Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
O Ensino de Ciências Sociais na Região Sul: Instituições e Pesquisadores
Amurabi Oliveira; Willian Binsfeld
Amurabi Oliveira; Willian Binsfeld
O Ensino de Ciências Sociais na Região Sul: Instituições e Pesquisadores
The teaching of the social sciences in the South Region: Institutions and researchers
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 6, núm. 14, pp. 63-85, 2018
Sociedade Brasileira de Sociologia
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: O tema do ensino de Sociologia tem ganhado cada vez mais espaço nas Ciências Sociais brasileiras, impulsionado principalmente pela reintrodução da Sociologia no currículo escolar a partir de 2008. Partindo do caso dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e seus pesquisadores na região Sul do Brasil, buscamos analisar como que a temática do ensino se insere na agenda de pesquisa das Ciências Sociais. Destacam-se nesta pesquisa as trajetórias realizadas por estes agentes, que possibilitaram seu engajamento neste campo de pesquisa, o que inclui predominantemente o ensino de disciplinas ligadas à formação de professores, a organização de coletâneas sobre o tema e, recorrentemente, experiências anteriores com educação básica e com pesquisa na área de educação.

Palavras-chave:Ensino de SociologiaEnsino de Sociologia,Campo AcadêmicoCampo Acadêmico,Sociologia da EducaçãoSociologia da Educação.

Abstract: The theme of teaching sociology has been gaining more and more space in the Brazilian social sciences, mainly by the reintroduction of sociology in the school curriculum since 2008. Starting from the case of the social sciences graduate programs and their researchers in the southern region of Brazil, we try to analyze how the thematic of teaching is inserted in the research agenda of the social sciences. In this research, the trajectory carried out by these agents, which made possible their engagement in this field of research, predominantly includes the teaching of disciplines related to teacher training, the organization of collections on this subject, and recurrent previous experiences in basic education and research in education.

Keywords: Teaching Sociology, Academic Field, Sociology of Education.

Carátula del artículo

Artigos

O Ensino de Ciências Sociais na Região Sul: Instituições e Pesquisadores

The teaching of the social sciences in the South Region: Institutions and researchers

Amurabi Oliveira
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Willian Binsfeld
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 6, núm. 14, pp. 63-85, 2018
Sociedade Brasileira de Sociologia

Recepção: 06 Junho 2018

Aprovação: 25 Setembro 2018

Introdução

Em 2018, faz dez anos que a Sociologia foi reintroduzida em nível nacional no Ensino Médio brasileiro[1], o que é reflexo de um conjunto de ações articuladas a partir de entidades profissionais, associações científicas, universidades etc. Em que pese os retrocessos vivenciados em período mais recente – destacando-se a exclusão da obrigatoriedade desta disciplina a partir da chamada “Reforma do Ensino Médio”[2] –, é inegável que nesta última década houve avanços significativos do debate acadêmico em torno do chamado “Ensino de Sociologia”[3].

Pode-se observar a maturação das discussões acadêmicas nesta temática através de ações como: a) criação e consolidação do Grupo de Trabalho “Ensino de Sociologia” junto ao Congresso Brasileiro de Sociologia, cujas atividades vêm funcionando de forma regular desde 2005; b) advento do Encontro Nacional para o Ensino de Sociologia na Educação Básica, evento que vem ocorrendo de forma bianual desde 2009; c) fundação em 2012 da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais, com a criação em 2017 de um periódico específico para esta temática; d) criação de Grupos de Trabalho sobre Ensino também na Associação Brasileira de Antropologia e na Associação Brasileira de Ciência Política; e) criação do mestrado profissional em Ciências Sociais para o Ensino Médio junto à Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), e do ProfSocio[4].

Constata-se, desse modo, que em um curto intervalo de tempo ocorreu um significativo avanço nas discussões, substanciado em ações efetivas, que também se refletem no incremento de publicações especializadas, especialmente através de dossiês temáticos e coletâneas, o que exploraremos mais adiante neste trabalho.

Ainda que esta seja uma tendência bastante ampla, que em algum grau envolve pesquisadores de diversas partes do país, tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação, neste trabalho nos focaremos em como a temática do ensino se insere na agenda de pesquisa das Ciências Sociais na Região Sul do Brasil, observando este fenômeno a partir da pós-graduação em Ciências Sociais[5], considerando tanto a dimensão das instituições quanto dos sujeitos.

O recorte geográfico circunscrevendo nossa amostra à Região Sul não é mero acaso, pois se trata da única região do país na qual o Ensino de Sociologia foi introduzido no Ensino Médio em todos os estados antes da obrigatoriedade nacional (OLIVEIRA, 2016). Ademais, trata-se de uma região que possui universidades que capitaneiam esta discussão em nível nacional, com destaque para a Universidade Estadual de Londrina (UEL), que fora a primeira a criar uma linha de pesquisa em “Ensino de Sociologia” junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.

Reconhece-se ainda que, ao nos limitarmos a uma análise situada a partir dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais, não abarcaremos a discussão em sua totalidade, considerando-se tanto o fato de que há um significativo desenvolvimento de pesquisas que se estabelecem apenas em nível de graduação, quanto a existência de pesquisas sobre Ensino de Sociologia realizadas junto a Programas de Educação, como podemos verificar a partir de recentes balanços realizados (CAREGNATO; CORDEIRO, 2014; HANDFAS, 2017; BODART; CIGALES, 2017). Entretanto, interessa-nos aqui pensar como que esta questão se insere na agenda de pesquisa das Ciências Sociais brasileiras, que dentro dos processos de transformações do mundo acadêmico nas últimas décadas acaba por se centrar nos programas de pós-graduações disciplinares nesta área de conhecimento.

