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Recepção: 01 Julho 2018
Aprovação: 11 Setembro 2018
DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.419
Resumo: Este artigo conta a história de como um corpo de conhecimento que sequer se pretende “científico”, a Teologia do Novo Testamento, conseguiu estabelecer uma agenda de investigação comum de uma forma que dificilmente pode ser vista (se é que o pode!) no pensamento sociológico. Usualmente se diz que o conhecimento sociológico tende a se fragmentar em razão de não poder contar com um núcleo duro de generalizações empíricas e de concepções aceitas de forma consensual. Pois na Teologia do Novo Testamento falta tanto uma coisa quanto a outra e, não obstante, essa disciplina não se fragmenta em “escolas de pensamento” ou “paradigmas” que mal tomam conhecimento da existência uns dos outros, como ocorre na teoria sociológica, nas abordagens sociológicas sobre a modernidade, na sociologia do conhecimento e em muitas outras áreas do conhecimento sociológico.
Palavras-chave: “Principados” teóricos, Fragmentação do conhecimento sociológico, Paradigmas sociológicos, Teologia do Novo Testamento, Nova Perspectiva sobre Paulo.
Keywords: Theoretical “principalities”, Fragmentation of sociological knowledge, Sociological paradigms, Theology of the New Testament, New Perspective on Paul
Introdução
Nesse artigo pretendemos contar a história de como um corpo de conhecimento que sequer se pretende “científico” conseguiu estabelecer uma agenda de investigação comum de uma forma que dificilmente pode ser vista (se é que o pode!) no pensamento sociológico. Para nos fazer entender, solicitamos ao leitor que considere um dos principais temas a que o pensamento sociológico se dedica: a “modernidade”. Sabemos que nas últimas décadas foram produzidas muitas abordagens sociológicas sobre esse tema. Ocorre, entretanto, que essas abordagens mal tomaram conhecimento da existência umas das outras. Tomemos, por ora, dois exemplos: Jean Comaroff, figura-chave da abordagem dita “neocolonial”, e Shmuel Eisenstadt, figura-chave da abordagem das “múltiplas modernidades”. Apesar de ambos estarem interessados, sobretudo, em compreender a natureza desse fenômeno usualmente chamado de “modernidade”, nem que seja para colocar em xeque o próprio pressuposto de que existe um fenômeno ao qual podemos, sem maiores ressalvas, chamar de “modernidade”, nenhuma interlocução há entre eles. Eisenstadt e Comaroff simplesmente não tomam conhecimento da existência um do outro.
Na verdade, para quem está familiarizado com a discussão a respeito da fragmentação do conhecimento sociológico nada há de surpreendente em constatar um desconhecimento mútuo dessa natureza. Para um autor como Jeffrey Alexander, por exemplo, o fato de na sociologia qualquer tema (seja a modernidade ou qualquer outro) ser abordado por “escolas” que mal tomam conhecimento da existência umas das outras se explicaria facilmente pelo próprio caráter ideológico dos conceitos sociológicos. Com efeito, não há como negar o caráter ideológico de um conceito como o de “modernidade”. Para nos limitarmos ao modo como a sociologia clássica concebia o fenômeno ao qual ele presumivelmente se refere, lembremo-nos de que, enquanto Marx o via como o último estágio da longa e tortuosa marcha do ser humano em direção ao processo revolucionário que em um futuro não muito distante o livraria das mazelas sociais, Durkheim o via como a feliz culminação de um processo social no qual a ruptura revolucionária não teria qualquer papel a cumprir e Weber, em contraste com ambos, como uma encrenca em que inadvertidamente nos metemos e da qual dificilmente conseguiremos sair. Conceitos que se prestam a divergências dessa natureza parecem mesmo ter sido talhados para “segmentar”, ou “fragmentar”, o conhecimento. Some-se a isso a impossibilidade, peculiar ao conhecimento sociológico, de contar com leis gerais, sistemas dedutivos e “peças específicas de evidência empírica”, para falar com o próprio Alexander (1987), e a conclusão parece inescapável: é da natureza da sociologia se fragmentar em “escolas de pensamento”; em ser uma ciência “multiparadigmática”. Nessas circunstâncias, não há mesmo por que esperar o estabelecimento de alguma agenda comum de discussão e, muito menos, de investigação, nas diferentes sub-áreas dessa disciplina.
Se é mesmo da natureza da sociologia ser uma ciência “multiparadigmática” não importa discutir aqui. Importa argumentar, entretanto, que, caso isso seja verdade, a razão não reside nos argumentos apresentados por Alexander. Um contra-exemplo pode esclarecer isto. Consideremos um tema como a teologia Paulina. Tanto quanto a modernidade, o significado teológico dos escritos do apóstolo Paulo é objeto das mais espinhosas controvérsias e essas não podem ser dirimidas pelo apelo a evidências empíricas. Na verdade, elas não podem ser dirimidas. No entanto, a discussão sobre esse tema não se fragmenta em múltiplos “paradigmas” ou escolas estanques de pensamento. Embora haja figuras consensualmente reconhecidas como exponenciais nessa área de estudos, nenhuma delas é uma “figura-chave” de alguma “escola de pensamento” em particular. Conforme veremos, os grandes estudiosos da teologia Paulina não podem se dar ao luxo de se fechar em algum “paradigma” e desconhecer o que se passa fora dos seus contornos. Isto sugere que, se um tema como a modernidade, como tantos outros no pensamento sociológico, tem sido abordado por diversas “perspectivas teóricas”, ou por sistemas teóricos que mal tomam conhecimento da existência uns dos outros; se a abordagem desse tema, como a de tantos outros, longe de conduzir, quer a um esforço bem sucedido de síntese, como ocorre nas ciências naturais, quer a uma agenda comum de investigação e de discussão, como ocorre (conforme veremos) na teologia, tem conduzido, para falar com Robert Merton, a uma “balcanização” da sociologia (MERTON, 1968), isso nada tem a ver com certas peculiaridades corretamente atribuídas a esta disciplina.
Sim, na sociologia a validação do conhecimento geralmente não se dá, como nas ciências naturais, em um plano “empírico-factual”, mas em um plano “lógico-discursivo” (ALEXANDER, 1987); sim, falta-lhe, na maior parte das vezes, um “núcleo duro”, por assim dizer, de pressupostos teóricos e de generalizações empíricas consensualmente aceitos como válidos; sim, nessa disciplina não há como recorrer sistematicamente a testes empíricos e, sim, seus conceitos têm muitas vezes um “caráter ideológico”; mas todos esses “sins” não explicam a fragmentação do conhecimento sociológico em diversos “principados”, cada qual regido por seu próprio “sistema teórico” – para relembrar a célebre metáfora de Merton (1968, p. 62). Tanto quanto a sociologia, a teologia não dispõe e jamais poderá dispor de alguma “síntese teórica” nos moldes das existentes nas ciências naturais, não conta e jamais poderá contar com leis gerais nem com testes empíricos sistemáticos e, em conexão com tudo isso, o caráter ideológico de seus conceitos é, de um modo geral, tão ou mais pronunciado que na sociologia, mas, não obstante tudo isso, essa disciplina conseguiu estabelecer pelo menos uma agenda de investigação e de discussão comum, de forma tal que o conhecimento por ela produzido não se fragmenta em “principados” alheios ao que se investiga ou se discute fora dos seus próprios “domínios”. Neste artigo procuramos mostrar que agenda é essa e como ela pôde se estabelecer. Antes, entretanto, é bom que se esclareça que a teologia não é uma disciplina que pressupõe necessariamente compromisso com dogmas religiosos. Ela tem seu leque particular de temas de investigação como qualquer disciplina consensualmente reconhecida como científica. São exemplos de temas de investigação nessa disciplina: a Cristologia do evangelho de João, a relação entre os chamados Antigo Testamento e Novo Testamento, o gênero apocalíptico no livro do profeta Daniel, a doutrina da criação no Gênesis, as interpretações dos escritos de Paulo etc. Feito o esclarecimento, podemos ir adiante.
