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Violência, corpo e sexualidade: um balanço da produção acadêmica no campo de estudos feministas, gênero e raça/cor/etnia
Violence, body and sexuality: A balance of academic production in the field of feminist studies, gender and race/color/ethnicity
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 5, núm. 11, pp. 48-85, 2017
Sociedade Brasileira de Sociologia

Artigos


Recepção: 04 Setembro 2017

Aprovação: 20 Outubro 2017

DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.221

Resumo: O paper faz um balanço sociológico da produção dos estudos da violência contra a mulher e de gênero, a partir do século XXI, articulando-os com a categoria de corpo e sexualidades e de marcadores sociais, como: cultura, raça, etnia, classe, orientação sexual e geração, que estruturam as dinâmicas e as relações sociais. Entende-se que a lógica de funcionamento da violência de gênero e de sua culpabilização guarda uma íntima relação com os direitos das mulheres sobre os corpos, representações e sexualidades. Privilegia-se o olhar da crítica feminista destacando a perspectiva teórico-epistemológica-política e as articulações do fenômeno com a pesquisa empírica na reflexão sociológica. O texto desenvolve: i) a consolidação dos conceitos: violência de gênero, corpo e sexualidades; ii) os avanços teóricos, metodológicos e as contribuições trazidas à área da sociologia brasileira; iii) as políticas públicas e seus desdobramentos sobre a violência obstétrica, geracional e racial/étnica nas relações de trabalho, a violência homofóbica; e, iv) os desafios que ainda se apresentam.

Palavras-chave: Violência, Gênero, Corpo.

Abstract: This paper proposes a sociological assessment of studies on violence against women and gender violence from the 21st century. These studies are analyzed under with the categories of body and sexualities and social structures such as culture, race, ethnicity, class, sexual orientation and generation. It is argued that the working logic of gender violence and its blame is closely related to women’s rights over bodies, representations and sexualities. It privileges the view of the feminist critique by highlighting the theoretical-epistemological-political perspective and the articulations of the phenomenon with empirical research in sociological reflection. The text develops: i) the consolidation of the concepts: violence of gender, body and sexualities; ii) the theoretical, methodological advances and contributions made to the area of Brazilian sociology; iii) public policies and their developments on obstetric, generational and racial/ethnic violence in labor relations, homophobia; and iv) the challenges that still remain.

Keywords: Violence, Gender, Body.

Notre Père, cet assassin-dans “Alterophobie”

“Selon La Genèse, Caïn fut le premier homme à mettre en action l’histoire humaine. C’est avec lui qu’apparaissent la mortalité de l’homme et l’interaction sociale. La violence est ainsi productrice, de cadavres et de normes. Selon Le Coran, Caïn, face à la dépouille d’Abel, inventa l’inhumation. Premier meurtrier, Caïn est exilé au pays de Nod, et y fonde la première cité. Avec ses enfants, ils élaborent la civilisation urbaine et la culture, inventant arts et métiers. Du sang d’Abel naissent ainsi les sociétés méditerranéennes. En somme la question de la régulation de l’ordre social n’est pas dissociable de celle de la mise en récit des conflits, toutes deux s’articulant dans la dynamique de la désignation de l’Ennemi”[1]




Representação da morte de Abel por Caim Livro Genèse - Pintor flamengo (1577-1640)[2]

Este paper faz um balanço sociológico sobre a produção acadêmica no campo dos estudos relativos à violência contra a mulher e de gênero, a partir do século XXI, articulando-os com a categoria de corpo e sexualidades, e de outros marcadores sociais que interferem em suas expressividades: cultura, raça/cor, etnia, classe, orientação sexual e geração, pois estruturam as relações sociais em nossa sociedade. Entende-se que a lógica de funcionamento da violência contra as mulheres e de sua culpabilização guarda íntima relação com a questão dos direitos das mulheres sobre seus corpos, representações, autorrepresentações e sexualidades. Para Gorsz (2000, pp. 35-36), “é nos corpos que se articulam discursos, sem necessariamente falarem, porque são codificados com e como signos”.

Privilegia o olhar da teoria crítica feminista destacando a perspectiva epistemológica e política, seus avanços e desafios, remetendo as articulações desse fenômeno à pesquisa empírica na incorporação sociológica e interagindo com a atuação de políticas públicas no cenário dos processos de universalização dos direitos humanos para as mulheres.

O enfrentamento à violência contra a mulher figura entre as reivindicações que demarcam a emergência do(s) movimento(s) feminista(s) brasileiro(s), desde a década de 1970, pela estreita vinculação entre as corporeidades e os dispositivos de poder aos quais as mulheres estiveram (e ainda estão) associadas. Recusando-se a reproduzir o antagonismo “corpo x mente” projetado no dualismo de oposição entre mulher e homem (GORSZ, 2000), o pensamento crítico feminista reposicionou o corpo no contexto da prática sociológica e política com ênfase na produção teórica, inclusive sistematizando a área dos estudos de gênero no campo das Ciências Sociais de modo inovador.

Desde a década de 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) já reconhecia que a violência contra a mulher é um grave problema de saúde pública, que tem incidência sobre o corpo físico e emocional. Desde então passou a exigir dos governantes que formulassem políticas públicas eficazes no combate e prevenção do fenômeno. Pois a violência contra a mulher, além de lhe causar sofrimento físico e psíquico, com consequências extensivas sobre as futuras gerações, materializa-se também como uma violação de seus direitos humanos.

O reconhecimento da violência contra as mulheres é representativo das relações de poder que tanto estruturam nossa sociedade como informam sobre as desigualdades entre homens e mulheres, fazendo com que estas ainda sejam ‘forçadas’ a assumir posições de subordinação com riscos de violência, como explicitado na ‘Declaração Sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres’ proclamada pela ONU (1993) no Artigo 1º.

Para os fins da presente Declaração, a expressão “violência contra as mulheres” significa qualquer ato de violência baseado no género do qual resulte, ou possa resultar, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres, incluindo as ameaças de tais atos, a coação ou a privação arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na vida pública, quer na vida privada[3].

Embora já ultrapassada a segunda década do século XXI, o debate acerca da violência de gênero, seja no campo teórico da produção acadêmica, seja na militância política, e, ainda, no âmbito da formulação de políticas públicas, tem permanecido na ordem do dia como um fato sócio-político relevante. Material e simbolicamente, a violência invadiu todas as áreas da vida e de relações do indivíduo com o mundo das coisas, com o mundo das pessoas, com seu próprio corpo e mente e, por isso, se configura como um fato social estruturante das sociedades atuais (FREIRE COSTA, 1984; CORRADI, 2009), questionando a ‘ideologia naturalista’ e as diferentes ‘ordens’ biológicas que patologizavam tanto agressores como agredidas.

Os estudos sobre a violência de gênero, especialmente aqueles referentes à violência contra a mulher que historicamente era tratada como situações triviais da esfera familiar-doméstica (MORAES; SORJ, 2009), ganharam relevância, legitimidade acadêmica e política, na esfera pública, se constituindo em um novo campo teórico-metodológico ancorado a partir das reivindicações de movimentos feministas nacionais e internacionais. Nos primeiros anos do século XXI, tomou maior fôlego o protagonismo do Estado brasileiro, respondendo às reivindicações das feministas com a proposição de políticas públicas voltadas ao combate à violência contra a mulher. Estabeleceu-se uma nova área de atuação a partir da criação e efetivação da Secretaria Especial de Política para as Mulheres/SPM (2003), que representou, por um lado, uma intervenção legal no enfrentamento à violência de gênero (MORAES; SORJ, 2009; MACHADO, 2009) e, por outro, articulou ações de intervenção nas esferas da segurança pública, da saúde e do Judiciário.

Para além da institucionalidade, na esfera acadêmica se estabeleceu nova área de estudos e de pesquisas (CORREA, 1983; GROSSI, 1988; GREGORI, 1993; SAFFIOTI; ALMEIDA, 1995; SEGATO, 1995; HEILBORN; SORJ, 1999; SUAREZ; BANDEIRA, 1999; MACHADO; MAGALHÃES, 1999), que se legitimou na investigação com a abertura de um espaço cognitivo novo e singular em instâncias tais como a ANPOCS, SBS, ABA, ANPHUR, entre outras associações acadêmicas. Assim, passadas mais de quatro décadas, pode-se verificar como a crítica feminista interveio significativamente para a expansão das discussões sobre a violência contra as mulheres, orientando um conjunto de pesquisas e artigos científicos, dissertações e teses, e contribuindo para a formação de novas gerações de pesquisadoras/es sensibilizadas/os pelo olhar das teorias e metodologias feministas. Este processo reverberou na formulação e implementação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento e à prevenção da violência contra as mulheres e de gênero.