Utilizaremos como base de dados desta nossa investigação as plataformas Sucupira (https://sucupira.capes.gov.br/) e Lattes (http://lattes.cnpq.br/), para termos acesso aos dados dos programas e dos pesquisadores. Ao nível dos programas, buscaremos observar a existência de linhas de pesquisa que dialoguem com a temática da educação em geral e do ensino de Ciências Sociais em particular, almejando com isso verificar se o ensino de Sociologia possui um espaço institucional na agenda de pesquisa de tais programas. No que tange aos pesquisadores, através da análise do Lattes de todos os professores que lecionam nestes diversos programas, observaremos quatro indicadores, sendo que ao final faremos uma análise mais cuidadosa do perfil daqueles que apresentarem ao menos 3 destes, quais sejam: a) lecionar disciplinas específicas da licenciatura em Ciências Sociais; b) projetos de pesquisa e/ou extensão na área de ensino de Ciências Sociais; c) produção bibliográfica sobre esta temática na forma de artigos em periódicos, livros, coletâneas e capítulos de livro; d) orientação em nível de pós-graduação de pesquisas relacionadas a este tema.

Reconhecem-se os limites encontrados neste tipo de abordagem metodológica, todavia, compreendemos que os dados fornecidos por tais plataformas – consideradas as mais relevantes no processo de avaliação institucional da pós-graduação no Brasil – nos possibilitam uma aproximação de caráter descritivo e interpretativo do campo, produzindo uma análise relevante para a compreensão da dinâmica do ensino de Sociologia no Brasil bem como do perfil dos pesquisadores envolvidos neste debate, o que é um exercício ainda incipiente nos diversos estados da arte produzidos até aqui.

Em termos de teoria, dialogaremos diretamente com o arcabouço elaborado pelo sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002), para compreendermos tanto as disputas que se estabelecem dentro do campo acadêmico quanto o processo de construção das disposições sociais dos pesquisadores e seus engajamentos e estratégias.

Para uma melhor organização dos argumentos aqui apresentados, dividiremos este trabalho em mais cinco seções: a) na primeira, trataremos da Pós-Graduação Em Ciências Sociais no Sul do Brasil, apresentando o número de programas, data de criação, dando destaque para a existência de linhas de pesquisa sobre ensino e educação ou que dialoguem com estas; b) na segunda, realizaremos uma apresentação dos pesquisadores selecionados, buscando compreender as escolhas realizadas no campo científico a partir de suas trajetórias em termos de atuação profissional e formação acadêmica; c) posteriormente, analisaremos a produção intelectual destes docentes que versa sobre o tema do ensino, buscando entender como ela está organizada e como se insere na lógica das disputas do campo; d) também nos interessa pensar os processos de orientação, analisando a existência de trabalhos em nível de mestrado e doutorado orientados por estes docentes; e) por fim, as considerações finais.

A Pós-Graduação em Ciências Sociais no Sul do Brasil e o tema do ensino

Como é bem sabido, as Ciências Sociais passam a se institucionalizar primeiramente na Educação Básica e posteriormente no Ensino Superior, ainda que deva ter em mente que há diversas concepções de Ciências Sociais ao longo do tempo. Meucci (2015) destaca que no curso da Universidade do Distrito Federal (UDF), criado em 1935[6], havia três “menções” possíveis para a graduação neste curso: Geografia, História e Sociologia, o que indica a existência de um arranjo curricular sensivelmente distinto daquele que há atualmente nos cursos que possuem esta mesma denominação.

Na Região Sul, o primeiro curso criado de Ciências Sociais foi na Universidade Federal do Paraná (UFPR), então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná (FFCL) em 1938, e posteriormente, em 1940, é criado o curso na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC – RS). Em Santa Catarina, apenas na década de 1970 é que será criado um curso dessa natureza, não à toa Costa Pinto e Edison Carneiro não fazem referência a este Estado na publicação de 1955 intitulada “As Ciências Sociais no Brasil”.

Nesta primeira fase, encontramos um considerável contingente de professores “autodidatas” no campo das Ciências Sociais, o que se constituiu mais a regra do que a exceção nesse período Brasil afora[7]. Apenas nas décadas seguintes é que passamos a ter os primeiros egressos desses cursos, que passam a produzir pesquisas que possuem claros referenciais teóricos e metodológicos mais claramente delimitados a partir das Ciências Sociais.

Ainda que se possa reconhecer que as universidades brasileiras já vinham outorgando títulos de mestres e doutores ao menos desde a década de 1940 na área de Ciências Sociais, é com o cenário que se estabeleceu nacionalmente com a Reforma Universitária de 1968 que passaram a existir cursos de Mestrado e de Doutorado num modelo próximo ao que possuímos atualmente, de modo que é, sobretudo, a partir da década de 1970, que se desenvolve o sistema de pós-graduação que conhecemos hoje.

Na Região Sul, os primeiros Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais surgem ainda na década de 1970, havendo atualmente um programa de Sociologia Política, três programas de Ciência Política, três de Sociologia, quatro de Antropologia, e seis de Ciências Sociais, totalizando dezessete programas[8], como podemos observar na tabela abaixo:

Quadro 1
Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais na Região Sul

(2017)

Estes dados refletem um cenário mais amplo de consolidação dessa área de conhecimento no Brasil, ainda que não conste neste momento o ProfSocio, que será um mestrado profissional e que funcionará em rede, envolvendo na Região Sul inicialmente a UEL, a UEM e a UFPR.

Este quantitativo expressivo de programas vem acompanhado também de um número grande de linhas de pesquisa, que expressa a própria pluralidade temática que perpassa tais programas. Encontramos, segundo os dados da plataforma Sucupira, setenta e nove diferentes linhas de pesquisa, variando entre duas a doze o número de linhas nos programas analisados. Esta é uma tendência bastante geral encontrada nos Programas de Pós-Graduação de Ciências Sociais, como já indicara o estudo realizado por Lima e Cortes (2013), o que também representa a transversalidade existente nas linhas de pesquisa das Ciências Sociais, que:

(...) reflete não apenas a amplitude dos temas abordados pela Sociologia e sua imbricação com as demais ciências sociais em termos teóricos e metodológicos, mas também a especificidade da análise sociológica. Essa especificidade, por sua vez, incorpora a contribuição das disciplinas próximas, sociologizando as contribuições de distintas tradições epistemológicas. De qualquer forma, essa transversalidade exige o permanente repensar da Sociologia enquanto disciplina e a formação de sociólogos assim como a formação em Ciências Sociais. (LIMA; CORTES, 2013, p. 431-432).

