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Caminhar urbano e vivências imprevistas*
Citywalking and unforeseen experiences
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 6, núm. 13, pp. 136-154, 2018
Sociedade Brasileira de Sociologia

Artigos


Recepção: 06 Abril 2018

Aprovação: 25 Junho 2018

DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.262

Resumo: Caminhar na cidade constitui um anacronismo numa cultura urbana que promove a velocidade da deslocação. Esta deslocação rápida dos sujeitos é geradora de um modo distraído dos territórios urbanos e das relações que nele se operam. No século XX, existiram várias tentativas de contrariar esta situação (Dada, Surrealistas, Situacionistas, flânerie). Todas procuram aproximar-se e reconhecer a presença de outras culturas e modos de existência. Só se consegue reconhecer a diversidade caminhando a cidade devagar. Essa caminhada pode gerar relações inesperadas em público que vão desde as solidariedades espontâneas até ao reconhecimento de desigualdades e racismos. Tudo clama pela centralidade da rua, o que pode ser comprovado através de uma caminhada pelas ruas e praças de Lisboa.

Palavras-chave: cidade, lentidão, caminhada, diversidade.

Abstract: Walking in the city is an anachronism in an urban culture that promotes the speed of movement. This rapid displacement of the subjects generates in a distracted way of perceiving the city spaces and the relations that operate in it. In the twentieth century there were several attempts to reverse this situation (Dada, Surrealists, Situationists, flânerie). All seek to approach and recognize the presence of other cultures and modes of existence. One can only recognize diversity by walking the city slowly. This journey can generate unexpected public relations ranging from spontaneous solidarities to the recognition of inequalities and racism. Everything cries out for the centrality of the street, which can be experimented through a walk through some of the streets and squares of Lisbon.

Keywords: city, slowness, walking, diversity.

Abertura

Caminhar na cidade constitui hoje um anacronismo, uma vez que tem lugar ao contrário do preceituado pela cultura urbana dominante que promove e valoriza a rapidez da deslocação dos corpos, concretizada predominantemente no recurso a meios mecânicos. Marginaliza-se, assim, a caminhabilidade urbana e os pés são convertidos em meros auxiliares da condução automóvel. O negligente planejamento urbano e a inoperante adequação dos equipamentos da cidade às necessidades cívicas e sociais dos seus habitantes que Richard Sennett denunciou recentemente (SENNETT, 2018), associado ao violento urbanismo que subordinou o espaço urbano à lógica do automóvel foi também responsável por essa outra anomalia que é o ato de parar ou de sentar-se em espaços públicos, exceto se se pagar, como sucede nos espaços comuns privatizados como as esplanadas e os cafés.

Na primazia concedida modernamente a este aceleracionismo cultural da cidade, a caminhada perdeu estatuto e deixou, gradualmente, de ser o dispositivo central da produção de cultura e da capacidade de gerar ligações com outros. Nas cidades de hoje, o exercício de andar deixou de ser o grande meio de conhecer e pensar o espaço, tal como a comunicação para ser veloz deixou de ser experimentada na relação face a face entre os sujeitos. Entre os efeitos psicossociais resultantes desta modificação da relação dos sujeitos urbanos com o espaço da cidade, Rebecca Solnit destaca o modo como as pessoas se surpreendem quando, em vez do habitual recurso ao automóvel, optam por caminhar entre dois lugares da cidade e ganham uma súbita consciência da proximidade existente entre eles (SOLNIT, 2001, p. 259). Este é o efeito de uma espécie de avaliação mental da distância física entre lugares na cidade que estipula os limites até onde os urbanos se dispõem caminhar. Na era do atual aceleracionismo, esta representação que temos da distância entre lugares está continuamente a reduzir-se, em resultado do que os sujeitos se mostram cada vez mais renitentes a percorrer a cidade com os seus próprios recursos físicos e corpóreos.

A andar os humanos inventaram não apenas a interação social, mas, de início, experimentaram também a apropriação de territórios diferentes e alheios que estaria na base da cultura do conflito e da guerra. Os poderosos tomaram para si territórios ocupados por outros e trataram de dominar os residentes originários e subjugá-los ao seu poder. As estratégias posicionais de indivíduos e grupos na cidade moderna revelam diversos pontos de união com estas expressões seculares de apropriação e dominação. O espaço urbano fica assim sujeito a diversas modalidades de disputas e modos de apropriação material e simbólica, o que serve também, diga-se de passagem, de ingrediente estrutural identitário dos seus ocupantes individuais ou de classe, mesmo se transitoriamente.

