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PDF Excesso de prazo no processo penal: a gramática do Supremo Tribunal Federal

Excessive length of time in criminal proceedings: the Supreme Court grammar in use

Ludmila Ribeiro
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

PDF Excesso de prazo no processo penal: a gramática do Supremo Tribunal Federal

Revista Brasileira de Sociologia, vol. 7, núm. 16, pp. 50-81, 2019

Sociedade Brasileira de Sociologia

Recepção: 10 Fevereiro 2019

Aprovação: 15 Abril 2019

Resumo: A proposta deste artigo é desvelar os significados da categoria excesso de prazo nos acórdãos de natureza processual penal, resultantes de julgamentos do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, foi criada uma base de dados com acórdãos desse tipo, o que nos permite compreender a natureza dos problemas que mobilizam o STF em razão da morosidade da justiça criminal. Em seguida, foi estimado um modelo de regressão logística binomial para identificar quais são os argumentos que estão mais associados ao provimento do pedido na nova ordem constitucional (pós-1988). Os resultados indicam que o excesso de prazo no processo penal se refere à prisão provisória, sendo uma matéria discutida por meio de Habeas Corpus. A gramática mobilizada pelos ministros, inscrita nos acórdãos, parece ser diversa dependendo do desfecho. As menções ao direito à razoável duração do processo e à Emenda Constitucional 45/2004 estão associadas ao provimento do pedido, levando à soltura do preso, enquanto as denegações estiveram associadas aos fundamentos do processo penal, relacionados à garantia da ordem pública e à conveniência da instrução criminal. Logo, a ação do STF tem levado à constituição de uma nova gramática na justiça criminal, que, longe de dizer respeito à morosidade do processo penal, refere-se à legitimidade da prisão provisória com duração indeterminada.

Palavras-chave: Excesso de prazo, Habeas Corpus, Supremo Tribunal Federal, Prisão provisória.

Abstract: The purpose of this article is to unveil the meanings of the category “excessive length of time” in criminal cases handled by the Supreme Court. To this end, a database of such cases was created, which allows us to understand the nature of criminal trials that mobilize the Supreme Court due to excessive length of time. Then, a binomial logistic regression model was estimated to identify which arguments are most associated with granting the request in the new constitutional order (post-1988). The results indicate that the excessive length of time in criminal case refers to the pretrial detention, being a matter discussed through the use of Habeas Corpus. The grammar mobilized by the ministers, inscribed in their statements, seems to be different depending on the outcome. References to the right to a reasonable length of time and the Constitutional Amendment 45/2004 are associated with the granting of the request, leading to the release of the prisoner; while the denials were associated with the grounds of criminal proceedings related to the guarantee of public order and the convenience of criminal trials. Thus, the STF has led to a new grammar in criminal justice, which, far from being related to the length of time of criminal proceedings, refers to the legitimacy of indefinite pretrial detention.

Keywords: Length of time, Habeas Corpus, Supreme Court, Pretrial detention, Brazil.

Introdução[1]

A proposta deste artigo é identificar a gramática associada ao excesso de prazo no processo penal, tendo como base as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), proferidas no julgamento de Habeas Corpus endereçados à corte e indexados por essa matéria após a promulgação da Constituição da República de 1988 (BRASIL, 1988). Para se posicionar diante do problema, os Ministros do STF deveriam mobilizar três categorias que estruturam a administração do tempo na justiça criminal: tempo legal, duração processual e o prazo razoável (GOMES, 2016).

O tempo legal é aquele estabelecido pelo Código de Processo Penal (CPP), que regulamenta as fases de investigação, processamento e julgamento do delito. Este tempo, para crimes cuja pena é igual ou superior a quatro anos de prisão, é de 120 dias (ou quatro meses) para réus presos e 150 dias (ou cinco meses) para réus soltos (RIBEIRO; MACHADO; SILVA, 2012). Já para os crimes dolosos contra a vida, esse tempo varia entre 295 dias, para os acusados que respondem ao processo detidos, e 315 dias para os demais (Ibidem). Considerando a medida do tempo legal, os processos criminais deveriam ser encerrados no Brasil em até um ano. No entanto, poucas são as situações em que este tempo legal se verifica (VARGAS, 2014).

Entender o tempo da justiça criminal implica analisar a duração processual, que é o quanto o processo demora para tramitar no sistema de justiça, desde que o crime foi cometido até a decisão irrecorrível (ADORNO; PASINATO, 2007). A duração processual é determinada em função das estratégias que os operadores do direito mobilizam para atingir um determinado resultado (AZEVEDO; SINHORETTO, 2018) e, por isso, leva em consideração o fato de que os diversos atos processuais acrescentam tempo ao processo (GOMES, 2016, pp. 38-39). Os estudos empíricos brasileiros têm apontado para a excessiva duração dos processos criminais, independentemente do tipo criminal (VARGAS, 2014), o que contribui para a prescrição (perda do direito do Estado em punir alguém pela passagem do tempo), ápice da ineficiência na administração do tempo pela justiça criminal do nosso país (CNJ, 2019).

Neste contexto, o prazo razoável seria aquele que satisfaz os desejos de justiça dos envolvidos no processo, tanto na condição de operadores do direito como na posição de autores e vítimas do delito (ADORNO; PASINATO, 2007). Em regra, as Constituições Republicanas (CR) trazem esse princípio, mas não dizem de maneira objetiva que tempo é esse (caso do Brasil)[2], fazendo com que sua interpretação seja bastante diferenciada entre os Tribunais, uma vez que “não basta que os prazos legais tenham sido excedidos para que se conclua pela violação do direito à justiça em um prazo razoável” (GOMES, 2016, p. 41).

A Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004 inseriu entre as garantias fundamentais do cidadão brasileiro o direito a “razoável duração do processo” e a meios que sejam capazes de efetivar a devida celeridade[3], sem dizer, contudo, qual seria o prazo razoável e quais as medidas cabíveis para que o tempo de processamento seja encurtado. Ao contrário do Speedy Trial Act dos Estados Unidos da América, que estabelece o limite de 100 dias para a sentença, direito que deve ser respeitado a menos que o réu, explicitamente, abra mão dele (YANG, 2016; TRACZ, 2019), a EC 45/2006 não estabeleceu um intervalo de dias a partir do qual o processo seria considerado moroso. Como se trata de um dispositivo constitucional, cabe às Cortes desta natureza se pronunciarem sobre a forma como essa regra deve ser interpretada ou aplicada.

Para acionamento do Supremo Tribunal Federal, é preciso que o sujeito esteja sofrendo prejuízos em seus direitos fundamentais em razão dos atrasos da justiça, como estar privado de sua liberdade desnecessariamente (MOLOGNI; PIEROTTI, 2010). Como os estudos sobre duração processual atestam que os tribunais ignoram solenemente o tempo legal (RIBEIRO; MACHADO; SILVA, 2012), nos interessa identificar quais são as situações que levam o STF a se posicionar pelo reconhecimento de que há o desrespeito ao prazo razoável. Dito de outra maneira, como não existe limiar em dias estabelecendo a partir de que momento pode se dar o questionamento do excesso de prazo no processo penal, nosso objetivo, neste trabalho, é identificar quais são as palavras ou expressões que fazem com que o STF reconheça a existência de excesso de prazo no processo penal[4].

Essas são questões que, do ponto de vista sociológico, acionam a noção do momento crítico (BOLTANSKI; THÉVENOT, 1999), dando início ao embate entre justificativas para estabelecimento de uma gramática sobre o reconhecimento da legitimidade do prazo razoável, em oposição ao tempo legal e à duração necessária. Queremos, assim, desvelar a gramática do excesso de prazo a partir da identificação dos argumentos e das características do caso que levam a uma decisão favorável pelo STF em relação à violação do direito à razoável duração do processo. Para tanto, coletamos no site do Supremo Tribunal de Federal decisões relacionadas a essa temática.

Porém, os casos que são encaminhados ao STF discutem a razoável duração do processo dentro de um instituto muito específico da justiça criminal: a prisão provisória. Ou seja, os acórdãos mapeados são, em verdade, julgamentos de Habeas Corpus, indicando que o momento crítico que suscita a discussão do excesso de prazo é a privação da liberdade provisoriamente por um tempo maior do que o considerado como razoável (AZEVEDO; SINHORETTO, 2018). Vejamos, então, como este mecanismo tem operado na administração da justiça no Brasil.