No caso aqui analisado, observa-se que, em meio às setenta e nove linhas de pesquisa indicadas, ao menos duas fazem referência explicitamente a questão educacional já em seus títulos: “Ciência, educação, técnica e ambiente” (PPGAS/UFSC) e “Identidades sociais, etnicidade e educação” (PPGCS/UFSM), além de outras três que em suas ementas fazem referências a pesquisas envolvendo o ensino superior, os sistemas de ensino e a educação de forma mais geral: “Sociedade e conhecimento” (PPGS/UFRGS), “Representações sociais e produções simbólicas” (PPGSP/UFSC) e “Cultura e sociabilidades” (PPGS/ UFPR), havendo uma única linha de pesquisa dedicada ao ensino de Sociologia junto ao PPGCS/UEL, como já havíamos indicado anteriormente.

Notadamente, a presença da palavra “educação” dispersa em meio a outras palavras-chave, seja no título, seja na ementa de uma linha de pesquisa, pode indicar amiúde a presença pontual de pesquisadores dedicados a esta temática, sem que isso implique a existência de um grupo de investigadores articulados a partir desta temática. Neste ponto, voltamos a dar relevo para a dispersão da agenda de pesquisa das Ciências Sociais brasileiras, marcada por uma crescente diversificação (MELO, 1999; LIEDKDE FILHO, 2005).

Considerando-se o cenário nacional, no qual há poucos Programas em Ciências Sociais que possuem linhas de pesquisa em diálogo com a pesquisa educacional (WEBER, 1992; LIMA; CORTES, 2013; OLIVEIRA; SILVA, 2016), pode-se inferir que temos aqui uma situação singular, na qual cerca de um terço dos programas possuem essa característica. Ainda que não se possa investigar a partir de nossas bases de dados os processos formativos destas linhas de pesquisa, pode-se inferir que elas emergem a partir da proximidade dos docentes que as compõem com os cursos de formação de professores, assim como com as próprias demandas locais e as políticas educacionais que fomentam pesquisas nesta área.

Também chamam a atenção as indicações realizadas pelos programas no processo de avaliação CAPES, no qual um dos itens é o de inserção social, mais especificamente de interfaces com a educação básica. Em dois programas não conseguimos obter os dados referentes a este item de avaliação, e em três deles havia o indicativo de que o programa não realizava interface com a educação básica. Nos demais doze programas encontramos graus distintos de aproximação com a educação básica, que iam desde a atuação dos professores na licenciatura em Ciências Sociais, passando pela coordenação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), produção de material de apoio para professores da educação básica, realização de oficinas em escolas, isenção de taxas para professores da rede pública na participação de eventos, realização de cursos de especialização em ensino de Sociologia etc. Destaca-se que dois programas indicam que suas ações nesta seara se realizam por meio de Laboratórios de Ensino[11], que coordenam as atividades e atuam principalmente através da extensão. Também é necessário pontuar que esta interface, ainda que seja dada prioritariamente através do ensino de Sociologia, não se limita a esta, envolvendo outras questões, tais como: o debate sobre gênero na escola, ensino religioso, ensino de história e cultura afro-brasileira, formação de professores indígenas.

Interessa-nos, portanto, saindo de uma dimensão mais descritiva, perceber que há institucionalmente nestes programas espaço para o desenvolvimento de pesquisas que dialogam com a educação, o que poderia abrir possibilidades para investigações ainda mais incisivas, que se situem mais especificamente no campo do ensino das Ciências Sociais. Todavia, como apontam os balanços recentes de Bodart e Cigales (2017) e de Handfas (2017), apesar de ainda haver mais trabalhos sobre ensino de Sociologia junto a programas de educação, esta temática vem ganhando espaço junto aos Programas de Ciências Sociais, sem que necessariamente isso ocorra apenas junto àqueles que possuem linhas de pesquisa na área de educação. Aparentemente, ainda que relevante, esta não é uma condição sine qua non para o desenvolvimento de pesquisas sobre ensino de Ciências Sociais em nível de mestrado e doutorado.

Os pesquisadores dedicados ao tema do ensino de Ciências Sociais

Nos dezessete programas de pós-graduação aqui analisados, encontramos 342 docentes em atuação, seja categoria de permanente, colaborador ou visitante. Estes pesquisadores possuem diversos perfis formativos, alguns mais lineares no campo das Ciências Sociais ou áreas afins, outros mais híbridos. Nestes perfis, encontramos pesquisadores que possuíam ao menos um dos indicadores apontados acima, o que pode indicar que estas ações por vezes se dão de maneiras desarticuladas, sem que haja necessariamente um encadeamento entre ensino, pesquisa, produção acadêmica e orientação.

Dentro desta amostra inicial, selecionamos aqueles que possuíssem ao menos três dos quatro indicadores aqui mobilizados, de modo que chegamos a treze pesquisadores, o que representa apenas 3,8% dos docentes que atuam nos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Região Sul. Estes docentes encontram-se distribuídos da seguinte forma institucionalmente: dois no PPGS/UFPR, duas no PPGCS/UEL, dois no PPGCS/UEM, dois no PPGCS/UNIOESTE, um no PPGSP/UFSC, uma no PPGAS/UFSC, um no PPGS/UFPEL, um no PPGS/UFRGS, uma no PPGCS/UFSM.

O pequeno número de pesquisadores pode ser compreendido como um reflexo das próprias dinâmicas do campo acadêmico, uma vez que os esforços empreendidos na dinâmica universitária tendem a se voltar para objetos mais privilegiados e que garantem mais prestígio para os investigadores que se dedicam a eles (BOURDIEU, 2001). Ainda que percebamos um incremento das pesquisas envolvendo esta temática em nível de pós-graduação, isto não significa necessariamente um deslocamento do ensino para o centro de preocupações da agenda de pesquisa das Ciências Sociais. Neste ponto confluímos com Bodart e Cigales (2017, p. 277) ao indicarem que: “nossa hipótese é que a ampliação de dissertações seja mais um reflexo da necessidade de aperfeiçoar mão de obra docente para o Ensino Médio do que trazer definitivamente o tema para os centros das preocupações das pesquisas em Ciências Sociais/Sociologia ou Educação”.