A deslocação rápida dos sujeitos que o automóvel e, para o efeito, também os transportes públicos vieram proporcionar é geradora de um modo distraído de conhecer os territórios urbanos (SPECK, 2012). Como caricatura, poderíamos aceitar, com Simmel (1997), que, ao princípio, os ocupantes dos primeiros transportes públicos urbanos começaram por dar atenção ao estranho junto de si e aos solavancos a que estavam sujeitos; num segundo momento, a viagem de comboio “ensinou” a ler em movimento (SCHIVELBUSCH, 1986); por fim, na atualidade, os novos meios de comunicação vieram fazer concentrar passageiros em si mesmos e no seu restrito grupo virtual de amigos (FORTUNA, 2016a). Por outro lado, esta circulação distraída ajudou a eliminar a noção de um penoso esforço físico e de desconforto, associados desde sempre ao ato de caminhar. Ambas as condições da viagem moderna – rapidez e conforto – vieram facilitar o argumento do fim da geografia e da distância física entre lugares, pelo que todos os ambientes naturais se tornaram acessíveis, de modo rápido e fácil[1].

A este quadro de novas referências e progressos materiais subjacentes à modificação da natureza da mobilidade urbana, veio juntar-se, nas últimas quatro décadas, a facilidade que os novos meios tecnológicos de comunicação trouxeram às relações dos sujeitos com o espaço e entre si. O acesso fácil e imediato a qualquer tipo de informação, incluindo a minuciosa geo-referenciação dos satélites, implicou uma banalização do ato de conquistar e de percorrer espaços por meios físicos próprios. Instaurou-se assim a ideia de fácil acessibilidade/mobilidade nos espaços que seria reforçada pela noção de vivermos um tempo instantâneo, de solução imediata para qualquer obstáculo. Com o espaço que perde a espessura que antes a caminhada lhe emprestava, agora também o tempo perde densidade e o instante ganha proeminência. De um regime de historicidade em que os sujeitos experimentavam grande proximidade física entre lugares – família, vizinhança ou profissão –, que se fazia acompanhar de tempos longos de percurso – bens alimentares, visitas ou festividades em outras comunidades –, passamos a um outro regime de tempo, caraterizado por frequentes deslocações entre distâncias longas, percorridas em trajetos de curta duração.

1. Anteriores caminhadas exóticas

Neste texto quero discorrer acerca das virtudes do caminhar urbano[2]. A história moderna da locomoção é um campo de enorme revelação das condições de vida nas cidades e das suas transformações, assim como a própria flânerie moderna e urbana tem sido um exemplo de uma maneira de ver a cidade e o complexo sociedade-natureza, tornando-se mesmo um objeto de abundante escrutínio por parte das ciências sociais, da literatura e do cinema, que não têm deixado de fazer realçar as virtudes e os motivos da retração dessas práticas caminhantes (CARERI, 2017; COVERLEY, 2015; GLEBER, 1999; GROS, 2009; INGOLD, 2011; LEBRETON, 2011; SOLNIT, 2001; MACAULY, 1993). A sociologia, em particular, com uma forte inspiração antropológica e o recurso à atitude etnográfica usada por Marcel Mauss (2005) tem tratado o ato de caminhar como estratégia de afirmação pessoal, mas também social, em que sobressaem as inerentes diferenças de estatutos e significados simbólicos do andar e da sua estética (CARERI, 2015; DE CERTEAU, 1994; URRY, 2000).

Uma caminhada urbana, em regra com destino ou percurso pré-estabelecidos, envolve uma relação subjetiva do/a caminhante com o ambiente urbano construído e o que este representa. Ruas e praças são atravessadas nesse percurso a pé e, com elas, percorrem-se também fragmentos sobrepostos da história local, ilustrada pelas construções funcionais da cidade e os seus relatos. Muitas destas caminhadas, por vezes até as mais triviais como as que sinalizam o percurso quotidiano casa-trabalho-casa, trazem consigo imagens reais ou memórias espacializadas da presença de outras existências sociais ou de estilos arquitetónicos e efeitos sociais variados[3].

Neste particular, é conhecida a investida do movimento Dada dos inícios da década de 1920 em busca e visitação dos lugares considerados mais redundantes ou decadentes da cidade. Pretendiam com isso conhecer o lado banal e ridículo do que seria habitar uma cidade que prometera futuridade na política e vanguardismo na arte. Francesco Careri (2015, p. 65) comenta estas experiências e faz destacar o modo como a incursão dos artistas Dada pelos espaços da banalidade urbana não só os aproximava do seu confessado gosto pela fotografia, mas era também um exercício de reflexividade, com o qual ganhavam a consciência insólita da sua condição de grupo entregue à ação deliberada de não fazer nada. Paris era para eles essa cidade entregue à banalidade desde os tempos em que Haussmann tratara de a transformar (KAHN, 2008) e envolver em promissores discursos de bem-estar e renovação urbanística.