Embora no cenário nacional esse processo tenha iniciado ainda em meados dos anos 1980, com a criação do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres/CNM (1985) e de um aparato policial – Delegacia Especial de Atendimento à Mulher/DEAM, em São Paulo (1985), as políticas públicas ganharam envergadura e legitimidade na primeira década do século XXI. Parte destas políticas teve continuidade por mais de uma década. No entanto, alguns organismos foram desativados e acabaram sucumbindo nos dois últimos anos, como é o caso da Secretaria de Política para as Mulheres-SPM, que representou o rebaixamento do papel dos direitos humanos das mulheres com riscos de regressão aos avanços conquistados. Ademais, vale lembrar que as conferências internacionais de mulheres, sobretudo a realizada em Pequim em 1995, tiveram grande preponderância ao ‘convencimento’ institucional para que, no Brasil, fossem criados organismos de políticas públicas às mulheres, justamente com o objetivo de garantia de seus direitos humanos.

A problemática da violência contra as mulheres tem sido vista como da ordem quase do universal, embora tenha atingido às mulheres em diferentes lugares e com características variadas, tanto empíricas quanto conceituais, relacionadas às situações concretas onde as desigualdades raciais, de classe, étnicas entre outras, se apresentam. Tais marcadores recaem sobre os(as) sujeitos sociais envolvidos(as), ou sobre as relações de poder que orientam os códigos e normas de comportamento destinado às mulheres e aos homens, nas complexas dinâmicas sociais e estruturas jurídicas em que ocorrem as violências de gênero na vasta, complexa e desigual sociedade brasileira.

Por fim, estruturou-se o texto nos seguintes eixos: i) apresenta-se um recorrido, situando a consolidação dos conceitos: violência de gênero, corpo e sexualidades, no marco da história do pensamento feminista, a partir do século XXI; ii) procuraram-se evidenciar os avanços teóricos, metodológicos e as contribuições trazidas à área da sociologia brasileira; iii) analisam-se as políticas públicas de atuação no campo da violência de gênero e seus desdobramentos e significados sobre a violência obstétrica, geracional e racial/ étnica nas relações de trabalho, a violência homofóbica; iv) explicitam-se quais são os desafios que ainda se apresentam.

1. Violência de gênero, corpo e sexualidade sob a ótica feminista

Ao nosso juízo, os principais temas e conceitos aqui destacados e desenvolvidos na produção acadêmica do campo dos estudos feministas, desde a passagem ao século XXI, podem ser concentrados a partir dos seguintes alinhamentos:

  1. 1. consolidação e uso do conceito de gênero que foi incorporado, de maneira permanente, embora não consensual, no meio acadêmico e nas pesquisas, com destaque para seu uso nos estudos sobre a violência contra as mulheres, que passou a se denominar de “violência de gênero”;
  2. 2. a noção de ‘transversalidade’ (BANDEIRA, 2005)[4], usada predominantemente como instrumento de implementação de políticas públicas, centrada na noção de gênero, e que remete aos demais marcadores sociais e, em geral, tem sido empregada para definir ações compartilhadas de intersetorialidade e de multidimensionalidade nas relações com os organismos de políticas públicas focalizados na perspectiva de gênero;
  3. 3. e, por último, o uso da noção de violência de gênero centrado na construção sociocultural-política do corpo feminino e sexualidades [não mais biológicas]. Tal noção, embora tenha estado presente no pensamento e movimentos feministas de diferentes épocas e alinhamentos teóricos, atualmente ganha novos contornos a partir de abordagens tais como o controle e medicalização dos corpos e suas implicações na produção da violência obstétrica, na submissão a práticas estéticas invasivas em nome de altos padrões de beleza concordantes com ideais de perfeição corporal, ou, ainda, no modo como os corpos de mulheres lésbicas ou transexuais, ao não reproduzirem a coerência entre sexo-gênero-desejo e estarem em desacordo com a heteronormatividade, perdem sua humanidade (BUTLER, 2001) e, como corpos abjetos, são submetidos às mais cruéis formas de violência lesbofóbica e transfóbica, pelo não enquadramento às feminilidade/masculinidade hegemônicas.

1.1 A categoria de gênero nos estudos sobre a violência

Um recorrido sobre a produção acadêmica acerca da consolidação e sistematização do uso da perspectiva de ‘gênero’, articulada aos estudos sobre a “violência de gênero” e aos debates acerca do corpo e da sexualidade, nos anima a sistematizar as principais produções, pesquisas e publicações que se consolidaram, tornando-se referenciais para a reflexão-empírica sociológica, alcançando as ciências sociais e humanas de modo significativo.

Ressalta-se que a produção sobre os estudos de gênero, no âmbito das ciências sociais, no Brasil, foi sistematizada por algumas feministas acadêmicas, com reflexão analítica consistente, das quais podemos destacar aqui as publicações: a publicação Estudos de Gênero no Brasil – com autoria de Maria Luiza Heilborn e Bila Sorj, publicada na coletânea “O que ler na Ciência Social brasileira 1970-1995[5]; e a publicação, dedicada aos depoimentos das feministas pioneiras que iniciaram as pesquisas sobre violência contra a mulher, DEPOIMENTOS: trinta anos de pesquisas feministas brasileiras sobre violência, organizada por Miriam P. Grossi, Luzinete S. Minella e Rozeli Porto[6]. Sem menosprezar a robusta contribuição à maturidade dos estudos de gênero aportados pelo Programa da Fundação Carlos Chagas, que iniciava em 1978 os Concursos de Dotações para Pesquisa sobre Mulheres, financiado pela Fundação Ford, e, por quase três décadas, dedicou-se, inicialmente, a contemplar as pesquisas sobre a condição das mulheres, centrando-se, a partir do 8º Concurso (2001), nos estudos de gênero no Brasil que experimentaram uma significativa trajetória e cuja consolidação teórica e crítica da área se deveu à dedicada coordenação da socióloga Cristina Bruschini.

Formando uma importante rede, dezenas de pesquisadoras (es) concorreram nas iniciativas e, além da participação nos comitês de especialistas brasileiros e do exterior, possibilitaram a construção de um campo temático que se consolidou com extremo rigor e vigor, contribuindo, por mais de três décadas, grandemente para o amadurecimento dos estudos sobre as mulheres e de gênero no Brasil. Carmem Barroso, ao prefaciar o livro Gênero, democracia e sociedade brasileira, organizado por Cristina Bruschini e Sandra Unbehaum[7], assim se expressou:

Este livro demonstra inequivocamente o grande amadurecimento do campo. A variedade de temas, a riqueza das abordagens, o rigor das metodologias, a sofisticação conceitual, tudo contribui para que os ‘estudos de gênero’[...] tenham conquistado seu merecido espaço no âmbito das ciências sociais. Mais que isso, os estudos de gênero trouxeram inovações que fizeram avançar as ciências sociais como um todo (BARROSO, 2002, p. 2).

Outra publicação que merece destaque é Tempos e lugares de gênero, organizada por Cristina Bruschini e Céli Regina Pinto[8], que percorre algumas das questões sociais mais importantes evocadas pelo pensamento feminista e estudos de gênero: “a politização da violência contra a mulher e o fortalecimento da cidadania”.

No que se refere especificamente à questão da violência de gênero, na década de 1990, registra-se uma larga produção de pesquisas empíricas sobre os impactos das políticas de combate à violência, implementadas no ano de 1985 com a criação das DEAMs. Os referidos trabalhos apresentaram enfoques conceituais variados, centralidade em estudos de casos sobre os (as) sujeitos sociais – as ‘vítimas’ e os ‘agressores’, e sobre as próprias instituições e serviços (AZEVEDO, 1985; BLAY, 2008; ARDAILLON; DEBERT, 1987; MACHADO, 1998, GROSSI, 1994). Contudo, a legislação que antecedeu a Lei Maria da Penha (2006) – a Lei nº 9.099/1995, que remete aos crimes/delitos de menor potencial ofensivo – foi duramente criticada pelas feministas (CMPOS, 2003). Além disso, todas estas pesquisas tiveram abrangências locais e/ou regionais, deixando de tratar questões menos específicas, tais como a situação de vitimização das mulheres e seus impactos nos serviços de segurança promovidos pelas DEAMs nacionalmente.

Como pioneiro e com alcance maior, destaca-se o estudo quantitativo realizado pela Fundação Perseu Abramo, em 2001, intitulado A mulher Brasileira nos espaços público e privado. Uma década depois, foi realizada nova pesquisa: Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado (2010)[9]. Ambas tiveram representatividade/abrangência nacional e, entre os vários temas tratados, destaca-se a “violência contra a mulher” (2001) e a “violência doméstica” (2010). Nestes, embora a categoria de gênero apareça no título da pesquisa, não foi contemplada na definição conceitual.