Conforme veremos, embora a teologia tenha todas as características listadas acima, há um fator que, estando presente, impõe aos estudiosos dos mais diferentes matizes uma agenda comum de investigação e de discussão. Este fator é a existência de algum problema ou enigma específico, tal como o que será apresentado ao leitor na próxima sessão. Talvez seja conveniente explicitar que não é privilégio da teologia apresentar problemas específicos ou desafiadores capazes de estabelecer uma agenda de investigação comum. Na biologia, por exemplo, toda uma agenda de discussão comum se estabeleceu entre biólogos de diferentes perspectivas teóricas e sub-disciplinares (embriologia, genética e evolução) nas últimas décadas a partir de um enigma que pode ser descrito nos seguintes termos: como um ovo fertilizado se segmenta?[1] Da mesma forma, a psicanálise seria inconcebível sem um enigma como o da paciente de Freud que sentia dormência no braço e tinha aversão à água sem que nada do ponto de vista clínico justificasse esses sintomas. Se nada havia de errado do ponto de vista neurológico ou circulatório, por que diabos a jovem sentia forte dormência em um dos braços? É justamente um enigma da natureza dos acima descritos que está ausente, por exemplo, nas mais variadas contribuições sociológicas para a abordagem de um tema como a modernidade; um paradoxo ou desafio específico que imponha, a todos os estudiosos do tema, a busca de uma solução. Conforme veremos na próxima sessão, no terreno teológico há críticas a concepções estabelecidas que conduzem a enigmas ou desafios dessa natureza. Cumpre-nos, então, a tarefa de apresentar ao leitor uma dessas críticas e o desafio ou enigma específico ao qual ela acabou por conduzir. É o que faremos na próxima sessão. Mostraremos como um enigma específico, relacionado ao modo como o apóstolo Paulo se relacionava com sua religião avita, o judaísmo, emergiu no pensamento teológico, mais precisamente, em uma área temática conhecida como “Teologia do Novo Testamento”. Identificado o enigma, cumpre-nos uma segunda tarefa: a de mostrar a agenda de discussão e de investigação comum que o mesmo impôs aos estudiosos do tema, independentemente de suas filiações “teóricas”, “ideológicas”, institucionais ou denominacionais.
Isto será feito na sessão 2.
1 O surgimento de uma agenda comum de discussão e investigação: a Nova Perspectiva sobre Paulo (NPP)
A partir dos anos de 1960, teve início um processo de revisão radical do modo como a tradição exegética protestante interpretava, desde os escritos de Lutero, as cartas do apóstolo Paulo. Esse processo conduziu, quase duas décadas mais tarde, ao surgimento de um enigma específico que se impôs a todos os estudiosos do assunto. O início de tudo pode ser creditado ao trabalho do teólogo sueco Kristen Stendhal, que, em um artigo intitulado The apostle Paul and the Introspective Conscience of the West, publicado em 1963, formulou uma crítica devastadora à interpretação de Lutero da doutrina Paulina. De acordo com Lutero, os escritos de Paulo estavam endereçados à questão de como o ser humano pode assegurar a salvação de sua alma. A resposta, segundo ele, residia na “doutrina da justificação pela fé”, o articulus stantis et cadentis ecclesiae - “o artigo sobre o qual a Igreja permanece ou cai”. Para Lutero e toda uma tradição de exegese bíblica que remonta ao pensamento de Santo Agostinho, o termo “justificação” se refere ao ato de um pecador ser declarado “justo”, ou “inocente”, a despeito de seus pecados e, nessa condição de “inocente”, ou “imaculado”, estar pronto para ser aceito no “reino de Deus”.
A doutrina de que o homem é “justificado pela fé” foi desenvolvida a partir da leitura das cartas de Paulo, em especial a Epístola aos Romanos, em que se lê no capítulo 3, versículo 28, que “o homem é justificado pele fé, independente das obras da Lei”; e a Epístola aos Gálatas, em que se lê, no capítulo 2, versículo 16, “sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da Lei e, sim, mediante a fé em Jesus Cristo, também temos crido em Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da Lei, pois por obras da Lei ninguém será justificado”. Para Lutero, esses versículos revelavam a aversão de Paulo ao legalismo judaico, isto é, à concepção segundo a qual a via de acesso à salvação era a submissão à circuncisão e às normas de conduta prescritas pela Torá (o livro sagrado dos judeus). Assim, ao comentar a carta de Paulo aos Gálatas, Lutero afirma:
Estes [os rivais de Paulo] ensinaram que, além da fé em Cristo, as obras da Lei divina [isto é, a submissão às normas ditadas pela Torá] seriam necessárias para a salvação. [...] Por essa razão, o apóstolo investe contra eles tão acerbamente, chamando-os de perturbadores das igrejas, porque, além da fé em Cristo, ensinavam que a circuncisão e a observação da Lei seriam necessárias para a salvação. [...] Os pseudo-apóstolos, portanto, com grande empenho e obstinação, insistiram na Lei [Torá], aos quais, sem demora, juntaram-se judeus obstinados que sustentavam que a Lei devia ser guardada. Persuadiram, então, os que estavam pouco firmes na fé, que Paulo não era um verdadeiro mestre, porque negligenciava a Lei. (LUTERO, [1531]2008, p. 72).
A história do enigma de que aqui nos ocupamos tem início quando Stendhal, em seu citado artigo, se insurge contra toda essa linha de raciocínio. Ele argumentou que Lutero, ao interpretar os escritos de Paulo como uma luta contra o legalismo judaico, estava apenas projetando, nesses escritos, sua própria luta pessoal contra o pecado, manifesta em suas divergências pessoais com a Igreja Católica. Esta ensinava que a estrada real para a salvação era a realização das “boas obras”. Vendo-se incapaz de realizá-las, Lutero enxergou nas cartas do Apóstolo uma oportunidade para solucionar o seu próprio problema: da mesma forma que Paulo havia se recusado a aceitar o (suposto) preceito legalista judaico de que o homem deve realizar as “obras da Lei”, ele, Lutero, em estrita analogia ao que Paulo fizera, recusar-se-ia a aceitar o preceito católico de que o homem deve realizar “boas obras”. Foi esta recusa que, em última análise, o teria levado a postular que para Paulo a “justificação” seria obtida pela fé, independentemente das “boas obras” (como, por exemplo, a caridade).