Existe aqui algo de semelhante com as deambulações não-urbanas dos surrealistas, com André Breton na liderança, cujas andanças constituíam verdadeiros manifestos estéticos que se prolongam pela descoberta dos espaços vazios contíguos à cidade através de bosques, passagens abandonadas, terrenos baldios (CARERI, 2015). Sair da cidade e caminhar no seu exterior era a chave para melhor a conhecer e saber perder-se nela através do seu aparente exterior feito de espaços amplos e não habitados ou vazios. Buscavam assim os surrealistas expor-se ao desafio e à apreensão (à surpresa e ao medo) que só o estranhamento causado pelos espaços desconhecidos provoca.

Diferentemente dos dadaístas e dos surrealistas, na década de 1950, Guy Debord e o grupo dos seus companheiros escritores e artistas aventuravam-se também em longas caminhadas e vagabundagens insólitas por ruas e bairros de Paris. A deriva era o lema destes situacionistas que pretendiam, com ela, empreender caminhadas que os levassem a vivenciar situações guiadas pelo acaso, percorrendo territórios diversos de extensão variável e tempo indeterminado. Apresentavam-nos como praticantes exímios da técnica da passada fugaz, percorrendo ambientes diversos – zonas operárias, bairros étnicos, áreas de consumos variados – em busca da diferença e da alteridade étnica ou social (MCDONOUGH, 2009).

2. A aventura da rua moderna

A rua percorrida envolve o possível confronto com o estranhamento e a surpresa que a cidade esconde detrás da sedução que é capaz de gerar. Este jogo de sedução e medo da cidade foi um dos temas mais empolgantes das origens da produção fílmica sobre a rua urbana dos princípios do século XX. O caso pioneiro que melhor ilustra esta dualidade de sentimentos surge retratado no filme mudo, Die Straβe, produzido em 1923 por Karl Grune[4]. Explora o efeito de incontida atração que as sombras da rua, projetadas na sala onde espera pelo jantar, exercem sobre um sujeito de classe média, com ar sisudo e de meia idade. Quando a esposa põe a comida na mesa, o homem, intranquilo, sai decidido a explorar o bulício noturno, as luzes sedutoras e as aventuras que a rua da cidade promete, incluída a possível aventura sexual. No seu deambular, o homem cruza-se com uma jovem mulher e trocam olhares insinuantes. A perseguição termina abruptamente quando, ao aproximar-se da jovem que, jogando o jogo da sedução, se refugiara sob um escuro umbral, o homem se depara com a atraente jovem transfigurada em ameaçadora caveira. A cidade distópica revela-se por inteiro nesta sequência de imagens e simbolismos. O que medeia as interações nas ruas da cidade da sedução e do medo é esta relação inesperada, inscrita no mais vulgar quotidiano público da cidade.

A forma como a mulher perseguida se torna ameaçadora e quiçá mesmo perseguidora perturba profundamente a representação da estabilidade das figuras e das circunstâncias urbanas registadas. Uma tal variação de estatuto dos ambientes urbanos é o que levou Edgar Alan Poe a referir como epígrafe, no seu tão celebrado escrito O Homem da Multidão, que a cidade, qualquer cidade “não se deixa ler” (“lässtsichnichtlesen”)[5], de tão indecifráveis e contraditórios que são os seus múltiplos sinais.

Caminhar pelos espaços públicos das cidades é, por isso, uma experiência recheada de possibilidades codificadas. Mostram-no tanto a narrativa fílmica do Die Straβe como o relato literário de E. Alan Poe, em que um sujeito convalescente persegue demoradamente, num estilo próprio de detetives, um “velho decrépito que imediatamente [o] atraiu e monopolizou a atenção, dada a absoluta idiossincrasia da sua expressão”. Percorridas, ao ritmo da ficção, longa e demoradamente, ruas e parques, praças e lojas, no encalce do desconhecido, a perseguição-caminhada urbana termina no abandono caprichoso do perseguidor que se entrega de novo às suas “meditações” de convalescente.

A alteridade presente na cidade é inalcançável, conclui-se da alegoria de Alan Poe. O desenho urbano das cidades serve à estratégia de conservação de distâncias e estilos próprios e maneiras de estar e de pensar, assim como dificulta a perseguição entendida aqui como tentativa de identificação, mesmo que tudo se desenrole à superfície no meio de uma multidão distraída e não necessariamente em espaços obscuros e subterrâneos e nas dobras repentinas e nos espaços vazios da estrutura urbana. A tão celebrada tirania da visibilidade dos nossos dias (HAN, 2014), que tende a desqualificar tudo o que se esconde ao ponto de não lhe reconhecer existência ou verdade, constitui, todavia, o território em que inúmeros sujeitos e grupos ensaiam estrategicamente tornar invisível a sua existência social e escapar às mais diversas e sofisticadas formas de controle social e policial (AUBERT; HAROCHE, 2011). Viver o meio da visibilidade da multidão quero admitir ser uma forma criativa de se esconder se mostrando[6].

