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Família, parentesco, instituições e poder no Brasil: retomada e atualização de uma agenda de pesquisa
Family, kinship, institutions and power in Brazil: Resumption and updating of a research agenda
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 5, núm. 11, pp. 165-198, 2017
Sociedade Brasileira de Sociologia

Artigos


Recepção: 04 Setembro 2017

Aprovação: 20 Outubro 2017

DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.225

Resumo: Famílias e determinados sobrenomes estão cada vez mais presentes no espaço político, seja na ocupação de cargos eletivos nas diversas esferas de poder, como também em funções de nomeação, na burocracia estatal. Famílias históricas atuam em todas as instituições sociais e políticas de maneira decisiva, sendo um retrato que, de forma recorrente, sempre indicou historicamente uma manifestação social arcaica de regiões específicas do Brasil. Porém, atualmente, tem-se evidenciado que a variável família & política abarca todo o território nacional e tão menos é apenas uma realidade brasileira. A despeito do inegável reconhecimento, pontuamos que tais discussões no âmbito acadêmico e científico vêm sendo retomadas, particularmente após os anos 1990. Cabe aqui discutir e apontar como esse objeto foi apropriado, construído com centralidade e debatido analítica e metodologicamente nas Ciências Sociais Brasileiras das últimas décadas.

Palavras-chave: Família, Política, Poder, Genealogia, Instituições.

Abstract: Families and certain surnames are increasingly present in the political space, in the occupation of elective offices in the various spheres of power and also in commissioned posts. Families operate in every social and political institutions in such a decisive manner. A recurrent picture that historically has always indicated an archaic social manifestation of specific regions of Brazil. But today it has been shown that the variable family & politics covers the entire national territory and so less is just a Brazilian reality. Despite the undeniable recognition, we pointed out that such discussions in the academic and scientific field have been taken up, particularly after the 1990’s. Here we discuss and point out how this object was centrally and analytically appropriated, built and methodologically discussed in the Brazilian Social Sciences in recent decades.

Keywords: Family, Politics, Power, Genealogy, Institutions.

Introdução

A relação entre parentesco e poder político tem sido evidenciada em vários meios de comunicação. No levantamento da revista Congresso em Foco[1], de julho de 2017, de Edson Sardinha e com entrevistas dos professores Ricardo Costa de Oliveira e José Marciano Monteiro, a análise aponta que a presença das atuais famílias políticas no Congresso Nacional é ainda maior do que nas legislaturas anteriores. Pelo menos 319 deputados (62% do total da Câmara dos Deputados) e 59 senadores (73% do total de representantes do Senado Federal) têm vínculos de parentesco com políticos, de modo que atualmente quase dois terços dos deputados federais e três quartos dos senadores pertencem às famílias políticas, muitas conhecidas nacionalmente há várias décadas e algumas há séculos[2] no poder legislativo (SARDINHA, 2017).

O conteúdo de tais veículos de informação e de circulação de notícias indica como certas famílias e determinados sobrenomes estão cada vez mais presentes no espaço e na arena das instituições de decisões políticas (legislativo, executivo, partidos, dentre outras). Indivíduos pertencentes às tradicionais e endinheiradas famílias têm ocupado, de forma hegemônica e contínua, cargos eletivos e funções de nomeação nas esferas municipais, estaduais e federais.

Historicamente sempre foi comum a identificação de oligarquias no comando político de alguns estados brasileiros, sobretudo nordestinos, assim como determinados sobrenomes na política nacional. Grande parte dos estudos que indicam a referida relação é direcionada para regiões periféricas ou para o Brasil do passado, uma sociedade ainda basicamente rural em um país marcado por relações patriarcais, por instituições atrasadas e, especialmente, configuradas no poder político municipal, não visualizando o respectivo fato em contextos mais complexos, definidos pela estrutura racional e moderna do Estado.

O que se verifica empiricamente a cada pleito, tanto do ponto de vista dos estados como das pequenas cidades do interior e até mesmo em capitais e no plano federal, é a continuidade da política como campo cada vez mais propício para atividades familiares. Podem-se encontrar hoje, e não raramente, netos ou bisnetos daqueles que nos tempos remotos já estavam presentes na ocupação dos espaços de poder, sustentados por relações e vínculos familiares que lhes permitiam o exercício político. As últimas eleições[3] indicam que esse processo vem se reproduzindo de tal maneira que questões mais básicas da dimensão republicana e democrática devem ser discutidas e consideradas.

Em meio a tal visualização, nos propomos a apresentar contribuições de autores/pesquisadores que se detiveram em analisar a continuidade e o poder das famílias na política brasileira. Em quase todas as regiões e estados, mesmos os considerados mais centrais ou desenvolvidos situados no Centro-Sul, ao longo do século XX e início do XXI, tem-se apresentado este padrão de atuação, em que famílias controlam e atuam nos principais e estratégicos postos do aparelho de Estado. As referidas produções se apresentam a partir da década de 1990, uma vez que tal perspectiva de análise foi, de certa forma, limitada entre os anos 1950 e 1990, haja vista que os estudos sobre família e política foram conduzidos à perspectiva da microssociologia, ou melhor, foram tratados como aspectos pontuais, arcaísmos de poder local, remanescentes do passado ou, então, dentro da matriz do coronelismo e do mandonismo[4].

Dentre os principais autores nacionais que contemplam a temática família e política em contextos complexos e contemporâneos, tem-se Letícia Bicalho Canêdo[5], Ricardo Costa de Oliveira[6] e Igor Gastal Grill[7]. Assim, algumas indagações lançadas por tais pesquisas motivam a presente análise: O que faz com que certos sobrenomes tenham longa duração na política? Quais recursos as famílias lançam mão para continuarem se perpetuando politicamente? Mesmo através das diversas modificações sociais, políticas, culturais e econômicas, muitos grupos familiares são recorrentes no campo político[8] e conseguem firmar seu poder atravessando instituições do executivo, legislativo e também do judiciário. Interessa-nos, portanto, identificar como esse objeto vem sendo tratado metodologicamente nas Ciências Sociais, ainda que com poucos autores e pesquisadores.

A especificidade nos estudos apresentados está em identificar a presença de grupos de parentesco firmados politicamente em contextos e instituições modernas, complexas e racionais, ou seja, em meio ao processo de autonomia da política e do político. Notadamente os referidos estudos apontam a capacidade de famílias se reproduzirem impulsionadas pelas próprias transformações decorrentes da sociedade contemporânea e, concomitantemente, trazerem resquícios de relações tradicionais de poder, assumindo feições de familismos e de nepotismos, descumprindo, muitas vezes, os limites impostos pelo ordenamento jurídico formal[9].

1. A centralidade da esfera familiar para a análise da política

A história da Sociologia no Brasil revela que o tema família e política como objeto de reflexão não é atual e tão menos irrelevante. No que tange à capacidade de expressar a forma pela qual a política brasileira é permeada por relações familiais, percebe-se que a prática não está calcada no ideário político republicano preconizando a separação entre as esferas pública e privada, mas, ao contrário, está correlacionada a elementos do mundo privado, das formas de dominação, das relações e dos vínculos de parentesco, de compadrio, de cumplicidade e de amizade.

Ao se investigar a organização política para além da força dos partidos políticos e dos dados estatísticos que recobrem as eleições, ressalta-se que estes ainda são permeados por configurações familiares e redes de parentesco, e isto nos permite repensar a relação entre as esferas familiares (privadas) e políticas (públicas).

Embora vários autores da Sociologia, História e Ciência Política ressaltem criticamente suas limitações, as obras de Gilberto Freyre (2013), Sérgio Buarque de Holanda (1995), Oliveira Vianna (1987) e Luís Aguiar Costa Pinto (1980), formuladas nas décadas de 30 e 40, são referências significativas ao revelar a importância da família como componente fundamental para compreensão da estrutura social brasileira, apontando suas influências e centralidade na construção das relações sociais, especialmente na esfera política.

Em Casagrande & Senzala, de 1933, a cotidianidade afetiva familiar demarca e perpassa as demais instituições. A família define o início da sociedade brasileira colonial enquanto unidade organizadora do país e categoria nuclear, apagando tensões e contradições entre grupos iniciais distintos. A plasticidade da colonização portuguesa permitiu, segundo Freyre, a construção da família patriarcal e aristocrática como instituição que superou as adversidades, vencedora em sua assimilação “democrática” e profundamente hierárquica a partir da convivência entre os povos[10].

