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Entre “pobres” e “vulneráveis”: a fluidez das categorias de intervenção no processo de implementação do Programa Bolsa Família a partir de uma etnografia junto a assistentes sociais*
Between “poor” and “vulnerable”: The fluidity of intervention categories in the process of implementing the grant family program from an ethnography with social workers
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 7, núm. 15, pp. 53-80, 2019
Sociedade Brasileira de Sociologia

Artigos


Recepção: 10 Agosto 2018

Aprovação: 15 Novembro 2018

DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.437

Resumo: O Bolsa Família articula ao longo de sua implementação distintas áreas da proteção social, envolvendo inúmeros agentes e instâncias burocráticas, destacando-se os assistentes sociais que atuam junto aos demandantes e beneficiários do programa. Baseando-nos em uma etnografia realizada em município da Região Metropolitana de Porto Alegre, constatamos um cenário de recursos escassos vis a vis a forte demanda pelo programa, em que esses profissionais delimitam o público-alvo e definem o acesso à política, por meio de avaliações sobre as condições de pobreza dos requerentes. A família encontra-se, assim, sujeita às normatizações e avaliações morais mobilizadas pela discricionariedade e tomada de decisões dos mediadores estatais. Logo, é na interação entre esses agentes e famílias que são construídos os marcadores sociais inerentes à produção local desse programa de transferência de renda.

Palavras-chave: Agentes de implementação, Programa Bolsa Família, Pobreza.

Abstract: Throughout its implementation, the Family Grant articulates different areas of social protection, involving numerous bureaucratic agents and instances, with emphasis on social workers who work with the program’s beneficiaries. Based on an ethnography carried out in the municipality of the Metropolitan Region of Porto Alegre, we found a scenario of scarce resources vis-a-vis the strong demand for the program, where these professionals delimit the target audience and define the access to the policy, through evaluations conditions of the applicants. The family is thus subject to the norms and moral evaluations mobilized by the discretion and decision-making of the state mediators. Therefore, it is in the interaction between these agents and families that the social markers inherent in the local production of this income transfer program are constructed.

Keywords: Implementation agents, Family Grant Program, Poverty.

1 Notas sobre a interação entre o contexto e os agentes de implementação na conformação das políticas públicas

O Programa Bolsa Família (PBF) envolve, desde a formulação até a sua implementação, diversos níveis de governo, instituições e agentes burocráticos que não são apenas incumbidos de responsabilidades de execução dessa política, mas também incorporam nuances ao escopo do programa. Longe das clássicas noções que conferem ao desenho das policy uma estrutura rígida e pouco permeável pelas dinâmicas sociais e políticas nas quais estão/serão inseridas, bem como daquelas que procuram dicotomizar a atuação dos formuladores e dos implementadores, atribuindo aos primeiros mérito pela qualidade e resultados satisfatórios das políticas públicas enquanto, aos segundos suas “falhas” e efeitos diminutos (MAZMANIAN; SABATIER, 1983; PRESSMAN; WILDSVKY, 1984; D’ASCENZI; LIMA, 2013), ressaltamos a necessidade de examinar com mais apuro as dinâmicas envolvendo os aqui chamados agentes de implementação, comumente definidos no campo de públicas como burocratas de linha de frente ou burocratas de nível de rua, nos termos de Lipsky (2010), bem como o contexto aos quais estão sujeitos no processo de efetivar as políticas públicas junto ao seu público-alvo (BARRETT; HILL, 1984; PIRES, 2012; LOTTA, 2012; LIMA. D’ASCENZI, 2015).

No que concerne ao PBF, considerando que entre suas prioridades está a articulação de ações nos campos da proteção social e da transferência de renda, observa-se a imprescindibilidade da atuação dos trabalhadores sociais junto aos seus beneficiários e, ao focar sobre esses atores, cuja dinâmica de trabalho se dá na interação direta com os cidadãos, procuramos compreender como eles tomam decisões e como essas conformam as políticas que estão sob sua responsabilidade. Em Alvorada, município onde conduzimos a investigação etnográfica no período de 2010 a 2012 e considerado um dos mais pobres do Rio Grande do Sul (RS), as equipes compostas por assistentes sociais, assim como o número de equipamentos estatais destinados à assistência social, são parcos diante da demanda.

É nesse contexto de recursos escassos que os agentes implementadores atuam, estabelecem quem é o público-alvo de suas ações e, com isso, definem o acesso à política. A família, público a quem se dirige essa política, torna-se objeto de intervenção estando, assim, sujeita às normatizações e regulações morais (FASSIN; EIDELIMAN, 2010), que poderiam ser justificadas no âmbito da discricionariedade inerente à ação desses profissionais. A possibilidade de interlocução entre esses agentes dá-se, contudo, por meio de um discurso que visa atestar as condições de vulnerabilidade como requisito para efetivar as políticas de enfrentamento à pobreza. Dessa forma, nosso principal objetivo é refletir sobre a influência dos agentes de implementação na construção de marcadores sociais e identitários que, mobilizados tanto pelos profissionais quanto pelos usuários dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), especialmente os beneficiários do PBF, conformam a política pública de transferência de renda no município de Alvorada/RS.

É importante mencionar que a discussão aqui apresentada diz respeito a uma pesquisa mais ampla que versava sobre as moralidades subjacentes aos usos do dinheiro do PBF (EGER, 2013). Em termos metodológicos, o estudo etnográfico permitiu a produção de dados, a partir de observação participante e entrevistas (fechadas e abertas), junto aos beneficiários e suas redes sociais e aos trabalhadores da assistência social diretamente envolvidos na implementação da política de transferência de renda em âmbito municipal. Consideramos, em termos analíticos, a centralidade da condição de “ser pobre” (um dos critérios de elegibilidade para o PBF) e a noção de vulnerabilidade (marcador frequentemente utilizado pelos assistentes sociais como critério de elegibilidade para as ações e programas direcionados à proteção social), bem como a maneira através da qual os traços relacionados a essas condições são mobilizados pelos profissionais na sua relação com os beneficiários e, por esses últimos, em suas relações com outros beneficiários e usuários dos CRAS.

Isto posto, apontamos para a relevância da condição de “ser pobre” e/ou “vulnerável” na medida em que essas classificações aparecem tanto nos discursos autorreferenciados dos usuários/beneficiários, quanto nos processos de identificação e seleção de novos beneficiários para o PBF[1]. A relevância desse debate se dá em um contexto em que se, por um lado, o escopo do Bolsa Família aponta para a estratégia de focalização como uma ferramenta para selecionar os mais pobres (dentre os pobres) para receberem o benefício monetário oferecido pelo programa e, nesse sentido, as linhas de pobreza cumprem o papel de garantir que os mais pobres sejam selecionados e beneficiados pela política; por outro lado, os assistentes sociais procuravam, conforme mostraremos, pelos mais pobres entre os mais pobres, denominados como vulneráveis. Observamos que essa condição se apresenta, seguidamente, de forma ambivalente, uma vez que, a depender do contexto e do interlocutor ela pode ser qualificada como negativa ou positiva. Assim, tal concepção pode ser considerada negativa, quando mobilizada como categoria depreciativa entre sujeitos que integram uma rede estreita de relações sociais. Em outro sentido, na relação direta com os assistentes sociais, a condição de pobreza expressa pela máxima “ser/sou pobre”, por exemplo, pode receber contornos positivos na medida em que se configura como um argumento comprobatório da necessidade desses sujeitos acessarem determinados bens e serviços oferecidos pelos CRAS e outros centros socioassistenciais.