Uma terceira situação em que prepondera o fascínio da rua é a que a artista francesa Sophie Calle descreve na sua Suite vénitienne, a história da sua experiência ficcionada de perseguição a Henri B., que conhecera ocasionalmente em Paris, através das ruas de Veneza. O intuito singelo da perseguição era tão só o de conseguir fotografar Henri B.. O que parecia fácil à artista perseguidora – encontrar alguém numa cidade que é estrutural e profundamente pedonal, como aliás Simmel assinalou (FORTUNA, 2010) – tornou-se um esforço inglório. De pouco valeu calcorrear ao acaso ruas, praças, pontes e passagens uma e outra vez, num verdadeiro exercício de aleatória serendipidade, a que adiante regressaremos. Treze dias de perseguição infrutífera limitaram-se a uma conversa fortuita com Henri B. e a uma tentativa frustrada de o fotografar, confirmando que se esconde melhor quem se esconde em público. Henri B. conseguia sempre tornar-se invisível e escapar aos ambicionados disparos fotográficos de Sophie Calle.Ao saber do regresso de Henri B. a Paris, Sophie conseguiria antecipar a chegada à Gare de Lyon minutos antes para surpreendê-lo à chegada. Finalmente, fotografou-o de relance à passagem pela saída da gare, para logo, de novo, o perder de vista e dar por finda a perseguição (CALLE; BAUDRILLARD, 1988).

Jean Baudrillard, ao comentar o relato de Sophie Calle, considera-o um caso exemplar de intriga urbana a mostrar como a sedução da cidade permanece manifestamente superficial e se desenrola no emaranhado dos seus espaços,

a cidade é construída como uma armadilha, uma emboscada e um labirinto que inevitavelmente, mas também de modo fortuito, faz com que as pessoas regressem aos mesmos lugares, às mesmas pontes, às mesmas praças, aos mesmos cais. Pela natureza das coisas, todos são seguidos em Veneza; todos encontram todos, todos reconhecem todos. (…) a melhor forma de não se encontrar uma pessoa em Veneza é segui-la à distância e não a perder nunca de vista (BAUDRILLARD, 1988, p. 83).

Como um jogo de sinais paradoxais ou uma dança invisível na cidade, a perseguição de Calle é alimentada pela sedução contida em si, mais do que pela identificação do sujeito perseguido, o que coloca esta crónica veneziana num plano distinto do relato londrino de Alan Poe (GILLOCH, 2002). A sedução da cidade tem esta capacidade de produzir um desligamento dos sujeitos do social para logo os fazer submergir numa lógica puramente estética que reforça o seu individualismo e os torna superficiais (PECHMAN, 2014), ou mesmo corrói velhos laços sociais e expressões mais sólidas de com-vivência urbana.

Em consequência, são frequentes as análises que reduzem os espaços públicos urbanos da era da cidade veloz a meros territórios de passagem e rápidas idas e vindas, em que os contatos entre desconhecidos, se os houver, se tornam forçosamente espúrios e superficiais (AUGÉ, 1992). O meu argumento é que não se trata de avaliar esses espaços apenas de um ponto de vista físico ou estético e atribuir-lhe localização mais ou menos central no conjunto urbano. Em alternativa, é preciso conceder uma atenção particular à morfologia social e cultural das cidades que se coloca nos antípodas das abordagens reducionistas que definem similitudes precipitadas entre cidades, feitas com base no seu recorte urbanístico, na semelhança de infraestruturas (transportes, hotéis, serviços instalados) ou no mimetismo dos equipamentos sociais e culturais existentes.

Reconfigurar esta análise é dar atenção a outros critérios, como o tempo histórico e plural dos lugares, ou a natureza das práticas sociais e microssociais que ali se manifestam. Está em causa construir uma biografia sociopolítica dos lugares e das ruas e praças da cidade conferindo-lhes maior relevância sócio-histórica, cultural e cidadã. Entre os espaços públicos urbanos, existe uma apreciável diversidade estrutural e funcional, o que permite afirmar que mesmo nas cidades de hoje, independentemente da sua escala, é possível destrinçar uma determinada área urbana de outras, um bairro ou uma praça diferente de outras áreas, outros bairros ou outras praças. No limite, como sugere Massimo Cacciari (2010), a noção clássica de cidade compacta está a ceder perante a afirmação de “cidades-território”, ou seja, perante a afirmação de fragmentos suportados numa “geografia de acontecimentos”, não necessariamente subordinados a lógicas urbanísticas e espaciais. A própria definição de fronteira inter-espaços urbanos alastra hoje como se fosse desenhada a mercúrio e permitisse estipular manchas de aproximações e hibridismos socioculturais irregulares e inesperados.