A gramática do sistema de justiça criminal: o lugar do tempo

Em nossa sociedade, o que denominamos como sistema de justiça criminal é, na verdade, um emaranhado de instituições que desempenham as seguintes funções: o registro de uma infração penal (Polícias, tal como definidas no art. 144 da CR/1988), a investigação para apontamento daqueles que violaram a lei (Polícia Civil e Polícia Federal), a acusação pública do suspeito (Ministério Público), a apuração da culpabilidade ou inocência do acusado (atividade conjunta do Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário) e a execução da sanção apropriada àqueles considerados como culpados (Poder Executivo).

As pesquisas sobre administração da justiça criminal são as que buscam reconstituir esse fluxo de documentos e indivíduos entre essas organizações mencionadas, na tentativa de entender como se dão as aplicações das regras legais, as interações entre os diversos atores e a produção de decisões em cada uma dessas fases (VARGAS, 2014). Feeley (2017 [1967]) argumenta que os estudos empíricos sobre esse tema se estruturam, nos Estados Unidos da América, a partir de duas abordagens principais.

A teoria do objetivo parte do princípio de que os operadores do sistema de justiça criminal (categoria na qual estão incluídos os policiais, promotores, advogados, defensores e juízes) procuram maximizar a efetividade de suas tarefas a partir da criação de rotinas que irão primar pela aplicação quase cega de regras, de forma a minimizar a análise de situações excepcionais, o que garantiria pouca variação nas decisões tomadas (FEELEY, 2017). É uma perspectiva eminentemente weberiana, porque assume que a profissionalização dos operadores garante maior padronização dos procedimentos e menor uso da discricionariedade interpretativa, o que levaria a uma menor variabilidade de resultados e tempo de processamento (SUDNOW, 1965). Os operadores lançam mão de seus estoques de conhecimento sobre as regras e os recursos que devem ser acionados em cada caso, garantindo um mínimo de esforço e máximo de previsibilidade em cada fase.

A teoria funcionalista, por sua vez, tem como ponto de partida a ideia de que as organizações que compõem o sistema de justiça têm necessidades próprias e, por isso, os operadores do sistema são guiados não apenas por estoques de conhecimento sobre as regras legais, mas por relações de cooperação, troca, adaptação e, sobretudo, conflito (FEELEY, 2017). Na atividade de administração da justiça, não existe uma busca constante pela eficiência, como pressupõe a teoria do objetivo. Essa pode, inclusive, ser preterida, dada a demanda, por exemplo, por maior reconhecimento do trabalho que é feito pela polícia no controle do crime por meio das prisões por tráfico de drogas, o que reorientaria por completo a maneira como as demais instituições operam (SINHORETTO; LIMA, 2015).

Partindo dessa moldura teórica, uma forma de compreender como as organizações se relacionam é a partir da categoria “sistema frouxamente articulado” (HAGAN; HEWITT; ALWIN, 1979), que descortina a imperiosa necessidade de cooperação entre policiais, promotores, defensores e juízes para a administração eficiente da justiça, mas também revela como esses atores podem estabelecer interações eminentemente conflituosas quando não há concordância sobre as prioridades institucionais (DIXON, 1995).

Nesse enquadramento, a eficiência seria garantida quando os atores estão dispostos à cooperação como forma de padronização e aumento da eficiência de seus trabalhos, o que ocorreria quando há consenso sobre como eventos criminais devem ser registrados e administrados pelas distintas agências, o que daria origem à justiça em linha de montagem (BLUMBERG, 1967). Essa, contudo, pode ser desmontada a qualquer momento, em razão da chegada de novos atores, da alteração de percepção, por parte do operador, do que ele tem a ganhar ou a perder com o acordo ou ainda da mudança na forma de gestão das organizações (HAGAN; HEWITT; ALWIN, 1979). Por isso, as cooperações que garantem maior articulação do sistema são vistas como instáveis e propensas a conflitos, razão pela qual o padrão de funcionamento do sistema de justiça criminal só pode ser explicado pela apreciação das normas informais que guiam o comportamento dos operadores, as quais são variáveis no tempo e no espaço (DIXON, 1995).

Na teoria funcionalista, a duração do processo é uma função do grau de articulação ou desarticulação do sistema. Se há linha de montagem, a articulação do sistema será ajustada demais e o tempo pode ser muito curto, correndo-se o risco de suprimir direitos e garantias fundamentais; se o sistema for frouxamente articulado, o tempo será longo e os questionamentos sobre a duração razoável do processo serão muito mais frequentes.

Em ambas as perspectivas, o tempo aparece como uma variável importante. Na teoria do objetivo, o tempo é a medida da capacidade dos atores em adimplir às regras legais, estabelecidas nos códigos ou em dispositivos constitucionais. O sistema é tanto mais eficiente quanto maior a equivalência entre tempo legal e duração processual, o que tornaria a discussão do prazo razoável desnecessária. Na teoria funcionalista, a diferença existente entre a duração processual e o tempo legal pode sinalizar dois fenômenos diferenciados. Por um lado, pode dizer sobre padrões de cooperação, sendo que, quanto menor o tempo, maior a possibilidade de aplicação da abordagem da justiça em linha de montagem para entendimento do funcionamento do sistema de justiça. Por outro, a morosidade pode ser interpretada como um indicativo da desarticulação institucional e do aproveitamento da ambiguidade das regras para estacionamento do processamento em certas fases, dimensões que configuram a abordagem do sistema frouxamente articulado.

No Brasil, a teoria do objetivo não tem encontrado muitos adeptos, mas a teoria funcionalista é amplamente disseminada para compreender como as diferentes organizações que compõem o sistema de justiça criminal operam e quais são os resultados que elas produzem (VARGAS, 2014). Esses estudos salientam que a elevada burocratização dos procedimentos aplicados pelas polícias, promotorias, defensorias e varas criminais é constantemente substituída pela reinterpretação e negociação entre os operadores (cooperação e conflito), dando amostras de como o sistema de justiça criminal pode ser ora frouxamente articulado (visível na morosidade dos processos de homicídio doloso), ora justiça em linha de montagem (vislumbrado no diminuto tempo de processamento do tráfico de drogas, iniciado por prisões em flagrante).[5]

Partindo desta descrição, é de se esperar que os casos submetidos à análise do Supremo Tribunal Federal sejam aqueles nos quais a desarticulação do sistema de justiça criminal atingiu um grau tão elevado que o tempo de processamento passou a ser questionado em termos de sua razoabilidade. Este seria o momento crítico de que nos fala Boltanski e Thévenot (1999), o qual promove disputas essencialmente gramaticais, que têm como propósito justificar que uma regra aceita como legítima foi violada.

Na vida cotidiana, quando os indivíduos se deparam com momentos críticos, eles se veem obrigados a construir uma narrativa histórica na qual os fatos que ocasionaram a disjunção ou a ruptura de uma situação sejam justificáveis. Para tanto, eles precisam criar equivalências (no sentido de um se reconhecer no argumento do outro), o que pode ocorrer a partir do pertencimento a determinados grupos ou acionamento de linguagem comum a ambos. Durante a disputa, é o princípio da equivalência que garantirá a continuidade do diálogo e a não irrupção em violência. Como a vida moderna é repleta de momentos críticos e de disputas sobre o significado de ações, palavras e gestos, acionamos a todo momento narrativas no ímpeto de nos vermos “vencedores” dos embates que compõem a nossa vida em sociedade. Dessa maneira, criamos uma gramática sobre o que é mais ou menos aceito como legítimo, bem como delimitamos em quais contextos essas justificativas são válidas.

Seguindo a sociologia da crítica de Boltanski e Thévenot (1999) para entender a gramática formulada no momento crítico de decisão sobre o reconhecimento do excesso de prazo no processo penal pelo Supremo Tribunal Federal, é preciso identificar se existem equivalências entre os oponentes (quem impetra o Habeas Corpus e os ministros que irão julgá-lo) e entre as justificativas acionadas pelos envolvidos da disputa. Partimos do pressuposto de que, ao aceitar determinadas categorias como argumentos legítimos para o provimento do Habeas Corpus por excesso de prazo no processo penal, a corte levaria ao desenvolvimento de uma gramática a ser acionada por aqueles que têm como propósito garantir a soltura de seus clientes, presos provisoriamente por um tempo maior do que o considerado como razoável.

