Conforme a Tabela 3, do total de 3.083 respondentes que disseram exercer a ocupação de Sociólogo, Antropólogo e Afins, 28,7% tinha graduação em Ciências Sociais e 18% tinha graduação em Sociologia. Outros 0,3% tinham graduação em Ciência Política. Menos da metade (48%) dos que declararam trabalhar como Sociólogos tinha formação na área. A maioria (52%) tinha formação diversa: de biblioteconomia a engenharia. Esses números demonstram a necessidade de construção de mecanismos para a aplicação da legislação que regulamenta a profissão.
A profissão de sociólogo poderia se beneficiar muito mais dos avanços obtidos pela academia se houvesse um entendimento, entre os professores universitários que formam os sociólogos, de que a formação para o bacharelado é diferente da formação de pessoal de nível superior universitário. Certamente, há vários pontos em comum na formação do sociólogo, do professor universitário e do professor de ensino médio de sociologia. Assim, não se deve buscar uma especificidade absoluta para a formação do sociólogo, apartada da formação do professor. Ao contrário, o que se espera é que a formação acadêmica possa incorporar tanto o conhecimento necessário para o exercício do ensino superior e do ensino médio (retomado como obrigatório com a Lei nº 11.684, de junho de 2008), mas incluir também a perspectiva profissional do sociólogo. Essa é uma questão antiga que acompanha a formação de sociólogos não só no Brasil (BATLE, 1970; DENTLER, 2002; PESCOSOLIDO, 1991).
Um primeiro passo importante seria o reconhecimento de que existe sim a profissão do sociólogo independente da academia. O sociólogo não é necessariamente o professor universitário. O pesquisador, vinculado ao sistema CAPES/CNPq, tem uma atuação profissional como docente de ensino superior que nem sempre abre espaço para as questões próprias do campo profissional de trabalho específico do sociólogo. O trabalho do sociólogo difere da atuação docente, muito embora, como em várias outras áreas, como a economia, a psicologia, o serviço social, possa e deva existir um diálogo entre os diferentes campos de atuação. Tanto a academia quanto o setor não acadêmico tendem a se beneficiar dessa aproximação. Repensar a formação do bacharelado é um passo fundamental para que se possa dar visibilidade à profissão do sociólogo dentro da academia.
Por exemplo, a inclusão das carreiras de sociólogo e de antropólogo no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) foi o resultado de uma extensa mobilização de sindicatos estaduais de sociólogos e da Federação Nacional dos Sociólogos. Foi concretizada com a Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) nº 17, de 20 de junho de 2011. Mas os sociólogos e cientistas sociais permanecem “invisíveis” dentro do SUAS (BARROS; SILVA, 2015, p. 49). Esse esforço de dar visibilidade ao trabalho deveria ser incorporado não apenas pelas entidades sindicais, mas deveria ter reflexo na própria formação acadêmica.
Um segundo passo importante seria valorizar a existência da profissão do sociólogo. O trabalho do sociólogo fora da academia tende a ser indiretamente visto como uma carreira menor: “técnico”, “burocrático”, subordinado ao “mercado”. O professor universitário, “pesquisador”, seria livre para formular a crítica sociológica. O sociólogo seria um trabalhador limitado para o exercício crítico da profissão por estar subordinado à empresa ou ao órgão ao qual está vinculado. Conforme ilustra Bonelli (1994), essa pré-concepção advém de uma distinção entre intelligentsiae profissão.De acordo com a autora, “implícito na diferenciação estaria o mercado. As profissões viveriam nessa lógica. As mais fortes teriam um controle sobre o mercado. As fracas seriam controladas por ele” (BONELLI, 1994, p. 110).
Se a sociologia, como formação intelectual, acredita de fato em sua capacidade de rever e propor questões que impliquem em mudanças sociais, então, nada menos a esperar que os sociólogos ocupem todos os postos de trabalho possíveis. Da diversidade de suas ações, da ética profissional que orienta o seu ofício e do rigor analítico em formular explicações fundamentadas em evidências, é que se somará a contribuição da sociologia para a compreensão da dinâmica social, tal como discutido por Bourdieu (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 2005).