Isso não significa dizer que os demais docentes destes programas não se dediquem à questão do ensino – há quarenta e dois professores que apresentam um dos indicadores aqui utilizados. Há casos nos quais eles lecionam disciplinas específicas da licenciatura em Ciências Sociais[12], ou em que produzem na área, ou ainda em que orientam trabalhos sobre este tema, mas aparentemente desenvolvem estas atividades de modo mais pontual, focando suas atividades acadêmicas em outras áreas, recorrentemente naquelas às quais eles vêm se dedicando desde sua formação em nível de mestrado e/ou doutorado. A inserção na temática do ensino, neste caso, parece mais atender a demandas específicas, especialmente no campo da formação inicial docente, do que de fato constituir um eixo central nas investigações realizadas.

Chama a atenção a significativa concentração de pesquisadores deste grupo no estado do Paraná, o que se relaciona com uma série de fatores, como a atuação pioneira de algumas destas universidades – com destaque para a UEL – junto a escolas e secretarias de educação no processo de reimplantação da Sociologia no ensino médio ainda nos anos 1990 (SILVA, 2016).

Com relação à formação dos docentes que compõem este grupo, temos o seguinte quadro sintético:

Quadro 2
formação doutoral dos pesquisadores[13]

Autores (2017)

Este grupo é composto, portanto, por pesquisadores que possuem predominantemente a formação doutoral no campo da Sociologia, com uma participação mais tímida daqueles pertencentes à Antropologia e à Ciência Política. Possuem formação acadêmica obtida em importantes centros de pesquisa do país, com destaque para a UNICAMP, UFRGS e USP neste cenário. Quase todos fizeram seus estudos doutorais a partir dos anos 2000, de modo que é possível inferir que durante seu período formativo o debate sobre o ensino de Sociologia já estava posto em algum grau, e ao menos seis deles finalizaram sua graduação após a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), que em seu artigo nº 36 indicava a necessidade do aluno egresso do ensino médio possuir conhecimentos de sociologia e filosofia, correspondendo assim a outra geração pedagógica de docentes (WEBER, 1996).

Ainda que em muitos casos a aproximação com a temática do ensino possa ter surgido a posteriori da formação acadêmica, é interessante notar que seis deles realizaram pesquisas relacionadas à educação no mestrado e/ou doutorado[14], e, destes, duas professoras pesquisaram de forma mais direta o tema do ensino de Sociologia.

No que concerne às trajetórias acadêmicas de tais pesquisadores, seis deles atuaram na Educação Básica lecionando Sociologia antes de se tornarem professores universitários. Em suas instituições, doze deles lecionam com alguma regularidade disciplinas específicas da licenciatura, tanto aquelas envolvendo especificamente as metodologias de ensino e os estágios supervisionado, como também disciplinas com um caráter mais teórico, tais como “Antropologia da Educação”, “Sociologia da Educação”, “Educação e Sociedade” etc.

Estes dados referentes às trajetórias acadêmicas destes pesquisadores nos interessam na medida em que eles nos trazem elementos para compreendermos as tomadas de posição no campo, pois a escolha por transformar um tema pouco privilegiado nas Ciências Sociais brasileiras em objeto de pesquisa só pode ser compreendida de modo relacional, considerando a construção das disposições sociais (habitus) elaboradas ao longo de uma trajetória (BOURDIEU, 1996).

Sendo assim, as escolhas realizadas com relação à aproximação da temática do ensino não podem ser explicadas unicamente através dos ganhos simbólicos do campo acadêmico estritamente, uma vez que, partindo da premissa que este é um tema de menor status nas Ciências Sociais brasileiras, agregaria mais capital simbólico a estes pesquisadores desenvolver atividades em outras temáticas. É através das trajetórias, dos deslocamentos nos campos (BOURDIEU, 1996), que encontramos a chave para compreender as escolhas realizadas. Mesmo entre aqueles que não pesquisaram temas relacionados à educação, nem atuaram na educação básica, encontramos entre suas atividades universitárias o desenvolvimento de funções que os aproximaram desta temática, seja através da docência de disciplinas relacionadas diretamente ao ensino, da coordenação de projetos institucionais ou de licenciaturas em Ciências Sociais.

Outro espaço de atuação institucional que se mostra relevante na definição dos perfis destes pesquisadores é o PIBID, no qual oito deles atuam ou atuaram como coordenadores ou colaboradores. Enquanto política pública, é válido pontuar que o PIBID constitui um elemento relevante, inclusive, para a própria delimitação e afirmação da identidade da licenciatura em Ciências Sociais enquanto curso de formação de professores. Como observa Santos (2017, p. 253):

(...) as mudanças nas condições institucionais no interior das universidades, como a implementação do PIBID, contribuíram para ancorar uma mudança nas condições epistemológicas sob as quais se desenvolvem a licenciatura. Houve uma transformação nas representações sobre a Sociologia e seu papel na escola e sobretudo na identidade do licenciando em Ciências Sociais – sujeito que passou a se reconhecer predominantemente como um professor de Sociologia em formação.

Destacamos assim que é, a partir das condições objetivas (políticas públicas, demandas institucionais da própria universidade etc.) e subjetivas (escolha por tema relacionado à educação durante a formação acadêmica, atuação na educação básica), que as disposições sociais destes pesquisadores vão se elaborando, uma vez que os habitus individuais são produto da interseção de séries causais parcialmente independentes, podendo ser considerados um traço individual de uma história coletiva (BOURDIEU, 2004), de tal modo que o interesse pelo tema “Ensino de Sociologia” deve ser entendido como uma construção. Ora, interesse, em termos sociológicos, é ao mesmo tempo uma condição para o funcionamento do campo e um produto deste.

Isto significa também que estes agentes são ao mesmo tempo produto e produtores das disputas desenvolvidas no campo, inserindo-se na lógica mais ampla de produção e reprodução do campo científico, disputando o status de legitimidade do objeto de pesquisa ao qual se dedicam, ainda que em muitos casos haja também uma agenda mais ampla de pesquisa, que envolve outros objetos.