Sem embargo, a noção de vulnerabilidade pode, ainda, coadunar ambas as características valorativas, porquanto se torna um elemento mobilizado na construção identitária de si e da comunidade. O que determina o valor atribuído a essa condição é, portanto, a conformidade entre i) a concepção de pobreza tal como concebida pelas diretrizes do PBF, ii) a noção de pobreza que subjaz às práticas dos(as) profissionais prestadores(as) de assistência social, iii) o tipo de intervenção ao qual os alvos da política estão sujeitos e, iv) os sentidos atribuídos por esses últimos no que concerne à sua relação com os(as) mediadores das políticas públicas e com os membros de sua rede de relações.

Como consequência, constatamos que a linguagem do sofrimento (MELO, 2011) suscitada pela relação entre os sujeitos alvo da ação estatal aqui analisada e aqueles que operam como mediadores nesse processo, ao mesmo tempo em que se volta à reparação de vulnerabilidades sociais e econômicas, torna-se, em alguma medida, responsável por sua (re)produção. Nesse sentido, ao longo da investigação, conduzida sem a presença de assistentes sociais, quando questionávamos os demandantes e/ou beneficiários do programa sobre sua condição financeira, nenhum deles se definiu como sendo “pobre” e/ou “vulnerável”, diferentemente dos discursos proferidos diante dos profissionais dos CRAS. Os sujeitos que almejavam ser incluídos no PBF atribuíam essas características a outras pessoas que, segundo eles, encontravam-se em uma “situação pior” ou, ainda, apontavam para o que compreendiam como sendo uma das mais importantes características da pobreza, a sujeira. Com isso apontamos para o fato de que sem a presença dos implementadores, a pobreza é alçada ao status de sujeira, é algo abjeto e, por isso, um adjetivo destinado a qualificar os outros, nunca a si mesmo; na presença dos profissionais, no entanto, com o intuito de acessar o PBF, há que se admitir a condição de pobre, não obstante o ônus que ela carrega consigo. Ao destacar o uso e o contexto em que tais classificações são postas em ação, procuramos compreender a importância que elas adquirem para os agentes envolvidos nessa dinâmica social. A pertinência da reflexão sobre os marcadores identitários que são mobilizados ao longo das intervenções promovidas pelos assistentes sociais encontra-se no fato de que esses cumprem o papel de declarar e, assim, legitimar e instituir a identidade social dos indivíduos a quem destinam as ações do PBF, designando quem está ou não “apto” para se tornar beneficiário dessa política.

Reforçamos que os agentes implementadores, no exercício de suas atividades, não desempenham apenas funções formais e previstas pelas políticas que implementam, mas, também, uma série de funções informais, dado o alto grau de discricionariedade atribuídos a eles. A discricionariedade apresenta-se, no caso analisado, nas decisões sobre inclusão ou não de beneficiários ao PBF, baseadas na percepção desses profissionais sobre as condições de pobreza dos indivíduos que almejam ser incorporados ao programa. Não podemos esquecer, contudo, que a política é reinventada na relação desses agentes da burocracia estatal com os sujeitos alvo de sua intervenção. É nessa conjuntura que as tipificações e os marcadores - “pobres”, “muito pobres”, “vulneráveis”, “sujos” -, adquirem sentido e importância. Do mesmo modo, distante da passividade frequentemente atribuída aos “pobres”, em sua relação direta com os mediadores do PBF (aqui, os assistentes sociais) esses atores se engajam em complexas negociações sobre suas condições de vida e identidades. Assim, eles tensionam, manipulam e, muitas vezes, contestam as marcas distintivas que lhe são impostas, empenhando-se na elaboração de narrativas e performances suficientemente hábeis e confiáveis para incorporar tanto as expectativas dos profissionais (que almejam garantir que o PBF seja destinado aqueles que “mais precisam” dele), quanto às suas próprias (EGER, 2013; EGER; DAMO, 2014).

Assim, organizamos este artigo em cinco partes. Na primeira, analisamos brevemente a trajetória das políticas sociais brasileiras, tendo como referência a discussão em torno da pobreza; em seguida, nos debruçamos sobre o desenho, as diretrizes, os processos de gestão, implementação e os atores diretamente envolvidos no PBF, para, então, nos dedicarmos ao contexto da implementação dessa política – o município de Alvorada – e, consequentemente, às dinâmicas nas quais assistentes sociais e beneficiários se envolvem no âmbito das ações relacionadas ao programa e, por fim, refletimos sobre a fluidez das categorias adotadas nesse processo.

2 A trajetória das políticas sociais no Brasil: da proteção associada ao trabalho formal à pobreza como um perigo social

A trajetória das políticas de proteção social brasileiras pode ser descrita a partir das primeiras iniciativas direcionadas à garantia de mínimos sociais inauguradas nos anos 1930. Nesse sentido, Soares e Sátyro (2009, pp. 32-33) consideram que o salário mínimo, instituído em 1934, pode ser considerado o primeiro mínimo social do País, na medida em que representava uma renda de base voltada à garantia de condições mínimas aos trabalhadores. Na esteira dos mínimos sociais direcionados a esse contingente populacional, foram instituídos, entre as décadas de 1930 e 1980, o seguro-desemprego, o abono salarial e as aposentadorias urbanas e rurais (SOARES; SÁTYRO, 2009, pp. 33-37). Observa-se nesse longo período um aprofundamento das desigualdades sociais, haja vista que o sistema de proteção social brasileiro se mantinha contributivo e direcionado exclusivamente à população urbana e formalmente empregada (SOARES; SÁTYRO, 2009, p. 27).

Conforme assinala Bichir (2010, pp. 1-2), no Brasil as políticas sociais passaram de um “padrão de proteção vinculado ao mundo do trabalho, restrito a categorias específicas de trabalhadores” a um “de políticas sociais de caráter regressivo no período autoritário, até sua expansão no sentido da universalização após a redemocratização”. Desse modo, a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88) foi, sem dúvida, de extrema importância na conjuntura do enfrentamento às desigualdades socioeconômicas, uma vez que consolidou aspectos essenciais para a construção de um novo sistema de proteção social, pautado pela cidadania, elevando o status da assistência social ao de outras políticas sociais, reconhecendo o direito à aposentadoria não integralmente contributiva aos trabalhadores rurais e instituindo uma renda de solidariedade a idosos e pessoas com deficiência que viviam em condições de vulnerabilidade econômica – o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Foi justamente no contexto da implementação do BPC que se abriu o espaço necessário para debater sobre os riscos sociais associados à pobreza e a necessidade de criação de mecanismos capazes de assegurar condições de vida mínimas a todos(as) aqueles(as) que encontram dificuldades para alcançá-las através do mercado de trabalho (SOARES; SÁTYRO, 2009, p. 28).