Creio, na verdade, que o discurso urbano está a passar por um acentuado recuo do significado da cidade clássica e compacta enquanto lugar primordial da integração dos sujeitos e da socialização. Muitas das noções novas, como a noção de cidade-território, pós-cidade, ou de ur-distritos, por exemplo, convidam a refletir sobre a emergência de novos modos de relacionamento entre os sujeitos e os espaços urbanos.

Neste particular, Sharon Zukin (2010) fala da cidade autêntica que arrisca “perder a alma” por via da “cultura do cappuccino”, em contraste com Ray Oldenburg (1989) que valoriza o encontro que ocorre nos bons e belos lugares de consumo da cidade; Lyn Lofland (1998) sublinha o sentimento de conforto e reconhecimento contido no domínio “paroquial”, situado algures entre o público e o privado da cidade. Mesmo com estas possibilidades discursivas novas, existe ainda o risco de nos determos na perspetiva hegemónica dos estudos urbanos ocidentais que seguem uma linha hierárquica que estipula uma versão norte-americana à cabeça, seguida da influência britânica e de outras visões europeias, com as quais se pretende interpretar o urbano global de forma totalmente inapropriada (WATSON, 2006).

3. Caminhadas e encontros inesperados

Enunciadas estas breves ressalvas, dedico-me agora a um tipo particular de encontros entre sujeitos nos espaços públicos urbanos. Quero referir-me ao que chamarei com-vivências inesperadas que tomam lugar sem planejamento de qualquer ordem. Este acaso resulta tão só da presença com outros nos espaços abertos do dia a dia da cidade. Por isso uso o prefixo com, para sinalizar uma partilha não programada, geradora de estranhamento ou surpresa (ROULLEAU-BERGER, 2004). Estas com-vivências urbanas podem também referir-se ao encontro não intencional de pessoas com situações ou arranjos artísticos devidamente estruturados com intuitos públicos de animação, lúdicos e celebração, em geral efémeros, mas que convidam à reflexão sobre a arte, a história, a memória e monumentalidade ou as experiências e estilos de vida dos lugares.

A atenção ao papel destas com-vivências inesperadas mobiliza um determinado enquadramento sensorial dos sujeitos e não se cinge necessariamente nem à dimensão visual em exclusivo nem à condição de desorientação pessoal mesmo que momentânea, como tipificada na resposta de recato calculista dos sujeitos ao ambiente agitado da cidade, que Simmel enunciava. Na cidade, este encontro com o inesperado envolve uma relação espontânea com o espaço público e o desenho urbano e encontra na caminhada um dos seus mais potentes dispositivos de observação. À semelhança das caminhadas de Sophie Calle pelas praças e ruas de Veneza, este caminhar urbano é, indefinido, hesitante, flexível e, nesse sentido, os pedestres exercitam um ato de serendipidade caminhante. Equiparam-se, nestas circunstâncias, as pessoas que caminham deambulantes na cidade, aquelas que, qual detetive, perseguem um rasto indefinido e ainda as que investigam em ciências sociais e humanas deixando a sua pesquisa fluir livremente ao sabor da sucessão imprevista dos acontecimentos e dos dados recolhidos[7]. Este sentido do acaso da pesquisa mertoniana rompe com uma observação delimitada pelo contexto social ou pelo aparelho teórico e conceptual original da pesquisa positivista. Equivale, aqui, ao exercício da exploração a pé da realidade urbana e contém a possibilidade da descoberta de espaços anómalos ou ações imprevistas que reorientam o olhar dos caminhantes e forçam à ressignificação dos seus conteúdos práticos e simbólicos. Por outras palavras, aplicada ao percurso pedonal urbano, a serendipidade caminhante é sinónimo de refundação dos microlugares em que a com-vivência inusitada dos sujeitos ocorre.

Estamos longe das visitas programadas dos dadaístas por espaços banais da cidade e das deambulações surrealistas pelos seus ambientes naturais, como vimos atrás. Reconhecemos, todavia, que esta com-vivência inesperada com as pessoas e acontecimentos na rua se aproxima sobretudo da metodologia da deriva situacionista e psicogeográfica, sempre aberta a acidentes de percurso, a alterações súbitas de rumo e mesmo até ao consentido ato de se perder (CARERI, 2017; COVERLEY, 2006).

Entre os encontros inesperados que ocorrem na caminhada urbana, incluem-se os que se expressam em múltiplas linguagens verbais, escritas, gestuais, sonoras, performativas, arquitetónicas etc. Os seus significados são também variados e podem incluir o confronto de visões do mundo conflituantes ou existências e copresenças aleatórias, que tanto podem gerar compromissos e solidariedades como podem provocar diversão, ou disputas de sentidos e conflitualidade, violência ou racismo.