A suposição de que ofício do sociólogo é subordinado (não criativo, não intelectual) enquanto o exercício do professor universitário está além do controle do mercado (criativo, intelectual) não se coaduna com as batalhas docentes contra a precarização e as constantes limitações das condições do trabalho universitário. Todo exercício profissional, seja como docente universitário, docente do ensino básico ou sociólogo, está sujeito aos limites do mercado. São todos trabalhadores, seja no exercício do serviço público seja exercício do setor privado. Todos exercem um trabalho intelectual, com as mesmas possibilidades criativas e os mesmos condicionantes estruturantes (salário, condições de trabalho etc.). Até por isso, o início da organização sindical dos sociólogos não distinguiu trabalhadores do ensino superior, ensino básico e sociólogos. Apesar da base comum, com o avanço do sistema superior de ensino, a academia fez o estranhamento do sociólogo, alimentou uma indiferença com o professor do ensino médio e produziu uma supervalorização do professor universitário.
Conforme se procurou demonstrar nesse estudo, o mercado de trabalho para sociólogo existe e, se a sociologia não ocupar esse papel, outros profissionais continuarão a fazê-lo em seu lugar, pois há demanda para o serviço qualificado nos termos das funções descritas pela CBO do sociólogo.
Professores de sociologia do ensino médio, durante vários anos, tiveram que buscar um reconhecimento dentro dos cursos de ciências sociais. Havia um desmerecimento na academia em relação à licenciatura e uma sobrevalorização do bacharelado. Mas o bacharel que se valorizava na academia não era efetivamente o que dava diploma ao sociólogo, mas o professor universitário com atuação em Universidades públicas, preferencialmente aqueles inseridos no sistema de pós-graduação stricto sensu. Seria quase como um desvio de formação a atuação como professor de sociologia do ensino médio, professor de sociologia do ensino superior privado ou como sociólogo.
Pela estrutura dos cursos e o formato de avaliação da pós-graduação, os professores universitários tendem a reproduzir a si próprios na formação dos estudantes. O peso excessivo das disciplinas de formação teórica nos currículos e a inserção no sistema de iniciação científica, atrelados à inserção dos docentes em linhas voltadas para a pós-graduação, reforçam esse ciclo fechado. Desse modo, a formação do professor de ensino médio e do sociólogo fica em segundo plano em relação à formação do professor universitário.
Para uma aproximação mais efetiva entre a formação acadêmica universitária e a profissão de sociólogo, é necessário que nas disciplinas se incorporem conhecimentos metodológicos que a profissão requer. Mestrados profissionalizantes podem ser um caminho, assim como a pós-graduação lato sensu. Mas o principal é a vinculação da capacitação do sociólogo dentro do sistema de pós-graduação stricto sensu. Para isso, é necessário que as linhas de pesquisa se abram e incorporem a pesquisa aplicada como eixo dentro das áreas de concentração existentes. Nos últimos anos, a área de ensino de sociologia percorreu esse caminho de reconhecimento. Ao buscar inserir-se de maneira decisiva como área de pesquisa reconhecida no sistema de avaliação da pós-graduação, a área de ensino de sociologia buscou, com sucesso, legitimar-se em igualdade com a formação dos professores de nível superior. Não foi uma ação simples, demandando vários anos de formação e articulação nacional para produzir uma rede articulada de pesquisadores, professores e estudantes em todo o país (NEUHOLD, 2015; MARTINS; SILVA, 2014). Mas o resultado foi o crescimento e o reconhecimento da área de ensino de sociologia, não como um “subproduto” da formação dos cursos de Sociologia/ Ciências Sociais, mas como uma opção concreta de formação articulada a um mercado de trabalho, pela qual as Universidades devem se empenhar para preservar e ampliar. O mesmo caminho é necessário para recolocar o sociólogo no eixo da formação curricular da graduação e da pós-graduação.