A injusta privação da liberdade é de suma relevância para a configuração do momento crítico no qual se discute o excesso de prazo no processo penal. O acionamento do Supremo Tribunal Federal não se dá tão somente pela morosidade, mas por um tipo específico de demora: aquela que alcança o sujeito que está preso nos presídios superlotados de nosso país (DEPEN, 2017). Para entender por que isso ocorre é preciso compreender as funções que a prisão desempenha na administração da justiça criminal brasileira.

De acordo com os estudos da área, a prisão em flagrante (aquela que ocorre quando o indivíduo está praticando o delito) é o principal elemento de articulação das organizações que compõem o sistema de justiça criminal (AZEVEDO; SINHORETTO, 2018). Quando ela ocorre, a investigação policial para a descoberta da autoria é prontamente dispensada, cabendo à polícia relatar apenas como o delito ocorreu, o que levaria o caso à imediata apreciação do promotor para oferecimento da denúncia (RIBEIRO; DUARTE, 2009). Além disso, como os policiais que efetuaram o flagrante gozam de fé pública, em delitos como o tráfico de drogas, eles seriam as principais testemunhas de acusação, o que diminuiria a complexidade da instrução e julgamento, aumentando as chances de condenação e diminuindo o tempo de processamento (JESUS, 2016). Como o flagrante é muito improvável em crimes dolosos (como o homicídio), posto que dificilmente os suspeitos são descobertos no momento da prática do delito, há uma elevada quantidade de prisões em ilícitos que podem ser “desvendados” por meio do policiamento ostensivo, sendo o tráfico de drogas o mais frequente deles (SANTOS et al, 2015).

As prisões em flagrante, realizadas pelas polícias, devem ser examinadas pelas autoridades judiciais logo após a sua ocorrência[6], e, dependendo do delito e da trajetória de vida do sujeito detido, podem ser convertidas em prisões preventivas (JESUS, 2016)[7]. A tendência dos juízes é converter o flagrante em prisão provisória nos crimes considerados graves, levando o sujeito a responder ao processo penal privado de liberdade por anos a fio (SANTOS et al, 2015).

Atualmente, entre os mais de 720 mil detentos, 40% são presos provisórios (DEPEN, 2017) e, desses, três em cada dez estão respondendo por algum artigo da lei 11.343/2006 (CAMPOS, 2015). “O tempo médio da prisão provisória varia de 172 (cento e setenta e dois) dias a 974 (novecentos e setenta e quatro) dias” (MACHADO; SANTOS, 2018, p. 96). Com mais indivíduos presos provisoriamente, o sistema de justiça criminal fica sobrecarregado em suas funções de investigação, acusação, processamento e sentenciamento. Como a quantidade de operadores (policiais, promotores, defensores e juízes) não aumenta na mesma proporção que os crimes que são submetidos a sua apreciação[8], é de se esperar que a morosidade no processamento se torne mais frequente em todos os ilícitos penais submetidos à administração do sistema de justiça criminal. Tal alteração pode reverberar em mais questionamento, por meio do Habeas Corpus[9], do excesso de prazo na duração da prisão provisória.

Em regra, os Habeas Corpus são inicialmente impetrados junto aos estados nos quais os presos esperam por uma definição de seus respectivos processos penais. Diante da negativa dessas instâncias, é possível recorrer ao Supremo Tribunal Federal, que deverá se posicionar por meio do acórdão sobre a existência do excesso de prazo na prisão provisória e, por conseguinte, sobre a possibilidade de concessão da liberdade provisória. Uma vez na corte constitucional, nos interessa saber quais são as características do problema (natureza do crime, por exemplo) e os argumentos mobilizados pelos impetrantes que encontram mais ressonância entre os ministros do STF para o reconhecimento do excesso de prazo no processo penal. Nossa pergunta de pesquisa é, portanto, diante de quais palavras (ou circunstâncias) há o provimento do pedido de Habeas Corpus?

Notas metodológicas[10]

Para responder à pergunta de pesquisa, em janeiro de 2018, foi realizada uma varredura automatizada (denominada raspagem) nos acórdãos do Supremo Tribunal Federal indexados a partir da categoria “excesso de prazo”[11]. Dos 3.010 acórdãos disponíveis no site do STF, foram selecionados os que diziam respeito à matéria “processual penal”, o que resultou em 1.730 casos únicos (alguns acórdãos estavam repetidos e, por isso, foram excluídos da base de dados).

Todos os casos reunidos na base de dados têm uma característica em comum: correspondem ao julgamento do Habeas Corpus[12]. Longe de dizer respeito tão somente à morosidade processual, que muitas vezes invalida todo o procedimento judicial pela prescrição (CNJ, 2019), os casos críticos sobre excesso de prazo que chegam para a administração do STF são referentes ao prazo razoável da prisão provisória, um dos maiores problemas do sistema prisional brasileiro (DEPEN, 2017).

A partir do escrutínio das ementas dos acórdãos[13], foram criadas variáveis que permitem dizer quais são os argumentos relacionados ao excesso de prazo na visão do Supremo Tribunal Federal e quais são as justificativas, presentes nesses documentos, que estão mais associadas às duas decisões: provimento ou denegação do Habeas Corpus. Considerando o arcabouço teórico descrito na seção anterior, é de se esperar que o Supremo construa a sua gramática com base nas disposições legais existentes (teoria do objetivo) e nas funções da prisão preventiva (teoria funcional), mas levando em consideração quem são os sujeitos que solicitam a soltura de seus clientes (equivalência mencionada por Boltanski e Thévenot, 1999).

Uma vez construída a base de dados, selecionamos os acórdãos publicados após a Constituição da República de 1988 (CR/1988) (BRASIL, 1988), posto que as narrativas mobilizadas acerca da continuidade da prisão provisória ou do seu encerramento em razão do excesso de prazo no processo penal na nova ordem constitucional, em tese, são distintas das acionadas em outros períodos[14]. Considerar todos os casos mapeados significaria violar o princípio da equivalência de linguagem, indispensável para a construção da gramática comum em uma situação crítica (BOLTANSKI; THÉVENOT, 1999).

O fenômeno que desejamos explicar é a decisão do Supremo Tribunal Federal, relacionada a Habeas Corpus por excesso de prazo no processo penal e materializada em acórdãos publicados entre 1988 e 2017. A variável dependente é o deferimento (ou não) do pedido do Habeas Corpus. As variáveis independentes, por sua vez, foram organizadas em dois grupos, oriundos da teoria do objetivo e da teoria funcionalista.

Serão utilizadas como variáveis relacionadas à teoria do objetivo os dispositivos legais que fundamentam as decisões dos ministros, os quais são relacionados à sistemática (i) do Habeas Corpus (menção à ilegalidade e ao abuso de poder na restrição do direito de ir e vir), (ii) da prisão preventiva (garantia da ordem pública, da ordem econômica, da conveniência da instrução criminal e da aplicação da lei penal) e (iii) do direito à razoável duração do processo (menção explícita a “razoável duração do processo” e a EC 45/2004)[15].

Como variáveis relativas à teoria funcionalista, que problematiza como as mesmas regras podem ser interpretadas de forma diferenciada de acordo com as prioridades institucionais, utilizaremos: (iv) duas identificações de crime pelo qual o réu responde no processo penal – homicídio, que é o delito mais grave existente em nossa sociedade, e tráfico de drogas, dada a tendência dos tribunais estaduais em manter o sujeito preso provisoriamente por tal delito (JESUS, 2016)[16]; (v) o delito ter sido praticado por apenas um indivíduo em detrimento de vários réus, o que entraria na categoria formação de quadrilha e, por conseguinte, ensejaria maior reprovação da conduta criminosa, justificando a continuidade da prisão durante o processo (SANTOS et al, 2015); (vi) a presença da prisão em flagrante, em razão das funções que essa desempenha na articulação do sistema de justiça criminal (RIBEIRO; DUARTE, 2009) e em razão da concepção de que quando há flagrante existe um indivíduo “culpado” pelo crime que merece permanecer preso provisoriamente, porque será condenado ao final (SINHORETTO; LIMA, 2015).