Neste contexto, a violência de gênero, centrada nas mulheres, ainda tem sido reconhecida como um problema mais individual, disseminada no cotidiano feminino e presente nas relações interpessoais, assim tem sido menos tomada como um problema coletivo e de saúde pública, o que contribuiu para seu tardio reconhecimento como um fato social e político. Em outras palavras:

A crítica das mulheres abalou a crença de todo ilusória de que a cidadania tem funções de integração social e de que garante, ipso facto, a equidade social, absorvendo e regulando os conflitos interpessoais. Contra argumenta-se que a cidadania, tal qual definida formalmente (direito ao voto, à educação, ao trabalho, à política etc.), não poderia absorver e regular os conflitos interpessoais, visto que estes estão mais enraizados nos costumes [e nas estruturas sociais] do que nas desigualdades sociais (SUÁREZ; BANDEIRA, 2002, p. 302).

Somente a partir dos primeiros anos do século XXI, observa-se que a violência praticada contra as mulheres, não apenas pela sua condição de sexo/gênero, mas também agravada por outros marcadores sociais indicados, assume inúmeras formas e denominações, que se fazem presentes nas pesquisas. Se não há consenso em relação às nominações, as mais ‘usuais’ o são, sobretudo, as de “violência contra a mulher”, “violência de gênero”, “violência doméstica” e “violência conjugal”, que “desdobram-se” em dezenas de outras expressividades, tais como a forma específica de violências sexuais, assédios e estupros que ocorrem nas relações íntimas localizadas e com (ou sem) laços afetivos. Podem-se evidenciar, ainda, outras formas de violências que permanecem na esfera da invisibilidade e que, gradualmente, vão ganhando espaço na reflexão acadêmica, como na pauta dos movimentos feministas e de mulheres: o assédio sexual e moral nos espaços de trabalho, a violência obstétrica, as formas de violências institucionais e raciais entre outras. Cada uma, a seu modo, integra parte extensiva desse imenso e complexo repertório de nominações (DAVIS, 2008).

Nas pesquisas empíricas, tais nominações são “intercambiáveis” e têm sido utilizadas nas análises sobre a violência contra a mulher e sobre a violência conjugal, sendo que esta última é, quantitativamente, a mais expressiva e refere-se à violência nas relações afetivo-íntimas e sexuais, amplamente denominada também na bibliografia internacional como “violência praticada pelo parceiro íntimo” (PAZO, et al. 2012).

Apesar das sobreposições existentes entre esses conceitos/categorias, há especificidades no uso dos mesmos, que, de algum modo, convergem em seus componentes com a definição: “elas englobam todos os atos que, por meio da ameaça, coação ou força, lhes infligem [nas mulheres] na vida privada ou pública, sofrimentos físicos, sexuais ou psicológicos com a finalidade de intimidá-las, puni-las, humilhá-las, atingi-las em sua integridade física e na sua subjetividade” (ALEMANY, 2009, p. 271).

Portanto, afirma-se que apesar das diversas nominações, as pesquisas atuais caminham para um “consenso”, no sentido de que as mulheres são ‘vítimas-objeto’ de uma violência especifica, isto é, a ‘violência de gênero’ que acabou por se firmar em uma área teórico-metodológica na passagem para o século XXI, imprimindo no seu uso a interseccionalidade com os demais marcadores sociais. Segundo Saffioti & Almeida (1995), pode-se dizer que a violência contra a mulher é uma das principais formas de ‘violência de gênero’. Outro destaque tem sido as discussões trazidas pelo feminismo negro, a partir de um dos textos de Sueli Carneiro (1985; 2003; 2003a), “Mulheres em Movimento”, ao propor “enegrecendo o feminismo” como “a expressão que vimos utilizando para designar a trajetória das mulheres negras no interior do movimento feminista brasileiro”[10], no sentido de que se torna fundamental explicitar que ainda há profundas distâncias que separam homens e mulheres, negros e brancos, cujas desigualdades evidenciam como o sexismo e racismo são estruturantes na manutenção de violências históricas contra a população negra no Brasil (RIBEIRO, 2015).

Embora o conceito de gênero ainda seja tomado como polissêmico, constitui-se em área disciplinar com vasto campo de reflexão e de pesquisa, em torno do qual há várias controvérsias epistemológicas e linguísticas, sobretudo entre as acadêmicas e pesquisadoras francesas (FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, 2003; PLANTE, 2003; DAUPHIN, 2003; DELPHY, 2002/1). No entanto, em terras brasilis, é entendido como “um novo paradigma” e que, segundo Machado (1999, p. 8), instaurou uma metodologia de análise no campo intelectual brasileiro, justificando-o a partir de três pilares:

[...] porque se está diante da afirmação compartilhada da ruptura radical entre a noção biológica de sexo e a noção social de gênero [...]; porque se está diante da afirmação do privilegiamento metodológico das relações de gênero, sobre qualquer substancialidade das categorias de mulher e homem ou de feminino e masculino [...]; e, porque se está também diante da afirmação da transversalidade de gênero, isto é, do entendimento de que a construção social de gênero perpassa as mais diferentes áreas do social. (MACHADO; MAGALHÃES, 1999, p. 8).

Concorda-se com Machado (2016, p. 22) na afirmação de que “[...] gênero não é somente um princípio de ordem, fundamentado numa divisão social de tarefas e de funções diferenciadas; é igualmente, uma grade de leitura dos sexos.[11]

Incorporando a perspectiva analítica acima proposta pela autora, gênero como categoria de análise é central para a compreensão da dinâmica do fenômeno da violência de gênero, na medida em que é entendida como parte das relações histórico-sociais entre homens e mulheres ou de masculinos e femininos, com sentidos e significados para especificar e relacionar suas diferenças. Este novo ângulo analítico questiona a universalidade das categorias de homem e de mulher associadas a dimensões binárias, isto é, de poder e dominação do masculino e da obediência e submissão do feminino (BUTLER, 2001; ARAUJO, 2008; MACHADO; MAGALHÃES, 1999), e que continuam como causa e razão principais das expressividades da violência de gênero. Portanto, se a condição de gênero é relacional, não se pode admitir, no contexto de suas relações “[...] que haja um poder masculino absoluto, pois as mulheres também detêm parcelas de poder, embora de maneira desigual e nem sempre suficientes para sustar a dominação ou a violência que sofrem”. Desta forma, é possível pensar que há “[...] diferentes possibilidades ou modos de subjetivação e singularização vivenciados por homens e mulheres” (ARAUJO, 2008, p. 3).

Vale lembrar que embora existam abordagens distintas e não consensuais para a definição da categoria de “gênero” (MATHIEU, 1971; 2009), esta como um fenômeno social importante molda os comportamentos e, para compreendê-la, se faz necessário uma “definição” sociológica que leve em consideração o uso da força e da ameaça como meio de ‘obrigar’ as mulheres a se comportarem [ou não] de um determinado modo ou padrão estabelecido. Para tanto, há o uso da força masculina, embora nas pesquisas essa característica seja subestimada, cuja tendência também está presente nas políticas públicas, seja para “individualizá-la, seja para psicologizá-la [isto é, patologizá-la], enquanto manifestação de violência expressiva” (HANMER, 2012, p. 100).

No entendimento da violência de gênero, a morte se situa em um extremo e a ameaça em outro. Entre os dois pólos, podem-se encontrar todas as manifestações de comportamentos cotidianos, desde os assédios, as violências físicas passando pelas violências sexuais profundas, como o estupro, chegando à morte ou ao assassinato. Embora a definição de “violência de gênero” compreenda as categorias legais, proposta pela Lei Maria da Penha (2006), as situações concretas as ultrapassam e ainda incluem todas as formas de submissão reforçadas pelo casamento. Na afirmação de Hanmer (2012, p. 102-103):

L´amour pour le mari, le foyer et les enfants instale les femmes dans une relations que se caractérise par la dépendence. L’amour pour lui-même est donc aussi um moyen de controle social des hommes sur les femmes [...] lors-qu’um homme violente as femme qui lui est liée par leur responsabilité comune des enfants et par des liens de longue date, il est susceptible d’aller três loin dans la violence cari l ne craint pas la rupture de leurs relations.