Raízes do Brasil, de 1936, assinala também a força da família patriarcal como centro organizador dos domínios rurais, porém apontando para os obstáculos que constitui a dimensão da cordialidade[11] para o desenvolvimento de uma estrutura social moderna e racional. Sérgio Buarque (1995) indica que a presença da família patriarcal nas demais esferas sociais, sobretudo no Estado, impede o desenvolvimento da sociedade brasileira. Em meio à concepção weberiana dos tipos ideais, a sociedade tradicional e personalista avança sobre a esfera estatal e racional, sobrepondo os interesses de âmbito privado aos interesses públicos. Na luta entre família e Estado Moderno, a vitória se estabelece em meio ao desenvolvimento do Estado Patrimonialista, permeado em todas as suas atribuições por interesses particularistas e familiares, transvertido em representante do interesse coletivo. O homem cordial seria a representação da herança ibérica de práticas patriarcais onde a regra, a norma e a impessoalidade são relegadas em segundo plano (HOLANDA, 1995).

Já a obra Instituições Políticas Brasileiras, de Oliveira Vianna, publicada em 1946, assinala o individualismo familiar (o clã) marcado pela ausência do espírito público, coletivo. Seria necessário um Estado forte e centralizado[12], capaz de aglutinar os interesses isolados dos clãs feudais em interesse público, coletivo. A força da família resvala na dificuldade de predomínio do poder central, daí sua crítica à federalização e à democracia brasileira, uma vez que são os interesses dos clãs, das famílias, das oligarquias que se estabelecem como vitoriosos, dificultando o desenvolvimento pleno da vida pública (VIANNA, 1987).

No livro Lutas de famílias no Brasil, de 1949, Luís Aguiar Costa Pinto trata de uma questão recorrente no pensamento social brasileiro: a família no período colonial. O autor aborda o aspecto da solidariedade familiar, a vingança privada e as relações entre família e Estado. Aponta que devido à distância da metrópole portuguesa e da influência limitada de seus representantes, em muitos casos cabia aos “sobrenomes” aplicar alguma forma de justiça no Brasil Colônia. Especialmente no sertão, a vingança privada se sobrepunha à atuação da administração colonial, concentrada nas capitais e cidades litorâneas. Havia uma hipertrofia de clãs ligados por laços de sangue.

Antonio Cândido (1951), por sua vez, no artigo The Brazilian Family [A família brasileira][13], dedica-se ao “estudo sociológico da família brasileira” mediante a análise histórica de sua estrutura interna, função social e transformação no decorrer dos séculos XVI a XIX. Parte do pressuposto de que a família patriarcal colonial “foi a base sobre a qual se desenvolve a moderna família conjugal, cujos traços só podem ser entendidos se examinarmos sua origem” (CANDIDO, 1951, p. 291). Com as transformações das estruturas sociais e econômicas que estavam ocorrendo na sociedade, a família patriarcal também teria que se adaptar às novas demandas e deixaria de ser o grupo central na organização social. Candido afirma que, no decorrer do processo de colonização,

... graças à mistura étnica, o regime escravocrata e a baixa densidade da população, o abastardamento tornou-se muito comum, criando uma situação de fato na qual o núcleo da família legal funcionava como eixo de sustento. Na periferia, graças à devassidão dos brancos e às sobrevivências da poligamia africana e indígena, esse núcleo deveria ter sido a regra, e só lentamente foi modificado pelas transformações nas funções da família patriarcal. (CANDIDO, 1951, p. 301).

Da reconstituição do amplo quadro histórico, o autor aponta que a unidade familiar “formada dessa maneira não estava limitada a pais, filhos, irmãos e irmãs: tendia a integrar grupos maiores que constituíam juntos o sistema social por excelência do Brasil patriarcal, o qual se baseava na solidariedade do parentesco” (CANDIDO, 1951, p. 298). Ou seja, o núcleo familiar era a molécula social básica durante o período colonial, que sustentava a organização econômica, política e social, predominando como elemento decisivo na dinâmica social brasileira.

Antônio Candido (1951) apontou o lento desaparecimento da hegemonia familiar na política brasileira, primeiro no Sul e depois no Norte, também escrevendo sobre a diminuição das influências familiares nos governos estaduais e locais (CANDIDO, 1951, p. 309). Equivocou-se completamente quanto ao desaparecimento da política familiar no Brasil do século XX e mesmo XXI, dada a imensa continuidade, retomada do poder e das influências das famílias políticas no Brasil contemporâneo.

Emílio Willems (1953), antropólogo alemão que viveu no Brasil por mais de 18 anos, em 1953 publica The Structure of the Brazilian Family [A estrutura da família brasileira], em que questiona a validade da família patriarcal como sendo o único modelo de família existente no Brasil, mesmo nos tempos coloniais, e mostra como as várias mudanças socioculturais afetaram esta instituição. Aponta que os sociólogos se desinteressaram pelos estudos das novas formas de família que foram surgindo com a decadência da família patriarcal. Critica os estudos que indicam a família patriarcal como a única forma dominante de família, pois para ele este tipo de família era apenas um dos modelos existentes na sociedade brasileira, o modelo da classe dominante. Argumenta que não havia estudos das famílias das classes inferiores e médias para sabermos se seguiam a mesma linha da família patriarcal, mas conclui que, independente da classe social de origem, os interesses familiares são o que controlam o sistema brasileiro e, uma vez que se tem acesso, a elite política acaba adotando a prática do familismo e do nepotismo, que são característicos da estrutura de poder tradicional na sociedade brasileira (WILLEMS, 1953, p. 339). As famílias atuam significativamente em todas as instituições brasileiras.

Ao realizarmos o mapeamento de trabalhos que trazem a referida problemática, verificamos que, somente a partir dos anos 1990, são retomadas discussões que pontuam a relevante conexão das relações familiares na esfera política, expressando a continuidade da variável família no campo político institucionalizado, com relações de poder complexas que se materializam no interior de instituições racionais, burocráticas e modernas. Cabe pontuar aqui que tais trabalhos assumem a perspectiva na qual as transformações ocorridas na sociedade brasileira de várias ordens não foram capazes de separar a presença de relações familiares no campo político. Mas, ao contrário, tais grupos manifestaram habilidade política de se sobrepor às mudanças e reconfigurar suas estratégias de poder e riqueza, mantendo e reproduzindo estratégias familiares e sobrenomes em meio ao aprofundamento do capitalismo, do processo de urbanização e de modernização da sociedade brasileira.

Paralelamente, percebe-se que a referida temática entre os anos 1950 e 1990 tomou contornos peculiares, sendo reconduzida aos estudos de caráter pontual, da microssociologia e da antropologia. Nesse sentido, tem-se uma grande produção de estudos que direcionam o olhar para as relações de poder local, baseadas na dominação de mando, do coronel, do chefe político, que representa certo sobrenome poderoso e que submete o espaço político (municipal ou estadual) ao seu domínio porque aglutina prestígio, recursos e, até mesmo, posse e legitimidade do uso da força. Nesse viés, muitos estudos focalizaram investigações nas relações de mandonismo[14] e de coronelismo[15], propícias às compreensões de contextos delimitados à época da colonização e do Império, bem como ao contexto da República Velha. Inúmeras obras foram produzidas com o objetivo de compreender o domínio de poder estabelecido por famílias, senhores de terras e potentados locais, além de coronéis e oligarcas (GRAHAM, 1997; PANG, 1979; SÁ, 1974; EMMI, 1987; CAMPOS, 1987; DANTAS, 1987; FÉLIX, 1987; LEMENHE, 1996; VILAÇA E ALBUQUERQUE, 1988; PALACIN, 1990; LEWIN, 1993; GOULART, 2004; RÊGO, 2008) em regiões específicas do país.

Estes estudos apresentam importantes nomes que concentraram prestígio político e comando em relação à estrutura estatal, à população local e aos aliados políticos nas esferas (sobretudo) municipais e regionais. Uma interessante tese de doutorado sobre a continuidade das elites tradicionais, abrangendo o papel das famílias em Minas Gerais, foi desenvolvida por Frances Hagoniam (2016)[16]: The Politics of Oligarchy: the persistence of tradicional elites in contemporany Brazil [A política da oligarquia: a persistência das elites tradicionais no Brasil contemporâneo].