Em termos de variáveis contextuais da própria corte, indicativas da equivalência na teoria de Boltanski e Thévenot (1999), lançamos mão de três: (vii) a alusão ao patrocínio do Habeas Corpus pela defensoria, que assiste a maioria dos presos comuns detidos provisoriamente (AZEVEDO; SINHORETTO, 2018), significando que aquele caso merece uma atenção diferenciada junto à Corte Constitucional[17]; (viii) a menção explícita ao relator na ementa, o que indicaria autorreferenciamento (DUARTE; IORIO FILHO, 2014); e (ix) a presença de unanimidade na decisão, já que os estudos focalizados na institucionalidade do Supremo destacam como a concentração da votação é um indicativo de cooperação entre os ministros, enquanto que a dispersão (maioria ou empate) seria uma sinalização do conflito entre eles, o que aumentaria a chance de o Habeas Corpus não ser provido (KLAFKE; PRETZEL, 2014).

A construção dessas variáveis foi feita a partir da raspagem dessas categorias nas ementas dos acórdãos por meio de uma programação em R. Com isso, foram criadas variáveis binárias (sim ou não) para cada um dos itens, de maneira que o efeito de cada uma dessas dimensões na decisão final (concessão ou não do Habeas Corpus) pudesse ser mensurado a partir do modelo de regressão logístico binomial. Essa é a técnica estatística indicada quando a variável resposta está categorizada em zero (não houve deferimento do pedido de Habeas Corpus) e um (houve deferimento do pedido de Habeas Corpus).

De que maneira as demandas relativas ao excesso de prazo no processo penal são administradas pelo Supremo Tribunal Federal (STF)?

O Supremo Tribunal Federal foi criado em 1891 para ser a instância maior do poder Judiciário e, por isso, foi inicialmente nomeado de Supremo Tribunal de Justiça. Em 1902 foi transformado em STF e, em 1930, assumiu um formato muito semelhante ao que conhecemos hoje, com 11 ministros que cuidam de julgar as ações que questionam algum tipo de desrespeito aos princípios constitucionais (RODRIGUES, 1991)[18].

É neste âmbito que se inserem os Habeas Corpus questionando o excesso de prazo no processo penal. O primeiro acórdão sobre esse tema foi julgado pelo STF em 1923, sendo que a quantidade de casos tem encontrado algumas variações ao longo da série histórica construída (Gráfico 1)[19]. Durante a última ditadura (1964-1985), o número de Habeas Corpus por excesso de prazo julgados pelo STF cresceu substantivamente, provavelmente, em razão da miríade de indivíduos que eram presos preventivamente sob o argumento de que a detenção se fazia necessária em razão da garantia da ordem pública, tal como previsto no art. 312 do Código de Processo Penal (editado na década de 1940, durante a ditadura do Estado Novo).

Com a reabertura democrática, a partir da década de 1980, a quantidade de Habeas Corpus julgados sobre o tema se torna praticamente nula, voltando a crescer nos anos 2000, provavelmente em razão da Emenda Constitucional 45 /2004 e, possivelmente, do aumento exacerbado dos presos provisórios (AZEVEDO; CIFALI, 2015), o que pode ser visto como um indicativo da perda de capacidade do sistema de justiça criminal de processar a contendo os suspeitos que chegam ao seu conhecimento por meio da prisão em flagrante (SANTOS et al, 2015).

Quantidade de habeas corpus indexados como excesso de prazo no processo penal julgados pelo STF por ano (1923-2017)
Gráfico 1
Quantidade de habeas corpus indexados como excesso de prazo no processo penal julgados pelo STF por ano (1923-2017)
Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

Interessante destacar que, apesar do período de julgamento dos Habeas Corpus de excesso de prazo encobrir quase um século (1923-2017), 57% foram julgados após a CR/1988, de 5 de outubro de 1988. Tendo em vista o destaque dado ao contexto na teoria de Boltanski e Thévenot (1999), consideramos que, a partir deste marco, a linguagem democrática passa a ter que ser acionada pelos impetrantes do remédio constitucional para garantia de equivalência junto aos ministros do Supremo. Tomando como objeto de análise somente os Habeas Corpus julgados na nova república, constamos que a análise do prazo razoável da prisão provisória cresce de maneira exponencial após a Emenda Constitucional 45/2004, que inscreve este princípio no texto da CR/1988, alcançando o seu ápice em 2010.

Acreditamos que parte dessa trajetória ascendente pode ser explicada pela publicação da nova lei de drogas (11.343/2006) que não estabelece critérios explícitos, em termos de quantidade de drogas, para a diferenciação de quem porta essa substância para uso próprio (usuário) e para a revenda (traficante) (BRASIL, 2006). Como o delito de tráfico de drogas é percebido como extremamente grave (LIMA; SINHORETTO; BUENO, 2015), muitas vezes, o sujeito que é registrado no flagrante policial como “traficante” permanece preso preventivamente durante todo o processo penal (JESUS, 2016). Por isso, essa legislação é vista como uma alavanca na sobrecarga de trabalho dos operadores do sistema de justiça criminal e do próprio encarceramento (AZEVEDO; CIFALI, 2015). Com mais crimes registrados, os processos passam a demorar mais. Consequentemente, é razoável pressupor que um maior número de detentos passe a demandar a sua soltura junto ao Supremo Tribunal Federal, tendo como justificativa a violação do direito fundamental ao processo com uma duração razoável.

Em parte, essa explicação encontra ressonância nos dados analisados, já que 34% dos acórdãos publicados entre 1988 e 2017 diziam respeito ao tráfico de drogas. Este é, contudo, o crime com segunda maior participação percentual nos Habeas Corpus julgados pelo Supremo. O primeiro lugar é dos homicídios (41% dos casos), situação que contrasta com os dados relacionados ao sistema prisional (somente 10% dos detentos estão presos por homicídio, de acordo com o relatório do DEPEN, 2017), mas vai de encontro com as análises sobre fluxo do sistema de justiça criminal, que apontam para a longa duração deste processo (quase uma década), com o suspeito muitas vezes preso provisoriamente (RIBEIRO et al, 2014).

Quanto à hipótese do aumento da produtividade da polícia ostensiva como alavanca para os atrasos da justiça (e pedidos de Habeas Corpus junto ao Supremo), constatamos que 25% dos casos se enquadravam nessa situação, sendo que os pacientes estavam presos desde o flagrante lavrado pela autoridade policial, razão pela qual pleiteavam a possibilidade de responder o processo, já moroso, em liberdade. No que se refere à forma de execução do delito, 38% tinham praticado o crime solitariamente, o que indica que o excesso de prazo na instrução penal pode estar relacionado à presença de vários réus, tornando os procedimentos criminais mais complexos.

Se a população de presos provisórios não parou de crescer na década subsequente à aprovação da nova lei de drogas (AZEVEDO; CIFALI, 2015) e às políticas de premiação da produtividade de flagrantes da polícia (ASSIS, 2012), o mesmo não pode ser dito sobre a quantidade de acórdãos indexados por excesso de prazo no Supremo. Entre 2004 e 2010 esses crescem, mas desde 2010 a quantidade de Habeas Corpus julgados pelo STF nesta matéria tem diminuído substantivamente, ainda que a discussão esteja presente na corte constitucional em todos os anos. Como não houve publicação de súmula vinculante sobre o tema, a mudança pode estar associada ao padrão de decisão da corte ou à dificuldade em se acessar o próprio STF.

Desde a CR/1988, 30% dos Habeas Corpus indexados como excesso de prazo no processo penal foram deferidos, o que significa que a tendência da corte é de recusar esse pedido, sendo que não existem diferenças estatisticamente significativas quando cruzamos a decisão com o ano de julgamento (Gráfico 2).

Distribuição percentual de deferimento dos Habeas Corpus indexados como excesso de prazo no processo penal julgados pelo STF por ano (1988-2017)
Gráfico 2
Distribuição percentual de deferimento dos Habeas Corpus indexados como excesso de prazo no processo penal julgados pelo STF por ano (1988-2017)
Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

Se o ano não é uma variável explicativa para entendimento do padrão de decisão, a composição da Corte e o consenso parecem ser. O teste do qui-quadrado indica que existe diferença estatisticamente significativa entre quem era o ministro relator e a decisão apresentada ao Habeas Corpus[20]. Para entender como essa variável pode estar associada ao desfecho final, podemos utilizar o estudo de Mendes (2012), que chama a atenção para a influência de quem são os ministros que irão julgar os casos, se referindo ao Supremo como uma corte formada por 11 ilhas, posto que cada ministro pode ter um entendimento distinto sobre os fatos, o que torna o consenso algo difícil de ser construído quando a decisão precisa ser colegiada.