A área de investigação sobre violência de gênero, embora algumas pesquisadoras permaneçam reticentes ao uso pleno desta categoria[12], atualmente apresenta avanços significativos, pois abriu-se para novas semânticas articuladas a outros olhares. Nessa direção, destacamos trabalhos de autoras conhecidas, mas também de novas gerações, como sendo das mais ‘expressivas’ pensadoras feministas brasileiras e algumas estrangeiras que discutem problemas de violência de gênero, articulando-a com raça/cor, sexo e sexualidade e com as lógicas sociais, percebendo-a em outros entrecruzamentos com questões econômicas, religiosas, morais, regionais e internacionais, a partir da primeira década dos anos 2000. No Brasil destaca-se: Cláudia Pons Cardoso, Outras falas: Feminismos na Perspectiva de Mulheres Negras Brasileiras (2012)[13]; Ana Cláudia L. Pacheco, Raça, gênero, e relações sexual-afetivas na produção bibliográfica das ciências sociais brasileiras – um diálogo com o tema (2006). Com novos impulsos, temos as pesquisas feministas sobre violência de gênero produzidas por Rita Laura Segato, em que discute “Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres” (2014); e Lia Z. Machado et al (2014), que trata “O medo urbano e a violência de gênero” (2014). Das jovens feministas francesas que abordam as políticas das diferenças sexuais e dos corpos sexualizados e racializados, destacamos: Elsa Dorlin (2009)[14], Marylène Lapalus (2015)[15], Jules Falquet (2008)[16], a italiana Consuelo Corradi (2009), Nicolas Lebourg e Dominique Sistach (2008), entre outras que recobrem, com suas pesquisas, a nova semântica do emprego da categoria de gênero, articulada ao debate sobre corpo [corpus político] e sexualidades. Com este direcionamento, buscam entender “como o gênero constrói a política e como a política constrói o gênero”; embora não possa ser esquecido que feministas latino-americanas já tenham iniciado esse debate, desde o século passado, dentre elas Ochy Cureil (1999), que tratou destas interseccionalidades nas pesquisas realizadas na República Dominicana[17].

Foi aqui enfatizado que as pesquisas, a partir da incorporação da categoria ‘violência de gênero’, rompem com padrões binários e essencialistas ao atuar na área de estudos sobre a violência. Concordando com Dorlin “a ideia é fugir das polarizações e encarar a produção feminista como ela ocorre de fato, nas suas interrelações, nos seus debates, e o debate para mim é o verdadeiro encontro. Diferente da física, na conversação humana polos opostos dificilmente se encontram, então, não me servem enquanto pensadora e ativista feminista”[18] e continua, em uma de suas obras citadas:

[...] outra vantagem é que destrinchando a linguagem sobre os corpos, permitimos que outras formas de existência, consideradas abjetas e fortemente oprimidas pelas instituições, possam ‘vir à tona’, serem evidenciadas e legitimadas – existirem socialmente no fim das contas. Isso é muito potente, tendo em vista que esses discursos desestabilizam os discursos hegemônicos, inclusive o velho e reatualizado discurso que separa radicalmente corpo e razão. (DORLIN, 2009, p. 34).

Por fim, não é por acaso que as “inovações teóricas” introduzidas com a categoria de gênero no pensamento feminista contemporâneo criaram novos campos de pesquisa, sendo incorporadas na teoria social, contemplando não apenas a perspectiva interdisciplinar, mas incluindo novos olhares, novos trânsitos e novos atores sociais que desencadearam transformações sociais importantes: trata-se da entrada no século XXI, com muita efervescência social, política e cultural, onde corpos, identidades, sexualidades, raças e cores lutaram por outros espaços de visibilidade e de inclusão social – herança do movimento feminista do século XX que desde então já problematizava o lugar da(s) mulher(es) na sociedade, questionando hierarquias nos âmbitos público e privado.

1.2 Articulações e “interseccionalidades” nos estudos de gênero, raça/cor/etnia e classe social

São muitas as características estruturantes que alicerçam as desigualdades sociais na sociedade brasileira, sobretudo, o racismo e o sexismo e, neste sentido, ao se tratar da violência de gênero não se deve perder de vista as diferenças que separam homens e mulheres, mas lançar um olhar atento sobre as distâncias entre pessoas negras e brancas no Brasil, tal qual afirma Ribeiro (2015). Mais ainda, na medida em que as desigualdades alimentam e mantêm as violências históricas contra a população negra, em se tratando de violência de gênero, sabemos que esta atinge, predominantemente, suas mulheres. O Mapa da Violência de 2015 (WAISELFISZ, 2015, p. 29) indica que entre 2003 e 2013 os assassinatos de brasileiras negras cresceram 54%, enquanto os de mulheres brancas diminuíram em 9,8%.

Tendo em vista esta realidade, se tornou importante recorrer ao conceito de “interseccionalidade”, desenvolvido por mulheres feministas e ativistas negras e que ganhou maior atenção a partir da tese de Kimberlé Crenshaw (1989). A teórica estadunidense aplicou o conceito de interseccionalidade para analisar a articulação entre as categorias de raça, gênero e classe que, uma vez interseccionadas, produzem diferentes modos de opressão (RIBEIRO, 2015). No Brasil, é importante ressaltar as contribuições de Lélia Gonzalez que também privilegiou uma abordagem interseccional em suas produções em periódicos negros, feministas e homossexuais, nos quais articulou raça, sexo e classe, como evidenciado por Rios e Ratts (2016, p. 395):

De fato, a autora figura como uma das antecessoras do conceito de interseccionalidade como uma questão teórica e política. Podemos dizer que Lélia Gonzalez trabalhava esta proposição em três planos: entre as categorias de análise (raça, sexo e classe, entre outras), os fenômenos sociais de opressão e discriminação (racismo, sexismo e segregação, entre outros) e na articulação entre movimentos sociais (negro, feminista e homossexual, por exemplo).

O pensamento do Black Feminism – movimento que pode ser localizado no final da década de 1970 – foi uma das influências sobre o pensamento da intelectual brasileira Lélia Gonzalez e também instigou a problemática da interseccionalidade, inicialmente desenvolvida nos países anglo-saxônicos. Desde então, esta abordagem tem despertado atenção principalmente entre as diversas linhas do pensamento feminista negro, dos estudos de mulheres e das teorias de gênero tratadas pela ótica da decolonialidade, com forte perspectiva política, uma vez que contempla a “multiplicidade de diferenciações que, articulando-se a gênero, permeiam o social” (PISCITELLI, 2008, p. 263).

No que tange à categoria proposta, Crenshaw (2002) articula-as entre múltiplos sistemas de subordinação, perpassados por diferentes eixos de poder. Logo, a interseccionalidade seria um conceito que intenta “[...] capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação” (CRENSHAW, 2002, p. 177), buscando evidenciar como diferentes sistemas discriminatórios, tais como o racismo, o patriarcalismo e a opressão de classe, produzem desigualdades estruturantes nas posições de mulheres, mas também de raças, etnias ou classes. Tal perspectiva contribui de modo significativo para as análises relativas à densidade e à letalidade da violência que incide sobre as mulheres negras.

Os dados são de uma brutalidade total, pois, segundo pesquisa realizada pelo IPEA (2013), a taxa geral de feminicídios no Brasil é de 5,82 mortes por 100.000 mulheres no período de 2009 a 2011. Estima-se que ocorreram, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia, sendo que a maioria incide sobre os corpos femininos negros, isto é, destas, 61% foram de mulheres negras, que representam as principais vítimas em todas as regiões, à exceção da região Sul. Destacam-se as elevadas proporções de óbitos de mulheres negras nas regiões Nordeste (87%), Norte (83%) e Centro-Oeste (68%), em grande parte, assassinadas em decorrência da violência familiar e de gênero, conforme apontaram mais detalhadamente as pesquisas citadas.

Assim, a noção de “interseccionalidade”, na perspectiva de Crenshaw (1989, p. 5), remete às “formas de capturar as consequências da interação entre duas ou mais formas de subordinação: sexismo, racismo, patriarcalismo”. A categoria articula a condição de ser mulher e, ao mesmo tempo, o fato de ser negra, ser LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgênero), de pertencer a um determinado segmento de classe, grupo religioso, comunidade étnica especifica, entre outros marcadores. Conclui que, frequentemente, o fato de ser mulher “racializada” articula-se à sua condição de classe e de gênero.

Na perspectiva conceitual de articulação das relações sociais de sexo e de classe, faz-se necessário evidenciar as contribuições de Danièle Kergoat (2010), que, desde o final da década de 1970, dedica-se à reflexão acerca de como a divisão social e sexual do trabalho articula-se com classe, gênero e origem (HIRATA, 2014). Mais recentemente, em artigo publicado no Brasil (2010), a autora explicita uma crítica ao modo como a multiplicidade de categorias analíticas pode mascarar as relações sociais, o que denomina a partir da “noção geométrica de intersecção”, como observado por Hirata (2014).

Não se nega que haja controvérsias no emprego da categoria de interseccionalidade, explicitadas por outras pesquisadoras que tratam das questões de raça/cor/etnia/sexualidades, articuladas à perspectiva das “interdependências” e/ou de “entrelaçamentos”, como apontado por Kergoat (2010) e Hirata (2014). Com origens teóricas distintas, cada uma, à sua maneira, foi incorporada aos estudos sobre a violência de gênero.