Nessa linha de raciocínio, a interpretação de Lutero se limitava a exprimir a “consciência introspectiva do Ocidente”: à guisa de interpretar as cartas de Paulo, argumenta Stendhal, Lutero tão somente manifestava a preocupação egoísta, típica do “Ocidente”, com o destino pessoal no “outro mundo”. Paulo, na verdade, jamais esteve preocupado com isso, e Lutero, ao ler as cartas de Paulo como se fosse esta a sua preocupação, teria influenciado de forma equivocada não só a Calvino, mas a toda uma tradição exegética que ainda estava em vigor em pleno séc. XX, da qual faziam parte teólogos da estatura de Karl Barth e Rudolf Bultmann.
Quer seja essa crítica pertinente ou não, ela significou uma reviravolta nos estudos Paulinos, a qual viria a ganhar, cerca de duas décadas mais tarde, uma designação especial, The New Perspective on Paul (NPP), após a publicação, em 1983, de um artigo acadêmico com esse título. O autor, o teólogo anglicano James Dunn, a quem retornaremos de forma mais detida na próxima sessão, é ainda hoje reconhecido como um dos mais destacados estudiosos do Novo Testamento da segunda metade do séc. XX. A “Nova Perspectiva sobre Paulo”, ou, simplesmente, “Nova Perspectiva”, como posteriormente viria a ser chamada, não ficou restrita a um grupo de admiradores de Stendhal e Dunn. Não se limitou a ser um “principado” teológico, em meio a tantos outros, para mais uma vez relembrar a esplêndida metáfora de Merton. Ela foi assimilada por todos os estudiosos do Novo Testamento, mesmo por aqueles que têm sérias reservas à crítica de Stendhal à tradição exegética protestante e, passados quase 35 anos desde que Dunn publicou o referido artigo, não há estudioso do assunto que possa ignorá-la. A Nova Perspectiva, sem aspas, longe de se tornar um “principado”, ou uma “república balcânica”, tornou-se uma agenda de discussão e de investigação comum. Mas, por quê? Por que em áreas temáticas da teologia se pode levar a sério a ideia de que há mesmo uma Nova Perspectiva, com N e P maiúsculos e sem aspas, sobre o tema em discussão, de uma forma que não se vê nas diferentes áreas temáticas da sociologia? Por que, em outras palavras, a avalanche de críticas dirigidas ao esforço pioneiro de síntese teórica empreendido por Parsons não conduziu a algo como uma Nova Perspectiva Teórica (NPT), nem a rejeição da chamada “teoria funcionalista da modernização”, que dominou o cenário acadêmico nas décadas de 1950 e de 1960, conduziu a uma única Nova Perspectiva sobre a Modernidade (NPM), no mesmo sentido em que a rejeição da tradição exegética luterana sobre os escritos Paulinos conduziu à Nova Perspectiva sobre Paulo (NPP)? Oferecer uma resposta para essa questão é compreender por que o conhecimento teológico não se fragmenta em escolas estanques apesar de estar envolto em um oceano de discordâncias.
A resposta que temos a oferecer é a seguinte: não há uma NPT nem uma NPM porque, diferentemente do que ocorre nos esforços de síntese teórica que não conduziram a uma “NPT” e do que ocorre nos estudos sobre a modernidade que não conduziram a uma “NPM”, nos estudos sobre o Novo Testamento, uma mesma questão veio a se impor a todos os estudiosos da área a partir da formulação de uma crítica a uma tese que havia sido formulada há mais de quatro séculos e cuja validade jamais havia sido posta seriamente em xeque desde então. A crítica foi a de Stendhal, a tese, a de Lutero, e a questão que veio a se impor pode ser resumida nos seguintes termos: se o objetivo da pregação de Paulo não era mostrar aos prosélitos o que fazer para obter a salvação no “outro mundo”, qual seria, então, o significado teológico do seu trabalho missionário e qual o significado de suas cartas para o cristianismo?
Uma pergunta de natureza genérica como essa pode se desdobrar em várias perguntas específicas, e uma pergunta específica particularmente desafiadora veio a ser formulada em 1977 pelo teólogo protestante E. P. Sanders, através de seu livro Paul and Palestine Judaism. Com efeito, esse livro trouxe para a exegese dos escritos de Paulo um desafio que se tornou incontornável para todos os estudiosos da área. Assim é que, passados 21 anos de sua publicação, o citado teólogo James Dunn se viu impelido a escrever um outro livro, agora com mais de oitocentas páginas, para se haver com esse desafio (DUNN, 1998). Saibamos, então, do que se trata. Saibamos o que o livro de Sanders acrescentou a ponto de levar um outro teólogo da mais elevada estatura, Donald A. Hagner, a afirmar, em 1993, que esse livro provocou uma “revolução coperniciana” nos estudos de Paulo (HAGNER, 2001). Qual foi o desafio, trazido por Sanders, responsável por esse “terremoto” na teologia do Novo Testamento, como viria a dizer, em 2004, o teólogo sueco Daniel Marguerat (2011, p. 11)? Que enigma ou desafio, afinal de contas, reuniu em torno de si teólogos de diferentes matizes e escolas de pensamento em busca de uma solução, constituindo, dessa forma, essa agenda comum de discussão e de investigação que é até hoje conhecida pelo nome de a Nova Perspectiva sobre Paulo?
Toda a linha de argumentação e interpretação da tradição exegética protestante se sustenta, conforme vimos, sobre a premissa de que o judaísmo da época de Paulo era uma religião legalista. Para interpretar os escritos de Paulo da forma como Lutero e todo o pensamento protestante até meados do séc. XX o fizeram, seria necessário pressupor que existe um interlocutor legalista contra o qual Paulo argumenta que somos “justificados pela fé” e não pelas “obras da Lei”. Se, porventura, fosse abalado o pressuposto de que o judaísmo na época de Paulo não vinculava a aceitação do ser humano por Deus ao cumprimento da Lei, aqui entendida como o modo de ser e viver prescrito pela Torá, seria necessário reinterpretar os escritos de Paulo. É de certa forma isso que a Nova Perspectiva vai demandar: uma revisão das características da religião judaica com a qual Paulo havia dialogado e a exploração de todas as implicações dessa revisão.
Já, no início do século XX, diversos estudiosos colocaram em questão, através de novos achados arqueológicos e um maior diálogo com os estudos promovidos por pensadores judeus, a imagem que o protestantismo mais tradicional tinha sobre o judaísmo, de tal forma que ficou difícil sustentar que para um judeu do tempo de Paulo a salvação decorreria do cumprimento da Lei judaica. E. P. Sanders foi um dos principais autores a chamar a atenção para isso (DUNN, 2011, p. 33). Ele não foi o único nem o primeiro a fazê-lo, mas, de acordo com James Dunn, os protestos dos que vieram antes de Sanders não foram ouvidos.