A com-vivência urbana inesperada que estou a enunciar tem a densidade temporal própria do instante vivido da sua ocorrência. Enquanto ato não previsto do quotidiano banal, este encontro não se reveste de qualquer solenidade formal. A sua leveza faz dele um ato único e irreversível, como são todos os acontecimentos informais do quotidiano que a história não se digna mencionar (JANKÉLÉVITCH, 1974, pp. 54-55), e remete para a micro-história (a noção deve-se a Miguel de Unamuno), ou seja, para o reino da doxa e da opinião líquida da vida interior de cada um.

Reconheço na caraterização destes encontros do dia a dia a inspiração de Henri Lefebvre, que mostra no seu negligenciado A Soma e o Resto (LEFEBVRE, 1959) que o instante é um sinal de presença que se articula e combina com outras situações sociais e não traduz um vazio ou uma ausência, como sucede com a alienação. Apesar do seu caráter fragmentário e instantâneo – tantas vezes revelado na pesquisa fotográfica (FREHSE,2011) –, dada a sua repetição linear e cíclica no quotidiano, estes instantes ganham significado como situações típicas do presente eterno simmeliano, que lhes confere um estatuto paradoxal de permanência, não de vazio nem de ausência. Como estou a entendê-los, os instantes de que são feitas as com-vivências inesperadas não retiram os atores envolvidos ao anonimato típico das relações públicas entre estranhos. Garantem, antes, que esses atores permanecerão à margem da avaliação de terceiros, sujeitos até aos mecanismos de desatenção cívica, apesar de envolvidos no exercício das suas competências interativas e de ajustamento às situações.

A proximidade com o quadro analítico das relações em público estabelecido por Erving Goffman é manifesta:

As ruas da cidade, mesmo quando desvalorizadas, constituem um contexto para exercitar rotineiramente a confiança mútua entre estranhos. Concretiza-se uma articulação voluntária da ação em que cada pessoa tem um entendimento de como as relações com outras devem ser conduzidas; em que há um acordo que cada um reconhece e aceita como sendo também respeitado pelo outro. Numa palavra, ficam assim asseguradas as precondições estruturais para que a ordem convencional funcione. Evitar a colisão é um exemplo do que acontece em consequência (GOFFMAN, 1971, p. 17).

Sob este acordo tácito, desenrolam-se os instantes da copresença e da sua articulação com o lado duradouro da regularidade urbana, dando um renovado significado ao aqui e agora da cidade caminhada. Evidentemente que esse significado está sujeito às mais diversas flutuações de sentido. Por exemplo, os turistas urbanos de hoje buscam uma experiência duradoura na base da repetição de instantes sucessivos. Desenraízados e distantes da vida urbana local, estes turistas colecionam momentos e acontecimentos do quotidiano urbano como se se tratasse de realidades perenes e estáveis dos lugares que visitam. De câmara fotográfica ou smartphone em riste, aprestam-se com prontidão ao snapshot que confere eternidade ao instante e torna autêntico o que é somente pitoresco.

A com-vivência urbana inesperada pode representar, por fim, um confronto com preconceitos e avaliações erróneas em torno da regularidade estrutural do dia a dia. Constituem um convite a desaprender a cidade global, compacta e clássica, e a dar significado próprio a fragmentos (não-convencionais) da condição urbana. As com-vivências urbanas inesperadas desvalorizam os espaços construídos e ambientes sociais que estipulam o telos da modernidade urbana. Ao invés, revalorizam outras paisagens, arranjos e comportamentos, julgados insignificantes nas interpretações académicas estruturalistas dominantes.

Um dos problemas que se pode enunciar acerca das interpretações preconceituosas e desajustadas das com-vivências é o facto de serem experiências situadas, em resultado da sua dependência da caminhada urbana. Reside aqui um capítulo novo sobre como reapreender a rua enquanto “morada do coletivo”, como Walter Benjamin (2009, p. 958) enunciava a rua da modernidade ocidental. As experiências situadas pressupõem uma relação de quase fusão dos sujeitos e dos seus corpos com os espaços e, como sabemos, a relação com o espaço tem sido vista como um traço mais significativo da identidade dos sujeitos. Mas tem também sido questionada. Em 1994, porém, Doreen Massey argumentou em favor de um sentido extrovertido dos lugares em resultado da globalização e da forma como o sentimento de pertença local dos sujeitos, designadamente dos migrantes chegados às cidades, se transforma num sentido local-global (MASSEY, 1994).