Outro elemento importante para tornar mais concreta a formação do profissional sociólogo é o incremento do estágio curricular. Há vários empecilhos a serem superados. Poucas Universidades estão estruturadas para oferecer estágio curricular para sociólogos do mesmo modo que se estruturam para oferecer estágio para professores de ensino médio. Além disso, nem os professores estão preparados para orientar estágios, nem há sociólogos atuando em empresas ou instituições em quantidade suficiente para receber os estagiários. É muito comum que estudantes de sociologia façam estágio de bacharelado sob a orientação de profissionais de outras áreas como o serviço social, a psicologia, a administração de empresas, a economia e outros. Conforme registro dos próprios estagiários, o distanciamento dos docentes e o despreparo em relação ao conteúdo curricular apreendido dificultam a assimilação da experiência como de fato uma formação profissionalizante. Levantam mais questionamentos sobre a profissão do que estímulo para abraçar a carreira de sociólogo (RAMOS, 2016; SANTOS, BARRETO, 2010). Mas é um desafio a ser superado. A academia, as instituições não governamentais, as empresas, os órgãos governamentais teriam muito a se beneficiar dessa aproximação, caso pudessem fornecer campos de estágio para estudantes de sociologia.
Os esforços da Federação Nacional dos Sociólogos (FNS) e de sindicatos estaduais pela ampliação do campo de trabalho profissional do sociólogo ainda precisam ocupar um espaço mais central na agenda de trabalho e de pesquisa. Por exemplo, o empenho da FNS e dos sindicatos pela bem-sucedida inclusão do sociólogo na Lei de Assistência Social, em igualdade com Assistentes Sociais, Psicólogos e Pedagogos, e a busca pela criação do Conselho Nacional de Sociologia ainda aparecem como ponto marginal de debates em Congressos Acadêmicos. Não há quase produção de pesquisa sobre esses assuntos. O sociólogo, como profissão, ainda está longe de se constituir em foco de pesquisa e reflexão da academia. Mas inserir esse debate no horizonte da produção acadêmica é um passo importante para o reconhecimento e fortalecimento da profissão.
Essa reflexão irá conduzir a uma necessária revisão dos currículos, tanto nas áreas de metodologia de pesquisa quanto nos conteúdos temáticos das disciplinas, para que se encontre o equilíbrio necessário entre a formação teórica e a capacidade de formulação de respostas adequadas aos problemas concretos do trabalho do sociólogo. As disciplinas podem combinar o estímulo à análise de dados e o uso de ferramentas de tecnologia da informação para pesquisa sociológica, com a mesma ênfase que se busca instrumentalizar a formação teórica e conceitual entre os estudantes.
Para executar o seu trabalho, o sociólogo precisa de uma base sólida de formação em análise de dados de todos os tipos, desde dados quantitativos e qualitativos a dados documentais. Várias instituições já têm demonstrado que essa formação articulada é possível, combinando a atuação de pesquisa dentro e fora das Universidades. É importante que a qualidade atingida no Brasil em relação à formação do professor de nível superior, em virtude do sistema de pós-graduação CAPES/CNPq, seja também aplicada na formação do Professor de Sociologia do Ensino Médio e do Sociólogo, profissional até então invisível para academia.
Notas: Os dados no gráfico correspondem a 70% da frequência acumulada. Os 30% restantes correspondem a ocupações com menos de 1,25% de frequência.
IBGE, Censo Demográfico, 2010. Elaboração própria.Notas: Os dados no gráfico correspondem a 70% da frequência acumulada. Os 30% restantes correspondem a ocupações com menos de 1 % de frequência.
IBGE, Censo Demográfico, 2010. Elaboração própria.Nota: Em 2010, inclui Sociologia e Estudos Culturais e Ciências Sociais e Comportamentais (Cursos Gerais). Em 1970, inclui Ciências Sociais.
IBGE, Censo Demográfico, 2010, 1970. Elaboração própria.Nota: Ciências Sociais inclui Ciências Comportamentais (Cursos Gerais); Sociologia inclui Estudos Culturais (não inclui Ciência Política); Educação refere-se a Ciências da Educação (não inclui Formação de Professores); História inclui Arquivologia; Filosofia inclui Ética. Rendimento no trabalho principal não se refere necessariamente ao ganho em trabalho relacionado com a formação da graduação.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2010. Elaboração própria.