A novidade introduzida por Sanders pode ser melhor entendida se tivermos em conta a seguinte crítica a Paulo formulada pelo teólogo protestante Lloyd Gaston:
A ideia de que Paulo teria abolido a Lei é o que mais tem aborrecido não só os intérpretes judeus, mas a quem quer que tenha algum conhecimento sobre o conceito de Torá [Lei] nos escritos judaicos. Não é tanto a invectiva de Paulo o que incomoda, mas sua ignorância. Para quem compreende o judaísmo rabínico, os ataques de Paulo [ao suposto legalismo judaico] são não apenas injustos, mas totalmente fora de propósito. Os rabinos nunca falam da Torá como um meio de salvação, e quando falam em salvação, se é que o fazem, o modo da Torá, “que é a vossa vida” (Dt: 32:47), é esta salvação. O zelo ético dos rabinos torna-se ainda mais fervoroso em razão de acreditarem que os mandamentos expressam a vontade de Deus para o bem de Israel, mas eles jamais podem, por isto, ser tachados de legalistas. (GASTON, 1987, p. 18).
A novidade introduzida por Sanders está em mostrar que Paulo não desconhecia os ensinamentos rabínicos acima mencionados. Paulo não era o “ignorante” que Gaston supunha ser. Gaston, como Sanders, contrariou toda uma tradição exegética que atribuía ao judaísmo dos tempos de Paulo um caráter legalista, mas Sanders acrescentou que Paulo, bom judeu que era, sabia muito bem que a religião judaica não tinha esse caráter. Nessa perspectiva, ao contrário do que supunha Gaston, o alvo do ataque de Paulo em suas pregações não era o legalismo judaico. Qual teria sido, então? Se Paulo sabia que o judaísmo não era uma religião legalista, se ele sabia que “os rabinos nunca falavam da Torá (Lei) como um meio de salvação”, se ele sabia que todos sabiam que a salvação nada tem a ver com a submissão à circuncisão, às restrições dietárias e às datas festivas do calendário judaico, se ele sabia que “salvação” não era um tema relevante para a doutrina rabínica, se ele sabia de tudo isto, que diabos, então, ele queria dizer ao afirmar, em vários momentos, que “a justificação é pela fé e não pelas obras da Lei”? Se Paulo, com essas palavras, não estava enfrentando o legalismo judaico, posto que nem mesmo os judeus eram legalistas, o que ele estava enfrentando afinal de contas? Por que Paulo insistia em pregar que a salvação “não é pelas obras da Lei” se não havia quem sustentasse que fosse?
Eis, aí, o enigma específico a que a crítica de Stendhal ao pensamento de Lutero acabou por conduzir. Esse enigma, conforme veremos, impôs aos estudiosos do assunto, a começar pelo próprio Sanders, a busca de uma solução. A solução oferecida pelo próprio Sanders é a de que os judeus não eram legalistas, mas “nomistas”, isto é, seguiam, sim, as prescrições da Torá, mas não por entenderem que agindo assim assegurariam a salvação. Esta já estava assegurada pela aliança que haviam feito com Deus, por meio do patriarca Abrahão, conforme consta no livro do Gênesis[2]. Se seguiam a Torá (Lei) é porque acreditavam ser essa a condição para a permanência nessa aliança. Quer seja boa ou ruim, esta solução abriu um campo formidável de inquirições e investigações adicionais, conforme veremos na próxima sessão. Nesse sentido, o lugar de Sanders na Nova Perspectiva não se restringe à solução que ele ofereceu para o referido enigma, conforme deixa claro o excerto abaixo, mais uma vez de James Dunn:
Ele [Sanders] chamou a atenção para algo que não era tão novo em si mesmo - o caráter do judaísmo palestinense como sistema religioso postulado pela iniciativa da graça divina, mas fez isso com tal efeito que ninguém que alimente aspirações sérias de entender os primórdios cristãos em geral ou a teologia Paulina em particular pode agora continuar ignorando o contraste agudo que ele estabeleceu entre sua exposição do judaísmo palestinense e as reconstruções tradicionais do judaísmo na teologia cristã. Nada se tornou mais necessário que a reavaliação completa do relacionamento de Paulo com sua religião avita, para não falar de todas as consequências importantes que seguiram para a nossa compreensão contemporânea de sua teologia. (DUNN, [1998] 2003, p. 30)
Essa passagem mostra com clareza qual foi a demanda imposta, aos estudiosos do Novo Testamento, pelo enigma a que a contribuição de Sanders conduziu: a “reavaliação completa” da relação entre Paulo e o judaísmo, sua “religião avita”. Responder a essa demanda é oferecer uma resposta para a questão mais abrangente que, conforme vimos, confere unidade à Nova Perspectiva - recapitulando: posto que o objetivo da doutrina de Paulo não era mostrar aos prosélitos o que fazer para assegurar a salvação, qual seria, então, o significado teológico de seu trabalho missionário e qual o significado de suas cartas para o cristianismo? É chegado o momento de mostrarmos as diferentes contribuições específicas endereçadas à solução dessa questão.
2 O enfrentamento de um problema comum
Se um tema como a “modernidade” remete, em nossos dias, a nomes como Wallerstein, Eisenstadt e Giddens, um tema como a “exegese do Novo Testamento” remete a nomes como James Dunn, Nicholas T. Wright e Stephen Westerholm. Se os três primeiros nomes não remetem a algo que possa ser chamado de a “Nova Perspectiva sobre a Modernidade”, mas a três “sistemas teóricos” que mal tomam conhecimento da existência uns dos outros, a “teoria do sistema mundial”, a teoria das “múltiplas modernidades” e a “teoria da modernização reflexiva”, os três últimos convergem em uma mesma direção, a Nova Perspectiva sobre Paulo, na medida em que todos os três estão envolvidos em solucionar um mesmo enigma específico que começou a se delinear, conforme vimos, a partir da crítica de Stendhal à interpretação de Lutero dos escritos de Paulo. Há de se registrar que nem em um caso nem no outro a lista se pretende exaustiva, nem, sequer, a que necessariamente faz mais “justiça” ao que de melhor já se produziu nas áreas de estudo em consideração. Não obstante, em ambos os casos não há quem possa contestar a excepcional estatura dos nomes listados.
James Dunn já foi apresentado ao leitor. Entretanto, cabe acrescentar que ele ostenta em seu Curriculum a distinção de ter sido Presidente da Studiorum Novi Testamenti Societas, a mais reconhecida agremiação acadêmica europeia dedicada aos estudos do Novo Testamento. Cabe também informar que, a despeito dos elogios hiperbólicos dirigidos por ele a Sanders, não há qualquer proximidade institucional ou denominacional entre ambos. Nem sequer se pode afirmar que há alguma deferência especial à senioridade de Sanders, que é apenas dois anos mais velho que Dunn. Nascido em 1937, Sanders é norte-americano, protestante liberal e seu principal vínculo institucional é com a Universidade de Duke, Carolina do Norte, enquanto Dunn, nascido em 1939, é britânico, anglicano (como já dito) e professor de Novo Testamento na Faculdade de Durham, Reino Unido.