A mudança no perfil dos ministros – que compõem a turma ou o pleno – pode levar a um entendimento totalmente diferenciado do tema, fazendo com que os casos sejam decididos por maioria ou empate, em detrimento de consenso (OLIVEIRA, 2017). Assim, nos interessa saber, para além da autorreferência do relator na decisão final, se existem consensos sobre as situações em que os Habeas Corpus por excesso de prazo no processo penal devem ser providos, já que os acordos para a formação das decisões colegiadas têm emergido como um objeto de investigação importante nos estudos sobre o Supremo (OLIVEIRA, 2018).

O cenário encontrado no julgamento dos Habeas Corpus por excesso de prazo no processo penal indica a existência de certo consenso, posto que 67% dos casos foram decididos por unanimidade. Não vislumbramos, portanto, a metáfora das 11 ilhas, ao contrário do verificado por Klafke e Pretzel (2014). Interpretamos esse resultado como Oliveira (2018, p. 258), quando do escrutínio do processo decisório das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs), indicando que nos Habeas Corpus por excesso de prazo “o Supremo comportou-se de forma a minimizar o impacto das ideologias pessoais dos juízes, decidindo de forma pouco fragmentada e mais previsível do que imprevisível”. Como nos Habeas Corpus por excesso de prazo há elevado grau de unanimidade nas decisões proferidas e materializadas nos acórdãos, optamos por não incluir as informações relacionadas aos ministros diretamente.

Um elemento da cultura do STF que deve ser levado em consideração para a compreensão da natureza de suas decisões é “a liderança exercida pela Presidência do tribunal ou pelo ministro-relator, que por vezes pode conduzir o julgamento a um desfecho unânime” (KLAFKE; PRETZEL, 2014, p. 92). Os dispositivos do Regimento Interno do STF (RISTF) referentes ao processamento dos Habeas Corpus destacam que cabe a este personagem colocar o caso em pauta na sessão da turma ou do plenário, o que lhe confere poder sobre o tempo de tramitação deste remédio constitucional dentro da Corte. Há ainda o que Duarte e Iorio Filho (2014) chamam de autorreferencialidade. Como cabe ao relator redigir o acórdão final (KLAFKE; PRETZEL, 2014), o simples fato de ele se mencionar na ementa seria uma amostra de que ele se vê como a luz responsável pela decisão final sobre o tema. Para tentar mensurar essa autorreferencialidade, criamos uma variável sobre a menção direta ao voto do relator, o que aconteceu em 11,65% dos casos.

Saindo dos julgadores para o outro polo da ação, procuramos delinear o perfil daqueles que pleiteiam a sua soltura junto ao Supremo. Para que o pedido de Habeas Corpus chegue até o Supremo Tribunal Federal dois são os caminhos. Tratando-se do Presidente da República, do Vice-Presidente, dos membros do Congresso Nacional, dos seus próprios Ministros e do Procurador-Geral da República, além dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, o pedido de Habeas Corpus é interposto diretamente junto ao tribunal, cabendo a ele a decisão imediata (BRASIL, 1988, art. 102). Apenas um caso, dos 971 julgados após a CR/1988, se enquadra nessa situação. A quase totalidade dos acórdãos diz respeito a Habeas Corpus que foram impetrados junto aos Tribunais Estaduais em razão do excesso de prazo para encerramento do processo penal. Diante desse indeferimento, coube recursos – primeiro ao próprio Tribunal, depois ao Superior Tribunal de Justiça e, por fim, ao Supremo Tribunal Federal[21].

Apesar de o Habeas Corpus ser ação gratuita[22], o acionamento do STF é razoavelmente complicado quando consideramos que os presos brasileiros são, em sua maioria, homens, pobres e oriundos das periferias das grandes cidades (DEPEN, 2017) e, por isso, assistidos por defensores públicos (AZEVEDO; SINHORETTO, 2018). Esses, por sua vez, na ânsia de responder à miríade de processos que são julgados diariamente, têm pouco tempo para se dedicar de forma minuciosa aos casos que chegam ao seu conhecimento e, por isso, são raros os acionamentos do Supremo quando o pedido de Habeas Corpus por excesso de prazo na prisão provisória é denegado pela justiça estadual.

Este longo caminho nos ajuda a entender por que, apesar de termos, em 2017, aproximadamente 280 mil presos aguardando julgamento (DEPEN, 2017), o STF julgou apenas 31 Habeas Corpus que questionavam o excesso de prazo relativo à prisão provisória. É uma parcela muito pequena de detentos em situação de desrespeito a todo tipo de direitos – inclusive, a duração razoável do processo – que consegue acessar o Supremo para ter examinado o direito à liberdade provisória[23]. Provavelmente, somente aqueles detentos que possuem recursos suficientes para contratação de um advogado para ajuizar o Habeas Corpus perante a Corte Constitucional questionam o excesso de prazo da prisão provisória[24].

Para mensurar esta dimensão e, por conseguinte, verificar se existe equivalência entre os impetrantes de Habeas Corpus e os ministros que irão julgar esses casos, identificamos os acórdãos que fazem menções nominais à defensoria pública, como uma forma de diferenciá-los das situações em que um advogado particular patrocinou a causa. Dos 971 acórdãos pesquisados, encontramos menções a este órgão em 6,1%.

Em termos da fundamentação encontrada nas ementas dos acórdãos publicados entre 1988 e 2017, constatamos que poucos são os que referenciam os preceitos legais do Habeas Corpus: 3,7% fazem alusão ao abuso de poder e 11% à ilegalidade da prisão. Já o princípio constitucional da “razoável duração do processo” como justificativa para a concessão da liberdade provisória aparece mencionado explicitamente em 21,1% dos textos escrutinados, enquanto a EC 45/2004 foi suscitada textualmente em 2,6% dos casos[25]. A mobilização dos argumentos dispostos no CPP como razão para a prisão preventiva foi mais frequente. A maioria dos acórdãos menciona a garantia da ordem pública (57%), sendo que os demais princípios da prisão preventiva aparecem com menor frequência, quais sejam, conveniência da instrução criminal (7%), garantia da aplicação da lei penal (3%) e residualmente garantia da ordem econômica (0,4%).

Na próxima seção, verificamos como essas diversas variáveis (relacionadas a teoria do objetivo, funcionalista e dimensões contextuais), descritas na Figura 1, interagem produzindo o deferimento do Habeas Corpus e, consequentemente, formando o que denominamos de gramática do excesso de prazo no processo penal junto ao Supremo Tribunal Federal.

Representação das variáveis mobilizadas na análise dos acórdãos de Habeas Corpus por excesso de prazo julgados pelo Supremo Tribunal Federal entre 1988 e 2017
Figura 1
Representação das variáveis mobilizadas na análise dos acórdãos de Habeas Corpus por excesso de prazo julgados pelo Supremo Tribunal Federal entre 1988 e 2017
Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

Em que situações há o provimento do Habeas Corpus?

Nesta seção, procuramos compreender qual é a gramática que estrutura os acórdãos por excesso de prazo no processo penal, a partir da análise dos argumentos que estão associados à concessão do Habeas Corpus viabilizando que o preso provisório seja posto em liberdade. O evento de interesse é, portanto, a decisão de deferimento.

As variáveis independentes incluídas no modelo dizem respeito: aos argumentos legais (fundamentos do habeas corpus, da prisão provisória, do direito à duração razoável do processo); aos elementos circunstanciais presentes no Habeas Corpus, tais como a natureza do delito (homicídio ou tráfico), como ele foi praticado (quadrilha ou solitariamente), como se deu a descoberta do crime (se por flagrante); e, ainda, às dimensões contextuais, relativas às equivalências entre os operadores do direito, quais sejam, ministros do STF (menções ao relator) e outros funcionários públicos (como defensores). Incluímos a presença da unanimidade como uma variável de controle, o que significa que a gramática formulada naquele acórdão encontrou ressonância entre todos os ministros que participaram da turma ou do plenário.