O que Doreen Massey argumenta encontra comprovação no discurso do rapper Edson Silva, da banda Força Suprema, angolano residente em Lisboa há mais de 20 anos que, em entrevista a um periódico de grande circulação, expressa de modo muito especial a sua relação com as geografias críticas dos acontecimentos mundanos:

Gostamos da Linha de Sintra. Dá para ir ao Fórum Sintra e sentirmos que estamos na Europa e dá para ir à Damaia e comprar mandioca na rua. Somos desses dois mundos! (Edson Silva, Ípsilon, 12/06/2015).

Estas visões críticas abrem caminho a leituras alternativas dos significados dos espaços urbanos contemporâneos, a que aludi noutro ensaio (FORTUNA, 2016b). Entre essas alternativas, sobressaem as leituras que mostram uma cidade despojada de limites e fronteiras espaciais (psicológicas?), que subjazem a categorizações tantas vezes desajustadas e erróneas. No meu entender, estão a denunciar o binarismo das linguagens académicas, recheadas de “centros” e “periferias”, de “nortes” e de “suis”, de “ocidentes” e “orientes”. Estes pares de mundos diversos nunca estiveram tão próximos e tão íntimos como Edson Silva faz notar. “Ser desses dois mundos” é uma implicação da condição urbana, democrática e multicultural de hoje. Percorrer esses territórios sem impedimentos, por toda a parte e a toda a hora, é hoje um direito à cidade como Henri Lefebvre reivindicava há cinquenta anos, e só a diversidade cultural permite percorrer a cidade, anytime/anywhere, como dizia de Niro, do Taxi Driver de Martin Scorsese.

Como assinalou o estudioso inglês Andy Merrifield,

nos dias de hoje, o pobre Sul global encontra-se no oriente norte de Paris, ou em Queens, ou nas londrinas Torres Hamlet. E o global Norte dos ricos mora nas ruas de Mumbai e vai de helicóptero para as suas casas sumptuosas dos Jardins ou do Morumbi, na cidade de São Paulo (MERRIFIELD, 2014, p. 30).

Esses mundos tão opostos abdicam hoje de localizações fixas, fazendo-se atravessar mutuamente a todo o instante, que assim é a ordem da cidade veloz. Desse contato frequente e continuado, resultam cruzamentos culturais virtuosos que, na expressão literária de José Eduardo Agualusa, revelam uma Lisboa pós-colonial em vias de (re)africanização.

Oriundos das mais diversas paragens, alguns dos recém-imigrados em Lisboa respondem por um processo de reetnicização da paisagem urbana da cidade, mesmo em zonas tidas como social e culturalmente homogéneas. Com-vivência situada inesperada? Sim, para quem partilhe dessa visão conservadora de Lisboa como cidade étnica e culturalmente homogénea, capital da mais velha nação europeia. Não, para quem entenda que a musicalidade da rua e o seu linguajar de todos os dias, o cheiro exótico que brota das lojas de conveniência e dos restaurantes “típicos”, os jornais ilegíveis pendentes nos quiosques dão conta da copresençade outras identidades e existências. A história pós-colonial de Lisboa está certamente a ser reescrita na renovação das suas paisagens urbanas e culturais, com destaque para expressões de vidas que preservam fortes vínculos africanos, como forma de viver em dois mundos em simultâneo.

A fórmula literária da (re)africanização de Lisboa assinala uma espécie de revanchismo do império mesmo se a renovação da paisagem cultural da cidade não se limite à “componente” africana desta história colonial. Ela é muito diversa, como pode comprovar uma passeata pelas ruas e praças da cidade. Uma expressiva presença brasileira e latino-americana faz-se acompanhar de indeléveis marcas culturais hindus, assim como dos sinais culturais de uma Europa que costumava ser de “Leste”, ou do exotismo comercial vindo da China, do Nepal, da Síria etc. Esta diversidade das geografias culturais lisboetas é recente e está a provocar reajustamentos em que se misturam retóricas políticas, culturais, étnicas, religiosas e turísticas.

Vale referir nesta circunstância a situação inusitada da pesquisa de um investigador social da cena multicultural de Lisboa. Refiro-me ao homem-estátua – Francis Rigal – “estacionado” meses a fio, em lugares centrais da Baixa da cidade – a Praça do Rossio, a Praça de S. Domingos, ou a Praça da Figueira –, e que, em vestes de imprevisível investigador, mergulhou na decifração das demarcações socioculturais daqueles microterritórios.

À sua frente, durante a sua longa coreografia, o agora artista-investigador vai registrando os movimentos e a gestualidade de indivíduos de várias origens étnicas que permanecem naquelas praças ao longo do dia, agrupados de acordo com critérios étnico-linguísticos e religiosos. Os contatos entre grupos são mínimos e, em regra, limitam-se à expressão de um cortês e discreto cumprimento entre cavalheiros, normalmente feito por um dos homens mais velhos. As mulheres estão afastadas da participação nestes grupos e algumas entregam-se a um precário comércio de rua ali ao lado, enquanto os seus maridos trocam histórias e memórias de homens entre si. Aos olhos da cultura urbana ocidental diríamos que estes sujeitos não fazem nada ali, encostados à esquina da rua ou na reentrância da praça. Apenas deixam o tempo passar. Mas ocupar o tempo é uma forma de criar espaço de afirmação identitária.