N. T. Wright, o segundo nome da nossa lista, nasceu em 1948. Ele não ostenta ainda em seu Curriculum uma distinção como a citada, mas, ainda assim, e mesmo a despeito de ser quase dez anos mais jovem, sua estatura acadêmica rivaliza com a de Dunn. Referência obrigatória nos estudos sobre a carta de Paulo aos Romanos, em que aparece de forma particularmente destacada a célebre passagem de que a “justificação” se dá “pela fé”, sua contribuição mais importante reside em seu livro What Saint Paul really said: was Paul of Tarsus the real founder of Christianity?, publicado em 1997. Muito recentemente, em 2013, publicou um livro de mais de 1700 páginas intitulado Paul and the Faithfulness of God, no qual apresenta uma pesquisa detalhada sobre a vida de Paulo, o contexto histórico e religioso no qual ele estava inserido e uma análise de suas cartas contidas no Novo Testamento.
Nosso terceiro herói, o teólogo canadense Stephen Westerholm, não rivaliza em estatura acadêmica com os dois anteriores, mas sua formação filológica faz de sua obra uma das mais relevantes contribuições para os estudos do Novo Testamento das últimas décadas. Westerholm foi trazido à consideração por ser uma das mais importantes vozes discordantes no debate sobre a relação entre Paulo e o judaísmo. Trata-se, entretanto, conforme veremos, de uma discordância que não lhe permite mover-se à margem do objeto da discordância, no caso, a tese de que o judaísmo na época de Paulo era, como havia proposto Sanders, uma religião “nomista”, mas não legalista. Para contestar essa ideia, Westerholm se viu forçado a realizar uma profunda investigação de natureza filológica. Giddens não precisou se envolver em investigação de qualquer natureza, seja histórica, sociológica, arqueológica ou filológica para contestar as ideias de “figuras chaves” de outras escolas como Wallerstein e Eisenstadt. O mesmo não pode ser dito de Westerholm, conforme veremos. Como sua crítica a Stendhal, Sanders, Dunn, Wright e muitos outros estudiosos foi formulada em resposta a um desafio colocado para todos, essa crítica é também, em si, uma resposta a esse desafio, requerendo, então, do crítico, o próprio Westerholm, algum tipo de investigação original.
Apresentadas algumas das vozes mais importantes do debate imposto pelo enigma descrito na sessão anterior, é chegado o momento de mostrar o padrão de interlocução que esse enigma impôs a essas diferentes vozes.
Iniciemos pelo sênior, James Dunn.
Para Dunn, a chave para a solução do enigma está em entender o que movia Paulo em uma polêmica específica, a ocorrida entre ele e aqueles que ele próprio chamava, tanto nos Atos dos Apóstolos quanto em suas cartas aos Gálatas e a Tito, de “os da circuncisão”.[3] Essa expressão se referia aos judeus contemporâneos de Paulo que haviam se convertido ao cristianismo sem, entretanto, abrir mão de práticas judaicas, como a circuncisão, as restrições dietárias e, às vezes, a própria celebração do Shabat. Em sua pregação, Paulo polemizava com eles argumentando que essas práticas deveriam ser abolidas. Admitido isso, a questão que se coloca é por que Paulo advogou a abolição dessas práticas. Antes do advento da Nova Perspectiva, a resposta parecia fácil: ele o fez simplesmente para ensinar aos judeus tornados cristãos que as práticas judaicas não eram uma via de acesso à salvação. Nada haveria, então, de enigmático no fato de Paulo ter se dado ao trabalho de polemizar com “os da circuncisão”. Assim presumia a tradição exegética protestante. Segundo essa tradição, se no Gênesis estava escrito que a circuncisão era o “sinal da aliança” (reveja-se a nota 4) entre Deus e o patriarca Abrahão, então, aos olhos de um judeu, ainda que convertido ao cristianismo, não havia outro modo de ser aceito por Deus a não ser circuncidando-se. O papel de Paulo, nessa perspectiva, teria sido o de explicar a esses recém-convertidos que a vinda de Jesus, o Messias anunciado ao povo de Israel, tornara dispensável não só a circuncisão mas, também, a observância de qualquer rito judaico, porque agora o pertencimento à aliança (e, como corolário, a salvação) não dependia mais disso. Um resumo da controvérsia entre Paulo e “os que eram da circuncisão” tal como era (equivocadamente) entendida pela tradição exegética protestante é apresentado por Dunn nos seguintes termos:
Paulo contestou a necessidade da circuncisão porque ela era um exemplo primário de obra meritória, de salvação auto-alcançada, algo impossível para uma criatura e para um pecador em seu afã de permanecer diante do Deus criador e salvador. Paulo foi questionado por um judaísmo legalista, que ele enfrentou e contestou como o defensor da justificação pela fé (DUNN, 2011, p. 232).
Do ponto de vista da Nova Perspectiva, Paulo havia contestado a necessidade da circuncisão por motivos completamente diferentes. Se o judaísmo do primeiro século não era uma religião legalista, e se Paulo sabia disso, então ele não teria qualquer razão para exortar os judeus tornados cristãos a não se submeterem às prescrições da Torá sob o argumento de que essas prescrições não eram a via de acesso à salvação. O argumento teria que ser de outra ordem. Nesse sentido, tudo o que até então se pensava a respeito da controvérsia entre o apóstolo e “os da circuncisão” precisava ser revisto. Se o que Paulo combatia não era o legalismo judaico, expresso na imposição de práticas como a circuncisão, então o que pretendiam “os da circuncisão” se não era assegurar a salvação? Por que se opunham a Paulo? Eis o enigma que Dunn se prontificou a solucionar.
Em linhas gerais, sua solução consiste em postular que, longe de ser a busca da salvação, o que realmente motivava “os da circuncisão” a obedecer a lei judaica era uma razão bem mais prosaica: delimitar fronteiras de identidade. A Torá (Lei), todos sabiam, não era um meio de acesso à salvação, mas poderia servir como um meio de distinguir aqueles que pertencem à descendência de Abrahão e, por esse meio, à aliança com Deus, daqueles que não pertencem. Os judeus do tempo de Paulo, argumenta Dunn, possuíam um senso de privilégio por se entenderem como uma nação separada das demais, de forma que as fronteiras entre o seu grupo e os outros eram incentivadas de forma enfática. O que Paulo estaria atacando, então, seria essa autoimagem judaica que ainda permanecia naqueles que haviam sido convencidos de que Jesus era o Messias anunciado pelas escrituras judaicas.
Em outras palavras, o alvo do ataque era
[...] a confiança típica do judeu de estar em uma posição de privilégio e de superioridade ética, em virtude de ter a Lei. [...] O que Paulo procura minar, o ápice da acusação, é o típico ‘gloriar-se na Lei’ judaico (Rm 2. 23) - isto é, o orgulho existente no nomismo da aliança de que, vivendo dentro da Lei, preservando a identidade da aliança (o ser distinto judaico), não obstante os pecados individuais, preserva-se a posição privilegiada judaica diante de Deus” (DUNN, 2011, p. 251).
Nessa perspectiva, se Paulo se opunha à prática da circuncisão entre os
“da circuncisão”, era em razão de ver nessa prática um “marcador de identidade” que estabelecia fronteiras sociais, algo que, segundo ele, não deveria mais existir após a chegada do Messias, uma vez que, com esse acontecimento, a promessa que Deus fizera a Abrahão - conforme Gênesis, 12:2-3: “e far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra” - não mais ficaria restrita ao povo judeu; ela se expandiria para todas as nações. O que Paulo combatia nos judeus não era, então, seu legalismo, mas seu exclusivismo, sua “típica” propensão a estabelecer fronteiras sociais. É o bastante para Dunn. Passemos a Wright.