De todo modo, independentemente dos limites do conceito e somando-se às leituras críticas da perspectiva de gênero desenvolvidas por diferentes autoras, desde a sua disseminação, a categoria da interseccionalidade tem possibilitado ampliar a compreensão das dinâmicas que caracterizam as articulações entre as diferenças e as desigualdades. Mais ainda, considerando a complexidade da realidade brasileira e sua constituição social demarcada por segregações de classe, raça/etnia e sexualidade, no que se refere ao debate sobre a violência, a perspectiva de gênero não deve ser tratada como categoria isolada das demais (GONÇALVES; MELLO, 2017), uma vez que a categoria de interseccionalidade abre possibilidades para processos de descobertas, estimulando nossa criatividade e potencializando novos formatos, em geral não-ortodoxos, na produção das análises feministas (DAVIS, 2008).

2. Avanços teóricos e metodológicos: contribuições ao território disciplinar da sociologia brasileira

Sem dúvida se pode indagar que mudanças úteis a categoria de gênero trouxe ao campo disciplinar da Sociologia? Apesar de não se constituir em consenso e, mesmo com resistências, a perspectiva de gênero tem estabelecido um caminho no vocabulário sociológico e político, assim como nos projetos acadêmicos. Observa-se que há uma pulverização de avanços, com diferentes graus de intensidade e de importância trazidos a partir da articulação da teoria feminista com os estudos de gênero, raça/cor/etnia, corpo e sexualidades; há sim um “movimento de teorização” que pode ser apontado a partir da incorporação da categoria de gênero segundo Joan Scott (1979) e Judith Butler (2003). A centralidade da noção de gênero como categoria analítica útil ao campo disciplinar da sociologia brasileira e internacional amplia, por um lado, o diálogo com a teoria social, incentivando o diálogo para desestabilizar as “pertinências das divisórias disciplinares” (VARIKAS, 2016, p, 18), caminhando em direção à esfera interdisciplinar, descartando a perspectiva binária de centrar-se na divisão entre dois sexos/gêneros, entre dois espaços – público e privado, corpo e mente.

Demanda novos procedimentos reflexivos, analíticos, metodológicos e de linguagem, conferindo novos sentidos. Criam-se redes e equipes ou grupos nacionais e internacionais, promovendo um diálogo crítico entre colegas, assim como despertando o interesse de instituições e de políticas públicas para redução das desigualdades de gênero nos diferentes níveis de formação educacional. Tem estimulado, por exemplo, a sociologia da educação a refletir mais densamente sobre a promoção de igualdade de oportunidade no sistema educativo, associada à formação de novos/as profissionais imbuídos/as dessa nova “perspectiva” que é vital para o futuro, no sentido de romper com a perspectiva dos “corporativismos” disciplinares e pelo “masculinismo ativo” (ZAIDMAN, 2003) existentes nas universidades brasileiras [não apenas].

Por outro lado, também incorpora/amplia as reflexões políticas e sociais, buscando novas hipóteses e propondo outros quadros e cenários argumentativos, na esfera da sociologia do trabalho, das emoções, da saúde, da economia etc. “A incorporação dessa teoria [de gênero] nas Ciências Sociais é efetivada pela utilização cada vez mais recorrente de seus principais conceitos – gênero, relações sociais de sexo, patriarcado, dominação masculina – e pelas implicações de fundo que os acompanham”, como afirma Scavone (2008, p. 5).

A historiadora da ciência Londa Schiebinger (2001) se pergunta: “O feminismo mudou a ciência?”[19], ao analisar as possíveis relações entre as questões de gênero e a produção científica. Ao longo de suas reflexões, aponta que o modo de fazer ciência das mulheres se difere por características que impactam toda a forma de perceber e de fazer ciência. A análise de gênero e o feminismo, na perspectiva da autora, teriam mudado de muitas maneiras o corpus do conhecimento científico, embora não se possam sentir seus impactos uniformemente nas diferentes ciências.

Não se trata, contudo, de validar o que é imposto ao feminino no dualismo clássico entre “sensibilidade e objetividade”, tal qual alerta Donna Haraway (1995), e outros que tradicionalmente persistem na tradição científica ocidental e estruturam a lógica e a prática de dominação sobre as mulheres e todos os que “[...] foram constituídos como outros e cuja tarefa consiste em espelhar o eu (dominante)” (HARAWAY, 2000, p. 99). A autora propõe que sejam construídas novas relações com o conhecimento, provocando novas formas de fazer ciência, nas quais seja preservado o diálogo entre um sujeito, localizado e corporificado, e um objeto sobre o qual recai a responsabilidade pelo conhecimento produzido. Entendendo o posicionamento como parte da ciência objetiva é que Haraway explicita que “a objetividade feminista trata da localização limitada e do conhecimento localizado, não da transcendência e da divisão entre sujeito e objeto. Desse modo podemos nos tornar responsáveis pelo que aprendemos a ver” (1995, p. 21).

No campo das epistemologias feministas, enquanto Haraway propõe uma objetividade feminista pautada por seu conceito de “conhecimentos situados”, Sandra Harding (1996) apresenta a “objetividade forte”, se contrapondo ao relativismo histórico, sociológico ou cultural relativismo. Entendendo a “reflexividade forte” como parte desta objetividade, Harding defende que o sujeito do conhecimento deva ser colocado também como parte do objeto de estudo, o que pode vir a maximizar a objetividade. Nesta perspectiva, considerando que o conhecimento científico aliado à “objetividade forte” deva estar implicado com projetos democráticos, a autora insiste que a reflexão sobre as concepções ocidentais de racionalidade se faça a partir da vida de sujeitos historicamente excluídos e “[...] de quem se afirma ser constitucionalmente incapaz de exibir tal racionalidade – minorias raciais, a classe trabalhadora, lésbicas, gays, mulheres de diversos grupos étnicos” (HIRSCH; OLSON, 2009, p. 6), uma vez que esta seria uma estratégia frutífera de tornar-se capaz de conhecer os valores que estruturam as formas dominantes de pensar a racionalidade.

Frente ao exposto, o uso do conceito de gênero no pensar e no fazer sociológico rompe com uma sociologia historicamente dominante e excludente, como também em relação aos “oportunismos”, que, sem desmerecer a importância da obra deixada por Pierre Bourdieu, há que se destacar o modo em que ao tratar da “dominação masculina”, em um primeiro momento, omitiu as principais referências e produções feministas conhecidas e já sistematizadas sobre a questão, além de pressupor a internalização e aceitação dos esquemas de dominação nos corpos das mulheres (SCAVONE, 2008; HIRATA, 2009).

Em relação às análises específicas sobre a violência, corpo e sexualidades, ganharam visibilidade não apenas por se constituírem em problemas sociais e sociológicos de envergadura, mas também, ao serem analisadas pela ótica de gênero no campo disciplinar, tornaram “[...] visíveis as implicações sociais, políticas e econômicas da dominação masculina” (SCAVONE, 2008, p. 178). As análises sobre a violência de gênero rompem com a ideia da universalidade da categoria violência como fato social, demandando outro olhar analítico específico ou particular que envolve novas categorias: masculinidade hegemônica, os papéis sexuais, as relações de poder, a noção de família, entre outras.

A distinção sexo/gênero, inicialmente comprometida com a desnaturalização das identidades de gênero e com o a compreensão dos processos legitimadores da subordinação das mulheres, pressupunha, em um primeiro momento, uma dada universalidade que, ao ser questionada, provoca impactos em diferentes alinhamentos teóricos da produção sociológica, inclusive na própria compreensão das categorias de sexo e gênero. Passa-se também a desnaturalizar a sexualidade, o corpo e o desejo, entendidos agora como construções sociais e históricas.

A produção crítica em torno do conceito de gênero, desestabilizando a universalidade da constituição dos sujeitos e reconhecendo as “outras” diferenças que não as sexuais, avançou em um primeiro momento, contudo, não rompe com modelos disciplinares heterossexistas. É a Teoria Queer, surgida nos Estados Unidos, que vai propor um novo foco sobre os “[...] estudos de minorias que caracterizaram a maioria dos empreendimentos na sociologia para os processos de construção da sexualidade a partir da díade hetero/ homossexualidade” (MISKOLCI, 2009, p. 169). Embora não se possa afirmar que, consensualmente, a produção sociológica acerca da sexualidade, corporeidade e desejo esteja amparada, atualmente, nos estudos queer, não se pode ignorar sua contribuição para a reformulação das ideias de materialidade do corpo e da fixidez do sexo como “[...] uma descrição estática daquilo que alguém é [...]” (BUTLER, 2001, p. 152)

A consolidação do campo dos estudos de gênero e de seus desdobramentos para fenômenos específicos como a violência, articulada aos estudos do corpo e sexualidades, contou com contribuição nacional e internacional profícuas, mediante a publicação de dicionários a partir da perspectiva feminista e com centralidade nas mulheres. A epígrafe que abre o prefácio do “Dicionário Crítico do Feminismo” (HIRATA, 2009), “A característica que deve ter um bom dicionário é a de mudar a forma comum de pensar” (Diderot), evidencia o compromisso teórico-metodológico das autoras/es.