Em que pese às especificidades locais e temporais, tais estudos têm se pautado por pesquisas empíricas da organização política em meio ao levantamento de famílias e grupos locais que detiveram, durante determinado período histórico, poder concentrado em suas mãos, ainda que fosse dividido entre famílias e bravamente disputado entre os diversos grupos. Tais investigações direcionam o olhar para o passado. A maioria delas tem a observação calcada em relações travadas em espaços rurais, com baixos índices de alfabetização, com relações tradicionais baseadas na fidelidade ao benfeitor e, consequentemente, baseadas em formas patriarcais de dominação. Tais investigações assinalam especificidades locais e remanescentes, não sendo abordagens de relações políticas modernas, atuais, de sociedade mais complexas.

Letícia Canêdo[17] (2005), representando a linha de autores que retomam a variável família e política considerando sua presença e continuidade em contextos contemporâneos, observa que a partir dos anos 1950 houve um processo significativo de modificação a respeito dos estudos sobre política brasileira. Segundo ela, a perspectiva analítica da política, tanto nas esferas municipais e estaduais, quanto na federal, passou a ter como eixo central as questões partidárias analiticamente apreendidas por meio de abordagens estatísticas, onde o sobrenome e a presença de grupos familiares deixaram de ter relevância enquanto elementos significativos para o embate político institucional, sobretudo em contextos aparentemente mais democráticos. Para Canêdo (1995, p. 87), ao priorizar o redirecionamento da pesquisa, esses estudos “[...] sobre o poder naturalizaram os fatos do político ao reterem somente a expressão da luta política em siglas partidárias e em resultados numéricos das eleições, supostamente decodificados por qualquer pessoa”.

O período sobre os estudos nos quais a família assumia centralidade nas análises pode melhor ser visualizado na Figura 1. Nela, há uma linha temporal sobre os principais autores do pensamento social brasileiro e o período em que construíram suas pesquisas tendo a família como variável importante. No entanto, é possível também visualizar, principalmente a partir da década de 1950, como os estudos sobre a política passam a ser pensados a partir das abordagens inspiradas em Maurício Duverger, e que, mesmo na década de 1970, quando os estudos de família são retomados, as investigações se dão muito fortemente por uma perspectiva localista. Ou seja, pensar a relação entre família e política, neste período mencionado, é lançar luz sobre práticas que se realizam no âmbito do local.

A linha temporal, conforme a Figura 1, nos possibilita visualizar como esta relação entre família e política tem sido retomada por autores contemporâneos, como Canêdo (1994; 1995; 1997; 2011 e 2015), Oliveira (2001; 2007; 2012) e Grill (2003; 2004; 2007 e 2012), a partir da década de 1990, e tem impulsionado, influenciado novas agendas de pesquisa, estabelecendo agora uma perspectiva de análise em que se possa pensar na relação do local e do nacional e na construção de uma agenda que pense não apenas o objeto de análise, mas também que formule um corpus teórico-empírico e metodológico.


Figura 1
Quadro histórico da produção do pensamento social brasileiro sobre o tema família e política
Elaborado pelos autores, 2017.

Canêdo (2005) destaca que, com o impacto da obra de autores institucionalistas como Duverger, dentre outros, a conexão entre família e política deixa de ser percebida no mundo social. Isto porque a não separação entre as esferas pública e privada acarretaria contradição à análise da realidade dada. Canêdo (2005), nesse sentido, sublinha que ocorreu, a partir do estudo de Duverger, um processo de identificação quase que imediata entre política e os jogos partidários. Daí decorre o fato do tema família ser comumente apreendido, em trabalhos mais recentes, enquanto categoria de intervenção de políticas públicas, também retomada em discussões na área de Assistência Social, Direito, Psicologia (Social), além de estudos na Antropologia, mais notadamente na Antropologia da Política[18][19], tornando-se, assim, uma variável menos importante para compreensão de processos mais amplos e análises macrossociológicas.

A dissolução do viés analítico entre família e política nas pesquisas de Sociologia Política, História e Ciência Política ocorreu, segundo Canêdo (1994), após grande influência e impacto acadêmico no Brasil da obra de Maurice Duverger, Os Partidos Políticos (1967), na qual direciona as investigações para os partidos políticos e o sistema partidário em detrimento das famílias políticas. A contribuição desta obra é sobremaneira positiva para a consolidação da área e dos estudos partidários e eleitorais, de Sociologia Política e de Ciência Política no Brasil, pois permite perceber a estrutura partidária, o processo de aprimoramento do sufrágio universal e também os mecanismos democráticos de representação social e de grupos de interesse construídos a partir de um cenário modernizador e um campo político institucionalizado (DUVERGER, 1967). Conquanto, a autora enfatiza que a representação política passou a ser vista tão somente por meio do partido e não pela possibilidade de vinculação deste e de seus membros com aspectos ligados à presença da família, marcadas fundamentalmente pela longa duração (CANÊDO, 1994, 1995).

Ricardo Costa de Oliveira[19] (2001; 2007; 2012) é também outro pesquisador que tem focalizado a análise sobre o fenômeno da política, ainda no início dos anos 1990[20], considerando a relevante presença de relações de parentesco e de familismo nas instituições públicas. Este autor tem explicado, a partir do recurso à genealogia, longos períodos de dominação por grupos familiares históricos, tendo como recorte um dos estados que, ideologicamente, se constituiu como o estado moderno no Brasil – Paraná – e que, portanto, tenderia a inexistir práticas de familismo e de nepotismo. Oliveira (2001; 2007; 2012), por meio de investigações e pesquisas empíricas, tem provado o oposto. Sua produção teórica e empírica encontra-se direcionada aos estudos sobre o Paraná e recentemente também para o contexto nacional. Segundo ele,

Minha tese é simples. Família ainda importa. As estruturas de parentesco formam parte da realidade social e política brasileira no século XXI. Redes familiares controlam partidos políticos, controlam o centro do poder executivo e formam redes atravessando o poder legislativo com parlamentares hereditários, sempre se renovando pelas gerações. O poder judiciário também sente as redes de cumplicidades e reproduções de algumas famílias e seus protegidos. O Tribunal de Contas em boa parte é um tribunal de parentes também. Ainda hoje os cartórios representam antigas redes familiares. A mídia, a intelectualidade, os jornalistas também já foram grandes redes de parentesco e domínio familiar, agora em processo de modernização e profissionalização (OLIVEIRA, 2012, p. 13).

A racionalização, burocratização e modernização do campo político, portanto, não foram capazes de suprimir a presença de famílias dominando a política nas mais diferentes esferas de poder, tão menos nos aparelhos da administração estatal, como também não foram capazes de suprimir essa presença direcionando a ação e o rumo de partidos políticos nos estados. Oliveira (2001; 2004; 2007; 2012) chama a atenção para o processo de metamorfose que grupos dominantes, configurados em famílias e nas redes de parentesco, realizaram ao longo do tempo. Afinal, foram capazes de se manter no poder em meio aos processos de mudança da sociedade brasileira e do aprimoramento de suas inúmeras instituições. Assim, a compreensão da transmissão de poder só pode ser percebida se conjugada a partir de múltiplos elementos, como os estudos sobre nepotismo, moralização da representação política e apadrinhamento, por exemplo. Segundo Oliveira (2012, p. 73), o fenômeno do nepotismo deve ser visto através de “[...] um processo de concentração de poder e de renda, responsável pela formação de desigualdades e carências de longa duração. O estudo dos ricos e poderosos é inseparável da análise das relações privilegiadas desenvolvidas por esses grupos nas instituições e nos aparelhos de poder do Estado.”

Outro autor que traz luz ao debate é Igor Gastal Grill[21] (2003; 2004; 2007; 2012). Similarmente, sua abordagem ultrapassa a perspectiva alusiva de que o vínculo família e política só pode ser estabelecido em contextos nos quais as instituições são ineficazes e pouco comprometidas com sua essência efetivamente pública e onde os vínculos de parentesco são traços residuais e arcaicos, provenientes de alguns poucos lugares e regiões ainda isoladas, com características oligárquicas. Ao observar o cenário político partidário e as transformações sociais decorrentes de mudanças econômicas do Rio Grande do Sul, durante o século XX, o autor indica a conexão entre política e família por meio de suas atuações e movimentos no campo político, mais precisamente no contexto partidário. Segundo Grill (2003), as siglas partidárias promovem a conexão das famílias políticas na história do estado ao mesmo tempo em que equacionam as diferenças ideológicas, profissionais e ocupacionais, mais contundentes no que diz respeito aos grupos políticos.