Se, para Dunn, a chave para entender o significado teológico da doutrina Paulina da “justificação pela fé” estava em entender o que motivava Paulo em sua polêmica com “os da circuncisão”,[4] para Wright, a chave não estaria em alguma polêmica em particular, mas na compreensão do significado de um termo específico que já aparece no livro do Gênesis: “aliança”. No rastro das contribuições de Sanders e Dunn, Wright sustenta que o termo “justificado” não se refere a quem foi declarado “inocente” apesar de seus pecados, mas a quem se mostrou digno de pertencer à “nova aliança”. No passado, Deus selou um pacto com o povo judeu confiando-lhe a missão de difundir seus mandamentos a todos os povos da Terra. Os judeus falharam em cumprir essa missão e Deus, diante desse fracasso, fez uma nova tentativa, enviando o Messias anunciado no próprio livro sagrado dos judeus para que este, através de seu sacrifício, iniciasse um novo pacto, ou uma “nova aliança”, não com um povo específico, mas com todos aqueles que viessem a crer em seu sacrifício redentor. Dessa forma, aquilo que não havia se realizado por meio da primeira aliança seria agora realizado por meio da “nova aliança”. Nessa perspectiva, quando Paulo dizia que a “justificação” se dá pela fé, o caminho para o qual ele estava apontando não era, como supunha a tradição exegética protestante, o da salvação, mas o do pertencimento a essa “nova aliança”. Wright segue Sanders e Dunn até aí e se propõe a ir adiante esclarecendo o que significa exatamente “pertencer à nova aliança”. O que se entendia por “nova aliança” no mundo mediterrâneo de Paulo? Suas investigações se destinam a responder essa pergunta. Em linhas gerais, sua contribuição original está em postular que no mundo mediterrâneo de Paulo o termo “aliança” não dizia respeito apenas ao pacto ocorrido no passado, como descrito no parágrafo anterior, mas, também, a um novo pacto a ocorrer no futuro, na verdade, em um futuro que se supunha próximo, no qual o Messias retornaria para restaurar a paz e julgar todas as nações. Todas as pessoas teriam, então, que prestar contas a Deus. Ser declarado “justo”, nessa perspectiva, seria de fato ser declarado digno de ser aceito na “nova aliança”; entretanto, não somente na que já havia ocorrido, mas, sobretudo, na que estava para ocorrer. Tanto em um caso como no outro, a fé no sacrifício redentor de Cristo era o caminho.
O caráter ideológico, apologético, de toda essa linha de raciocínio salta à vista. Tanto a visão de Dunn quanto a de Wright reeditam a imagem laudatória que o Cristianismo construiu a respeito de si próprio desde os tempos patrísticos. De acordo com essa imagem, o Cristianismo teria sido a religião que tornou diferenças étnicas e sociais irrelevantes ao substituir, por meio do trabalho missionário do apóstolo Paulo, os “laços de sangue”, valorizados pelo judaísmo, por uma fraternidade universal baseada na “fé em Cristo”. Essa visão laudatória vem sendo fortemente criticada nas últimas décadas no interior do próprio pensamento teológico cristão, tendo recebido a denominação derrogatória de “teologia da superação” (displacement theology), assim chamada por postular que a Bíblia Hebraica (chamada pelos cristãos de “Antigo Testamento”) não tem qualquer significado teológico a não ser o de anunciar a chegada redentora de Cristo. Nesse particular, nada há de novo na Nova Perspectiva, não, pelo menos, nas versões “James Dunn” e “N. T. Wright” da Nova Perspectiva.
No entanto, e esse é o ponto que aqui nos interessa, o caráter ideológico, patentemente apologético, talvez até mesmo antissemita, dessas contribuições não tem um efeito segmentador no pensamento teológico porque o que conta, nesse caso, é a identificação de problemas específicos: no primeiro caso, entender por que Paulo se deu ao trabalho de polemizar com “os da circuncisão” se esses não buscavam com isso a salvação e Paulo sabia disto; no segundo, esclarecer o que se entendia por “nova aliança” no mundo mediterrâneo de Paulo, cuja solução é de fundamental importância para o esclarecimento da questão geral que move a NPP: o significado teológico das cartas de Paulo. Se as soluções propostas por Dunn e Wright têm um caráter “superacionista”, isso não impede, entretanto, que se formule uma solução alternativa, que não tenha esse caráter. E, de fato, essa solução já está esboçada, por exemplo, no trabalho da teóloga católica Rosemary Ruether (1974), a quem se credita a autoria da expressão “teologia da superação”.
O argumento de Ruether se articula em torno de uma informação que, embora de crucial relevância, não foi trazida à consideração por Dunn nem por Wright, a saber: é um preceito farisaico (judaico), e não uma invenção de Paulo, a ideia de que um não-judeu está isento de se submeter aos modos de pensamento dos judeus. Eram os próprios rabinos, e não os cristãos, que ensinavam que somente os judeus teriam que observar todo o conjunto de prescrições e rituais da Torá. Para um não-judeu, como era o caso de “os da circuncisão”, bastava seguir as sete leis de Noé, prescritas no Talmude (Sanhedrin, 56a – 60b). As leis de Noé são um conjunto muito simples de proibições: à idolatria, a evocar o nome de Deus em vão, ao roubo, ao assassinato, à má conduta sexual e à crueldade com os animais, acrescidas de um mandamento segundo o qual se deveriam estabelecer tribunais de justiça que assegurassem localmente a observação dessas proibições. Muitos dos fariseus contemporâneos de Paulo já criam que qualquer gentio que pudesse guardar as sete leis de Noé seria um “justo” e, portanto, teria seu lugar “no mundo vindouro” (KEENER, 2005, p. 538), pois a observância dessas leis era tudo o que ele necessitava para assegurar a salvação. Nesse sentido, diferentemente do que Dunn e Wright parecem presumir, Paulo não teria rompido com a tradição judaica, muito menos pregado a abolição de barreiras étnicas e sociais, ao ensinar que um não-judeu está livre das injunções rituais do Antigo Testamento. Na verdade, tanto Dunn quanto Wright parecem desconhecer que a tradição judaica prevê não um, mas dois caminhos para a salvação, um para os judeus, outro para os não-judeus, e o que Paulo fazia era mostrar o caminho a ser seguido pelos não-judeus. Nessa linha de raciocínio, desenvolvida por Ruether, seria exatamente a perspectiva universalista de Israel que permite aos não-judeus se relacionarem com Deus à sua própria maneira e que lhe autoriza ter sua maneira particular de relacionar-se com Ele através da aliança do Sinai.