Neste processo, a própria presença de tais pesquisadores em seus respectivos Programas de Pós-Graduação constitui parte das estratégias no campo, já que estes são centrais na constituição da agenda de pesquisa das Ciências Sociais brasileiras. Da mesma forma, quatro deles já realizaram estudos pós-doutorais, sendo que três deles o fizeram no exterior (Portugal, Canadá e França foram os países escolhidos), o que também conflui com as estratégias disponíveis no campo. Dois deles são bolsistas de produtividade em pesquisa pelo CNPq, elemento considerado fundamental no campo científico brasileiro para a delimitação das hierarquias acadêmicas, e trata-se, portanto, de agentes que possuem uma posição privilegiada no campo.

O espaço institucional que estes pesquisadores ocupam engloba também as sociedades científicas, agentes importantes na delimitação das “regras do jogo”. Ganha destaque aqui a inserção junto a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS). Referimo-nos aqui não apenas à filiação institucional a tais associações, mas sim à presença de tais pesquisadores na diretoria destas instituições, bem como em comissões especiais, como a Comissão de Ensino da SBS e a Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ABA.

Sendo assim, podemos vislumbrar que a atuação destes docentes nesta área de conhecimento reflete os múltiplos deslocamentos no campo, o que engloba a atuação profissional anterior à carreira de docente universitário, os temas de pesquisa desenvolvidos ao longo da formação acadêmica, o desenvolvimento de atividades na universidade, a inserção em associações científicas etc. Tais elementos se combinam no processo de constituição do habitus científico destes pesquisadores, na elaboração das disposições sociais que possibilitam que eles tenham interesse por esse objeto de pesquisa e, por consequência, acabem por inseri-lo num campo de disputas mais amplas do próprio campo científico.

Produção acadêmica na área de ensino

Considerando a centralidade que a produção científica possui no processo de avaliação institucional da pós-graduação no Brasil junto à CAPES e, de modo mais geral, a centralidade que possui nas disputas em campo, é necessário dar visibilidade a esta questão, assim como ao processo de orientação de trabalhos de mestrado e doutorado nesta temática.

O habitus científico, ao menos dentro das regras do jogo atualmente postas no campo acadêmico brasileiro, pressupõe um interesse dos agentes no contínuo processo de divulgação de resultados das pesquisas por meio de publicações especializadas, não apenas através de eventos acadêmicos, como também de capítulos de livros, coletâneas, livros e, especialmente, artigos em periódicos especializados. Entretanto, as hierarquias acadêmicas são estabelecidas considerando também outras regras do jogo, que no caso brasileiro se vinculam ao sistema de avaliação de periódicos, o Qualis[15], de modo que determinadas publicações trazem mais prestígio do que outras.

Neste tocante, é interessante retomar uma premissa assumida neste trabalho: o tema do ensino é um objeto pouco privilegiado nas Ciências Sociais brasileiras. Se a premissa aqui assumida é verdadeira, isso significa dizer que há maior dificuldade por parte destes pesquisadores em divulgar os resultados de suas investigações nos veículos de maior prestígio acadêmico, o que reforça a posição desta temática na hierarquia estabelecida entre os objetos de pesquisa neste campo.

Deve-se considerar, neste ponto, uma questão primordial: todo campo é marcado pela distribuição heterogênea de capitais, de modo que os diferentes agentes estão sempre em disputa, com a diferença que aqueles que possuem uma posição privilegiada no campo tendem a assumir posturas ortodoxas, diferentemente dos que estão em uma posição periférica, que tendencialmente apresentarão posturas heterodoxas, visando uma mudança de posição no campo (BOURDIEU, 2005).

Uma das características que podemos observar nestes pesquisadores, a partir dos dados coletados, é que de fato eles estão engajados nas disputas científicas em curso, empenhados em diferentes graus na tarefa de legitimar o objeto de estudo de que se ocupam no campo das Ciências Sociais, assim como seu próprio lugar enquanto agentes deste campo. Neste contexto, as produções coletivas assumem um papel fundamental, tanto as coletâneas quanto os dossiês temáticos.

Dentre os treze pesquisadores aqui analisados, oito já foram organizadores de coletâneas[16] e de obras coletivas que versaram sobre o ensino de Ciências Sociais, totalizando vinte livros publicados neste formato. Em contrapartida, poucos se dedicam à produção de obras individuais que versem sobre o assunto, neste caso, contabilizamos apenas duas produções, que são resultados de pesquisas realizadas em nível de pós-graduação.

Estes trabalhos coletivos parecem ser uma marca incisiva da produção nesta área, cuja confluência de esforços reflete esta tomada de posição no campo. Para sua elaboração, portanto, há uma demanda não apenas de capital científico, mas também social, já que há uma necessidade de envolver outros agentes que estão em campo. Com isso, marcam-se também as distinções que vão se colocando no processo de composição das regras do jogo, em meio à autonomização do ensino de Sociologia enquanto campo próprio. Sendo esta área tão dependente de produções coletivas, incluir ou excluir autores nestas coletâneas implica, a seu tempo, reforçar ou questionar as hierarquias acadêmicas.

Claro que as instâncias de legitimação acadêmica no campo do ensino de Sociologia passam também por outros espaços, ainda que estes não sejam necessariamente tão valorizados nas avaliações institucionais na pós-graduação. A coordenação de grupos de trabalhos – com destaque para o de Ensino de Sociologia junto ao Congresso Brasileiro de Sociologia –, a apresentação de papers em mesas redondas, fóruns e GTs que compõem a programação de eventos da área[17], ou ainda a atuação junto ao Estado no âmbito das políticas educacionais[18] também são instâncias importantes no reforçamento das distinções sociais existentes neste campo, ainda que sua importância seja relativa na avaliação institucional, como já indicado.

Enfatiza-se ainda que, em muitos casos, as coletâneas e dossiês surgem a partir de eventos (ERAS; OLIVEIRA, 2015), apresentando-se como sínteses das discussões realizadas. Sendo assim, a circulação por estes espaços representa uma possibilidade real de engajamento nas disputas acadêmicas.

Voltando novamente ao trabalho de Bodart e Cigales (2017), eles citam a existência de ao menos dezesseis dossiês organizados sobre o tema ensino de Sociologia/Ciências Sociais entre 2007 e 2017, e, ainda que este levantamento não abarque a totalidade dos dossiês organizados, ele pode nos dar uma pista sobre o lugar que esta temática ocupa na hierarquia acadêmica, já que nove destes 13 pesquisadores anteriormente referidos já publicaram em dossiês temáticos. Apenas dois destes números especiais foram publicados em revistas Qualis A na área de Sociologia[19], sendo um deles em uma revista publicada por um programa de pós-graduação em educação e outro em uma revista de uma sociedade científica da área de Ciências Sociais.