Assim, pode-se dizer que, nos anos 1990, iniciou-se, por parte de alguns pesquisadores[22], um processo de retomada da agenda temática relacionando as variáveis família e política em estudos com foco na análise das estruturas e relações de poder, na análise da composição e do perfil dos agentes que compõem as instituições públicas e órgãos político-administrativos, bem como nas reflexões sobre reprodução política de determinados grupos sociais em cargos eletivos e de nomeação ao longo do tempo, bem como nas reflexões sobre reprodução política, em cargos eletivos e de nomeação ao longo do tempo nas mais variadas esferas e instituições do Estado, de determinados grupos sociais, organizados e delimitados como famílias (sobrenomes). Estes trabalhos, acima de tudo, reconhecem a validade epistemológica[23] ao se considerar os grupos políticos familiares como variáveis decisivas e significativas para a análise da estrutura social brasileira e, sobretudo, do campo político, tanto em dimensões regionais quanto em perspectivas mais amplas.

2. Novas perspectivas teóricas e metodológicas para os estudos da política brasileira

Embora o ponto comum entre os autores apresentados seja o reconhecimento da conexão entre família e política em contextos contemporâneos, cada reflexão percorre caminhos específicos para construção de suas pesquisas. Nesse sentido, vale ressaltar seus elementos essenciais.

Segundo Canêdo (1994), a análise da memória em política é um dos meios essenciais para compreender os mecanismos de transmissão do patrimônio político familiar. A pesquisadora destaca que, metodologicamente, as apropriações dos recursos disponíveis por meio da construção das genealogias tornam-se fundamentais. Isto porque essas apropriações permitem perceber a longevidade da autoridade política e a forma pela qual os sobrenomes familiares são inscritos e legitimados na memória coletiva, através dos rituais, e retomados acertadamente nos momentos de eleições. Os rituais, nesse sentido, cumprem o duplo papel de, ao mesmo tempo, reativar a memória da própria família e também a memória social, principalmente no momento do voto, haja vista que este passa pela afirmação de uma memória coletiva. A conduta da família instaurada nos rituais permite apreender a política, porque também a política se expressa, conforme Canêdo (2005), através de mecanismos que não são evidentes, mas indicam formas de politização das relações sociais.

Ao estudar duas cerimônias importantes num município da Zona da Mata de Minas Gerais, um funeral e o aniversário da Santa da cidade, a autora identifica a manifestação política no meio social, ordenando e reativando a memória coletiva em meio à memória de uma família de políticos (presentes no local desde 1860). Nesse processo, os laços de parentesco são confirmados ao mesmo tempo em que o patrimônio político familiar é acumulado, pois o fato de se consolidar sobrenomes em ocasiões importantes abre espaço para evocar a memória dos eleitores durante o pleito.

A genealogia se apresenta no jogo político[24] como mais um elemento para acúmulo ao capital simbólico. Sua força passa a ser revelada na medida em que os grupos fazem uso de uma tradição familiar na política, dos benefícios trazidos pelo grupo para o meio social ao ocupar tais cargos, assim como também pela capacidade de misturar a história do município e do estado (até mesmo nacional) à história da família. Afinal, a genealogia “[...] legitima determinada descendência, assegurando, no seu traçado, a continuidade e a coesão de diversas gerações de uma família.” (CANÊDO, 1994, p. 99). A linguagem conferida aos grupos torna-se trunfo relevante quando utilizada para reforçar e legitimar estes aspectos, fazendo com que o passado, o presente e o futuro da família e da sociedade sejam colocados na mesma temporalidade. No fim das contas, o poder político de um bisavô[25] pode facilmente estar presente na fala e nas ações políticas de seu bisneto, quando, em certos momentos, essa força do passado torna-se relevante e passa a ser utilizada como investimento para reforçar a presença da família no poder por várias gerações e, mais ainda, passa a ser direcionada como uma espécie de “marca” nos feitos políticos.

Outro aspecto apontado por Canêdo (1994) é a compreensão da capacidade de as famílias preservarem, ao longo do tempo, seu poder no campo político, somado a um contexto que concede peso e importância à família paralelamente à afirmação de igualdade entre os cidadãos, no momento de disputa eleitoral, onde os valores (legais) democráticos são colocados em evidência, tanto por parte do eleitorado quanto por parte dos candidatos. Os rituais políticos são enfatizados, segundo ela, com o intuito de sublinhar certos mandatos e, nesse sentido, reafirmam na memória coletiva a lembrança ligada a determinados grupos. Este mecanismo também estimula a coesão do grupo na medida em que divide tarefas e promove a transmissão de capitais políticos para os indivíduos que se envolvem nos eventos. Canêdo (1995) destaca que os rituais políticos acabam por serem momentos mais fortes e marcantes que o envolvimento promovido pelas campanhas eleitorais, conduzidos de forma técnica e racionalmente preparados.

No que tange à esfera da família, o casamento[26] se revela como ponto chave para garantir a força e a longa duração do sobrenome no campo político, uma vez que ordena a regularidade nas escolhas matrimoniais e define a identidade do grupo. Para a autora, o casamento coloca-se como trunfo importante no jogo político, ao acumular capital simbólico e por ser fonte de transferência de poder (CANÊDO, 2011). O interesse da abordagem é constatar de que forma as famílias políticas agem para que tenham êxito mesmo com as transformações do espaço político e do aprimoramento democrático de suas instituições. Tal aspecto Oliveira (2001; 2012) considera como a capacidade de certos grupos políticos familiares de realizarem uma espécie de metamorfose burguesa, muito mais no sentido de estabelecer conciliação e coexistência em meio à sobrevivência e ao ajuste perante as transformações sociais, políticas e econômicas (OLIVEIRA, 2001). Assim, os casamentos são tomados como estratégias para garantia de prestígio, de acumulação de capital e também podem redirecionar a atuação dos atores ao mesmo tempo em que consolidam lógica na ordem política (CANÊDO, 2011; OLIVEIRA, 2016).

Oliveira (2001; 2012) chama a atenção de forma substancial para a capacidade de adaptação dos grupos familiares às transformações sociais, o que permite sua continuidade, tanto do ponto de vista econômico quanto político. O continuísmo de certos grupos familiares na ocupação de cargos políticos, eletivos ou não, sobreleva a reprodução de relações desiguais na sociedade brasileira, assim como se assentam, por outro lado, bases firmadas em redes de proteção entre os grupos dominantes[27].

Ao tomar como objeto de pesquisa a classe dominante do estado do Paraná em uma perspectiva de longa duração, Oliveira aponta que suas instituições sociais e políticas são atravessadas pelas mesmas famílias há mais de 300 anos. Observa-se a identificação empírica de nomes e sobrenomes familiares recorrentes, marcados por vínculos familiares e genealógicos nas instâncias municipais e estaduais do legislativo e do executivo, assim como do judiciário, do Tribunal de Contas, de cartórios e do Ministério Público (OLIVEIRA, 2007; 2012). Ainda destaca esses mesmos grupos como referenciais, os chamados membros da classe dominante tradicional, ou seja, aqueles que pertencem às famílias históricas que estão presentes no comando do estado política e economicamente mesmo antes de sua formação como província. São esses grupos que, de forma assegurada, mantêm continuamente seus membros na ocupação dos espaços de poder mais privilegiados (OLIVEIRA, 2001; 2012).