Eis, assim, em breves palavras, o que seria uma solução não-superacionista, ou anti-superacionista, para a questão levantada por Dunn e retomada por Wright. É verdade que, na contramão do movimento iniciado pela crítica de Stendhal à tradição exegética protestante, essa solução requer que a doutrina da justificação pela fé tenha, sim, uma conexão com a preocupação com a salvação individual. A perspectiva de Dunn, conforme vimos, exclui essa possibilidade, como também a visão de Wright, mas não a visão de Westerholm, o terceiro nome de nossa lista, conforme veremos. Nesse sentido, nem mesmo o ato de reeditar a visão laudatória que o Cristianismo construiu a respeito de si próprio, segundo a qual o trabalho missionário de Paulo teria efetuado a transição de uma religião particularista, étnica, o judaísmo, a uma religião universal, que desconhece fronteiras étnicas, sociais ou de qualquer natureza, o próprio cristianismo, nem mesmo o fato de alguns teólogos cristãos subscreverem de forma irrefletida um autoelogio dessa natureza enquanto outros o rechaçam com veemência - como é o caso de teólogos como Lloyd Gaston e Rosemary Ruether, já citados -, nem mesmo um desacordo dessa natureza fragmenta o conhecimento teológico em “escolas de pensamento” que mal tomam conhecimento da existência umas das outras, porque a todos, católicos, protestantes, judeus ou quem quer que se interesse pelo assunto, incluindo ateus, a todos, “superacionistas” e “anti-superacionistas”, é imposta uma agenda de investigação comum: investigar o que estava em jogo nas pregações Paulinas, inclusive se o que estava em jogo era mesmo, como imaginava a tradição exegética protestante, a preocupação com a salvação individual. Afinal, pelo menos em um ponto a exegese rabínica convergia com essa tradição: ambas pressupunham que a noção bíblica de “justificação” se refere mesmo à questão de como assegurar a salvação no “mundo vindouro”, não obstante os protestos desencadeados pela crítica de Stendhal a Lutero. Mas, ainda que não houvesse essa convergência, não seria possível que essa tradição tivesse seu grão de razão? Para além de uma possível conexão entre “justificação” e salvação da alma, não poderia haver, também, alguma forma “legalista” de judaísmo nos tempos de Paulo? Não poderia haver, da parte do próprio Paulo, alguma genuína preocupação com a salvação individual?
Essas perguntas não desapareceram do horizonte de muitos teólogos do Novo Testamento, um dos quais merece especial destaque por sua incomum erudição: Stephen Westerholm. Em 2003 ele publicou o livro Perspective old and new on Paul: the “Lutherean” Paul and his critics, com o objetivo de reabilitar a interpretação de Lutero dos ataques iniciados com o trabalho de Stendhal. Seu livro é marcado por análises de textos e de termos em hebraico e em grego que apontam para o fato de que, na época de Paulo, existiam, sim, escolas judaicas que disseminavam a ideia de que a salvação requeria submissão às obras da Lei. As exegeses das cartas de Paulo contidas no livro são caracterizadas por uma riqueza de detalhes e rigor técnico que torna a reprodução de cada ponto de sua argumentação inviável para quem, como o autor desse trabalho, não é versado em filologia grega e hebraica. Para demonstrar que no judaísmo do primeiro século havia mesmo um legalismo e que a interpretação de Lutero era válida, Westerholm verticaliza sua investigação a ponto de comparar o modo como certos termos e expressões aparecem nos textos de Paulo com o modo como esses mesmos termos e expressões aparecem em outros textos da mesma época.
Nesse sentido, se as teses centrais da Nova Perspectiva sobre Paulo não estão acima de crítica, o fato de elas serem soluções tentativas para um mesmo enigma faz com que a própria crítica seja também, ela própria, uma solução tentativa para esse enigma, uma solução que não pode ser proposta à margem de alguma investigação especializada, original, seja de natureza filológica, histórica, sociológica ou arqueológica. Em muitas áreas do conhecimento sociológico, em contraste, a crítica às teses centrais de um sistema teórico não requer do crítico qualquer tipo de investigação especializada, muito menos algum tipo de investigação verticalizada como a que Westerholm teve que fazer. A razão é simples: quando uma área de estudos se fragmenta em escolas estanques de pensamento, cada estudioso só investiga os problemas que são postos por sua própria área. Nesse caso, a crítica de um ”teórico” de uma “escola” a um “teórico” de “outra escola” não requer do crítico qualquer investigação empírica original. Considere-se, por exemplo, essa crítica de Giddens (figura-chave da teoria da “modernidade reflexiva”) a Wallerstein (figura-chave da “teoria do sistema mundial”):
Wallerstein consegue desvencilhar-se de algumas das limitações do pensamento sociológico mais ortodoxo, principalmente da tendência enfaticamente definida a enfocar “modelos endógenos” de mudança social. Mas sua obra tem suas próprias deficiências. Ele continua a ver apenas um nexo institucional dominante (capitalismo) como responsável pelas transformações modernas. A teoria do sistema mundial se concentra, portanto, enfaticamente sobre influências econômicas e considera difícil explicar, de forma satisfatória, precisamente aqueles fenômenos tornados centrais pelos teóricos das relações internacionais: a ascensão do estado-nação e do sistema de estados-nação. Além disso, as distinções entre centro, semiperiferia e periferia (elas mesmas talvez de valor questionável), baseadas em critérios econômicos, não nos permitem elucidar concentrações de poder político ou militar, que não se alinham de maneira exata às diferenciações econômicas (GIDDENS, 1991, p. 74).
Quer essa crítica seja pertinente ou não, Giddens não precisou trazer à consideração qualquer resultado original de pesquisa, não precisou ler um documento sequer para formulá-la[5]. Quando o corpo de conhecimento não é fragmentado, como ocorre na teologia do Novo Testamento, a crítica não pode ser feita dessa forma, mesmo porque, agora, não existe mais “figura-chave” nem “outra escola”.
Considerações Finais
Em 2009, o erudito alemão Udo Schnelle publicou um tratado sobre o Novo Testamento, o livro Theologie des Neuen Testaments, de mais de mil páginas. O que poderia haver para ser dito de novo sobre o Novo Testamento, em pleno ano de 2009, que pudesse requerer mais de mil páginas? A resposta de Schnelle é a de que o livro de Sanders, quer se concorde ou não com as teses ali defendidas, exigiu que os estudos sobre o Novo Testamento fossem reformulados (SCHNELLE, 2009). Nesse mesmo espírito, nosso já conhecido N. T. Wright, na Introdução ao seu já citado livro What Saint Paul really said, se refere à importância do trabalho de Sanders nos seguintes termos:
É uma medida da conquista de Sanders que estudiosos de Paulo ao redor do mundo agora se refiram à ‘Revolução de Sanders’. Mesmo aqueles que são hostis às suas teorias não podem negar que houve uma grande mudança na academia, de forma que muitos livros escritos antes de Sanders, ou de um ponto de partida pré-Sanders, agora parecem ser extremamente datados e muito entediantes – algo que nenhum estudo sobre Paulo deveria ser! De minha parte, mesmo discordando fortemente de Sanders em alguns pontos, e pretendendo ir muito além do que ele em outros, não posso negar que ele se elevou no último quarto de século tanto quanto Schweitzer e Bultmann fizeram na primeira metade. (WRIGHT, 1997, p. 18 – ênfases acrescentadas).