Como bem nos esclarece Bourdieu (2011), o campo acadêmico não é gerido exclusivamente pela competência científica, a competência social também é um elemento fundamental para compreender sua dinâmica. Esta questão é relevante na medida em que o processo de organização e participação em um dossiê temático, assim como de uma coletânea, envolve também esta dimensão da competência social, e em grande medida estas publicações refletem também, ainda que não exclusivamente, a rede de relações de determinados agentes dispostos no campo. Reconhecendo-se assim a mutabilidade dos diversos tipos de capitais (BOURDIEU, 2009), passíveis de reconversão de um campo para outro, podemos inferir que os dossiês e coletâneas, em certo grau, também representam a conversão de capital social em capital acadêmico, ainda que essa conversão nunca seja precisa e total.

Se considerarmos o fato de que a produção em periódico deste grupo concentra-se em dossiês, isto pode significar que há uma dificuldade maior de publicação dos artigos que versam sobre essa temática na parte de “artigos livres” ou de “fluxo contínuo” dos periódicos especializados. Neste caso, a organização de dossiês pode ser compreendida como uma estratégia que visa a legitimação desse objeto de pesquisa no campo das Ciências Sociais brasileiras, uma estratégia de disputa. Reconhece-se assim que estas produções coletivas, os dossiês e as coletâneas, são as principais estratégias utilizadas na disputa em que estes agentes estão engajados no campo acadêmico.

Orientações na Pós-Graduação

Um dos pontos fulcrais da dinâmica acadêmica é o processo de reprodução do corpus que compõe a universidade, o que se dá essencialmente através da formação de quadros em nível de pós-graduação. Desse modo, é esperado que uma das principais finalidades dos programas de pós-graduação seja a formação de especialistas dentro de determinada área do conhecimento, inserindo-os ainda dentro de determinados temas de pesquisa, o que possibilita a constituição e ampliação de uma comunidade de pares.

Considerando tais questões, observamos aqui o processo de orientação em nível de pós-graduação de trabalhos vinculados à temática do ensino de Ciências Sociais, tendo em vista tanto os trabalhos já defendidos quanto aqueles que ainda estão em curso. Talvez este seja o item distribuído de forma mais heterogênea entre os pesquisadores analisados, uma vez que depende mais de fatores contingenciais, principalmente do interesse e capacidade de aprovação em processo seletivo dos alunos que almejam ingressar nos programas de pós-graduação em que atuam.

Dos treze docentes aqui analisados, apenas um deles não havia orientado nenhum trabalho de mestrado e/ou doutorado; todos os demais contavam com orientações concluídas e em curso. Entretanto, apenas sete deles possuíam orientações vinculadas ao tema do ensino de Ciências Sociais, majoritariamente vinculando-se à questão do ensino de Sociologia no ensino médio. Contabilizam-se quatorze trabalhos concluídos em nível de mestrado e uma tese de doutorado, esta versando sobre o ensino de Antropologia no ensino superior.

Encontram-se ainda em desenvolvimento mais cinco dissertações de mestrado e três teses de doutorado, sendo uma delas sobre ensino de Antropologia no ensino superior. Isto significa que, apesar dos influxos recentes nas políticas educacionais, que afetaram diretamente o ensino de Sociologia, este tema continua a ser pesquisado nos programas de pós-graduação.

Chama a atenção que, no caso das três teses de doutorado distribuídas entre três diferentes docentes que pertencem a programas distintos[20], trata-se da orientação de alunos que realizaram sua formação anterior, em nível de graduação ou de mestrado, em outras instituições, o que pode significar que a busca pela realização de seus estudos doutorais nestes programas também se deveu ao fato de haver pesquisadores considerados referências no campo do ensino das Ciências Sociais, motivando a vinda de estudantes de outras universidades para estes programas de pós-graduação. Ademais, destes três doutorandos, dois deles já haviam pesquisado o ensino de Ciências Sociais no mestrado, e o terceiro havia pesquisado questões relacionadas à educação.

Observando os Lattes também daqueles que foram ou são orientandos destes pesquisadores, uma questão interessante emerge: em alguns casos, os mestrandos e doutorandos foram também bolsistas durante a graduação de projetos ligados ao ensino de Ciências Sociais, especialmente do PIBID. Isso significa que está em curso o processo de elaboração de um habitus científico que reconhece o ensino de Ciências Sociais como um objeto relevante, que merece ser pesquisado.

Para compreender esse processo, é necessário levar em consideração determinadas características presentes nestes programas desenvolvidos na graduação, tais como:

(...) o longo período que se passa no interior da universidade, o contato próximo e regular com os membros do grupo (professores e pós-graduandos), e a internalização de certas posturas e competências, muitas vezes transmitidas de modo implícito ou sutil - formam um ambiente propício ao desenvolvimento de um habitus acadêmico-científico. E é justamente esse habitus que orienta os estudantes em direção à pós-graduação, ao mesmo tempo em que funciona como um “senso de jogo” que permite ao indivíduo agir de maneira a obter o êxito. (NOGUEIRA; CANAAN, 2009, p. 67)

Apesar do trabalho de Nogueira e Canaan se referir ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), em algum grau ele pode também ser aplicado à realidade de estudantes que participam de outros programas, tais como o PIBID. Há de se considerar, portanto, que, para este habitus acadêmico-científico, a existência de docentes em pós-graduação desenvolvendo pesquisas, publicando e orientando em determinada área de conhecimento é fundamental para a construção de disposições sociais que percebem o ensino como um objeto de pesquisa relevante no campo das Ciências Sociais.

Sendo assim, ao mesmo tempo em que o processo de ensino, pesquisa, produção e orientação destes docentes é condicionado pela estrutura do campo acadêmico, e pelas hierarquias nele existentes, ele também é estruturante e condiciona as práticas de outros agentes, como no caso daqueles que buscam desenvolver seus estudos de pós-graduação explorando o tema do ensino.