Como essência da respectiva análise, o estudo da família como variante fundamental para observação das relações de poder político torna-se elemento chave na compreensão de que a estrutura social deve ser pensada também como estrutura genealógica[28]. Famílias que se encontram no poder e ocupam espaços privilegiados tendem a manter suas posições, assim como as classes desprovidas tendem a reproduzir suas condições de forma geracional (OLIVEIRA, 2001; 2007; 2012; 2015). Dessa forma, as genealogias familiares investigadas criticamente como modernas técnicas de pesquisa, em uma nova perspectiva inserida na Sociologia Política e Histórica, foram contribuições advindas de Francisco Antonio Doria, no livro Os Herdeiros do Poder (2009). Uma importante e interessante inovação, uma vez que antes as genealogias eram utilizadas como discurso ideológico dominante e agora passam a ser mais um instrumento, uma técnica de pesquisa no estudo da reprodução social, econômica e política ao longo de várias gerações. As genealogias permitem a análise e a compreensão das transmissões de capitais sociais e político familiares, muitas vezes em termos de longa duração, em parentelas numerosas e complexas das mesmas famílias. Muitas relações sociais e políticas podem ser entendidas como as relações genealógicas de poder. Afinal, a genealogia da família de Francisco Antonio Doria é a mesma genealogia do atual Prefeito de São Paulo, João Dória, e nela podemos observar como o autor desenvolve, no livro citado, muitas transmissões e reproduções de capitais sociais, políticos e históricos no exercício do poder no Brasil.

A ocupação da rede política e familiar de cargos públicos no Paraná é demarcada desde o início do século XVIII. Afinal, os capitais sociais são transmitidos ao longo do tempo e acentuados com ethos e práxis do grupo. Ao mapear os principais cargos do Paraná contemporâneo, Oliveira (2012) identificou que estes são ocupados, fundamentalmente, por sessenta e duas famílias, as quais transitam em meio dos mesmos sobrenomes, ou por casamentos, nas instituições mais significativas da esfera pública. Nesse aspecto, destaca a relevância dos estudos fortemente empíricos para identificação das redes de relações de parentesco e suas posições de poder, pois “a plataforma de observações e análises sobre ricos e poderosos também passa pelo estudo das relações entre estruturas de parentesco e de poder político, uma das formas de produção e reprodução dos privilégios e das desigualdades históricas” (OLIVEIRA, 2012, p. 75).

O estudo de biografias, trajetórias sociais e das genealogias dos grupos dominantes perpassa a análise dos três autores citados. Somente o levantamento histórico e detalhado pode identificar o pertencimento aos grupos familiares poderosos. Assim como também pode assinalar o posicionamento de seus membros ao longo do tempo, indicando as estratégias assumidas pelos grupos ao se estabelecerem favoravelmente na estrutura social, além de focalizar as conexões familiares definidas e reconfiguradas por meio de matrimônios.

Do ponto de vista de contextos políticos mais recentes e da presença de grupos familiares na estrutura de poder, Canêdo (1997) sinaliza as formas de classificação social pertinentes ao vocabulário político. Este aponta-nos para as formas de parentesco e arranjos familiares como algo frequente enquanto maneiras de classificação[29]. Ao se referir a um pretenso candidato como “afilhado político” ou “herdeiro político”, “sucessor político”, linguagem costumeira utilizada pela mídia durante as campanhas políticas, considera-se, assim, a ideia de que o voto e também as posições de poder são passíveis de transmissão entre agentes políticos. Tais formas de classificação perpassam por uma lógica que se encontra no campo das relações do direito civil de família e das sucessões. O uso destas formas de classificação, permeadas por simbologias decorrentes do espaço privado, em certo sentido, contradiz o princípio básico democrático de alternância do poder e da competição entre iguais, uma vez que não retira o aspecto familiar nas disputas no campo político, mas o enfatiza como capital significativo e definidor para escolha do eleitor.

Para Canêdo (1997), o fato de se utilizar na linguagem o aspecto de transmissão de poder no campo político retira-se a perspectiva básica de autonomia e de liberdade de escolha do cidadão-eleitor, pois refuta a igualdade de mesmas chances em relação aos candidatos que não são politicamente apadrinhados, tão menos aos que não possuem sobrenomes de tradição na política. Portanto, os determinantes sociais são reafirmados na medida em que priorizam o “espírito de família” (privado) em detrimento ao “espírito público” de igualdade e liberdade entre os cidadãos. Ao ter como objeto de reflexão a análise de transmissão do poder, enfatizada e reforçada pelo vocabulário político usual, Canêdo (1997) indica mais um aspecto de relevância da conexão entre política e família que necessita ser considerado, ainda mais a partir das condições reais indicadas por meio de estudos empíricos[30].

A autora (1997) também dá ênfase para o fato de que o pertencimento a uma rede de parentesco é apenas uma das potencialidades colocadas em xeque na competição do jogo político. É preciso considerar outras práticas que se colocam durante a seleção das candidaturas, mas não deixa de considerar as redes políticas: daí a necessidade de um diálogo de complementaridade entre História, Sociologia e Ciência Política.

Cabe ressaltar que, do ponto de vista epistemológico, a aproximação entre tais áreas deve considerar a heterogeneidade das fontes. Cada área pode apontar informações diferenciadas que sejam difíceis de ser ordenadas sem perder os elementos importantes. O objeto de análise – transmissão de poder – implica o uso de recursos metodológicos como entrevistas, genealogias e documentos escritos variados[31].

Grill (2003; 2004; 2012), ao tomar como objeto de análise os políticos descendentes de imigrantes e que formaram famílias de políticos a partir de laços com grupos tradicionais, aponta que tais grupos possuem trajetórias marcadas por momentos de afirmação, sucessão, distinção e de aproximação inscritos na lógica política de conflito, ruptura e adesões. A partir do exemplo de duas famílias, Scherer e Nedel, o autor constata dinâmicas diferenciadas na trajetória e movimento dos agentes inseridos no campo político.

Da mesma forma como Canêdo (1997), em Minas Gerais, e Oliveira (2012), no Paraná, Grill (2012) enfatiza a presença de redes de parentesco na política do Rio Grande do Sul, permeando todo o século XX. Considera esse processo como forma de combinação entre um contexto marcado por mudanças sociais e fortalecimento do sistema partidário com a persistência de propagação de capitais políticos no interior das famílias políticas. Observa-se que o objeto investigado por Grill (2012) se expressa em um contexto político modernizante e configurado racionalmente por partidos políticos com posicionamentos distintos. Esta sua investigação demonstra a capacidade de determinadas famílias permanecerem em posições de poder ocupando cargos eletivos importantes no estado, ainda que marcadas por desalinhamentos ideológicos e rupturas partidárias em seu interior.

No que diz respeito à importância das famílias e suas ações, Grill (2012, p. 139) aponta que elas “[...] constituem o locus de reprodução, pois são capazes de orquestrar um conjunto de estratégias [...] que formam um sistema de funções interdependentes, compensatórias e cronologicamente articuladas.”

É nesse sentido que se constitui como positivo o pertencimento aos grupos de famílias políticas, porque a relação com certos sobrenomes acarreta crédito eleitoral e, em certa medida, torna-se fator preponderante no campo de disputa e de escolha por parte do eleitor. Da mesma forma que Canêdo (1994; 1995; 1997) chama a atenção para o uso da memória política, Grill (2012) destaca que a mediação política exercida pelo vínculo familiar assume três sentidos específicos: 1) de falar em nome do passado, enquanto aquele que pode reconhecer qual é o melhor projeto para a sociedade, uma vez que sua ancestralidade lhe confere capacidade de conhecimento; 2), se refere à mediação entre a sociedade e os indivíduos que ocupam o poder conferido pelos vínculos de parentesco, isto é, se coloca como intermediário entre as várias instituições (e seus ocupantes) e a própria sociedade; e, 3), a capacidade de atuar em várias esferas porque seu posicionamento e influência o credencia, afinal, desde a tenra infância está submerso no universo político e adquire determinadas habilidades que se traduz no habitus[32].

Grill (2012) demarca a trajetória de 200 deputados federais gaúchos entre os anos de 1945 a 2006. O autor define o padrão de seleção por meio dos perfis sociais, dos trajetos políticos e, dentre eles, 24 deputados foram analisados de forma mais profunda, dando destaque para a família e o padrão de reprodução na política. Conquanto, sua contribuição está em estabelecer a relação de vínculo partidário para pensar as trajetórias familiares e seus perfis ideológicos, demonstrando que muitas destas apresentam durabilidade de filiações partidárias por meio da linhagem política[33]. Nesse sentido, torna-se possível, numa investigação de longa duração, indicar grupos familiares seguindo uma lógica de posicionamento no cenário político (alinhamento político), ao passo que noutras investigações é possível verificar rupturas ao longo do tempo (deslocamentos geracionais) e também deslocamentos num polo a outro dentro da mesma geração, resultando na divisão política da família e também promovendo disputas na concepção da herança política.