Para encerrar nossa peregrinação pelos elogios hiperbólicos dirigidos a Sanders mundo afora, o primeiro em alemão, o segundo em inglês, vamos reproduzir o que foi dito, agora em francês, pelo já citado teólogo sueco Daniel Marguerat (2011), na Introdução a uma coletânea de artigos sobre pesquisas atuais no campo da teologia Paulina, intitulada Paul, une théologie en construction:
A exegese de Paulo parece hoje uma cidade que um tremor de terra devastou. Agitam-se as pessoas por todas as direções, uns avaliando os estragos, outros verificando o que restou ainda de pé. Cada qual avalia as mudanças ainda por vir, mas ninguém ousa ainda recomeçar, com medo de um novo abalo... O terremoto, nesse caso, foi provocado pelo aparecimento, em 1977, do livro Paul and Palestinian Judaism, de E. P. Sanders. A onda de choque foi tão forte que ganhou, pouco a pouco, os campos mais remotos da exegese Paulina. Não é um exagero falar de um antes e de um depois de Sanders. Em todo caso, a leitura dos trabalhos publicados sobre Paulo nos últimos anos mostra que nenhum pesquisador pode evitar esse debate. (MARGUERAT, 2011, p. 11).
Por mais hiperbólicos que pronunciamentos como esses possam parecer, e talvez o sejam mesmo, dificilmente se pode apontar algum livro de sociologia do qual se possa dizer com seriedade algo remotamente semelhante. Não se conclua daí, entretanto, que esses elogios fazem de Sanders uma “figura chave” de alguma “escola de pensamento”, nem, muito menos, que seu livro seja uma “obra paradigmática”, no sentido que Thomas Kuhn consagrou a esta expressão há mais de cinquenta anos ao publicar A Estrutura das Revoluções Científicas (1962). Para Kuhn, como sabemos, há ciências que já foram bem-sucedidas, e outras que ainda não o foram, em impor a gerações sucessivas de cientistas e candidatos a cientistas um “paradigma”, isto é, um conjunto-padrão de “enigmas” a serem solucionados e um conjunto-padrão de teorias e de métodos a serem empregados na solução desses “enigmas”. Nessa perspectiva, uma obra só pode ser dita “paradigmática” quando, em virtude de suas “realizações sem precedentes”, como o diz o próprio Kuhn, desencadeia a geração desses conjuntos-padrão de enigmas, teorias e métodos. A marca do sucesso de um paradigma é ter seus enigmas, teorias e métodos expostos de forma impessoal em um livro-texto. O livro de Sanders, conforme vimos, desencadeou o surgimento de um “enigma” incontornável para todos os que estudam a teologia do Novo Testamento, mas não o estabelecimento de um conjunto-padrão de teorias e métodos a serem empregados em sua solução. Ele não fez, portanto, da teologia do Novo Testamento uma “disciplina paradigmática”, no sentido em que o são a física, a química, a biologia, ou qualquer disciplina científica na qual a socialização do iniciante se dá através de livros-textos.
Isso significa que um corpo de conhecimento não precisa necessariamente ser produzido sob o manto de algum paradigma “universalmente aceito” (como o diria Kuhn) para não se fragmentar em “vertentes teóricas” ou “escolas de pensamento” que mal tomam conhecimento da existência umas das outras. Afinal, tudo o que foi aqui discutido nas seções 1 e 2 aponta para o fato de que essa agenda comum de discussão e de investigação conhecida como a Nova Perspectiva sobre Paulo pôde não só ser produzida como, também, prosperar, sem requerer, como o demandaria a perspectiva de Kuhn, a pré-existência de algo como um “paradigma teológico”, no qual gerações sucessivas de teólogos tivessem que ter sido socializados. Por outro lado, o surgimento da Nova Perspectiva também não requereu, como o demandaria a conhecida perspectiva de Merton, um prévio acúmulo de “teorias de médio alcance” que pudesse no momento apropriado ser devidamente aproveitado para a realização de uma grande “síntese teórica”. Ciente das limitações dessas perspectivas, Alexander procura avançar em relação a ambas. Para ele, Kuhn teria errado ao atribuir às ciências sociais um caráter “pré-paradigmático”; mais exatamente, ao argumentar que falta à sociologia aquilo que toda ciência digna do nome tem: um paradigma universalmente aceito. O erro, segundo Alexander, estaria em desconhecer que a sociologia tem peculiaridades que a conduzem forçosamente a um quadro de fragmentação em “paradigmas” distintos. Nessa perspectiva, com ou sem o acúmulo de “teorias de médio alcance”, a sociologia jamais poderia ter o caráter paradigmático exibido pelas ciências naturais. Mas, daí, conclui Alexander, não resulta que ela seja uma ciência “pré-paradigmática”; ela é, antes, uma ciência “multiparadigmática”, uma vez que pressupõe a coexistência de vários “paradigmas” sem que nenhum deles tenha que prevalecer sobre os demais.
Essa emenda nos parece sair pior que o soneto. Se a Nova Perspectiva sobre Paulo não pode ser considerada um “paradigma universalmente aceito”, à moda de Kuhn, ela muito menos poderia ser considerada, à moda de Alexander, um paradigma em meio a tantos outros, cada qual atento apenas aos seus próprios problemas. Vimos que, pelo menos no que diz respeito aos estudos do Novo Testamento, a teologia não pode ser, de forma alguma, considerada uma disciplina “multiparadigmática”. Autores como Sanders e Gaston, Dunn e Ruether, Wright e Westerholm, embora sustentem visões radicalmente distintas, ou até mesmo incompatíveis, sobre o significado teológico, histórico e, mesmo, sociológico das cartas de Paulo, não podem ser vistos como representantes de paradigmas distintos, nem como fundadores ou membros destacados de “escolas de pensamento” sem conexão umas com as outras. As contribuições fundamentais de um Stendhal ou de um Sanders, protagonistas da descrita reviravolta ocorrida nos estudos Paulinos, ou de Rosemary Ruether, a quem devemos a mais que oportuna reflexão a respeito do caráter “superacionista” da teologia cristã, não fazem de qualquer um desses teólogos a “figura-chave”, por assim dizer, de alguma “escola de pensamento” ou “sistema teórico”, diferentemente do que ocorre na sociologia, em que a contribuição de um Wallerstein faz dele a figura-chave de uma escola e a de um Eisenstadt a figura-chave de outra.
Isso remete diretamente à lição que se tem a extrair da discussão aqui realizada: desde que haja algum enigma específico que imponha aos estudiosos de um tema mais amplo uma agenda comum de discussão e de investigação, como é o caso do enigma sobre o qual aqui nos detivemos, a convergência de esforços em uma mesma direção, requerida para evitar a fragmentação de um corpo de conhecimento em escolas estanques de pensamento, pode prescindir tanto 1) de uma prévia socialização em um mesmo paradigma, quanto 2) da existência de um “núcleo duro” de pressupostos teóricos previamente aceitos, quanto 3) da demanda por algum esforço bem-sucedido de síntese do qual tenha resultado algum arcabouço teórico-conceitual mais abrangente capaz de servir de “marco teórico de referência” para a investigação empírica. Muito mais que de sistemas teóricos ou de “teorias de médio alcance”, a unidade disciplinar depende da existência de enigmas desafiadores. Nesse artigo, procuramos reconstruir a história de um desses enigmas e discutir seu efeito unificador.
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Notas