A mencionada iniciativa criou escola, pois tratar das questões e fenômenos relativos à violência de gênero, como já mencionado, não é tarefa fácil e, por isso, sentindo-se provocadas por tais dificuldades, as pesquisadoras feministas Elizabeth Fleury-Teixeira e Stela N. Meneguel organizaram a publicação do “Dicionário Feminino da Infâmia. Acolhimento e Diagnóstico de Mulheres em Situação de Violência” (Fiocruz, 2015), que compreende aproximadamente a definição de 200 verbetes, todos relacionados, direta ou indiretamente, com as questões de violências de gênero. Essa não foi a iniciativa pioneira, na medida em que, para dar visibilidade às mulheres brasileiras secularmente olhadas pelas frestas, foi publicado, no ano 2000, o “Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade”, organizado por Schuma Schumaher e Érico Vital Brasil.

Há que se ressaltar, ainda, as contribuições relativas à formação de jovens pesquisadoras/es, que, através da incorporação da perspectiva de gênero em pesquisas empírico-teóricas, com vistas à elaboração de dissertações, teses, monografias, livros, artigos etc., vêm desenvolvendo críticas importantes com diferentes enfoques, como o culto ao corpo e o modo como os padrões de beleza recaem sobre as mulheres, as políticas de humanização do parto e do nascimento, a inclusão do debate de gênero e sexualidade na educação, e outras questões contemporâneas urgentes, tais como os avanços das biotecnologias e seus impactos sociais, reflexões sobre uma sociedade presente/ futura em que o humano e a tecnologia interpenetram-se (SCAVONE, 2008; OLIVEIRA, 2008).

No cenário internacional, destaca-se a preocupação de feministas acadêmicas francesas e americanas em realizar uma releitura da produção dos grandes autores do pensamento sociológico ocidental, sob a ótica de gênero na perspectiva do pensamento feminista. Recentemente, publicado no Brasil em 2015, “O gênero nas Ciências Sociais: releituras críticas de Max Weber a Bruno Latour”, organizado pelas acadêmicas - Danielle Chabaud-Rychter, Virgine Dsercootures, Anne-Marie Devreux e Eleni Varikas, o livro busca resgatar o olhar sobre a presença das mulheres, ou da sua ausência, na produção sociológica paradigmática. Certamente, o livro possibilita reler os autores clássicos da sociologia, a partir da crítica pela perspectiva de gênero, ampliando os horizontes interpretativos em relação às teorias de domínio das ciências sociais. Por sua vez, a tendência se ampliou com as publicações, ainda não traduzidas ao português: “Mon Corps a-t-il um sexe? Sur gene, dialogues entre sciences biologies et sciences sociales”(2015), organizado por Évelyne Peyre e Joëlle Wiels, e “Les Sciences et le genre. Déjouer l´androcentrisme” sob a direção de Anne-Marie Devreux (2016), além do nº 58/2015 do Cahiers du GRIFF, que tematiza: “Corps Vulnerables”, e algumas dezenas de outras obras produzidas pelas pesquisadoras latino-americanas, assim como pela emergente produção de jovens pesquisadoras de origem islâmica, indiana e africana voltadas para os estudos de gênero no campo sociológico.

3. Avanço na agenda de políticas públicas e os novos ordenamentos legais e jurídicos

No geral, a expressão “política pública” assume significados distintos, ora indicando um campo de atividade, ora um propósito político e outras vezes programas de ação/atuação com resultados específicos. Mas, como destaca Schmidt “[...] as políticas devem orientar as ações do Estado, a fim de combater problemas decorrentes de um regime em processo de democratização e continuamente interrompido pela renovação periódica dos governantes” (2008, p. 2312).

A criação da Secretaria de Política para as Mulheres, vinculada à Presidência da República – SPM/PR, em 2003, representou a busca pela efetivação dos direitos das mulheres, materializada na implementação de políticas de gênero, cuja conquista se fez, por um lado, pela pressão dos movimentos de feministas[20] e de mulheres, que organizavam demandas ao Estado com vistas a um projeto político, e, por outro, pelos setores progressistas de governo, que compreenderam a necessidade de firmar um compromisso para responder às demandas dos movimentos sociais (BARSTED, 2007; BANDEIRA, 2014a). Os desafios da elaboração e execução de políticas públicas para as mulheres e da partilha desta “empreitada” com outras gestoras, pesquisadoras e ativistas do movimento de mulheres foram os principais objetivos da SPM.

Esta se impôs como “missão” tratar das desigualdades que caracterizavam as mulheres, estruturando-se a partir do paradigma centrado na perspectiva de gênero para atuar na configuração de políticas públicas, postulando a articulação entre o governo-Estado, isto é, intersetorial e interministerial, assim como com a sociedade civil. Vislumbrava, ainda, pautar-se por valores dos direitos humanos das mulheres, expandi-los na agenda e “[...] convencer as demais áreas do governo da importância de orientar suas políticas na perspectiva da construção da igualdade, da superação das discriminações e das desigualdades não só em relação a mulheres e homens, mas também entre mulheres” (PAPA, 2014, p. 77).

Com isso, pode-se dizer que neste período instalou-se a experiência do chamado “feminismo de governo”, que passou a pautar questões transversais plenas de interdependências entre os diversos segmentos do governo e grupos de gestoras, coletivos e ONGs feministas e de mulheres, todas engajadas em alguma bandeira do “feminismo”, com identidades e interesses específicos, embora não excludentes, e voltados para a centralidade na perspectiva de gênero. Esse foi o maior desafio da SPM, em “coordenar”, a partir de uma perspectiva feminista e de gênero, o volume de demandas e de reivindicações apresentadas, que, em suas especificidades, se expressavam contra “uma sociedade arquipatriarcal, misógina, desigual, androcêntrica, opressiva, e ainda predominantemente machista” (BANDEIRA, 2014a; RAGO, 2013). Portanto, era demandada à institucionalidade do Estado, uma efetividade das políticas públicas como elemento constitutivo da refundação de uma razão emancipatória para as mulheres.

Nessa direção reafirmou-se a missão da SPM, ao centralizar-se na perspectiva de gênero, demarcando a ruptura epistemológica radical entre a noção biológica de sexo e a noção social de gênero, de sua construção histórico-cultural “[...] e da afirmação do privilégio metodológico das relações de gênero, sobre qualquer substancialidade das categorias de mulher e de homem ou de feminino e masculino” (MACHADO, 2014, p. 98). Ademais, ao instituir a perspectiva de gênero, a SPM passa a admitir uma proliferação de formas de existir e de se constituir, isto é, de pensar para além de uma matriz de inteligibilidade cultural hegemônica que determina uma coerência para os corpos, nos termos de Butler (2001), e permitir que a noção de gênero abarque uma proliferação de gêneros que alcançasse não apenas homens e mulheres, em uma perspectiva heteronormativa, mas também lésbicas, gays, travestis, transexuais e outras (BANDEIRA, 2014; MACHADO, 2014).

Com a realização da 1ª. Conferência Nacional de Mulheres (2004) e a consequente formulação do 1º Plano Nacional de Política para as Mulheres (20042007), o enfrentamento à violência de gênero se impôs como um dos problemas principais, sobretudo pelos seus efeitos deletérios sobre as mulheres, ultrapassando as dimensões da violência física-sexual, uma vez que abrange um enorme conjunto de outras práticas, como já mencionadas, nem sempre possíveis de nominação. Como afirma Biroli (2016, n.p.): “Pode ser vista como sistêmica [a violência de gênero] porque dirigida aos membros de um grupo simplesmente por serem membros daquele grupo [no caso as mulheres]...”.

A atuação da SPM avançou com a criação da Lei nº 11.340/2006[21], nominada de Lei Maria da Penha – LMP, como é fato conhecido nacional e internacionalmente. Ao ampliar e complexificar a categoria de “violência de gênero”, a LMP representou um avanço na medida em que compreendeu que a violência de gênero não é apenas físicossexual, mas que há outros desdobramentos como o sofrimento psicológico, o dano moral e a violência patrimonial (PASINATO, 2008; BASTERD, 2011).