Considerações Finais

O trabalho aqui presente lança luz sobre alguns aspectos ainda pouco explorados no campo do Ensino das Ciências Sociais, pois, ainda que os balanços realizados tenham possibilitado que vislumbremos a dimensão quantitativa da produção acumulada, pouco tem sido problematizado em torno da real capacidade desta produção alterar o status do ensino no campo das Ciências Sociais brasileiras.

Ainda que não estejamos aqui analisando o cenário nacional como um todo, pensar o ensino de Ciências Sociais a partir dos programas e dos pesquisadores do Sul do Brasil mostra-se como um locus privilegiado para a realização desta análise, considerando a proeminência que estes agentes alcançaram em termos nacionais.

Observou-se que a ausência de linhas de pesquisa específicas no campo da educação na maior parte dos programas não inviabilizou o desenvolvimento de investigações em nível de mestrado e de doutorado envolvendo este tema, o que fora garantido pelos pesquisadores inseridos nestes programas.

O interesse dos docentes pelo tema do ensino pode ser explicado pelo processo de construção de determinadas disposições sociais (habitus), que incluem para alguns o desenvolvimento de pesquisas relacionadas à educação durante a formação acadêmica e/ou a atuação anterior na educação básica, ou ainda a inserção em determinadas atividades universitárias, como coordenação de projeto PIBID e/ou de curso licenciatura, ou ainda a atuação junto a disciplinas específicas dos cursos de formação de professores. Isto tem se desdobrado na inserção destes agentes em outros espaços, como sociedades científicas e fóruns acadêmicos específicos.

Destaca-se ainda que, no terreno das disputas em campo, as produções coletivas ganham visibilidade, tanto através das coletâneas quanto dos dossiês temáticos, demandando destes agentes não apenas competência científica como também social, para construir redes de pesquisadores que colaborem entre si nestas produções. Por outro lado, o mesmo processo revela a dificuldade encontrada de inserção da produção relativa ao ensino nos periódicos da área na modalidade “demanda contínua”, o que pode indicar a perduração do status do ensino no campo das Ciências Sociais.

Também foi verificada a existência de um número significativo de trabalhos orientados em nível de pós-graduação envolvendo o ensino, de tal modo que podemos supor que a atratividade de alunos para a realização de estudos em nível de pós-graduação reflete, em algum grau, o êxito nas estratégias acadêmicas adotadas por estes agentes, o que inclui o desenvolvimento de pesquisas na área do ensino de Ciências Sociais, participação em fóruns, congressos e atividades diversas de sociedades científicas, publicação de trabalhos, especialmente aqueles de natureza coletiva etc.

As disputas estão postas no campo e, evidentemente, os agentes encontram-se engajados nelas. A temática do ensino segue-se periférica na agenda de pesquisa das Ciências Sociais brasileiras, entretanto, este é um cenário dinâmico e que tem se alterado sensivelmente nos últimos anos; assim, tendo em vista a próxima geração de pesquisadores que vêm sendo formados inseridos nesta discussão, é possível supor que nos próximos anos a comunidade de pares nesta área será ampliada e possivelmente passará a ocupar novas posições no campo.