O reconhecimento explícito da pobreza como risco social foi possível, sobretudo, a partir do processo de rearticulação da sociedade civil brasileira nos anos 1980, cuja principal consequência foi a incorporação da luta por direitos sociais básicos na pauta política. De modo que a CF/88 não apenas ampliou os direitos sociais, introduzindo a noção de Seguridade Social, mas também os deveres do Estado em relação a esse campo. Se a universalização de direitos sociais básicos, com a garantia de mínimos sociais, mostrava-se, até então, uma possibilidade, na década que se seguiu à promulgação da chamada “Constituição Cidadã”, diante da crise fiscal enfrentada pelo Estado brasileiro e da opção do governo federal pelo projeto neoliberal, vivenciou-se, após a imposição de limitações aos programas sociais, um desmonte desses recém-conquistados direitos (SILVA E SILVA; YAZBEK; DI GIOVANNI, 2009). Posteriormente, a partir do início do século XXI, o país passou a ser orientado pelos preceitos de organismos internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que expressavam as suas recomendações em torno da descentralização, privatização e focalização dos programas sociais (SILVA E SILVA; YAZBEK; DI GIOVANNI, 2009).

Apesar dos retrocessos experimentados na década de 1990, é inegável que houve uma evolução no campo da proteção social brasileira desde os anos 1930. A trajetória da proteção social, iniciada com as garantias mínimas aos trabalhadores urbanos, moveu-se em direção à previsão de benefícios monetários a idosos e pessoas com deficiência, culminando, já no final da década de 1990, com os programas de transferência condicionada de renda (PTCR) associados à educação e à saúde. Nesse último campo, inserem-se os Programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação que, junto ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), do Auxílio Gás e do Cartão Alimentação, antecederam aquele que seria considerado uma das principais políticas de enfrentamento à pobreza no Brasil, o Programa Bolsa Família (PBF)[2].

3 Políticas de enfrentamento à pobreza: o caso do Programa Bolsa Família

Instituído em 2003, a partir da unificação dos programas que lhe precederam, o PBF constitui-se como uma política intersetorial, haja vista que articula, no que concerne às condicionalidades a que seus beneficiários estão sujeitos, uma série de políticas sociais. Em comparação com os PTCR anteriores, o PBF, além de ampliar o número de beneficiários e o valor dos benefícios monetários, inovou ao instituir a Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC), órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), responsável pela gestão administrativa das políticas de transferência de renda. O programa conta ainda com uma gestão descentralizada política e administrativamente, promovida a partir do compartilhamento de responsabilidades entre o MDS e os Ministérios da Educação e da Saúde.

À SENARC cabe, de modo geral, estabelecer os critérios utilizados para eleger os beneficiários e o valor dos benefícios, definir o questionário do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), os critérios para suspensão e corte dos benefícios e os parâmetros operacionais, e propor o orçamento anual e a determinação de cotas por município, por exemplo. Contudo, a fim de limitar a “intervenção de qualquer gestor, seja este federal ou municipal, na seleção efetiva dos beneficiários” (SOARES; SÁTYRO, 2009, p. 32), a Caixa Econômica Federal (CEF) tornou-se o órgão operador e pagador do programa. A CEF não é responsável apenas pelo pagamento dos benefícios, mas também compete a ela operar o programa por meio do CadÚnico, ou seja, selecionar de forma automatizada, entre os cadastrados, aqueles que atendem aos critérios para receber o benefício.

No entanto, à semelhança de outras políticas do campo social, não obstante suas diretrizes serem formuladas em nível nacional, a sua implementação se dá em âmbito municipal (SILVA E SILVA; YAZBEK; DI GIOVANNI, 2009). No que concerne à gestão administrativa descentralizada, em 2005 o Governo Federal passou a firmar termos de adesão com os municípios visando definir o papel de cada um dos agentes envolvidos no programa. A título de incentivo à adesão, foi criado o Índice de Gestão Descentralizada (IGD), indicador que mede a qualidade da gestão do PBF, a partir do qual são realizados repasses financeiros aos municípios. No âmbito do PBF, a gestão descentralizada é considerada eficaz na medida em que i) reduz os gastos com a implantação do PBF, dado que, supostamente, os municípios já contariam com os equipamentos públicos necessários (postos de saúde, escolas, CRAS etc.) e ii) entende-se que os governos municipais possuem maiores informações acerca de sua população empobrecida, tornando mais eficiente o processo de cadastramento e focalização do programa (BRASIL, 2016).

Se as controvérsias em torno da atribuição da gestão das políticas sociais aos municípios antecedem a criação dos programas de transferência de renda no Brasil (FARAH, 2001; FERNANDES; CASTRO; MARON, 2013), é inquestionável que a projeção e o alcance dessas políticas atualizam a relevância do debate. Entre aqueles que se dedicam às análises voltadas às políticas de combate à pobreza, parece haver convergência de que, apesar dos aspectos políticos favoráveis da descentralização, há limites administrativos impostos aos gestores em âmbito local. Argumenta-se, neste sentido, que apesar da descentralização das políticas sociais se apresentar como uma possibilidade promissora, haja vista que viabiliza a participação da população, a transferência de gestão ainda representa um desafio para os entes federados brasileiros. Silva e Silva (2008, p. 204), por exemplo, afirma que para se pensar a descentralização no cenário nacional é necessário:

[...] considerar os limites também presentes a essa prática. Entre esses, se destacam a diversidade dos 5.565 municípios brasileiros, na sua grande maioria municípios pequenos, com população inferior a 10 mil habitantes, vivendo praticamente com recursos do fundo de participação, transferidos pelo Governo Federal; seus limites em termos materiais e de recursos humanos e, consequentemente, sua incapacidade gerencial. A isso, soma-se o cotidiano de uma prática administrativa marcada pelo patrimonialismo e uma prática política clientelista, além da fragilidade da organização popular, limitando o poder de real participação e controle social sobre as ações municipais.

De forma que, em relação à divisão de responsabilidades entre os entes federados quanto à gestão e implementação do PBF, enquanto aos órgãos vinculados ao Governo Federal cabe a elaboração das diretrizes gerais do programa, o pagamento dos benefícios e o processamento das informações referentes às famílias beneficiárias; aos governos estaduais cabe apoiar tecnicamente e supervisionar os municípios (principalmente quanto à realização dos cadastros); e, aos municípios, cabe a efetiva implementação do programa. Na prática, isso significa que os municípios são responsáveis pelo cadastramento das famílias de baixa renda e atualização do banco de dados do CadÚnico, pela transmissão e acompanhamento dos dados enviados à CEF, pelo oferecimento dos serviços básicos relacionados às condicionalidades (escolas, postos de saúde, CRAS) e pelo acompanhamento e elaboração de relatórios referentes ao cumprimento das condicionalidades pelas famílias beneficiárias, e, é claro, pela divulgação das informações acerca do programa e dos critérios para cadastramento de famílias de baixa renda, público alvo dessa política.

Quanto aos critérios de elegibilidade, para participar do PBF as famílias precisam realizar a inscrição no CadÚnico e possuir uma renda mensal familiar per capita inferior a R$ 170,00. Ainda que a inscrição no cadastro seja uma exigência, ela, por si só, não indica que os inscritos serão beneficiados pelo programa. O critério principal para inclusão é a renda familiar. Assim, o PBF estabeleceu um processo de focalização com duas linhas de elegibilidade: Linha de Pobreza e Linha de Extrema Pobreza, entendido por Cotta e Paiva (2010, p. 58) como um “sentido de direcionamento desse tipo de intervenção apenas nos ‘mais pobres entre os pobres”. Ambas as linhas são definidas a partir de critérios vinculados à renda das famílias: enquanto a primeira diz respeito às famílias que possuem renda mensal familiar per capita entre R$ 89,01 e R$ 178,00, a segunda refere-se a famílias que possuem renda mensal familiar per capita de até R$ 89,00[3]. Os valores dos benefícios, por sua vez, correspondem às linhas de pobreza e extrema pobreza e possíveis variações na composição familiar, de modo que i) a presença de gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes até 15 anos, jovens entre 16 e 17 anos permite que as famílias acumulem até três benefícios variáveis no valor de R$ 41,00 cada um e, ii) a presença de jovens entre 16 e 17 anos possibilita que as famílias recebam até dois benefícios variáveis no valor de R$ 46,00 cada. Assim, os valores atuais do Bolsa Família, uma vez que as famílias podem acrescentar até cinco benefícios variáveis ao valor base, variam entre R$ 41,00 e R$ 304,00.