Outro ponto que merece destaque refere-se ao disposto no Parágrafo Único do Art. 5º, que considera as relações pessoais independentemente da orientação sexual. Assim a LMP também ampara casais de mulheres e transexuais, afastando-se de concepções assentadas na naturalização da dicotomia sexo e gênero. Considerando as mulheres como as principais vítimas do patriarcado e das opressões de gênero, sejam “[...] destinadas pelo nascimento, travestidas pela estética ou transformadas pelo bisturi serão todas, igualmente, amparadas pela LMP em situação de violência [...]” (DINIZ; GUMIERI, 2013) [22].

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2015), a LMP contribuiu para uma diminuição de cerca de 10% na taxa de assassinatos contra mulheres praticados dentro de suas residências. Ademais, foi reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres, sendo reconhecida por 98% da população brasileira (Data Folha, 2011). Na perspectiva do então Presidente do Supremo Tribunal Federal-STF, o Ministro Carlos Ayres Britto, trata-se de “uma das leis mais ‘belas e alvissareiras’ novidade pósConstituição de 1988, pois coíbe com severidade, como deve ser, a violência doméstica ou a violência contra a mulher no ambiente doméstico” (2015).[23].

3.1 A noção de transversalidade no âmbito de análises institucionais

Considerando o exposto até aqui no que se refere ao desenvolvimento de políticas públicas centradas na perspectiva de gênero e as demandas frente à institucionalidade do Estado, é importante destacar a concepção de “transversalidade”, na medida em que esteve presente como uma estratégia no desenvolvimento das políticas públicas acima referidas, representando, também, um impacto das produções acadêmicas oriundas dos estudos de gênero no âmbito da política institucional. A expressão ‘transversalidade’, como instrumento e estratégia na implementação de políticas públicas na perspectiva de gênero, isto é, de articular ações políticas e sociais sob e pela perspectiva de gênero, vem sendo empregada mais intensamente a partir dos anos 2000. A recomendação foi advinda da IV Conferência Mundial das Mulheres em Beijing (1995)[24], “gender mainstreaming”, indicada a incorporar-se nos contextos nacional e local, no sentido de nortear a equidade de gênero na implementação de políticas públicas. O Brasil foi impactado por esse processo, na medida em que as feministas brasileiras tiveram participação ativa durante a Conferência de Beijing, 1995.

As análises feministas em relação às políticas públicas de combate à violência de gênero, a partir de então, incorporaram a categoria de transversalização do gênero, embora com perspectivas analíticas nem sempre referenciadas pelas mesmas abordagens conceituais e metodológicas. A pesquisadora feminista inglesa Sylvia Walby (2004) caracteriza a transversalização de gênero como um conjunto teórico e como um conjunto de estratégias metodológicas, a saber:

It is both a new form of gendered political and policy practice and it is a new gendered strategy for theory development. As a practice, gender mainstreaming is intended as a way of improving the effectivity of mainline policies by making visible the gendered nature of assumptions, processes and outcomes. As a form of theory, gender mainstreaming is a process of revision of key concepts in order to grasp more adequately a world that is gendered, rather than the establishment of a separatist gender theory (WALBY, 2003, p. 2).

A perspectiva da “transversalidade” como estratégia analítica e política propunha que a perspectiva de gênero deveria impregnar e atravessar as políticas públicas, assim como as ações a fim de assegurar o acesso equitativo, entre homens e mulheres, em todos os campos da vida social (BANDEIRA, 2005). (Re)pensar a transversalidade na análise institucional das políticas públicas de gênero se impôs como uma necessidade para redefinição de papéis sociais assumidos, ao longo da história, pelos homens e mulheres e que alicerçam as diferenças sociais; se impôs, sobretudo, como uma necessidade para assegurar essa ‘nova’ postura aos gestores/as públicos.

Assim, o uso da noção de transversalidade ingressa no século XXI associado à perspectiva da intersetorialidade e da interseccionalidade na elaboração das políticas públicas no Brasil, a partir de suas relações com as instituições políticas, uma vez que as políticas de gênero passaram a ser alvo de discussões, debates e propostas, no mesmo momento em que ocorre a explosão da violência de gênero, sobretudo a partir do aumento de sua visibilidade pública. De fato, sabe-se que esta abordagem vem se impondo desde o conjunto de ações da Conferência de Beijing, em 1995, quando foi declarado que, a partir de então, seria preciso levar em conta as consequências de toda decisão no âmbito do desenvolvimento [políticas públicas] dos homens e das mulheres respectivamente (BANDEIRA, 2005; LABRECQUE, 2010).

Sabe-se que, de acordo com a ONU (2004), até 2004, 165 países, incluindo o Brasil, apresentavam estrutura institucional dotada de mecanismos orientados para a promoção de estratégias para promoção da igualdade de gênero. Contudo, os resultados práticos acerca dos impactos destes mecanismos, embora presentes em alguns níveis, foram pouco reveladores no que se refere às mudanças significativas, por exemplo, à participação das mulheres em processos e espaços de poder e de tomadas de decisão. Um dos caminhos propostos por Daly (2005) parte da compreensão de que a origem das desigualdades está na sociedade e, nesta medida, para além do que é determinado em termos de política, gestores do “gender mainstreaming” devem também alcançar a relação com a sociedade e, em especial, com foco nas mulheres, entendidas como sujeitos políticos e coletivos.

No contexto da SPM, a implementação da estratégia da transversalidade foi pensada como uma matriz capaz de orientar “uma nova visão de competências [...] e uma responsabilização dos agentes públicos em relação à superação das assimetrias de gênero” (BANDEIRA, 2014, p. 7); com essa intenção inaugurou outro paradigma (relação intersetorial e interministerial) e, sensibilizada pela perspectiva de gênero e feminista, reordenou e reorganizou as lógicas, relações e dinâmicas sociais na formulação de políticas públicas, entendendo-se que se podem fortalecer as pautas que ainda não estavam animadas pela construção da autonomia e fortalecimento do sujeito de direito - mulher (PAPA, 2014; MACHADO, 2014). Em síntese, pode-se considerar que a SPM, de certa forma, contribuiu para outra razão emancipatória das mulheres a partir da importância e do papel da institucionalidade do Estado na efetividade das políticas públicas de combate à violência contra a mulher.

4. Desafios à formulação de uma agenda de pesquisa e apontamentos conclusivos

Frente aos argumentos e dados evidenciados ao longo deste texto, é possível inferir que a produção acadêmica no campo dos estudos da violência de gênero e contra a mulher deu importantes passos tanto no sentido de sua consolidação como linha de pesquisa nas Ciências Sociais como um todo e na Sociologia, em específico; é possível inferir como essa produção também reverberou seus resultados em importantes políticas de Estado. No entanto, um dos desafios que se apresenta é certamente o de conseguir realizar pesquisas que possam cobrir a magnitude do problema da violência de gênero e de suas consequências para a sociedade; em outras palavras, as estatísticas existentes nem sempre enfatizam as especificidades da violência de gênero; ao contrário, parte dos crimes violentos cometidos contra as mulheres, já tipificados juridicamente de ‘feminicídio’, desde a aprovação da Lei em março de 2015, ainda é denominado como “crimes de honra”. Ou seja, se por um lado, persistem as dificuldades para delimitação de espaços e determinação dos tipos de violência presentes nas relações íntimas ou de elementos que permitam a compreensão “[...] das dinâmicas subjacentes ao fenômeno da violência interpessoal no mundo privado” (PAZO et al., 2012, p. 254), por outro lado, haverá sempre o risco em “reunir” sob grandes categorias conceituais, fenômenos de alta complexidade, entrecruzados e interdependentes em um conjunto de marcadores sociais, dinâmicas espaciais, além de outros componentes peculiares à matrizes culturais próprias, assim como do campo das subjetividades.

Outro desafio é apontado pela pesquisadora Carmen Hein de Campos (2013), em relação à resistência da criminologia para a inclusão da perspectiva de gênero como um novo paradigma teórico, abrindo possibilidades para uma criminologia feminista. A autora enfatiza que “[...] os novos sujeitos do feminismo – mulheres faveladas negras, lésbicas – cujas vulnerabilidades específicas determinam violências também especificas – requerem inclusão e reconhecimento” (CAMPOS, 2013, p. 13). Na medida em que o pensamento feminista e as teorias de gênero posicionam-se no sentido de repensar suas próprias categorias no que se refere, por exemplo, ao modo de pensar as diferentes opressões e violências sofridas por mulheres negras, lésbicas, indígenas ou transexuais, faz-se necessário abrir também a criminologia para abrigar estes “novos sujeitos”. Nesta perspectiva, o desafio que se coloca é o de, questionando a heteronormatividade e considerando os elementos que perpassam a construção do gênero, lançar uma perspectiva feminista em criminologia, capaz, por exemplo, de alcançar a violência lesbofóbica ou transfóbica.