Como assegura o nosso homem-estátua-investigador (RIGAL, 2016), cada um daqueles grupos de homens – angolanos, guineenses, senegaleses, malianos – ocupa regular e duradouramente um espaço bem delimitado que lhe permite tornar visível a sua presença e dos seus corpos. A consciência do uso da técnica corporal (MAUSS, 2005) não deixa dúvida que a presença física de corpos constitui uma linguagem expressiva ou um jogo de simultânea proximidade e afastamento de uns atores face a outros, ao conversarem e gesticularem sobre assuntos da vida coletiva e da memória de cada grupo ou dos seus membros. O sentido de apropriação que estes lisboetas atribuem a estes recantos locais-globais da cidade contribui para impor sobre ela uma imagem de diversidade cultural e de potente delimitação de identidades outras. Sempre em copresença. Se toda a desterritorialização arrasta consigo uma reterritorialização (HAESBAERT, 2004), também estes homens, como diria o rapper referido há pouco, fazem parte de dois mundos simultâneos, culturalmente fundidos e entrecruzados num espaço urbano terceiro, onde se tecem inesperadas formas de com-vivência, só percetíveis a quem souber caminhar a pé pelas ruas e praças da cidade.

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Notas

* Esta é uma versão alterada do texto submetido a e-Cadernos, do Centro de Estudos Sociais (Coimbra).
[1] Admito mesmo que a distância física entre lugares dá sinais de se expressar não em termos de “perto” ou “distante”, para passar a ser referida em termos de duração temporal do percurso. Isto mesmo me faz pensar a indicação de uma jovem empregada de restaurante em S. Salvador, ao dizer-me que a “sua terra” ficava a “três horas de relógio”, para significar o esforço contido na distância física a percorrer.
[2] Deixo de lado as célebres caminhadas peripatéticas de Aristóteles, as experiências dos pensadores caminhantes dos séculos XVIII e XIX (Thoreau, Rousseau, ou Nietzsche), passando pelos caminhantes peregrinos (Werner Herzog) e os errantes da modernidade ocidental e a moderna flânerie (Franz Hessel ou João do Rio), sobre que se aconselham as leituras de Careri (2017), Coverley (2015), Gleber (1999) e Solnit (2001).
[3] É notória também a presença, sobre que não me deterei aqui, da flânerie deleitando-se por entre a nova arquitetura da cidade e pelos espaços da boémia e do consumo em atraentes galerias da mercadoria trazida pelo novo capitalismo (BENJAMIN, 2009; BUCK-MORSS, 1990). A natureza do flâneur é menos a de um/a caminhante urbano e antes a de alguém que se revela numa relação meramente estética (pode até ser estática) com a multidão.
[4] Disponível em www.youtube.com/watch?v=f-s_aQKkt24. Acesso em: 28/01/2018. (Error 1: El enlace externo www.youtube.com/watch?v=f-s_aQKkt24 debe ser una URL) (Error 2: La URL www.youtube.com/watch?v=f-s_aQKkt24 no esta bien escrita)
[5] E. Alan Poe esclarece com ironia a fechar o seu conto que retira a expressão referida do “repelente” livro Hortulus Animæ cum Oratiunculus Aliquibus Superadditi, que de tão indecifrável “não se deixa ler”, exatamente como o sujeito perseguido horas a fio, sem nunca permitir vislumbrar a sua identidade.
[6] A estratégia, por paradoxal que pareça, tem sido adotada por inúmeros artistas com grande sucesso. Christo Javacheff e Jeanne Claude cobriram lugares singulares e construções únicas da arquitetura monumental ocidental, como o Reichstag berlinense ou a Pont Neuf em Paris, que mostraram a milhares de turistas apreciadores desta técnica do embrulho. Em 1952, no campo da música, John Cage tocou a sua célebre e surpreendente composição “4’ 33’’ e inverteu deste modo o sentido da produção e da apreciação estética musical. Em Portugal, João César Monteiro apresentou, em 2000, uma “Branca de Neve” que conduz ao paroxismo da performance fílmica, ao recobrir as imagens e ao deixar apenas correr a sonoridade dos diálogos.
[7] Permito-me assim elaborar sobre a heurística da noção de serendipidade, tal como apresentada por Robert Merton e que remete para “a mais comum experiência de observação de dados não previstos, anómalos e estratégicos que constitui uma oportunidade para o desenvolvimento de uma nova teoria ou para prolongar uma outra já existente” (MERTON, 1968, p. 157).


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