O passo seguinte foi estimar o modelo de regressão logística binomial. Para testar o poder de predição, aplicamos o teste de Hosmer e Lemeshow[26], o qual indica que as variáveis incluídas parecem explicar as chances de deferimento, em detrimento da denegação, do Habeas Corpus que questiona o excesso de prazo no processo penal na ordem constitucional inaugurada a partir da CR/1988. As análises subsequentes irão se centrar no valor exponencial do coeficiente (B), que “indica a mudança nas chances preditas do evento ocorrer em relação às possibilidades dele não ocorrer” (OLIVEIRA, 2018, p. 240). Quando o valor do Exp(B) for maior do que 1, significa que os argumentos mencionados no acórdão aumentam a chance do deferimento do Habeas Corpus pelo STF. Se ele for menor do que 1, ocorre o inverso, sendo que tais categorias diminuem as chances de o Supremo acolher o pedido de liberação da prisão por excesso de prazo.

Os resultados apresentados na Tabela 1 indicam que o deferimento do Habeas Corpus não está relacionado aos fundamentos legais deste remédio constitucional, já que essas variáveis não apresentaram significância estatística. Poucos são os acórdãos que mobilizam essas narrativas, razão pela qual a presença desses argumentos não aumenta e nem diminui as chances de provimento do pedido de liberdade provisória.

Tabela 1
Resultados do modelo de regressão logística que estima as chances de o Habeas Corpus ser deferido – Acórdãos por excesso de prazo no processo penal julgados pelo STF (1988-2017)*
Variáveis na equaçãoBE.P.WaldglSig.Exp(B)
Teoria do objetivoFundamentos do Habeas CorpusIlegalidade-,081,284,0821,774,922
Abuso de poder,031,482,0041,9491,031
Fundamentos da prisão preventivaGarantia da públicaordem-,469,1628,3461,004,625
Garantia da econômicaordem1,0231,090,8811,3482,783
Conveniência da instrução criminal-,779,3854,0871,043,459
Garantia da aplicação da lei penal-,648,5551,3671,242,523
Fundamentos constitucionaisMenção a razoável duração do processo,526,1848,1591,0041,693
Menção a EC 45/20041,765,49512,6981,0005,844
Teoria funcionalistaNatureza do crimeCrime de homicídio-,073,163,1981,656,930
Crime de tráfico-,325,1763,3971,065,723
Circunstâncias do delitoFlagrante,237,1821,6881,1941,267
Réu individual,756,15723,1821,0002,130
EquivalênciaImpetrado pela defensoria,849,2958,2681,0042,337
Menção ao voto do relator,128,242,2791,5971,136
Unanimidade,707,17715,9661,0002,028
Constante-1,509,22246,0111,000,221
Dados da pesquisa* R quadrado Nagelkerke =0,173; Número de observações = 971

Entre os fundamentos da prisão provisória, duas dimensões se mostraram estatisticamente associadas ao indeferimento do Habeas Corpus: garantia da ordem pública (reduz a chance de deferimento em 0,625 vezes) e conveniência da instrução criminal (reduz a chance de deferimento em 0,459 vezes). Ambos os conceitos são altamente elásticos na doutrina jurídica, admitindo múltiplas interpretações que podem incluir desde a prisão por razões políticas (como as que tinham lugar durante a ditadura, em que os sujeitos “perigosos à segurança interna e externa” deveriam permanecer presos por prazo indeterminado sob a justificativa da garantia da ordem pública - HC 41892) até as prisões preventivas que são justificadas em termos de se evitar que outros sujeitos pratiquem o mesmo delito. É o caso do HC 70195, em que a denegação do pedido do acusado da prática de homicídio é ancorada nas duas razões apontadas e justificada pelas “características de excepcional violência e vilania do delito, que implicou na repercussão danosa no meio social”.

Garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal são, portanto, categorias que podem ser manejadas em justificativas as mais diversas para demonstrar a certeza de que o indivíduo, apesar de preso provisoriamente por um tempo além do razoável, precisa esperar pelo desfecho final do processo atrás das grades. Ambas são, portanto, linguagens da negação ao direito à liberdade provisória, mesmo que o processo esteja em excesso de prazo.

As variáveis constitucionais, por sua vez, estão associadas ao deferimento do Habeas Corpus, já que ambas possuem valores maiores que zero e significância estatística. A menção ao princípio da duração razoável do processo aumenta em 1,7 vezes a chance de concessão do pedido de liberdade provisória, valor muito aquém, contudo, do encontrado para as menções explícitas à Emenda Constitucional 45/2004, que aumentam as chances de deferimento em 5,84 vezes. Como destacado anteriormente, o direito à razoável duração do processo foi consagrado pelo Pacto de San José da Costa Rica (1969), do qual o Brasil é signatário, por essa razão a mudança do texto constitucional deveria contribuir para o reforço desse direito fundamental (MOLOGNI; PIEROTTI, 2010). A mudança promovida pela EC 45/2004 fez com que o STF se tornasse mais susceptível ao reconhecimento desse direito quando esse dispositivo é incluído no acórdão como forma de lembrar aos ministros de que agora ele consta no texto da CR/1988. Logo, a menção explícita a EC 45/2004 significa a constatação de que o ordenamento constitucional mudou e, por isso, a morosidade na administração da justiça não pode significar supressão do direito de ir e vir, razão pela qual o indivíduo precisa ser colocado em liberdade.

Entre as variáveis construídas a partir da teoria funcionalista, a menção ao voto do relator não apresentou significância estatística, apontando para o fato de que a autorreferência entre os ministros do STF não é um elemento gerador de equivalência e não atua como variável que influencia a decisão nos casos de excesso de prazo no processo penal.

Na mesma direção, duas dimensões importantes para entendimento de como se dá a administração da justiça no Brasil não apresentaram significância estatística na modelagem descrita na Tabela 1: a natureza do crime (homicídio ou tráfico) e a presença da prisão em flagrante. Apesar das mudanças legais e das práticas administrativas, que contribuíram para aumento da quantidade de pessoas presas em flagrante por tráfico de drogas (SINHORETTO; LIMA, 2015; AZEVEDO; CIFALI, 2015), reverberando na sobrecarga sobre os operadores do direito (CAMPOS, 2015), esses não são elementos que, na visão do STF, devem orientar o padrão decisório da corte, quando a questão é soltar os indivíduos que estão presos há muito tempo.

Dentro da teoria funcionalista, três variáveis apresentaram significância estatística. A primeira delas foi a presença de apenas um réu no processo penal moroso, que aumenta em 2,13 vezes a chance de provimento do Habeas Corpus. Quando o crime foi cometido por vários indivíduos, o Supremo é menos sensível ao excesso de prazo, entendendo-o como parte da complexidade do processo penal que tem vários réus. Por essa razão, a extensa quantidade de dias de privação provisória de liberdade seria, tão somente, um efeito colateral, a respeito do qual a corte não deve se manifestar. Nesses casos, foi muito comum encontrarmos na ementa a seguinte menção: “A Turma, por votação unânime, denegou a ordem, mas recomendou celeridade ao Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca” (HC 138488).

Entre as três variáveis referentes à dinâmica do Supremo propriamente dita, duas mostraram significância estatística. Os casos impetrados pela Defensoria Pública (dos estados ou da União) tiveram 2,34 vezes mais chances de acolhimento do que os patrocinados por advogados particulares. O princípio da equivalência parece operar em sentido contrário ao antecipado anteriormente: como a defensoria tem muitos casos para cuidar, aquele que mereceu a sua atenção a ponto de significar a interposição do Habeas Corpus junto ao STF torna a situação excepcional, levando a corte a entender que houve violação patente de direitos, razão pela qual o pedido deve ser acolhido pelos ministros.

O consenso nas decisões colegiadas do Supremo está associado ao provimento do Habeas Corpus, posto que decisões unânimes aumentam em 2,028 vezes a chance de acolhimento do pleito. Isso significa dizer que, quando todos os ministros envolvidos no julgamento do caso concordam que houve violação aos princípios constitucionais vigentes, há o deferimento do pedido.

A capacidade de construção de consenso dentro do Supremo sobre o que é o excesso de prazo, o fato de o pedido ter sido realizado pela defensoria, a presença de apenas um réu no processo e a menção aos princípios constitucionais alterados pela Emenda Constitucional 45/2004 são dimensões associadas ao deferimento do Habeas Corpus por excesso de prazo na nova ordem constitucional. O indeferimento, por sua vez, está ligado ao passado, posto que mobiliza os argumentos de garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal dispostos no Código de Processo Penal, editado durante o Estado Novo, como justificativas principais para a continuidade da privação provisória.

Em suma, a gramática do Supremo Tribunal Federal parece ser clara em termos de qual objetivo se pretende alcançar com o julgamento do Habeas Corpus: se o reconhecimento de que o direito de ir e vir não pode sucumbir à morosidade do sistema de justiça criminal ou o inverso.

Como o STF se posiciona sobre o excesso de prazo no processo penal?

O objetivo deste trabalho foi identificar os elementos que compõem a gramática do Supremo Tribunal Federal no reconhecimento do excesso de prazo no processo penal. Para a análise deste problema, utilizamos como contraponto empírico uma base de dados construída a partir da consulta ao repositório de acórdãos do STF indexados com a categoria excesso de prazo e, depois, selecionamos apenas os que diziam respeito à seara processual penal. Nesta primeira etapa, os resultados indicaram que a gramática do excesso de prazo não está somente associada à morosidade da justiça criminal (ADORNO; PASINATO, 2007), mas a outro problema recorrente na administração da justiça criminal brasileira: a enorme quantidade de presos que aguarda julgamento privada de liberdade (LIMA; SINHORETTO; BUENO, 2015). Essa forma de acionamento do Supremo Tribunal Federal leva à constituição de uma gramática sobre em que situações, para além da morosidade da justiça criminal, o sujeito pode responder ao processo preso ou solto.

Para entender quais são os argumentos mobilizados para o reconhecimento de que existe excesso de prazo na prisão provisória e, por conseguinte, provimento do Habeas Corpus, cujo efeito é a soltura do preso, selecionamos os casos julgados após 05 de outubro de 1988, quando a Constituição da República atual entrou em vigor (BRASIL, 1988). Essa escolha foi resultado da moldura teórica que orientou o escrutínio do problema, posto que na teoria de Boltanski e Thévenot (1999) o embate entre narrativas construídas em momentos críticos está ancorado na equivalência entre os oponentes e na capacidade deles em mobilizar justificativas que sejam semelhantes. Logo, o pressuposto é de que os argumentos mobilizados nos Habeas Corpus pelos impetrantes e os apresentados pelos ministros em seus votos serão balizados pela CR/1988.

A tendência do STF é denegar o Habeas Corpus por excesso de prazo na instrução criminal. Os resultados do modelo de regressão logística binomial indicam que na decisão sobre o provimento do remédio constitucional duas são as narrativas acionadas pelo STF, sendo que ambas tencionam a noção de tempo, em uma disputa cujos extremos são a duração razoável e a morosidade aceitável. Essas são as categorias que acionam estoques de conhecimento, por parte dos Ministros, na construção de decisões que irão denegar ou acatar o pedido de soltura do preso provisório.

A morosidade aceitável diz respeito a crimes que foram cometidos por vários indivíduos ou que parecem ser graves o suficiente para a manutenção da prisão como garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal, categorias razoavelmente elásticas mesmo na doutrina penal (SANTOS et al, 2015). São dispositivos que têm por objetivo garantir a privação da liberdade daqueles que poderiam, de alguma maneira, importunar a ordem vigente ou escapar da lei penal. O uso frequente de ambos os termos nos ajuda a entender como o processo penal se direciona a certos sujeitos, que podem ser privados de sua liberdade sem muita justificativa.

A duração razoável, com a menção explícita à mudança do texto constitucional em 2004, é associada ao deferimento do Habeas Corpus. Entende-se que privar o sujeito de sua liberdade por um tempo maior do que o previsto nos diplomas legais é uma afronta aos direitos e garantias constitucionais, razão pela qual ele deve ser colocado em liberdade. Nessa situação, o réu é um cidadão que cometeu um crime, mas não pode ser privado de outros direitos.

Para aqueles casos que conseguem criar equivalência pela presença do defensor público (que, assim como o ministro, seria alguém prestando um serviço público) ou pela linguagem do direito (mobilizando argumentos mais associados ao deferimento do que à denegação do Habeas Corpus), há o reconhecimento de que a privação da liberdade não pode durar décadas (como ocorre nos processos de homicídio doloso). Para os que não são tão hábeis nesta equivalência, há a continuidade da privação da liberdade ainda que isso aumente as chances de perda da própria vida do paciente. Afinal, sujeitos encarcerados têm duas vezes mais chances de morrer violentamente do que indivíduos que estão fora da prisão (UNODC, 2019, p. 82).

Considerando o arcabouço teórico mobilizado, é possível afirmar que o Supremo decide com base nas disposições constitucionais existentes (teoria do objetivo) quando se trata de reconhecer a duração razoável da prisão provisória, momento em que o Habeas Corpus é provido e o paciente é liberado. A morosidade necessária está balizada pela teoria do objetivo e pela teoria funcional, sendo sustentada pelos dispositivos do Código de Processo Penal que disciplinam a prisão provisória e pela presença de vários réus, o que seria um indicativo da gravidade do delito. Os elementos contextuais também que desempenham papel de destaque. Inicialmente, o STF considera quem são os sujeitos que solicitam a soltura de seus clientes, posto que ser assistido por defensor público aumenta as chances de provimento deste remédio e, na mesma direção, está a unanimidade, que aumenta as chances de deferimento do Habeas Corpus.

Os resultados encontrados neste trabalho indicam como a ação do STF leva à instituição de uma nova gramática com efeitos sob a administração da justiça criminal. É uma gramática que oscila entre o reconhecimento da duração razoável da prisão preventiva ou da morosidade justificável do processo e, por conseguinte, diferencia sujeitos que devem continuar submersos na privação da liberdade daqueles que merecem o benefício da liberdade provisória. Afinal, longe de problematizar a partir de que momento o princípio da razoável duração do processo estaria violado, os Ministros do SFT decidem considerando se os argumentos estão enquadrados dentro das molduras pertinentes para quem deve continuar preso e quem pode ser solto.

Todavia, não podemos considerar esses resultados como finais em razão das limitações do estudo, sobretudo no que diz respeito à ausência de outras variáveis que podem interferir no processo decisório do STF. As pesquisas sobre sentencing destacam que o padrão de decisão dos tribunais tende a ser calcado em dimensões como: as características socioeconômicas do preso (sexo, raça, idade, grau de escolaridade); a forma como o delito foi cometido (se com uso de arma de fogo); e os atributos da investigação policial (como a presença de testemunhas oculares), como indica a revisão de Raupp (2015). Tais informações não estão disponíveis nos acórdãos do STF, o que não permite testá-las como elementos que interferem nas decisões dos Ministros do STF.

Com isso, não conseguimos vislumbrar dimensões que permitiriam aprimorar a teoria do objetivo e a funcionalista, bem como verificar se a ausência de equivalência entre o perfil dos ministros (majoritariamente brancos, com elevada escolaridade) e dos presos nas cadeias brasileiras (majoritariamente negros, de baixa escolaridade) pode ser suplantada pelos argumentos (constitucionais e processuais penais) mobilizados pelos defensores públicos na formação da gramática que leva ao provimento do Habeas Corpus por excesso de prazo na prisão provisória.

Provavelmente, a inserção das variáveis utilizadas nas pesquisas de sentencing para análise dos acórdãos julgados pelo STF nos ajudaria a entender também o efeito das mudanças no sistema de prisões - decorrente da lei dos crimes hediondos (BRASIL, 1990) e da nova lei de drogas (BRASIL, 2006) – nas chances de o sujeito responder ao processo penal no cárcere ou fora dele. Reconhecemos, portanto, que os problemas decorrentes da fonte de informação utilizada fazem com que este trabalho seja apenas um primeiro ensaio para entender como o STF se imiscui na administração da justiça criminal por meio da criação de uma gramática específica sobre quem merece vivenciar a morosidade processual na prisão ou fora dela.

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Notas

[1] Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no GT 21, “Os juristas na sociedade: conflitos políticos e sentidos do direito” no 42º Encontro Anual da ANPOCS, realizado em 2018. Agradeço os comentários de Fabiano Engelmann, Frederico Almeida e Fernando Fontainha, que ajudaram no apontamento dos pontos fracos da análise e no amadurecimento do argumento. Este trabalho foi produzido com o apoio do CNPq (processo número: 307371/2015-8) por meio da concessão de bolsa de produtividade.
[2] Uma maneira bastante distinta de lidar com o tempo do processo é o Speedy Trial Act, que compõe a 6ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América. As interpretações existentes entendem que o tempo total do procedimento criminal não pode exceder 100 dias, a menos que o suspeito abra mão explicitamente deste tempo. São 30 dias para a investigação criminal e 70 dias para a sentença final, mesmo em casos de negociação (plea bargain) (TRACZ, 2019, p. 9). Importante salientar que a acusação do promotor não deve ser oferecida antes do limite mínimo de 30 dias, como forma de garantir o direito de defesa (YANG, 2016). De maneira geral, o direito ao julgamento no tempo razoável visa coibir três tipos de violação de direitos: 1) prisão provisória opressiva; 2) ansiedade e preocupação do acusado; e 3) possibilidade de que a defesa seja prejudicada pela diminuição das memórias e pela perda de evidência (BROWN, 2017).
[3] De acordo com CR/1988 – art. 5.. LXXVIII, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
[4] Não se trata, portanto, de identificar a partir de quantos dias um processo criminal é considerado como moroso, posto que a regra do limite temporal (como a do Speedy Trial Act) não encontra ressonância no direito brasileiro. Assim, um processo com 1.000 dias pode não ser considerado moroso enquanto um com 100 dias pode ser categorizado como “excesso de prazo”.
[5] Para uma excelente discussão sobre como essas perspectivas podem ser mobilizadas para entendimento de como opera a justiça criminal brasileira, ver Sapori (1995).
[6] Nos termos do Código de Processo Penal, essa matéria encontra-se disciplinada da seguinte maneira: Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
[7] Hoje, em razão da vigência das Audiências de Custódia nas capitais brasileiras e em algumas cidades polos, as prisões em flagrante são examinadas, nessas localidades, em até 24 horas pelos juízes, promotores e defensores. De acordo com os dados do CNJ, 44% dos sujeitos presos em flagrante são liberados nessa instância, o que, contudo, não têm contribuído para a redução dos presos provisórios no Brasil. Nesse sentido, ver: http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/mapa-da-implantacao-daaudiencia-de-custodia-no-brasil. Acesso em: 01 out. 2018.
[8] Não advogamos pelo aumento da quantidade de operadores, mas pela mudança nas legislações e políticas públicas que têm levado a um aumento sem precedentes da quantidade de indivíduos encarcerados de forma irracional. Nesse sentido, ver a argumentação desenvolvida por Sinhoretto e Lima (2015).
[9] Nos termos da CR/1988, art. 5. LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
[10] Agradecemos imensamente a Associação Brasileira de Jurimetria pela construção do script para a coleta de informações no site do Supremo Tribunal Federal e, depois, construção da base de dados analisada neste artigo. Sem o apoio desta instituição, este trabalho jamais seria possível.
[11] Para uma análise detalhada sobre como são construídos os acórdãos no STF em termos de circulação entre o Gabinete dos Ministros e o Plenário, em termos textuais, ver Klafke e Pretzel (2014).
[12] Nos termos da própria doutrina disponibilizada no site do STF, “o habeas corpus destina-se a proteger o indivíduo contra qualquer medida restritiva do Poder Público à sua liberdade de ir e vir. Liberdade de locomoção entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa em tese acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir. Ressalte-se que, não obstante a coação à liberdade individual comumente advém de atos emanados do Poder Público, não se pode descartar a possibilidade da impetração de habeas corpus contra atos de particular” (MENDES, 2012, p. 3).
[13] Optamos pela análise das ementas porque “embora apresentem problemas, são citadas com grande frequência como representativas dos precedentes que se deseja invocar” (KLAFKE; PRETZEL, 2014, p. 95) e, por isso, mencionam os argumentos que fundamentam o reconhecimento (ou não) à violação do direito de ir e vir pelo excesso de prazo no processo penal.
[14] Ainda que essas informações sejam consideradas na análise de dados descritiva, não serão incluídas na modelagem para entendimento de quais são os argumentos mais associados ao provimento ou denegação do Habeas Corpus por excesso de prazo na prisão provisória.
[15] Apesar de o direito à razoável duração do processo ter sido inserido no texto constitucional em 2004, a menção a essa categoria poderia acontecer antes, em razão da constatação de que “o Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, desde 1969, já apresentava em seu texto, como direito fundamental, a prestação jurisdicional em tempo adequado” (MOLOGNI; PIEROTTI, 2010, p. 15). Nesse sentido, a ideia aqui é verificar a aderência do STF aos princípios, que mais tarde se tornaram constitucionais, mas que sempre fizeram parte dos direitos fundamentais de qualquer cidadão (GOMES, 2016), bem como se a menção explícita a EC 45/2004 produz efeito no resultado final.
[16] Nesse caso, é importante destacar que existem variações significativas no processo de criminalização dessas condutas. No caso dos homicídios dolosos, temos: a lei dos crimes hediondos (8.072/1990), que implicará no reconhecimento de maior gravidade àqueles delitos praticados de forma cruel, o que pode reverberar no encarceramento provisório por mais tempo de homicidas; além da nova lei de drogas (11.343/2006), que aumenta as possibilidades de prisão provisória por este delito, sobretudo, com o questionamento junto ao STF acerca da constitucionalidade da proibição da prisão provisória. Logo, entendemos que as variações no tempo podem expressar mudanças legislativas e, por conseguinte, como esses delitos são percebidos pelo sistema de justiça criminal. Apesar desse problema, decidimos considerar esses dois crimes em razão de sua relevância no âmbito dos estudos de administração da justiça criminal (AZEVEDO; SINHORETTO, 2018).
[17] Comuns porque não qualificados como os que possuem foro privilegiado por prerrogativa de função, cujos Habeas Corpus têm sido analisados em outros trabalhos sobre o funcionamento do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, ver Arguelhes e Ribeiro (2018).
[18] Durante a ditadura militar, tanto a composição como as competências do Supremo Tribunal Federal foram alteradas, sendo que a configuração atual foi retomada em 1969. Neste sentido, ver: http://www.stf.jus.br/portal/composicaoPlenaria/composicaoPlenariaAnterior.asp.
[19] Assumimos que o Habeas Corpus, em razão de sua finalidade de proteção do direito de ir e vir, teria uma data de julgamento bastante próxima à data da impetração, razão pela qual assumimos que esses dois momentos ocorrem de forma quase simultânea no STF.
[20] Tal como indicam os trabalhos recentemente publicados sobre funcionamento do Supremo Tribunal de Federal, mas centrados na análise das ADINs (ARGUELHES; RIBEIRO, 2018; OLIVEIRA, 2018).
[21] Nesse sentido, ver o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_integral.pdf. Acesso em: 01 out. 2018.
[22] De acordo com CR/1988 – Art. 5º. LXXVII, “são gratuitas as ações de habeas corpus . habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania”.
[23] Interessante destacar que 1/3 dos acórdãos de Habeas Corpus têm como tribunal de origem São Paulo, estado que hoje tem a maior população prisional do país: aproximadamente, 250 mil presos (DEPEN, 2017).
[24] Os acórdãos não apresentam detalhes sobre quem são os sujeitos pacientes dos Habeas Corpus e, por isso, é possível apenas inferir esse perfil.
[25] A menção explícita visa identificar se, com a inserção deste preceito constitucional, há maior acionamento dele e, por conseguinte, maior tendência de provimento do HC em razão da mudança viabilizada pela EC 45/2004.
[26] “O teste de Hosmer-Lemeshow é um teste que avalia o modelo ajustado comparando as frequências observadas e as esperadas. O teste associa os dados às suas probabilidades estimadas da mais baixa a mais alta, então faz um teste qui-quadrado para determinar se as frequências observadas estão próximas das frequências esperadas. Já o teste de Pearson, é utilizado para fazer análise dos resíduos para modelos logísticos, trata-se de uma medida útil para avaliar o quão bem o modelo selecionado ajustou-se aos dados” (REIS, 2013, p. 5). Ainda de acordo com os autores, “para a aceitação do modelo, foram feitas as estatísticas de bondade de ajuste de Pearson, Hosmer-Lemeshow e Deviance que verificam as hipóteses H0: o ajuste dos dados é bom versus H1: o ajuste dos dados não é bom”. Como os valores de p foram superiores a 0,8, o modelo estimado neste trabalho parece apresentar um bom ajuste aos dados.
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