Como estratégia, uma maior aproximação entre as produções teóricas dos estudos queer e as pesquisas de violência de gênero talvez seja um caminho para a compreensão da complexidade do fenômeno, deslocando-se da matriz heteronormativa e dos dualismos de gênero de modo mais efetivo. Para Mikolsci (2009, pp. 170-171), “a Teoria Queer desafia a Sociologia a não mais estudar apenas os que rompem as normas [...] nem apenas os processos sociais que os criam como desviantes [...], antes focar nos processos normalizadores marcados pela produção simultânea do hegemônico e do subalterno”.

No que se refere à categoria de gênero, há que se observar a direção que o uso do conceito tem tomado, quando aparece, majoritariamente, em pesquisas apresentadas em congressos de abrangência nacional ou em periódicos de grande importância, como masculinidade e sem manter um vínculo com o pensamento crítico feminista. Logo, também como um desafio para as teorias feministas, apresenta-se a necessidade de reforçar o seu projeto político, reconhecer as diferenças entre as mulheres e manter a atenção sobre as tentativas de essencialização do que é ser mulher.

Sem dúvida a esperança existe quando se observa que há uma verdadeira explosão de novos grupos, coletivos, movimentos, sobretudo no interior das universidades. As políticas públicas ora avançam, em proporções admiráveis, como nas legislações mencionadas ou na política transversal da SPM, ora recuam, como na supressão de gênero e orientação sexual nos Planos Nacional, estaduais e municipais de educação. Há que se destacar a atuação de jovens feministas e lideranças estudantis de escolas secundárias que vêm levantando novas pautas para os feminismos e para as políticas no âmbito da violência, do corpo e das sexualidades.

Concluindo, toma-se como referência a análise de Eleni Varikas (2016), ao propor “gênero: um conceito itinerante” e ao enfatizar que o “[...] estatuto do itinerante nem sempre é de desrespeito. Ultrapassar os limites, infringir as regras nem sempre é ‘uma questão de livre escolha’, mas algo previsível para o recém ou a recém chegada” (VARIKAS, 2016, p. 17). Ao tomar a ideia de itinerante, a autora ressalta a potencialidade da perspectiva de gênero no sentido mais alargado do que a simples divisão de tarefas e de funções diferenciadas entre homens e mulheres, mas como uma maneira [estratégica] de pensar o mundo, o político e a ciência. Esse é o maior desafio para as ciências sociais e é nessa direção que a autora se expressa:

[...] das convocatórias à interdisciplinaridade (...) retoma nos seus melhores momentos - a pesquisa sobre mulheres e o gênero para explorar o que havia sido omitido ou marginalizado pelos procedimentos de abstração que atribuem às categorias científicas a sua validade universal. Abordar de uma perspectiva transdisciplinar esses elementos apartados conduz a levar a sério o veredicto de Adorno: as ciências humanas traem, com efeito, ‘aquilo que [se] promete ao espírito’, quando tratam esses fragmentos do universal como algo ‘irrelevante, arbitrário e irracional’ (...) reunir e relacionar esses pedaços esparsos de experiência nos quais se expressa a materialidade das relações entre homens e mulheres leva, com efeito, a repensar os pressupostos implícitos que fundam as fronteiras das disciplinas (VARIKAS, 2016, p. 18).

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Notas

[1] Texto dos autores Nicolas Lebourg et Dominique Sistach. Disponível em: https://tempspresents.com/2008/11/25/notre-pere-cet-assassin-12/.
[2] Fonte: https://www.google.com.br/search?q=mostrar+as+Pinturas+sobre+a+morte+de+Abel+por+Caim+e+autores&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ved=0ahUKEwjv9rie.
[3] Declaração Sobre A Eliminação Da Violência Contra As Mulheres. Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 48/104, de 20 de Dezembro de 1993. Disponível em: http://direitoshumanos.gddc.pt/3_4/IIIPAG3_4_7.html.
[4] A origem da expressão ‘transversalidade’, como instrumento de implementação de políticas públicas, tem sido realizada de modo vinculado à discussão de gênero. Foi constituída na Suécia na década de 1990, e foi a partir da IV Conferência Mundial das Mulheres em Beijing (1995) que a defesa do ‘gender mainstreaming’ ganhou relevância e destaque em compromissos internacionais e na incorporação nas políticas públicas.
[5] A coletânea foi organizada por Sergio Miceli e publicada pela Editora Sumaré/SP; ANPOCS/ Brasília, DF: CAPES, 1999.
[6] Publicado pela Editora Mulheres, Florianópolis, 2006.
[7] São Paulo, FCC; Editora 34, 2002.
[8] São Paulo, FCC; Editora 34, 2001.
[9] A pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado” realizada em agosto de 2010 e divulgada no final de fevereiro pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com o SESC, traz o recorte de gênero como novidade. Para a realização do estudo, foram ouvidos 1.181 homens em todo o país, além de 2.365 mulheres, em 25 estados. Os principais temas abordados são: feminismo e machismo; divisão sexual do trabalho e tempo livre; corpo, mídia e sexualidade; saúde reprodutiva e aborto; violência doméstica; e democracia, mulher e política.
[10] CARNEIRO, Sueli; SANTOS, Tereza. ‘Mulher negra’. São Paulo, Conselho Estadual da Condição Feminina/Nobel, 1985. / CARNEIRO, Sueli. ‘Mulheres em Movimento’. In: Estudos Avançados, n.17, v. 49, São Paulo, 2003. CARNEIRO, Sueli. ‘Mulheres Negras, Violência e Pobreza’. In: ‘Diálogos sobre Violência Doméstica e de Gênero: construindo políticas públicas. Programa de prevenção, assistência e Combate à Violência Contra a Mulher’. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2003a.
[11] Grifos da autora.
[12] Adriana Piscitelli, no artigo Re-criando a (categoria) mulher? (2002), evidencia a disseminação da categoria de gênero, desde a década de 1980, pelo seu alcance na percepção da realidade e das hierarquias presentes no modo em que são distinguidas as características femininas e masculinas. Contudo, a autora reconhece uma “nova ênfase na utilização da categoria ‘mulher’”, que estaria sendo recriada a partir de novos paradigmas.
[13] Tese de doutorado apresentada na UFBA, Salvador, 2012.
[14] Elsa Dorlin, feminista e filósofa, publicou: ‘ La matrice de la race: généalogie sexuelle et coloniale de la nation française’. Paris: Éditions La Découverte, 2009. Discute: como compreender a matriz da raça pelas relações entre a história do sexo (e da sexualidade) e a história da política?
[15] Marylène Lapalus. Femicicio/Femicidio: les enjeux théorique et politiques d´un discours définitoire de la violence contre les femmes. In: EFG-Revue Internationale. Paris, n. 22, 2015.
[16] Jules Falquet. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. In: Mediações, v. 13, n. 1-2, p. 121-142, Jan/Jun e Jul/Dez. 2008.
[17] Ochy Cureil. Pour um féminisme qui articule race, classe, sexe et sexualité: interview avec Ochy Cureil. In: Nouvellee Questions Féministes, v. 20, n. 3, Paris, 1999.
[18] Elsa Dorlin. ‘Os feminismos a partir do corpo’: Texto disponível em: https://maetempo.wordpress.com/2015/03/26/os-feminismos-a-partir-do-corpo/. Acesso em: 22 out. 2017.
[19] Título de seu livro, publicado pela Edusc. Bauru/SP, 2001.
[20] As feministas ditas ‘acadêmicas’ tiveram um desempenho muito importante nesse processo de reivindicação de políticas públicas junto ao Estado.
[21] Art. 7º define as formas de violência na LMP. Assim, são definidas as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher: i) - a violência física; ii) a violência psicológica; iii) a violência sexual; iv) a violência patrimonial; v) a violência moral.
[22] ‘Violência contra as mulheres – um comentário, por Debora Diniz e Sinara Gumieri, 16/7/2013: “Como o conceito de entidade familiar foi reformulado, abarcando o afeto como elemento principal e vinculativo, é necessário perceber a existência da violência doméstica nas uniões homoafetivas, uma vez que é essencial a proteção de todos os membros da família que sejam vítimas de agressões, sejam eles quem forem. Em recente decisão, o juiz de Direito Osmar de Aguiar Pacheco, de Rio Pardo (RS), invocando a analogia, aplicou a Lei Maria da Penha à relação homoafetiva entre dois homens. Concedeu medida protetiva à parte que afirmou estar sendo ameaçada por seu companheiro após o término do relacionamento”. Disponível: http://www.compromissoeatitude.org.br/violencia-contra-asmulheres-um-comentario-por-debora-diniz-e-sinara-gumieri/.
[23] Disponível: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/10/9-fatos-que-voce-precisasaber-sobre-a-lei-maria-da-penha.
[24] Embora acordado na Conferência da Mulher com a presença do movimento social, a noção transbordou do seu uso nas políticas públicas e, atualmente, foi também incorporada no âmbito das análises institucionais.


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