Soma-se à transferência de renda, a participação obrigatória dos beneficiários em ações das áreas da educação, saúde e assistência social, de forma que as condicionalidades tornam-se um elemento importante do processo de implementação do PBF. As contrapartidas geram, por um lado, a obrigação de provimento, por parte do Poder Público, dos equipamentos estatais e da burocracia necessária para implementar as ações previstas pelo Bolsa Família, enquanto, por outro, funcionam, conforme Cotta e Paiva (2010, p. 64) como “sistemas de indução do comportamento dos beneficiários”, ou seja:

[as condicionalidades] constituem um sistema de indução que busca afetar o comportamento dos membros adultos das famílias vulneráveis, por meio da associação de um prêmio financeiro a decisões consideradas socialmente ótimas, como o investimento na saúde e educação das próximas gerações. Nesse sentido, elas estabelecem um elo causal entre as transferências no presente e a emancipação futura das crianças e jovens das famílias atendidas, via melhoria de seu nível educacional (Op. Cit., p. 60).

Por esse ângulo, no campo da educação, cabe às famílias beneficiárias manterem as crianças entre seis e 15 anos matriculadas e com frequência escolar mensal mínima de 85% da carga horária, enquanto os adolescentes, entre 16 e 17 anos, devem ter frequência mínima de 75%. Quanto à saúde, as famílias se comprometem em acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento – através de pesagem e medição de altura – das crianças menores de sete anos. Ao contrário dos meninos, as meninas, após essa idade, permanecem cumprindo a condicionalidade da saúde, assim como as mulheres em idade fértil até os 49 anos de idade; e, quando gestantes e/ou nutrizes, devem realizar periodicamente o pré-natal e acompanhamento da saúde do bebê. E, por fim, em relação à assistência social, é dever das famílias beneficiárias do PBF encaminhar (e possibilitar a permanência de) crianças e adolescentes com até 16 anos de idade que se encontram em risco - ou tenham sido retirados do trabalho infantil - aos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos do PETI, obtendo uma frequência mínima de 85% da carga horária mensal. Devem, ainda, participar das atividades ofertadas pelos CRAS e/ou Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS) e realizar o recadastramento a cada dois anos (prazo máximo), levando a documentação completa de todos os integrantes do grupo familiar. Como pode ser observado, ainda que o PBF simbolize um avanço no âmbito das políticas de proteção social no Brasil, uma vez que suas ações são focadas na família[4] e não mais em membros isolados (POCHMANN, 2010, p. 15), o recurso financeiro, sob a titularidade do cartão do programa, é destinado preferencialmente às mulheres-mães, e as condicionalidades estão voltadas às crianças, adolescentes e às grávidas e/ou nutrizes, de modo que os homens-pais não são incluídos no escopo de ações previstas pelo programa. Na prática, esse fato não remete apenas à manutenção e reforço dos estereótipos e papéis de gênero (KLEIN, 2003), mas poderia apontar para um aprofundamento dos riscos associados à pobreza entre os homens, uma vez que nenhuma das ações de proteção social vinculadas ao BF são destinadas a eles (EGER, 2013; EGER; DAMO, 2014).

Ao nos alongarmos em torno das características estruturais e gerenciais do Bolsa Família objetivamos assinalar a complexidade do desenho, da gestão e da implementação dessa política, bem como apontar para o conjunto de atores heterogêneos que participam desses processos em todos os níveis da federação e, consequentemente, para a perspectiva adotada pelos implementadores à medida em que a política vai sendo executada em nível local. Dado esse cenário, encaminharemos a discussão em dois sentidos: i) o processo de implementação local do PBF e ii) o papel desempenhado pelos assistentes sociais - um dos muitos atores presentes na operacionalização do programa – não apenas em relação ao cotidiano dos beneficiários, mas, sobretudo, na definição dos termos que garantem ou não o acesso à política.

4 Alvorada: o município como cenário do processo de implementação de políticas sociais

Alvorada integra a Região Metropolitana de Porto Alegre, no RS, ficando distante do centro da capital cerca de uma hora. Contando com uma área de 70,811 Km² e uma população em torno de 200 mil habitantes (IBGE, 2010), o município passou a ocupar a pior colocação no ranking de Produto Interno Bruto (PIB) per capita do RS (R$ 11.353,07), segundo o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico/2015 (IDESE/2015) apresentado em 2017 pela Fundação de Economia e Estatística (FEE, 2017).

Emancipada em 1965, a cidade foi considerada durante muito tempo como um “município dormitório”, uma vez que sua população precisava sair da cidade para trabalhar, estudar e buscar lazer. Aos poucos, com o aumento do comércio (responsável por quase 85% da composição do PIB do município), e a instalação de algumas pequenas indústrias, de um hipermercado e de um shopping (em construção), esse quadro parece estar se transformando, embora as limitações estruturais permaneçam cerceando o acesso dos cidadãos alvoradenses a políticas públicas de qualidade. A título de ilustração, no que se relaciona apenas ao PBF e à condicionalidade sobre a qual nos debruçamos aqui, segundo o Relatório de Informações sobre o Bolsa Família e CadÚnico de 2018 (BRASIL, 2018), até maio do mesmo ano havia 15.713 residentes em Alvorada cadastrados, sendo que desses 6.933 são beneficiados pelo Bolsa Família, ou seja, cerca de 9,77% da população pobre (oficialmente reconhecida como tal, ou seja, aqueles que estão efetivamente inseridos no cadastro) do município. A eles foi transferido, em maio do ano corrente, o montante total de R$ 1.048.277,00, sendo o valor médio dos benefícios em torno de R$ 151,20 por família. No que tange especificamente à assistência social, a cidade mantém cinco CRAS, um CREAS, um Abrigo Infantil, um Centro de Capacitação Profissional, a Coordenadoria de Direitos Humanos, o posto de atendimento para o CadÚnico, o Departamento de Assistência a Entidades Filantrópicas e o Conselho Municipal de Assistência Social.

O caso de Alvorada parece-nos exemplar quanto à diversidade de contextos municipais nos quais o PBF vem sendo executado há 15 anos. Conhecer os processos de implementação em âmbito local nos permite atentar para as possibilidades e limitações presentes em uma das políticas sociais mais relevantes do Brasil. Como afirma Bichir (2010, p. 9), o “próprio MDS aponta que é necessário conhecer mais a fundo as estratégias locais – municipais – de gestão do PBF, especialmente no que se refere ao cadastramento e à atualização do cadastro”. Esse dado é relevante porque, como já mencionado, cabe aos municípios controlar a “porta de entrada” (BICHIR, 2010, p. 10) do programa, já que são os responsáveis por identificar as famílias que serão inseridas no CadÚnico e que poderão ser beneficiadas pelo PBF. Medeiros, Britto e Soares (2008) complementa salientando que, pelo menos em parte, alguns dos erros de focalização poderiam ser compreendidos a partir da participação dos municípios na elaboração das primeiras informações contidas no CadÚnico, e se dão em razão da volatilidade da renda das famílias pobres, de erros na captação da renda (que podem ser explicados tanto por casos de subdeclaração de renda por parte dos requerentes, como também pelos critérios utilizados pelos profissionais responsáveis pelo cadastramento das famílias pobres), além, é claro, dos autores não descartarem a possibilidade de fraudes.

Assim, em 2010, quando a investigação que fundamenta a presente discussão fora iniciada, encontramos inúmeras dificuldades para iniciar a pesquisa de campo, cujo objeto de interesse eram as moralidades subjacentes aos usos do dinheiro do PBF. O tema – dinheiro oriundo de uma política de transferência de renda -, por si só se apresentava como um obstáculo para o nosso acesso aos beneficiários do programa. Entre as várias estratégias desenvolvidas para contatar possíveis interlocutores, a que se mostrou mais eficaz foi estabelecer proximidade com os CRAS de Alvorada e lograr, após longo período de negociação, o acesso às equipes e à dinâmica de funcionamento local. O que desembocou, mais tarde, na permissão para acompanhar[5] os assistentes sociais em “visitas” realizadas a usuários do CRAS que almejavam ser incluídos no PBF e também aqueles já beneficiados pelo programa. Durante esse período da pesquisa observamos que em torno do programa gravitava uma rede de proteção social mais ampla, integrada por outros agentes e entidades que não aquelas vinculadas diretamente aos órgãos municipais (à Rede do Sistema Único de Assistência Social [SUAS], propriamente dita). Considerando o perfil do município, a maior parte dos beneficiários acabava por receber atendimento direto (tendo em vista, inclusive, o apoio necessário para garantir o cumprimento de algumas das condicionalidades) por parte de assistentes e profissionais vinculados ou à rede de assistência social não governamental (unidades conveniadas da rede de proteção social básica), constituída majoritariamente por entidades religiosas, ou à rede de proteção social informal, mantida principalmente por organizações comunitárias e voluntários. Levando em consideração tal cenário, interessou-nos examinar as consequências dessa fragmentação e complementaridade das atividades voltadas à proteção social no que toca, em específico, ao entendimento acerca do recurso do PBF.

Frente ao exposto e, na medida em que, por um lado, compreende-se que o “CRAS deve contribuir para potencializar a ação do Estado em territórios de pobreza, violência ou mesmo com acesso dificultado aos serviços públicos” (MDS, 2009, p. 27) e, por outro, devido à escassez de equipes vinculadas a esses serviços e de equipamentos estatais destinados diretamente à assistência social e, indiretamente, ao PBF, busca-se compreender como atuam os agentes implementadores, cuja dinâmica de trabalho se dá na interação direta com o público-alvo da política, como determinam quem integra ou não o foco de suas ações e, em última instância, como eles definem o acesso a essa política.

4.1 CRAS: a “porta de entrada” do Programa Bolsa Família

Conforme a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), o CRAS é uma:

[...] unidade pública estatal de base territorial, localizado em áreas de vulnerabilidade social, que abrange um total de até 1.000 famílias/ano. Executa serviços de proteção social básica, organiza e coordena a rede de serviços socioassistenciais locais da política de assistência social (BRASIL/PNAS, 2004-2005, p. 35).

Na opinião de Helena[6], uma das assistentes sociais vinculadas ao município de Alvorada, o CRAS é responsável por “identificar [e] diagnosticar as demandas”, cumprindo assim a função de “porta de entrada para o acolhimento” da população que se encontra em seu “território de abrangência”. A ele cabe “referenciar” seus “usuários” e encaminhá-los “para o Estado ou para as instituições que oferecem os serviços socioassistenciais” (pertencentes à rede de proteção social básica). A assistente social, procurando estabelecer aproximações entre as unidades públicas vinculadas ao SUAS e as vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) – respectivamente, o “primo pobre” e o “primo rico”, segundo comentou – nos explica: “o CRAS está para o CREAS, assim como o Posto de Saúde está para o Hospital”, referindo-se ao “grau de complexidade” presente nas diferentes ações ofertadas e executadas por cada um deles. O CRAS é responsável, portanto, pela gestão dos serviços socioassistenciais de “proteção básica” do SUAS ofertados em seu território de abrangência, figurando como a unidade de referência tanto para outras unidades públicas quanto para “entidades de assistência social privada sem fins lucrativos” que devem, segundo as orientações técnicas, ser “obrigatoriamente a ele referenciadas” (MDS, 2009, p. 7). Considerados como os eixos do SUAS, a “matricialidade sociofamiliar” e a “territorialização” orientam as ações que caracterizam e que são executadas obrigatoriamente por esses equipamentos estatais.

Focado na família, que é compreendida, segundo a PNAS, como o “conjunto de pessoas unidas por laços consanguíneos, afetivos ou de solidariedade, cuja sobrevivência e reprodução social pressupõem obrigações recíprocas e o compartilhamento de renda e/ou dependência econômica” (MDS, 2009, p.12), o CRAS possui, entre as suas responsabilidades, serviços considerados de Proteção Básica de Assistência Social, ou seja, ações que “potencializam a família como unidade de referência, fortalecendo seus vínculos internos e externos de solidariedade, através do protagonismo de seus membros e da oferta de um conjunto de serviços locais que visam à convivência, a socialização e o acolhimento em famílias cujos vínculos familiar e comunitário foram rompidos, bem como a promoção da integração ao mercado de trabalho” (BRASIL/PNAS, 2005, p. 34).

Em âmbito local, contudo, o número de CRAS é um dos pontos delicados no que tange à assistência social no município de Alvorada. Por se tratar de uma cidade pobre, com áreas com alta concentração de desempregados e de famílias vivendo em condições socioeconômicas desfavoráveis e facilmente enquadradas como “vulneráveis”[7] (na perspectiva do SUAS), os cinco Centros existentes (BRASIL, 2017) não parecem dar conta das necessidades do município. Além disso, não se adequavam, à época da pesquisa, às orientações da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (BRASIL, 2011) quanto à composição mínima (variável de acordo com o tamanho populacional) e a carga horária das equipes de referência. Sendo de grande porte, Alvorada deveria ter, para cada CRAS, no mínimo dois assistentes sociais, um psicólogo e um profissional de nível superior (pedagogo, sociólogo, antropólogo etc.). No entanto, cada um dos Centros contava, no máximo, com um psicólogo e dois assistentes sociais, sendo um deles o coordenador; enquanto que a equipe de nível médio se resumia aos funcionários de manutenção/limpeza e recepção. Em relação às condições de trabalho, apenas quatro assistentes eram concursados e ocupavam a função de coordenadores, o que significava, na prática, que os atendimentos, as visitas e a atuação em outras atividades destinadas às famílias ficavam a cargo de um assistente social, auxiliado em dois dos CRAS por um psicólogo. Todos os outros profissionais do serviço social eram terceirizados e cumpriam carga horária semanal de 20 a 30 horas, de modo que em pelo menos um dos turnos diários eles não estavam presentes.

Se considerarmos o número de indivíduos “referenciados” (ou seja, aqueles que estão na área de abrangência e, portanto, de responsabilidade de cada um dos CRAS), a quantidade de Centros de Referência poderia ser questionada enquanto insuficiente e, na maioria das vezes, eram mal localizados. Ao todo, o município, com quase 200 mil habitantes, possui cinco CRAS, sendo que cada um deles é responsável por “referenciar” uma área de abrangência denominada “região”. Cada região abarca cerca de sete bairros; no entanto, um único CRAS pode “referenciar” até quatro regiões, o que, no geral, pode atingir até vinte e oito bairros por CRAS.

Reforçamos, portanto, que, conforme os responsáveis pela implementação do PBF em Alvorada, o acesso ao programa se dá através dos CRAS, considerados, por essa razão, como a “porta de entrada” oficial para essa política. Nesse sentido, antes mesmo de ser integrada ao CadÚnico, a família precisa “fazer a inclusão no CRAS” responsável pela cobertura de seu bairro, para, em seguida, receber a visita de um assistente social que opera junto ao CadÚnico na cidade. Esse profissional é o responsável por fazer as primeiras avaliações sobre as condições socioeconômicas dos candidatos ao cadastramento visando o benefício do Bolsa Família. Essa visita é normalmente realizada quando as famílias procuram o Centro de Referência, mas, de acordo com os responsáveis pelo programa, em alguns casos, quando há dúvidas sobre informações do CadÚnico, ou, quando o registro não passa pelo crivo dos técnicos da CEF, pede-se uma nova “visita domiciliar”. Conforme relatam, esse contato tem o objetivo de analisar as condições de moradia e os bens duráveis da família, a fim de assegurar a veracidade das informações apresentadas que são, principalmente quanto à renda, autodeclaradas. Ainda que os técnicos responsáveis por sua execução não considerem tal análise como sendo “investigativa” – informação que fazem questão de salientar –, é comum buscarem informações sobre os demandantes entre os seus vizinhos e parentes.

4.2 Esquadrinhamento da pobreza: as visitas promovidas pelos assistentes sociais

Como já assinalado anteriormente, o município de Alvorada conta com cinco CRAS, cujas ações são direcionadas a um território que abrange até vinte e oito bairros cada um. A fim de conduzir a etnografia, ainda que tenhamos entrevistado os coordenadores de todos os CRAS, detivemo-nos no acompanhamento das atividades de dois Centros de Referência, os quais chamaremos aqui de CRAS São Jorge e CRAS São Jerônimo[8]. Uma vez que o número de Centros de Referência não era suficiente para atender toda a área de abrangência que estava sob sua responsabilidade, e a fim de apreender a importância da presença constante e mais estreita dos assistentes junto aos beneficiários, bem como o seu entendimento sobre o PBF, escolhemos, ainda, dois bairros que estavam na área de abrangência CRAS São Jerônimo, sendo que, enquanto um deles recebia visitas semanais dos assistentes, o outro, por não receber atendimento desses profissionais no que toca ao acompanhamento[9] dos beneficiários do PBF, contava apenas com os serviços oferecidos pelas entidades não governamentais, que, conveniadas à Prefeitura, prestavam serviços socioassistenciais a essa população. Assim, no bairro onde o CRAS São Jorge estava sediado, dedicamo-nos a acompanhar os assistentes “em visita”, a participar das atividades (oficinas, encontros etc.) promovidas pelo Centro de Referência e também a observar os espaços de discussão e deliberação política, nos quais se encontravam tanto representantes das unidades públicas de assistência social quanto aqueles vinculados às unidades conveniadas e organizações comunitárias e religiosas.

Voltemos nossa atenção, contudo, às “visitas domiciliares”, cujo objetivo era verificar as condições nas quais os candidatos à inclusão no PBF viviam, de modo a atestar a veracidade das informações por eles fornecidas aos cadastradores e, portanto, constatar e reconhecer a sua condição de pobreza. O que aqui chamamos de reconhecimento da pobreza é um processo que, em tese, está diretamente ligado aos critérios de inclusão no Bolsa Família. Como mencionado anteriormente, o programa estabelece como preceito de elegibilidade as linhas de pobreza e de extrema pobreza, de modo a garantir a focalização da política. O que acontece, na prática, é que as famílias nessas condições raramente possuem comprovante de renda, o que torna necessário consentir que o principal critério de inclusão no programa seja autodeclarado. É no contexto da permissividade quanto à autodeclaração da renda familiar que os profissionais justificavam a necessidade de realizarem as referidas “visitas domiciliares”.

Ao longo dessas visitas, os assistentes sociais efetuavam um pré-cadastro a partir do qual buscavam responder questões relacionadas à renda, às atividades produtivas realizadas pelos membros da família, ao número de crianças, jovens, gestantes e/ou nutrizes e idosos e, também, aos bens duráveis existentes (carro, moto, máquina de lavar roupa, televisão, aparelho de DVD etc.) e à situação do domicílio (ocupado, alugado, emprestado, próprio etc.). A constatação da existência de bens duráveis tornava-se relevante, segundo nossos interlocutores, porque, em um cenário em que a renda, principal critério de elegibilidade, é autodeclarada, atribuía-se à tangibilidade dos bens o papel de proxy dos rendimentos familiares, razão pela qual os assistentes percorriam as casas a fim de comprovar a veracidade das informações previamente fornecidas pelas famílias, ou seja, se elas condiziam com “a realidade”. Nessas situações, era visível o empenho realizado pelos profissionais para identificar “os mais necessitados” ou aqueles que “realmente precisavam” e, sobretudo, era explícito o esforço empreendido pela maior parte das famílias visitadas para demonstrar e validar as suas necessidades e a sua pobreza aos olhos dos primeiros.

Recordamos, particularmente, do caso de Cigana, uma mulher com 35 anos de idade à época, com cinco filhos e desempregada, que fora ao CRAS São Jorge solicitar uma cesta básica aos assistentes[10] (EGER, 2013; EGER; DAMO, 2014). Naquela ocasião, dispondo de um número limitado de cestas básicas, em oposição à grande demanda recebida, os profissionais decidiram “sair em visita” para verificar a concretude das necessidades e carências apresentadas por aqueles que haviam procurado o CRAS. Assim, os assistentes sociais foram a campo, carregando consigo as cestas e os endereços dos solicitantes, sendo eles, a partir desse momento, considerados como “casos prioridade”. Uma vez que a visita era realizada, os solicitantes precisavam passar pelo crivo dos profissionais, atestando, portanto, que sua pobreza era maior e mais urgente que outras pobrezas. Aos assistentes sociais, por outro lado, competia procurar pelas evidências informadas dias antes no CRAS, pois apenas aqueles que “realmente precisavam” seriam beneficiados com as cestas básicas. Com Cigana não seria diferente.

Quando chegamos à sua casa, buscamos conferir a veracidade das informações outrora fornecidas por ela, quando, diante dela, um assistente social e um psicólogo questionaram-na sobre sua situação: “Ainda estava casada? Quantos filhos tinha? Onde estavam? Quantos moravam com ela? Por que ela não parava de ter filhos? O marido trabalhava? No quê? E ela trabalhava? Por que não? E por fim, por que havia procurado o CRAS?” (EGER, 2013; EGER; DAMO, 2014). Cigana não apenas se esforçava em responder todas as perguntas, como também se empenhava em ilustrar as suas precárias condições de vida. Ora deixava-se caminhar displicentemente pela cozinha, abrindo e fechando os seus armários, mostrando-nos o interior de sua geladeira, do fogão e de suas panelas vazias, ora exibindo-nos as pernas franzinas de Bianca, sua filha de três anos. Cigana não apenas conhecia a retórica da pobreza, porque a experenciava cotidianamente, como também sabia perfeitamente quando, onde e com quem empregá-la.

Na ocasião de outra “visita domiciliar”, destinada à comprovação de informações fornecidas ao Centro de Referência, dirigimo-nos à casa de uma “mãe solteira” que fora ao CRAS solicitar cadastramento no PBF. Os assistentes tinham dúvidas em relação a algumas informações e, com isso, era imprescindível visitá-la. Já em frente ao seu portão, o profissional nos olhou com ar irônico e comentou: “essa aqui tá achando que vai enganar a gente. Olha a casa dela. Certo que não tá precisando”. Em seguida, no interior da residência, após uma sequência de perguntas e respostas referentes às suas condições familiares, profissionais e financeiras, terminamos a visita com a garantia de que aquele caso não seria levado adiante, ou seja, ela não seria chamada para realizar o cadastramento no CadÚnico e não poderia dar início ao processo de elegibilidade ao PBF. Na percepção do profissional que, além das inúmeras perguntas feitas, dedicou-se a observar a casa, os móveis e as roupas que mãe e filho vestiam, aquele era mais um dos casos em que pessoas que “não precisam de verdade [do benefício] tentam se aproveitar”.

A pobreza, normalmente associada a uma condição de classe, é frequentemente ignorada enquanto uma experiência, um modo de estar no mundo, e que não é, em todo o caso, um modo passivo, pois em geral viver na pobreza implica lutar com e contra ela. As condições materiais, políticas, econômicas e sociais influenciam, ainda que não sejam, isoladamente, determinantes, na maneira como os agentes se posicionam, nas decisões que tomam, nas relações que estabelecem, na forma como se enxergam, classificam e identificam os outros. Uma vez que a pobreza assume dimensões de carência material, por vezes também associada às desigualdades políticas, jurídicas e à violência, ela se torna, para muitas pessoas, uma condição irremediável, a exigir a apropriação de códigos, sinais e linguagens que lhes permitam comunicar a sua situação, e, sobretudo, que lhes possibilitem garantir que as circunstâncias de suas existências sejam reconhecidas pelos outros.

Nesta mesma perspectiva, examinaremos o caso de Maria Rosa[11], uma exceção entre todos os que conhecemos e acompanhamos durante a pesquisa de campo (EGER, 2013; EGER; DAMO, 2014). Se a condição financeira de Maria Rosa a tornava elegível ao PBF, ela não era suficiente para comprovar a sua “real necessidade” diante dos profissionais da assistência social. A mulher, à época da pesquisa, tinha 46 anos de idade e três filhos, sendo a caçula de 13 anos a única a morar com ela. Após separar-se de seu primeiro marido, com o qual vivia em um luxuoso apartamento em um dos bairros mais requintados e caros de Porto Alegre, Maria Rosa experimentou um significativo declínio financeiro, encontrando-se, anos após o divórcio, em situação de extrema pobreza. Vivendo de doações, do PBF e da realização de eventuais faxinas, Maria Rosa não se adaptou à dinâmica do CRAS ao qual estava, desde então, referenciada. Segundo ela, mesmo precisando de atendimento, evitava, sempre que podia, ir ao Centro de Referência, haja vista que, conforme relatou, “as pessoas me olham como se eu fosse uma alienígena. Me olham estranho. Como se aquele não fosse meu lugar”.

Concretamente, as experiências prévias de Maria Rosa nos circuitos abastados da capital gaúcha - que lhe garantiam uma postura altiva, gestos e movimentos lentos e precisos e um linguajar comedido –, não a prepararam para as dinâmicas próprias das ações e intervenções estatais. As diferenças na linguagem corporal e verbal entre Maria Rosa e outros beneficiários que entrevistamos e acompanhamos ao longo da etnografia foram, segundo ela própria, responsáveis por muitos “nãos” dos assistentes dos CRAS e dos agentes da pastoral da paróquia que frequentava. “As pessoas não acreditam que eu passo necessidade. [...] Já expliquei, contei minha situação, mas não adianta”, lamentava-se. Os traços sociais e comportamentais provenientes de sua trajetória precedente à inclusão no PBF a impossibilitavam de se fazer ouvir ante suas carências. Diante disso, na tentativa de produzir um status de verdade sobre sua trajetória, ela passou a apresentar todos os documentos que guardava organizadamente. Neles constavam as informações necessárias para credibilizar o declínio financeiro vivido por ela e sua família. Assim, a sua pobreza podia ser constatada através dos incontáveis papéis que ela carregava frequentemente consigo. Infelizmente, ela desconhecia o fato de que a própria ausência de documentos é, por si própria, uma indefectível comprovação de “vulnerabilidade” aos olhos dos profissionais da assistência social.

Ao contrário de Maria Rosa, que procurava, sempre que possível, apontar para a atualidade de sua pobreza, no que concerne a outros beneficiários, quando questionados sobre sua condição social e financeira, eles nos indicavam, literalmente, alguém que seria e/ou estaria em uma situação pior, ou seja, alguém que seria “mais pobre” do que eles próprios. E um dos elementos distintivos e potencializadores da pobreza era sempre a sujeira. Assim, “sou pobre, mas sou limpa”, e todos os seus equivalentes – “minha casa é pobre, mas é limpa”, “a gente é pobre, mas meu marido/filho não anda por aí rasgado, sujo” -, eram argumentos frequentemente utilizados como forma de demarcar as relações e o lugar ocupado por cada um deles. A pobreza, nesse caso, era um marcador mobilizado para estabelecer hierarquias entre um “eu” e um “outro”, que, mesmo vivendo em condições semelhantes, poderia ser considerado como partícipes de ordens sociais distintas.

5 A fluidez das categorias de intervenção: entre “pobres” e “vulneráveis”

Ao descrever as condições em que as “visitas domiciliares” eram realizadas no âmbito do processo de elegibilidade ao PBF em Alvorada, procuramos apontar as negociações feitas entre os mediadores dessa política e seus beneficiários diretos e, assim, compreender como esses se definem, como justificam suas necessidades, como solicitam atendimento e como negociam entre si e com os profissionais prestadores de assistência social os significados da pobreza e, a partir disso, as suas próprias identidades. Por fim, procuramos apreender o que essas negociações e tensões revelam sobre um dos maiores programas brasileiros de proteção social.

Entre todas as condicionalidades previstas aos beneficiários do PBF, as relacionadas diretamente à assistência social são, na maioria das vezes, negligenciadas, não obstante a sua relevância sobre o cotidiano das famílias beneficiadas. De modo semelhante, desconsideram-se, por vezes, as condições em que esses profissionais executam as ações sobre as quais são responsáveis. Chamamos atenção, nesse sentido, para a importância das ações desenvolvidas por esses agentes de implementação, não apenas na condução das condicionalidades que lhes dizem respeito, mas, sobretudo, no processo de identificação de famílias elegíveis ao PBF, nos primeiros contatos realizados com vistas ao cadastramento dos elegíveis e, posteriormente, no acompanhamento familiar realizado junto aos já beneficiados por essa política.

Constata-se, dessa forma, a dramaticidade que envolve as “visitas domiciliares”, uma vez que elas podem ou não chancelar a condição de “necessidade” ou de “vulnerabilidade” – tal como compreendida pelos profissionais em atuação –, que viabiliza a transição dos “pobres”, de modo geral, para os “elegíveis” e, em seguida, para os beneficiários do PBF, de modo específico. A pobreza, não obstante o reconhecimento de sua complexidade, é operacionalizada no contexto da focalização da política de transferência de renda aqui examinada a partir de linhas de corte assentadas sobre o rendimento familiar per capita. Se os critérios de elegibilidade podem ser considerados claros do ponto de vista do desenho da política, as condições em que muitas dessas famílias vivem e a consequente impossibilidade de comprovarem suas receitas e necessidades abrem espaço à atuação discricional dos agentes que atuam nesse campo.

No que concerne à implementação do PBF, a noção que subjaz às linhas de corte e que direciona o recorte do público-alvo – a pobreza – passa a ser manipulada tanto pelos profissionais quanto pelas famílias que almejam ser incluídas na política. Desta forma, ela ganha nuances e (re)interpretações ao longo do processo de efetivação do programa em nível local, de modo que, embora o principal critério de inclusão no PBF seja a renda, na prática, quando chamados a atuarem no processo de cadastramento de novos beneficiários, os assistentes sociais não saem “em visita” à procura de pobres (tal como definido nelas diretrizes do programa), nem tampouco dos mais pobres entre os pobres (segundo o princípio da focalização), mas buscam pelos mais pobres entre os mais pobres, os assim chamados vulneráveis. São esses não apenas os que preenchem uma condição pré-definida – em termos de ganhos ou de susceptibilidade ao risco -, antes os que sabem performatizar esta condição, sendo convincentes ao juízo dos assistentes sociais.

Dado esse cenário, com frequência a ausência dos homens-provedores ou, quando presentes, a impossibilidade destes se responsabilizarem pelos cuidados destinados às suas famílias (qualquer que seja o motivo) era um dos fatores levados em consideração no momento de qualificar uma família como vulnerável. Na medida em que o atendimento, assim como o próprio benefício do PBF, prioriza as mulheres-mães e as crianças e adolescentes, as regras do programa abrem espaço para que a suposta ausência dos homens-provedores se concretize enquanto um dado inquestionável sobre as necessidades e as “vulnerabilidades” das famílias pobres. As mulheres compreendiam esse processo e manejavam essa situação com maestria, enquanto estratégia ora para acessar mais facilmente o recurso, ora pela oportunidade de administrarem uma renda que permaneceria fora da ingerência de seus companheiros. Não se pode esquecer que, dentro desse campo de possibilidades, a própria trajetória dos beneficiários na “pobreza” cumpria um importante papel no que concerne ao potencial alcance desses estratagemas. Lembremo-nos da incapacidade de Maria Rosa, outrora “rica”, em validar as suas necessidades financeiras, a sua “pobreza” diante dos assistentes sociais.

Nesse processo de “pré-seleção” que visa encaminhar ao cadastramento aqueles que “realmente precisam” do benefício ou, em outras palavras, aqueles que “precisam mais”, cria-se como estratégia por parte dos que almejam o recurso uma retórica baseada no sofrimento, cujo objetivo principal é convencer os assistentes sociais de que suas necessidades são “reais”. Os agentes lidam, portanto, com classificações e denominações que fazem parte do seu cotidiano, de sua experiência de vida e, por isso, sabem quais são os momentos mais adequados para acionar esses marcadores, para manejar tais estratégias discursivas e performáticas. Enquanto que os assistentes sociais imprimem sobre o seu público-alvo diferentes marcas e expectativas, do mesmo modo esperam que suas condutas pessoais sejam correspondentes às classificações acionadas. Ao longo do processo de implementação do PBF, esses rótulos e marcas identitárias ganham sentido na dinâmica gerada pela relação entre os sujeitos-alvo da política e os mediadores a ela diretamente relacionados. As estratégias aqui destacadas e o conjunto de sinais relacionados à pobreza não atuam apenas no campo da performance social, antes como elementos responsáveis por definir a política pública em nível local e, da mesma forma, por instituir quem terá ou não direito a ela.

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Notas

* Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no XXI Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, realizado em Curitiba/Paraná, em agosto de 2018.
[1] É importante ressaltar que no escopo do programa estão previstas estratégias para minimizar os chamados erros de inclusão, ou seja, o repasse de recursos a beneficiários que possuem renda superior à prevista pelo corte do PBF, bem como os erros de exclusão, isto é, quando aqueles que atendem os critérios de elegibilidade não são beneficiados. De modo que, no âmbito dessa pesquisa, não problematizamos os casos que poderiam ser configurados como tentativas de fraudar as regras do PBF, inserindo-se no debate sobre os erros de inclusão, mas preocupamo-nos em analisar as circunstâncias em que as avaliações – muitas vezes conflitantes - dos implementadores sobre as condições dos demandantes ao Bolsa Família são realizadas.
[2] Em 2017, o PBF beneficiou mais de 14 milhões de famílias e contou com um orçamento anual de 29 bilhões de reais.
[3] Considerando o reajuste realizado em julho de 2018.
[4] No âmbito do Programa Bolsa Família, família é “unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros” (BRASIL, 2004, p. 2).
[5] Nosso acordo estabelecia também que deveria haver aceitação prévia por parte das famílias visitadas pelos assistentes sociais. De modo geral, eles nos apresentavam como “estudantes da Universidade Federal” e indagavam sobre a possibilidade – ou não – de acompanharmos a visita.
[6] Todos os nomes aqui mencionados são fictícios para assegurar o anonimato de nossos interlocutores.
[7] Em termos oficiais, conforme indicado nas Orientações Técnicas para os CRAS, dentre os “mais vulneráveis” encontram-se: “Família – e jovens – em situação de descumprimento de condicionalidades do PBF; 2) famílias do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil em descumprimento das condicionalidades; 3) famílias com membros entre 0 e 18 anos que apresentem algum tipo de deficiência e beneficiários do Benefício de Prestação Continuada; 4) famílias com beneficiários do PBF e/ou em situação de risco com jovens de 15 a 17 anos” (BRASIL, 2011, p. 29).
[8] Optamos por utilizar nomes fictícios com objetivo de resguardar a identidade dos profissionais alocados nesses Centros de Referência.
[9] Diferentemente das visitas cujo objetivo era averiguar as informações apresentadas no cadastro realizado no CRAS e que, se bem-sucedidas, culminariam na inclusão dessas pessoas no CadÚnico e, posteriormente, no PBF, as visitas de acompanhamento eram destinadas àqueles já beneficiados pelo programa, desempenhando o papel de verificar se a família estava cumprindo as condicionalidades, se as crianças e adolescentes estavam ou não em situação de trabalho infantil etc.
[10] O caso de Cigana foi amplamente analisado em trabalho anterior (EGER; DAMO, 2014).
[11] Maria Rosa, diferentemente dos outros casos aqui citados, não corresponde a uma beneficiária acompanhada e entrevistada em Alvorada. À época da pesquisa, Maria Rosa morava na capital gaúcha e, diante do ineditismo de sua trajetória, quando comparada à de outros beneficiários, optamos por incluí-la na pesquisa original, citando o seu caso atípico como exemplificador de nossos argumentos.


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