Grill (2012) reúne aspectos essenciais para reflexão em torno da dinâmica do campo político, em meio ao diálogo entre a presença e continuidade dos laços familiares na política e como esta se utiliza do vínculo partidário, lançando luz para se pensar de que forma os agentes podem se deslocar no campo a partir dos usos que fazem em relação aos capitais obtidos ao longo do tempo. Diferente de Oliveira e Canêdo[34], Grill (2012) acrescenta em suas pesquisas sobre família e política a presença dos partidos políticos como elemento central em sua análise e ressaltamos, dessa forma, que as investigações do autor confirmam que a abordagem da Ciência Política pode ser relevante para investigações que tenham como foco a discussão família e política. Afinal, as famílias “[...] funcionam como estruturas informais do sistema político que são intersticiais, paralelas e suplementares às estruturas formais (institucionais)” (GRILL, 2012, p. 138).

Em se tratando da herança política[35], o autor destaca que pode ser expressa de forma diferenciada na disputa política e em meio a contextos históricos e sociais específicos. Portanto, também a partir da perspectiva bourdieusiana de análise, Grill (2012) sinaliza que o patrimônio recebido pelo herdeiro está correlacionado a três aspectos fundamentais, com os quais pode ser associado, “[...] ao capital político acumulado pela família, pelo partido ou pelo líder carismático” (GRILL, 2004, p. 160).

Ao levar em consideração a centralidade da família e da continuidade das relações de parentesco na análise contemporânea da política do Rio Grande do Sul (1982-2002), Grill (2004) traça elementos fundamentais para compreensão da permanência de determinados sobrenomes em meio à tradição política do trabalhismo. O olhar para a compreensão de trajetórias familiares e de seus membros na política deve alicerçar-se metodologicamente sobre o enfoque correlacionado a dois universos: 1) o universo familiar produzido no espaço privado por meio das variáveis: nascimento, infância, casamento e escolha profissional, por exemplo; 2) o universo político, desenhado no espaço público, é construído através da visualização de aspectos como eleições, mandatos, candidaturas e posicionamentos. Por outro lado, Grill (2003) destaca que a formação dos herdeiros políticos passa pelo reconhecimento da vocação individual, a qual é construída pelo processo de socialização familiar, decorrente de mecanismos que objetivam a aspiração dos projetos familiares com a perspectiva do desenvolvimento da vocação política[36]. Esta, portanto, se configura na medida em que são internalizadas as disposições para receber o patrimônio político, construído e acumulado por meio de vínculos não somente consanguíneos, mas através de casamentos e de arranjos de “apadrinhamento” no campo político institucional.

Nesse aspecto, tanto Oliveira (2012), como Canêdo (1997) e Grill (2004) remetem a consideração para o elemento familiar na construção da vocação como fundamental, haja vista que é pelo grupo familiar que se estabelecem primordialmente os códigos, linguagens e comportamentos, aspectos estes que são componentes do habitus político familiar, utilizando uma terminologia empregada por Bourdieu (2002). Levando em consideração a visualização moderna do fazer política, que é contemplada concomitantemente pela forte presença e imposição da mídia no jogo político, Grill (2012) infere que a complexidade midiática acaba por reforçar[37] o implemento de construção familiar da vocação política.

Cabe indicar a necessidade de reafirmar as três lógicas essenciais das quais os herdeiros políticos lançam mão para construção de suas trajetórias. Entre elas estão: o reconhecimento da reputação familiar por parte do eleitorado (e demais agentes do campo político); a familiaridade com os meios políticos (reforçando o elemento da vocação); e os acessos decorrentes dos laços de parentesco (experiências advindas do privilégio de ingresso em outros cargos importantes).

Ao detectar os mecanismos utilizados para continuidade política de certas famílias no Rio Grande do Sul (de 1982 a 2002) e a capacidade destas se apropriarem das diversas mudanças, Grill (2004) estabelece essa continuidade por meio do que define de reconversão. Assim, a capacidade de permanência das famílias no poder está correlacionada ao fato de conseguirem mudar e se adaptar, a exemplo das famílias de estancieiros que se tornaram notadamente famílias de políticos profissionais, para ficar somente em um exemplo.

No tocante às contribuições de autores que abordam a relação política e família, podem-se recuperar aspectos relevantes de análises construídas a partir de outros cenários políticos para se pensar no contexto brasileiro. Nesse quadro, Alexandre Niess (2012), tendo como parâmetro de observação a sociedade francesa no contexto contemporâneo[38] e de estudos realizados especificamente sobre o período de 1871 a 1940 (Terceira República francesa[39]), aponta a contradição intrínseca na relação República e hereditariedade política. Tais campos se apresentam, aprioristicamente, em espaços distintos e com relações e características próprias e particulares. Os espaços do mundo público e do mundo privado são díspares, separados, do ponto de vista de uma lógica teórica. Estes estudos com enfoque na relação família e política apontam para uma dimensão que foca a lógica prática das práticas sociais e como, mesmo nas sociedades modernas e complexas, estas relações perduram de forma ainda estruturante. Pesquisadores, como Niess (2012), destacam que a visualização recorrente entre política e hereditariedade pertence à monarquia e não a contextos republicanos, além do fato de que a questão hereditariedade é pensada como algo incompatível com dimensão democrática, que se funda em valores como liberdade, direitos, igualdade, propriedade, segurança, representação política, bem-estar social e, principalmente, pelo sufrágio universal. Niess (2012) chama a atenção para o fato de que as relações de parentesco vinculadas à política, à República e ao nepotismo, configurada pelo casamento, passam a ser aspecto recorrente e fundamental para a ampliação de possíveis favorecimentos e, ao mesmo tempo, para o fortalecimento de famílias específicas no campo político[40]. Ressalta que as relações de parentesco são significativas porque pressupõem laços mais amplos do que apenas aqueles estabelecidos dentro de um núcleo familiar fechado, consanguíneo. Este pesquisador parte do conceito de família desenvolvido por Lévi-Strauss (1983), entendendo-a enquanto um grupo social estabelecido por meio do seu átomo inicial que é o casamento. O laço inicial, portanto, só pode ser decorrente de outras duas famílias. Mesmo passando pelo reconhecimento de laços que se expandem para além de relações nucleares, o casamento é o vínculo essencial para o entendimento do conceito de família. Não só para uma família em si, mas para a configuração de novos ramos familiares. Essa percepção acaba sendo fundamental para se esclarecer as relações entre linhagens e nepotismo, bem como para compreender o percurso que os laços familiares e certos sobrenomes traçam. Já o conceito de parentesco, nesse sentido, é entendido pela ampliação das redes de relações humanas e os vínculos familiares, pressupondo duas conexões básicas: por um lado, uma conexão estabelecida pelo núcleo familiar básico, a família, e, por outro, uma conexão estabelecida pela dilatação desta em outros ramos, que definem relações de parentesco e podem ser o elemento socialmente fortalecedor do grupo inicial Assim, observa que a filiação política pode ser estabelecida, segundo Niess (2012), a partir de duas dimensões principais, isto é, as filiações diretas e as filiações indiretas.

No que tange às filiações diretas, a hereditariedade política se estabelece verticalmente pelas relações entre pais e filhos, ou seja, quando o filho recebe dos pais toda uma herança política exercida anteriormente, fator identificado por pesquisas genealógicas. O peso da tradição familiar é a base para a continuidade e legitimidade do sobrenome nos espaços de poder político. O que vale, então, é o fato do pai preparar e garantir, de antemão, o terreno político para receber seu filho. Por outro lado, a filiação direta elucida o cenário no qual o filho é, muitas vezes, constrangido[41] a ocupar seu suposto espaço no campo político, evidenciando ainda mais a força que a família tem ao dispor da definição de futuros eleitos. “Isto mostra, igualmente, até que ponto o jogo eleitoral, regido por meio do sufrágio universal, pode ser pura e simplesmente violado pelo princípio de filiação na política e pela influência de algumas famílias sobre o microcosmo político local ou nacional” (NIESS, 2012, p. 79).

As chamadas filiações indiretas, tão significativas quanto a primeira perspectiva para a compreensão do referido objeto, tratam da capacidade de hereditariedade política por transferência horizontal que ocorre entre genros e sogros. O casamento torna-se, portanto, um mecanismo fundamental para a escolha e/ou direcionamento ao pertencimento político a determinado grupo familiar. A entrada que permite o vínculo político é o casamento.

A ampliação da influência política através do sogro é associada à possibilidade de se creditar no jogo político o sobrenome duplo, ou seja, o sobrenome da esposa pode ser um fator de acréscimo político se o pai tiver um histórico político considerável, resultando na longevidade da linhagem política. Assim, não só o vínculo com outro sobrenome político, mas a sua história também passa a ser apropriada. A apropriação do nome do sogro junto à família do agente político (o genro) é chamada por Niess (2012) de uso do duplo patronímico. Quanto maiores forem a carreira política e a rede de parentesco do sogro, maior será o capital agregado ao genro. Nesse aspecto, entendemos que, para a realidade brasileira, a presença e o vínculo de cunhados e primos podem ser considerados significativos na composição dos vínculos construídos e firmados pelas filiações indiretas, da qual fala o autor.

A associação dos agentes políticos ao mesmo grupo de parentesco pode ser pensada como fator de acréscimo ao capital político, desde que, para isto, ambos estejam participando do mesmo lado do jogo político, do mesmo partido ou, minimamente, da mesma posição ideológica no quadro de alinhamento político.

O estudo de Joel Ruiz Sánchez (2008) também se configura como outra contribuição significativa. Sánchez (2008) destaca a expressiva presença de famílias políticas disputando o governo no cenário mexicano, fato que tem resultado em mais estudos sobre o tema. Contudo, muitos trabalhos e pesquisas recentes têm direcionamentos específicos e buscam, dessa forma, constructos teóricos próprios, adaptando-se ao movimento das pesquisas empíricas. Não obstante, em que pese uma perspectiva ampla para o conceito de família, o autor indica que os estudos devem contemplar a compreensão das redes familiares, dos mecanismos de reprodução e também a permanência destas no cenário político. Já o entendimento do termo família deve ser visto como categoria fundamental que exprime a reprodução da ordem social, ao tempo em que é o fator de consolidação dos Estados Nacionais na América (SÁNCHEZ, 2008, p. 176).

Em uma observação próxima da análise realizada por Diana Balmori (1994) no contexto argentino, Sánchez compreende o tema família em meio à sua visão de grupo que atua coletivamente e que deve ser estudado segundo várias matrizes teóricas e ferramentas interdisciplinares, como História, Sociologia e Antropologia. Já o entendimento do termo, de forma específica, relaciona-se ao aspecto de que se constitui enquanto entidade privada, porque suas decisões são pessoais, dizem respeito aos interesses com espírito de família; daí o fato de ser estudado segundo várias abordagens e áreas científicas distintas e complementares.

Assim, os agentes políticos atuam mediante funções na família, gerando sentido de lealdade ao grupo e laços mais fortes, ao passo que as concepções de compadrio e de clientelismo não se estabelecem sobre a matriz consanguínea e necessitam ser firmadas por outros mecanismos de sustentação e de dominação. Para Sánchez (2008), é preciso levar em conta os mecanismos de conservação e distribuição de poder, além dos elementos ideológicos e afetivos que se colocam como princípios importantes de integração, reprodução e continuidade temporal.

Os trabalhos de Canêdo (1994; 1995; 1997; 2005 e 2011), Oliveira (2001; 2007; 2012) e Grill (2003; 2004; 2007 e 2012) são tomados como pontos de partida para reflexão da temática família e política numa abordagem que reconheça a presença do fenômeno em conjunturas sociais e políticas da atualidade. Nesse sentido, as duas últimas décadas vêm sendo palco de estudos que assumem a perspectiva dos três autores, cujas propostas e análises são tomadas de forma heurística, pois suas contribuições vão além da retomada de um objeto de pesquisa, de certo modo negligenciado, mas consubstanciam a variável família na análise da política de modo que possibilitam novos debates.

Recentemente, e a partir dos estudos clássicos (FREYRE, 2013; HOLANDA, 1995; VIANNA, 1987; PINTO, 1980), enfoques e novas agendas inspiradas nos trabalhos destes pesquisadores contemporâneos (CANÊDO, 1994, 1995, 1997, 2011 e 2015; OLIVEIRA, 2001, 2007 e 2012; GRILL, 2003, 2004, 2007 e 2012) têm contribuído para aberturas de novas análises e investigações. Outros focos de análise tomando como objeto o tema da família e a relação com o universo da política têm emergido a partir das abordagens de pesquisadores nas mais variadas regiões e estados da federação. As abordagens correlacionando o tema família e política têm sido o objeto das pesquisas desenvolvidas por Pimentel (2014); Adilson Filho, (2013), tendo enfoques nas mais variadas instituições da república brasileira. As investigações e pesquisas têm apontado para uma diversidade de instituições nas quais agentes vinculados às famílias políticas atuam e controlam instâncias, até então, não tomadas como objeto de análise sociológica, como é o caso dos cartórios (MACHADO, 2016), instituição esta que, quase sempre, fora tomada como espaço de fonte de pesquisa, mas não como instituição capaz de informar a força que grupos tradicionais detêm ao controlar este espaço, como também o é o meio esportivo, o controle dos clubes de futebol (LAIBIDA, 2016) e a maçonaria (AMARAL, 2016), cujos temas e objetos familiares foram consolidados.

As premissas desenvolvidas pelos referidos autores também permitiram construir novas perspectivas de tratamento teórico e metodológico de objetos de certa forma “tradicionais” ao âmbito da Sociologia e Ciência Política, como as instituições do legislativo (GOULART, 2014; 2015; 2016; MONTEIRO, 2016; ALVES, 2015), do executivo (GOULART, 2015; SILVA, 2015), do judiciário (KAMINSKY, 2013), dos Tribunais de Contas (PEREIRA, 2016), de políticas sociais municipais (FIUZA, 2016) de órgãos e empresas públicas, como também do viés empresarial nas relações estabelecidas entre o Estado e o setor privado.

Considerações finais

Analisar a política é também considerar os nomes e os sobrenomes de quem a exerce. Este texto procurou demonstrar como a variável família, nas pesquisas e investigações acerca da política e suas instituições, vem se tornando relevante para os estudos das Ciências Sociais na atualidade. Não obstante a ausência desta temática de pesquisa em um determinado lapso temporal, atualmente esta agenda tem sido retomada por alguns pesquisadores brasileiros e inspirados novos estudos no campo das ciências sociais. Os últimos acontecimentos políticos no Brasil e os discursos que permeiam a fala dos representantes políticos reforçam a necessidade de reconhecimento e de consideração dessa vertente epistemológica de reflexão, não havendo dúvidas que “Família ainda importa” (OLIVEIRA, 2012, p. 13) para a explicação da ação política, compreensão do padrão de recrutamento no parlamento e as formas de atuação da classe dominante em nosso país

Os trabalhos de Canêdo (1994; 1995; 1997; 2011 e 2015), Oliveira (2001; 2007; 2012) e Grill (2003; 2004; 2007 e 2012) tornam-se referências fundamentais. São trabalhos que ressaltam vertentes teóricas, métodos e abordagens empíricas, capazes de retratar a estrutura social e política do Brasil e de suas regiões, podendo ser articulados com abordagens típicas da Ciência Política na medida em que agregarem, de fato, compreensão ao mapeamento e às ações dos que governam (e de suas redes familiares) para além do jogo partidário e dos resultados eleitorais. Se por um lado, pode-se averiguar a longa duração de certos sobrenomes em contextos políticos específicos, por outro, podem-se reconhecer as continuidades nas relações de desigualdade social. Os referidos estudos também nos fazem compreender a própria dinâmica atual do jogo político através da permanência de certas famílias em posições de poder, como também o fato de que novos grupos surgem e se adaptam ao presente modelo institucional familiar.

Ao resgatar aspectos fundamentais apontados nas pesquisas desses autores, percebe-se que suas investigações vêm influenciando cada vez mais estudiosos da vida política brasileira. O objeto família e política não é específico do Brasil, tão menos sua concretude nas relações sociais. Ocorre que pode se identificar elementos específicos e contornos regionais que precisam ser considerados ao se refletir acerca do contexto político mais amplo e, dessa forma, somente novas investigações empíricas podem responder e avaliar tal processo.

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Notas

[1] A referida matéria de Edson Sardinha também apontou investigação sobre as “dinastias” estaduais indicando que o parlamento brasileiro é um dos retratos da relação políticofamiliar (SARDINHA, 2017).
[2] Como exemplo, tem-se a família do deputado tucano Bonifácio de Andrada, este com 87 anos e no seu décimo mandato, que representa hoje a quinta geração da família, a qual iniciou suas legislaturas em 1821, ainda nas Cortes Portuguesas. Vale lembrar que Bonifácio é descendente do Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada (SARDINHA, 2017).
[3] Vale conferir: Herdeiros de políticos ocupam metade da Câmara. Congresso em Foco. 3 fev. 2016. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/herdeiros-de-politicosocupam-metade-da-camara/>. Acesso em: 26 abr. 2016.
[4] Aqui tomamos como referência conceitual a análise de José Murilo de Carvalho, em Mandonismo, Coronelismo e Clientelismo: uma discussão conceitual, de 1997.
[5] Nos artigos apresentados pela autora, a referida temática apresenta-se a partir do estado de Minas Gerais, contudo, trabalhos com abordagens mais amplas e comparativas com outros estados também se fazem presentes.
[6] Oliveira inicia sua abordagem com análises voltadas para o estado do Paraná. Entretanto, em suas publicações podem-se encontrar estudos de caráter nacional e também comparativo em relação a outros estados.
[7] Sua análise volta-se para o estado do Rio Grande do Sul. Entretanto, em trabalhos mais recentes tem apresentado comparativos com aspectos políticos e familiares do estado do Maranhão.
[8] Para Bourdieu (2002, p. 164), é o lugar em que se geram, mediante concorrência entre agentes, “produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos [...] devem escolher.”
[9] Súmula Vinculante n. 13, editada em 2008, estabelece que a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau ou por afinidade viola a Constituição Federal.
[10]A força social que se desdobrou em política, constituindo-se na aristocracia rural mais poderosa da América. Sobre ela o rei reina sem governar. A casa grande é o seu palácio rural. Ela venceu a Igreja [...]” (REIS, 2000, p. 71).
[11]Havia uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família. Os partidos políticos eram vistos como ‘famílias políticas’, onde vínculos afetivos e pessoais uniam chefes e demais membros” (REIS, 2000, p. 128).
[12] “Em seu modelo político-administrativo, o Estado e a sociedade passariam a ter interesses idênticos, os interesses dos indivíduos coincidiriam com o interesse coletivo” (REIS, 2012, p. 176).
[13] Um estudo clássico da família brasileira até hoje sem versão em português.
[14] Conferir José Murilo de Carvalho (1997), que entende o mandonismo como um traço, uma característica da política brasileira desde o processo de colonização (e que sua tendência seria o desaparecimento), onde o chefe local, o potentado, o senhor, o proprietário de terras, assevera por controlar recursos e, dessa forma, expressa significativo poder sobre os indivíduos ao seu redor, tendo condições de influenciar suas “escolhas” eleitorais.
[15] Entendido como um sistema político que envolve uma rede de compromissos e relações de poder hierárquicas, de barganhas recíprocas entre o poder público fortalecido e o poder privado enfraquecido com o objetivo de manter o andamento do processo eleitoral, conforme as necessidades do situacionismo político (CARVALHO, 1997).
[16] Disponível em https://dspace.mit.edu/handle/1721.1/35335#files-area. Acesso em 14 set. 2016.
[17] Historiadora, é Professora Titular aposentada na Faculdade de Educação da Unicamp, onde foi docente entre 1983 e 2012.
[18] O viés antropológico tem apontado várias perspectivas de análise para a relação família e política. Entre elas, está a contribuição de Ana Cláudia Marques (2002, 2005) que analisa conflitos entre famílias políticas no sertão de Pernambuco.
[19] Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Professor Decano do Departamento de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Paraná.
[20] Em 1996 Oliveira cria e institucionaliza o grupo NEP - Núcleo de Estudos Paranaenses -, que visa à análise das relações de parentesco e de nepotismo na política estadual e nacional. Disponível em: https://nucleodeestudosparanaenses.wordpress.com. Acesso 18 set. 2016.
[21] Doutor em Ciências Sociais e em Ciência Política. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão.
[22] Canêdo (1994) retoma, em suas análises sobre a política mineira, a pesquisa de Cid Rebelo Horta, desenvolvida em 1956, na qual destaca apenas 27 famílias na composição da elite mineira. Dentre os grupos, a própria família Canêdo.
[23] Tal linha fundamenta-se em somar conhecimentos para compreensão da realidade política brasileira e não se contrapor às demais abordagens que têm a mesma prioridade, porém apresenta perspectivas teóricas e epistemológicas distintas.
[24] “A intenção política só se constitui na relação com um estado do jogo político e, mais precisamente, do universo das técnicas de ação e de expressão que ele oferece em um dado momento.” (BOURDIEU, 2002, p. 165).
[25] A análise de Daiane Resende (2014; 2015) sobre Roberto Requião de Mello e Silva pode ser um exemplo claro desse aspecto quando o ex-governador do Paraná lança mão do estilo político e dos trejeitos de seu bisavô, Justiniano de Mello e Silva.
[26] Canêdo (2011) analisa a trajetória política da família Honório por aproximadamente 150 anos e através do vínculo de sua matriarca Balbina Honório (casada com Manoel da Silva Canêdo e irmã de Honório Hermeto Carneiro Leão – marquês do Paraná). José Murilo de Carvalho sinaliza o estilo político do mineiro Honório Hermeto entre aqueles que, como exemplo, eram “[...] homens altivos, ásperos, rebeldes, íntegros, movidos por fortes convicções liberais” (CARVALHO, 2017, p.211).
[27] Para Oliveira (2015, p. 375), o Paraná é o locus de nepotismo estrutural. “Muitas Secretarias de Estado estão capturadas por estas redes de poder e de parentesco. Formas de privatização, escândalos de corrupção com poucas punições [...].”
[28] Os trabalhos genealógicos de Oliveira foram influenciados pela obra de Dória (2009), Os Herdeiros do Poder.
[29] Nesse aspecto, a autora se refere, notadamente, às campanhas de eleições municipais de 1996 (CANÊDO, 1997).
[30] O termo “mineirice” apresenta-se correlacionado ao retrato da presença axiomática de famílias no poder que, ao longo da história política de Minas Gerais e do Brasil, sempre ocuparam cargos centrais na estrutura político administrativa do Estado.
[31] Como cartas, anotações políticas e domésticas, telegramas, sentenças jurídicas, discursos políticos etc.
[32] Conforme Bourdieu (2002, p. 61), “[...] é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital (de um sujeito transcendental na tradição idealista), o habitus, a hexis, indica a disposição incorporada, quase postural”.
[33] Termo primeiramente utilizado por Canêdo (1997), entendido de forma precisa como o tempo em que determinada família vem ocupando cargos políticos nas diversas esferas de poder.
[34] Para os dois autores, embora também correlacionem discussões e os vínculos partidários das famílias no poder, os partidos políticos não compõem foco central em suas análises.
[35] Para Grill (2004, p. 159), o termo herança política é entendido “[...] enquanto resultado de laços de parentesco resultantes de uma descendência ou de casamentos (parentesco por consanguinidade ou de aliança) e por vínculos de parentesco político”.
[36] O autor define vocação política como “[...] produto do encontro entre disposições, investimentos e coações referentes ao espaço político que se define pela aquisição de uma libido social” (GRILL, 2004, p. 166)
[37] Grill (2007) destaca que em famílias de profissionais ligados às várias mídias também já foram produzidos herdeiros políticos, pois há junção significativa entre grupos políticos de famílias que são proprietárias de diversos meios de comunicação.
[38] A análise parte da possibilidade do filho do Presidente Nicolas Sarkozy, Jean Sarkozy, se tornar o mais jovem deputado da França, em 2009, num misto de admiração, contrariedade ou deboche por parte da opinião pública francesa (NIESS, 2012, p. 72).
[39] A abordagem para o levantamento dos eleitos locais e dos parlamentares e seus vínculos familiares com o objetivo de realizar um retrato geral destes agentes políticos se dá através do método prosopográfico.
[40] Nesse caso, o autor ressalta a importância da obra de Debré (2009), Dynasties républicaine [Dinastias republicana].
[41] Niess (2007) ressalta que a condução e o direcionamento deste processo pela família devem ser observados com cuidado, pois acaba por fortalecer ainda mais sua significância no campo político.


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