Material suplementar
Referências bibliográficas
AZEVEDO, Gustavo Cravo. (2015), A trajetória do PL 3.178/1997 no Congresso Nacional: o discurso dos parlamentares, dos não especialistas, na defesa da presença da sociologia no ensino médio. In: OLIVEIRA, Evelina; OLIVEIRA, Amurabi. Ciências sociais e Educação. um reencontro marcado. 1 ed. Maceió: EDUFAL. pp. 61-79.
BODART, Cristiano; CIGALES, Marcelo. (2017), Ensino de Sociologia no Brasil (1993-2015): um estado da arte na pós-graduação. Revista de Ciências Sociais, v. 48, n. 2, pp. 256-281.
BOURDIEU, Pierre. (2004), Coisas ditas. 1 ed. São Paulo: Editora brasiliense.
BOURDIEU, Pierre. (2011), Homo academicus. 1 ed. Florianópolis: EDUFSC.
BOURDIEU, Pierre. (2005), O poder simbólico. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
BOURDIEU, Pierre. (2009), O senso prático. 1 ed. Petrópolis: Vozes.
BOURDIEU, Pierre. (2001), Para uma sociologia da ciência. 1 ed. Lisboa: Edições 70.
BOURDIEU, Pierre. (1996), Razões práticas. 7 ed. Campinas: Papirus.
CAREGNATO, Célia Elizabete; CORDEIRO, Victoria Carvalho. (2014), Campo científico-acadêmico e a disciplina sociologia na escola. Educação & realidade, v. 39, n. 1, pp. 39-57.
ERAS, Ligia; OLIVEIRA, Ricardo Costa. (2015), Uma sociologia dos livros coletâneas sobre o ensino de sociologia na educação básica (2008-2013). In: OLIVEIRA, Evelina; OLIVEIRA, Amurabi. Ciências sociais e educação.um reencontro marcado. Maceió: EDUFAL. pp. 81-101.
HANDFAS, Anita. (2017), As pesquisas sobre o ensino de sociologia na educação básica. In: SILVA, Ileizi; GONÇALVES, Danyelle Nilin. Sociologia na educação básica. São Paulo: Annablume. pp. 367-385.
LIEDKE FILHO, Enno. (2005), A sociologia no Brasil: história, teorias e desafios. Sociologias, v. 7, n. 14, pp. 376-436.
LIMA, Jacob Carlos; CORTES, Soraya Maria Vargas. (2013), A sociologia no Brasil e a interdisciplinaridade nas ciências sociais. Civitas, v. 13, n. 3, pp. 416-435.
MELO, Manuel Palácios da Cunha. (1999), Quem explica o Brasil?. 1 ed. Juiz de Fora: EDUFJF.
MEUCCI, Simone. (2015), Artesania da sociologia no Brasil. contribuições e interpretações de Gilberto Freyre. 1 ed. Curitiba: Appris.
MEUCCI, Simone. (2011), Institucionalização da sociologia no Brasil: primeiros manuais e cursos. 1 ed. São Paulo: Hucietec; Fapesc.
NOGUEIRA, Maria Alice; CANAAN, Mariana Gadoni. (2009), Os “iniciados”: os bolsistas de iniciação científica e suas trajetórias acadêmicas. Tomo, s/v, n. 15, pp. 41-70.
PINTO, Costa; CARNEIRO, Edison. (1955), As ciências sociais no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: CAPES (Série Estudos e Ensaios, nº 6).
OLIVEIRA, Amurabi. (2016), A expansão dos cursos de formação de professores de ciências sociais na região Sul do Brasil. Revista Brasileira de Sociologia, v. 4, n. 7, pp. 241-264.
OLIVEIRA, Amurabi; SILVA, Camila. (2016), A sociologia, os sociólogos e a educação no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 31, n. 9, pp. 1-15.
SANTOS, Mario Bispo. (2017), O PIBID na área de ciências sociais: da formação do sociólogo à formação do professor de sociologia. Tese de Doutorado em Sociologia – Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Brasília: Universidade de Brasília.
SILVA, Ileizi F. (2016), Das fronteiras entre ciência e educação escolar: as configurações do ensino das Ciências Sociais/Sociologia no Estado do Paraná (1970-2002). 1 ed. Porto Alegre: CirKula.
WEBER, Silke. (1992), A produção recente na área de educação. Cadernos de Pesquisa, s/v, n. 81, pp. 22-32.
WEBER, Silke. (1996), O professorado e o papel da educação na sociedade. 1 ed. Campinas: Papirus.
Notas
Notas
[1] Introdução realizada através da Lei nº 11.684/08. Para um melhor exame do percurso dessa introdução no nível da legislação, vide o trabalho de Cravo Azevedo (2015).
[2] Inicialmente estabelecida através da Medida Provisória nº 476 de 2016, convertida na Lei nº 13.415/17.
[3] Como no caso brasileiro a formação de professores para o ensino desta disciplina se dá nos cursos de Ciências Sociais, englobando também uma formação em Antropologia e Ciência Política, além da Sociologia, utilizaremos neste texto os termos “ensino de Sociologia” e “ensino de Ciências Sociais”, quando nos referirmos à educação básica, como sinônimos, inclusive por compreendermos que o ensino da disciplina Sociologia engloba os conhecimentos das Ciências Sociais.
[4] Mestrado profissional na área de Ciências Sociais de caráter semipresencial em rede que inclui as seguintes instituições: FUNDAJ, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Universidade do Vale do Acaraú (UVA), Universidade Estadual Paulista (UNESP – Marília), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Estadual de Maringá (UEM), Universidade Federal do Paraná (UFPR).
[5] Incluem-se aqui não apenas os programas que possuem essa denominação, como também os de Antropologia, Ciência Política, Sociologia e Sociologia Política.
[6] Foram criados, em 1933, o curso de Ciências Sociais da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP), e, em 1934, o da Universidade de São Paulo (USP), sendo o da UDF, portanto, o terceiro criado no Brasil nesta área de conhecimento.
[7] Uma das poucas exceções deste período foi Gilberto Freyre (1900-1987), como indica o tralho de Meucci (2011), que, apesar de possuir título de graduação ou mestrado em Ciências Sociais, realizou, durante seus estudos de mestrado na Universidade de Colúmbia, cursos nos departamentos de Sociologia e de Antropologia desta instituição.
[8] Considerando as áreas de avaliação da CAPES, haveria ainda outros programas, tais como: políticas públicas, integração contemporânea na América Latina etc., todavia, centramos nossa análise exclusivamente naqueles que oferecem formação disciplinar no campo das Ciências Sociais. Também deve-se considerar que estes dados se referem aos programas avaliados no último quadriênio (2013-2016).
[9] No caso da UFPEL, havia um Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, cujas atividades iniciaram em 2006, tendo se desdobrado nesses três diferentes programas.
[10] Em 1978, foi criado o mestrado em Ciências Sociais, que posteriormente deu origem, em 1985, para os mestrados de Antropologia Social e de Sociologia Política.
[11] O Laboratório Interdisciplinar de Ensino de Filosofia e Sociologia (UFSC) e o Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de Sociologia (LENPES).
[12] São inúmeras as disciplinas que são lecionadas exclusivamente na licenciatura, que envolvem desde disciplinas com caráter mais teórico, como Sociologia da Educação, Antropologia da Educação, Sociologia no Ensino Médio, passando por aquelas que se relacionam mais diretamente à prática, tais como Metodologia de Ensino em Ciências Sociais, Estágio Supervisionado, Prática de Ensino etc.
[13] O professor em questão é docente da UFRGS, na sua Faculdade de Educação, todavia é indicado como professor visitante no PPGS da UFPEL; todos os demais ocupam o lugar de professores permanentes em seus programas de pós-graduação.
[14] Em dois casos, houve a realização de um mestrado em educação.
[15] Sistema de avaliação de periódicos mantido pela CAPES, no qual há oito níveis de classificação, havendo comitês organizados por áreas de conhecimento, que refletem a organização das próprias áreas dos programas de pós-graduação, de modo que o periódico pode ser avaliado por distintas áreas e receber notas diferentes a depender dos critérios adotados por cada um dos comitês.
[16] Em alguns casos, dois ou mais pesquisadores são organizadores de tais coletâneas, incluindo aí pesquisadores que estão neste grupo analisado.
[17] Destacam-se aqui o Congresso Brasileiro de Sociologia, a Reunião Brasileira de Antropologia, o Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política e o Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais.
[18] Vale a pena dar relevo neste caso à participação de acadêmicos no chamado Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que se caracteriza como uma política de Estado de avaliação, seleção e distribuição de livros didáticos em escolas públicas, na qual a Sociologia passou a atuar a partir de 2012.
[19] Tratam-se dos dossiês publicados na revista Educação e Realidade (v. 39, n. 1, 2014), e na Revista Brasileira de Sociologia (v. 2, n. 3, 2014). Apesar de não ter sido citado pelos autores, também a revista Ciências Sociais (UNISINOS) organizou um dossiê sobre o tema. Estas três revistas são Qualis A2 na área de Sociologia.
[20] PPGS/UFPR, PPGSP/UFSC, PPGAS/UFSC.
Quadro 1
Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais na Região Sul

(2017)
Quadro 2
formação doutoral dos pesquisadores[13]

Autores (2017)
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc