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Origem de Classe e Destino ao Topo Social no Brasil
José Alcides Figueiredo Santos
José Alcides Figueiredo Santos
Origem de Classe e Destino ao Topo Social no Brasil
Class Origin and Destination to Social Top in Brazil
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 7, núm. 16, pp. 82-104, 2019
Sociedade Brasileira de Sociologia
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Resumo: O trabalho investiga as relações entre origem e destino de classe social no Brasil com o uso do suplemento de mobilidade social da Pesquisa Nacional por Amostra Domicílio (PNAD) 2014. Os efeitos da origem social foram estimados sob a forma de probabilidades preditas na média dos casos de o filho estar no topo social. A estratégia de investigação e o esquema de classe empregado são algo novo no âmbito dos estudos de mobilidade social no país. A magnitude constatada e a evolução dos efeitos totais e diretos da origem privilegiada colocam em questão o papel equalizador da educação. A origem no topo social tanto incrementa o efeito da escolaridade superior quanto favorece quem fracassa na escola. Os retornos absolutos da escolaridade superior estão caindo. A origem no topo social não é afetada por este processo. Grupos abaixo do topo estão contribuindo para a tendência declinante. No acesso ao topo social, vantagem de origem continua a gerar vantagem de destino no Brasil.

Palavras-chave:Classe socialClasse social,Origem e destinoOrigem e destino,Mobilidade socialMobilidade social.

Abstract: The article investigates the relationships between origin and destination of social class in Brazil with the use of the social mobility supplement of PNAD 2014. The effects of social origin were estimated in the form of predicted probabilities in the average of cases of the child being in the social top. The research strategy and the class scheme employed are something new in the field of social mobility studies in the country. The magnitude and evolution of the total and direct effects of the privileged origin call into question the equalizing role of education. Origin at the social top both increases the effect of higher education and favors those who fail at school. Absolute returns from higher education are falling. The origin in the social top is not affected by this process. Below-the-top groups are contributing to the declining trend. In accessing the top social advantage of origin continues to generate destination advantage in Brazil.*

Keywords: Social class, Origin and destination, Social mobility.

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Artigos

Origem de Classe e Destino ao Topo Social no Brasil

Class Origin and Destination to Social Top in Brazil

José Alcides Figueiredo Santos
Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 7, núm. 16, pp. 82-104, 2019
Sociedade Brasileira de Sociologia

Recepção: 24 Março 2019

Aprovação: 20 Maio 2019

Investigam-se as relações entre origem e destino de classe no Brasil com o uso do suplemento de mobilidade social da PNAD 2014. O estudo se debruça de modo especial sobre a análise da associação direta entre origem e destino não mediada pela educação, a associação direta por nível educacional e a associação entre educação e destino de classe, ou seja, os retornos da educação. A estratégia de investigação e o esquema de classe empregado são algo novo no âmbito dos estudos de mobilidade social no país. As escolhas realizadas objetivam captar diferenças genuínas entre os grupos em meio aos impactos das mudanças estruturais nas relações entre origem e destino de classe.

O estudo apoia-se parcialmente nas orientações e estratégias de uma nova investigação comparativa internacional sobre a transmissão de desigualdades (BERNARDI; BALLARINO, 2016a). Neste novo projeto comparativo, foram examinadas em 14 países mais desenvolvidos as relações entre o contexto familiar, a educação e a realização ocupacional ao longo do tempo e entre os diferentes níveis de ensino. A investigação referida explora novas escolhas em termos de enfoque do problema, solução interpretativa e tratamento metodológico. O estudo focaliza especialmente o que ocorre no elo direto entre origem e destino quando se controla a mediação educacional. Investiga as trajetórias de pessoas que possuem o mesmo nível educacional, mas desigualdades de origem, como estratégia para testar a hipótese meritocrática sobre papel da educação como o grande equalizador social. Por fim, usa modelos lineares de regressão que estimam, em particular, efeitos marginais, com o objetivo de captar o jogo entre expansão educacional e alteração da estrutura ocupacional, além de valorizar a apresentação de medidas de desigualdade mais inteligíveis aos não especialistas.

Questões de Pesquisa para o Brasil

As teorias e proposições dos estudos de mobilidade social estão articuladas no âmbito do triângulo analítico formado por origem social-educação-destino (OED), que pretende representar o processo básico subjacente à reprodução intergeracional da desigualdade (GOLDTHORPE, 1997). A maior parte da pesquisa na área de mobilidade social tem focalizado a desigualdade de oportunidades educacionais ou então a variação que se dá nos retornos educacionais no mercado de trabalho. Na primeira vertente, investiga-se a associação entre origem social e realização educacional individual (o elo O-E). Na segunda situação, tenta-se entender a associação entre educação individual e os resultados ocupacionais obtidos (o elo E-D). Na literatura internacional tem sido dedicada bem menos atenção à análise da associação socioeconômica intergeracional não mediada pela educação e entre pessoas do mesmo nível educacional. O novo estudo comparativo internacional procurou preencher esta lacuna na literatura e avançar no entendimento da transmissão intergeracional da vantagem. Focalizou o efeito direto da origem social, ou seja, a associação entre o status socioeconômico dos indivíduos e dos seus pais, independente da realização educacional individual. A noção de que a educação seria um equalizador social requer basicamente que a associação direta entre a origem e destino, após controlar pela aquisição educacional, seja igual ou perto de zero ao longo do tempo (BERNARDI; BALLARINO, 2016b, pp. 2-4).

A proposição central do papel equalizador da educação pode ser refinada, no contexto contemporâneo, analisando-se entre as pessoas do mesmo nível educacional os efeitos das vantagens de origem em conseguir os melhores empregos. A associação entre origem e destino seria menor em níveis maiores de escolaridade. Isto significa que a escolaridade superior poderia igualar as oportunidades independentemente da origem. Num cenário otimista, cujos pressupostos podem ser problemáticos, a paulatina mudança composicional da educação, com mais pessoas atingindo a escolaridade superior, poderia fazer com que, no agregado, o nível de associação intergeracional declinasse (TORCHE, 2011; TORCHE, 2016, pp. 238-9). Uma abordagem alternativa desta questão geral seria focalizar a força da associação direta entre aqueles que não atingiram a educação superior. O referido estudo comparativo investigou a hipótese de que aqueles com vantagens de origem conseguiriam obter ocupações melhores do que aqueles do mesmo nível educacional, mas com desvantagens de origem. Foi formulada a proposição de “vantagem compensatória”, que prevê que uma desvantagem inicial será atenuada para aqueles que possuem vantagens de origem familiar. A hipótese sugere que, entre pessoas que atingiram o mesmo nível educacional, a origem social importa para “recuperar” aqueles que falharam na escola e “elevá-los” a uma posição similar à da família de origem (BERNARDI; BALLARINO, 2016b, pp. 6-7).

O artigo coloca para o Brasil as quatro principais questões de pesquisa do estudo comparativo internacional que serve, parcialmente, de modelo para esta investigação. Primeira questão: persiste uma associação entre origem e destino de classe social além do efeito mediado pela educação? Segunda questão: esta associação intergeracional — o efeito líquido da origem social, controlada a educação — declinou no tempo? Terceira questão: a associação intergeracional varia por níveis de escolaridade ou, de modo mais espec.fico, o efeito de origem social é menor entre os indivíduos mais educados? Quarta questão: a associação entre educação dos indivíduos e seus destinos de classe tem variado entre as coortes, ou seja, o retorno da educação tem aumentado ou diminuído no tempo? (BERNARDI; BALLARINO, 2016a).

Literatura Recente sobre Mobilidade Social no Brasil

Situa-se preliminarmente um quadro breve dos estudos mais recentes de mobilidade social no Brasil. Uma interpretação aprofundada dos dados de 1973 e 1996 examinou com uma abordagem contrafactual os mecanismos que conduziram a um aumento na fluidez social, ou diminuição da desigualdade de oportunidades, para a população masculina no país. Os dois mecanismos principais indicados são o declínio dos retornos econômicos da educação e o enfraquecimento da influência direta da origem de classe no destino de classe, após o controle da educação. Durante a década de 1980, se reduz o enfraquecimento da associação direta entre origem e destino, sendo que esta tendência se intensifica na década de 1990. A fluidez crescente não se comportou como um processo linear, pois estagna ao final de 1980 e em 1990, mostrando-se mais como uma dinâmica de período que envolveu o conjunto da população empregada (TORCHE; RIBEIRO, 2010).

Estudo de quadro décadas de mobilidade social no Brasil, que agrega dados da primeira década do século XXI, constata que a diminuição dos retornos educacionais se apresenta como o principal fator contribuinte para a diminuição das desigualdades de oportunidades no país ou, inversamente, o aumento da fluidez social. Este processo ocorre a partir de 1988 para os homens e de 1996 para as mulheres. Entretanto, num sentido contrário, a partir do final da década de 1980, aumentou a influência direta da origem de classe sobre o destino de classe, após ser descontado o efeito mediador da educação alcançada (RIBEIRO, 2012). Estudo subsequente mostrou que a mobilidade intergeracional estaria aumentando no Brasil em todos os indicadores considerados, ou seja, em termos de classe social, status ocupacional, proxy de “renda permanente” e educação (RIBEIRO, 2017a).

Uma análise das mudanças na força da associação entre todas as origens e destinos mensurados pelo esquema de classe Erikson–Goldthorpe–Portocarero (EGP), usando o modelo de associação completa, com a incorporação dos dados da PNAD de 2014 constata a continuidade do processo de diminuição da desigualdade de oportunidades de mobilidade social no Brasil. O contraste entre profissionais e trabalhador manual dá uma ideia concreta da magnitude do processo. A vantagem do filho de um profissional (Classe I) de permanecer nesta classe em comparação a um filho de trabalhador manual qualificado (Classe VI) ingressar nela, em termos de chances relativas, era de 32 vezes em 1982, 28,5 vezes em 1988, 21 vezes em 1996 e, em 2004, caiu para 15 vezes (RIBEIRO, 2017b).

Na América Latina, a segunda geração de estudos de mobilidade dos anos 1990 em diante converge no diagnóstico de uma “fluidez comum” entre os países da região, ou seja, o compartilhamento de um padrão similar de mobilidade, mesmo que a força da associação intergeracional varie entre os países. De modo consistente, com a elevada concentração de renda na região, a mobilidade intergeracional de renda é mais fraca na América Latina do que nos países desenvolvidos e se caracteriza por uma “persistência no topo”. Entretanto, no tocante à mobilidade de classe, o quadro parece diferenciado, pois a fluidez social não seria sistematicamente menor na região do que no mundo desenvolvido. Esta discrepância de resultados levanta uma interrogação acerca do uso de critérios de agregação ocupacional e das possíveis lacunas deixadas por estes instrumentos na captação de uma parte substancial de ativos que ancoram a persistência intergeracional da vantagem socioeconômica (TORCHE, 2014).

Métodos

O uso de medidas relativas de desigualdade tem dominado a pesquisa de estratificação e mobilidade social desde os anos 90. Um motivo forte disso é que elas fornecem medidas que são insensíveis às mudanças na distribuição da variável de interesse no curso do tempo. Ao separar a mobilidade estrutural da mobilidade relativa (ou associação líquida), estas medidas permitem aferir a mobilidade conduzida pela associação intrínseca entre origem e destino de forma não contaminada pelas mudanças na estrutura ocupacional[1]. Esta abordagem, embora importante, impede que se avaliem questões referentes ao jogo entre mudanças estruturais. Problemas importantes na agenda seriam a investigação do efeito ao longo do tempo da expansão educacional nos retornos educacionais e a consequência da mudança ocupacional para a associação entre origem e destino. Além disso, a sofisticação técnica utilizada não se faz acompanhar da conversão dos resultados em medidas de desigualdade mais inteligíveis para um público não especialista. Medidas baseadas em coeficientes de regressão e, de modo geral, efeitos marginais fornecem indicadores mais parcimoniosos e inteligíveis da desigualdade (BERNARDI; BALLARINO, 2016b, pp. 13-14).

Na mensuração da origem e do destino ocupacional, o estudo de referência priorizou o uso de uma medida contínua, que é o índice socioeconômico internacional de status das ocupações (ISEI – International Social-Economic Index of Occupational Status). Num certo número de estudos nacionais, aplicou-se como segunda medida uma forma reduzida do esquema de classe EGP. Analisam-se a probabilidade de acesso à “classe de serviço” (EPG I - II) e a probabilidade de evitar a classe trabalhadora (EGP IIIb, V-VI-VIIa). As análises baseadas no ISEI e em classe social no geral conduzem às mesmas conclusões substantivas (BERNARDI; BALLARINO, 2016a). Utiliza-se, neste artigo, uma tipologia de classes ajustada às especificidades da estrutura social do país. Além de razões teóricas e metodológicas de ordem geral, esta opção visa localizar o papel dos diferentes âmbitos da estrutura social e suas especificidades. Focar o sucesso no destino em termos de posição de classe adquirida tem a vantagem de ser menos afetado por erros de mensuração e de representar um melhor preditor de chances de vida. Os efeitos de classe em vários resultados tendem a persistir mesmo quando a renda é controlada, revelando que classe captura aspectos mais amplos das relações sociais na vida econômica (ERIKSON; GOLDTHORPE, 2002, p. 34).

A variável independente focal diferencia cinco grandes agrupamentos de classe na estrutura social, em uma versão compacta de uma tipologia neomarxista de classes. O topo social é formado pelas três dimensões principais que geram privilégios, isto é, a propriedade de ativos de capital, o controle de conhecimento perito e o exercício de autoridade. O agrupamento abarca as categorias de empregadores, especialista autônomo, empregado especialista e gerente. São especificadas as posições de não empregadores detentores de menores ativos físicos de capital e de terra ou, dito de outro modo, os controladores de ativos de menor valor, ou generativos de menor valor econômico. As categorias de autônomo com ativos e de autônomo agrícola integram este grupo. Os empregados qualificados e os supervisores formam um segmento distinto no interior do trabalho assalariado em função de aproximações ou vínculos parciais com o exercício de autoridade e a posse de qualificações escassas. O trabalhador típico representa a categoria majoritária submetida plenamente aos processos conjugados de controle da atividade do agente e de apropriação dos resultados do trabalho. Por fim, diferencia-se um bloco de posições de classe destituídas de ativos por meio de processos que levam à exclusão, à insuficiência ou à depreciação de ativos geradores de valor. Compõem este agregado o trabalhador elementar, o autônomo precário, o empregado doméstico e o trabalhador excedente (desempregado). Não foi possível diferenciar o autônomo agrícola precário na classe de origem (FIGUEIREDO SANTOS, 2005; 2010; 2014). Na mensuração da classe de origem, foi usado o critério de dominância considerando o emprego mais elevado entre os pais.

Nas análises da associação entre origem e destino de classe social, será considerada como medida de sucesso na realização socioeconômica a probabilidade de ingressar em posições de classe privilegiadas (topo social) no emprego atual. A variável dependente binária é a classe de destino do filho no topo social “ampliado”, composto das posições agregadas de capitalista, especialista empregado, especialista autônomo, gerente e pequeno empregador. A presença do pequeno empregador se deve ao fato de ele compor a origem no topo social (não foi possível diferenciar os empregadores na origem pela dimensão do capital) e à aproximação das suas vantagens de renda às do gerente e do empregado especialista (FIGUEIREDO SANTOS, 2015)[2]. O topo ampliado equivale a 14,3% dos casos na amostra analítica. Seria 11,1% sem o pequeno empregador.

O foco no primeiro emprego representa uma estimativa que elimina o efeito de carreira que se dá após a transmissão intergeracional e realizado ao nível da estrutura do emprego. O efeito direto da origem de classe, no entanto, pode ser mais visível num estágio mais avançado da carreira ocupacional, em vez do seu início, na medida em que a influência cresce durante o curso de vida (BOUCHET-VALAT; PEUGNY; VALLET, 2016, p. 31). O efeito direto de origem é mais forte em estágios mais avançados da carreira (BALLARINO; BERNARDI, 2016, p. 269; BIHAGEN; HARKONEN, 2016, p. 196). O artigo focaliza o emprego atual da pessoa para captar o conjunto do efeito de origem e para facilitar a geração de estimativas mais precisas com termos interativos em modelos logísticos.

A variável dependente formada por categorias coloca o problema da escolha do modelo estatístico mais adequado. Modelos de regressão logística para dados ao nível individual podem ser aplicados na análise dos processos subjacentes aos regimes de mobilidade social (ERIKSON; GOLDTHORPE, 2002, p. 35). Entretanto, os modelos logísticos que usam medidas baseadas em log-odds ratios ou odds ratios têm sido questionados na sua capacidade de gerar coeficientes que sejam adequadamente comparáveis entre grupos (MOOD, 2010). No modelo logit, a variância do erro, por não ser observável, tem de ser fixada para o modelo ser identificado. A heterogeneidade não observada afeta o tamanho dos coeficientes logit mesmo se a variável independente e o termo de erro não estiverem correlacionados. Não fica claro se as diferenças entre os coeficientes são devido à escala diferente ou se essas diferenças refletem os efeitos diferenciados. Os modelos não podem separar as diferenças entre os grupos das diferenças na dispersão do erro latente. Como alternativas têm sido indicados o uso de probabilidades preditas e efeitos marginais médios (average marginal effects).Estas soluções não são afetadas pela identificação escalar dos coeficientes e usam a métrica natural da probabilidade do resultado (BEST; WOLF, 2015; LONG; MUSTILLO, 2018). Estimam-se probabilidades preditas na média dos casos com a finalidade de se obter um efeito médio na população e não um efeito para o caso médio (HANMER; KALKAN, 2013).

A educação é uma variável-chave no estudo, na medida em que se pretende estimar a associação direta de origem e destino, controlando pela educação individual. Torna-se necessário dispor de uma medida apropriada para evitar a superestimação do efeito líquido da origem. A PNAD 2014 parece gerar uma medida satisfatória, pois distingue as principais transições educacionais que impactam nos destinos de classe: sem instrução, fundamental incompleto, fundamental completo, médio incompleto, médio completo, superior incompleto e superior completo. Na análise da associação intergeracional por níveis educacionais, estes serão agregados em três categorias: médio incompleto, fundamental ou menos; médio completo ou superior incompleto; superior completo, visando captar efeitos interativos mais precisos.

Na análise dos efeitos da origem social, devem ser evitados controles que são potencialmente endógenos à própria origem. Numa abordagem denominada de pré-mercado, os controles são justificados na medida em que eles são determinados antes de o indivíduo entrar no mercado de trabalho. Uma variável sobre o local de nascimento pode controlar por diferenças iniciais no mercado de trabalho regional (HÄLLSTEN, 2013, p. 667-668). O estudo controla pela Unidade da Federação (UF) onde o filho morava aos 15 anos. Além disso, todas as estimativas controlam por gênero, cor e idade ou coorte, quando esta variável está sendo interagida com origem e/ou educação. As quatro coortes usam intervalos de dez anos que distinguem os nascidos nos anos de 1948-1957, 1958-1967, 1968-1977 e 1978-1987.

A base de dados do estudo será a subamostra do suplemento da PNAD de 2014 com informações do morador selecionado aleatoriamente entre os que possuem 16 anos ou mais de idade. A amostra analítica . formada por 28.197 casos com idade de 27 a 66 anos e informações válidas nas variáveis usadas nos modelos. Modelos de regressão logística e os comandos margins e marginsplot do programa Stata foram usados para estimar e apresentar em gráficos as probabilidades preditas e as diferenças absolutas entre as probabilidades em pontos percentuais. Nos gráficos estão sendo apresentados os intervalos de confiança de 95%. Entretanto, as estimativas não devem ser consideradas significativamente diferentes entre si somente se os seus intervalos de confiança não se sobrepuserem. Esta aproximação útil pode conduzir a uma conclusão incorreta ao ignorar a covariância dos estimadores (LONG; FREESE, 2014, p. 297). As diferenças observadas nos gráficos vão ser confirmadas considerando o tamanho dos efeitos, os intervalos de confiança e os testes estatísticos realizados com a opção pwcompare(effects) do comando margins do Stata. As estimativas foram ajustadas ao desenho amostral complexo da PNAD pelo comando svy do Stata. São usadas interações para avaliar o impacto da origem social por níveis de educação e as mudanças dos efeitos no tempo.

Resultados e Análises

Primeira questão: persiste uma associação entre origem e destino de classe social além do efeito mediado pela educação?

São apresentadas na Tabela 1 as probabilidades preditas de acesso ao topo social com o modelo básico sem e com o controle adicional da educação dos filhos. O modelo básico controla por gênero, cor, idade e Unidade da Federação (UF) onde o filho morava aos 15 anos. O efeito total da origem de classe mostra-se bastante forte (39%) nos agrupamentos de classe mais vantajosos. O efeito total representa uma síntese das múltiplas vantagens ou desvantagens de trajetória associadas à classe de origem. Para alguém com origem no topo social, o efeito direto, independente da educação, corresponde à persistência de uma probabilidade de 20,3% em termos absolutos e de 52% em termos relativos, ou seja, dividindo o efeito direto pelo efeito total. No bloco formado pelo empregado qualificado e supervisor, a persistência relativa do efeito é ainda maior. O efeito direto retrata a capacidade da origem de classe de criar ou limitar as oportunidades para os filhos sem depender estritamente da aquisição e condição educacional. O peso do efeito direto da origem social tem como corolário a limitação do papel da mediação educacional.

Tabela 1
Efeito da origem de classe na probabilidade de emprego atual no topo social, total e direto, após o controle da educação, por gênero. Brasil, PNAD 2014.

Obs.: O Efeito Direto % foi calculado pela razão: Direto/Total.

Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

Pode ser informativo situar este resultado num quadro comparativo. O estudo internacional que serve de referência para este artigo mostrou que a associação direta entre o ISEI dos pais e do indiv.duo, com o controle da educação, decresce de metade a três quartos (75%) em todos os quatorzes países estudados. Na maioria dos países a associação direta fica entre 10% e 15% em termos absolutos (BALLARINO; BERNARDI, 2016, p. 257). Para colocar nos termos do estudo internacional, aqui o decréscimo (inverso da persistência) atribuído à educação seria de 48% para a origem no topo social. Os resultados não são estritamente comparáveis, pois o modelo (OLS) e a medida usada (ISEI) no estudo comparativo são diferentes; porém a discrepância retratada aqui em relação aos países mais desenvolvidos estudados testemunha a força do efeito direto da origem no Brasil.

Ocorre um processo distinto nos demais agrupamentos. O controle da educação faz com que o efeito de origem aumente ou se reduza muito pouco (no caso do trabalhador típico). A relação observada entre duas variáveis representa um feixe de influências que podem estar atuando em diferentes direções. O aumento do efeito original que ocorre com a agregação de um controle estatístico sinaliza que esta variável está atuando na direção contrária ao efeito original. Este quadro reflete a desvantagem educacional associada a estas origens, em particular de quem tem pequenos ativos (onde estão os autônomos agrícolas) e das posições destituídas de ativos. A desvantagem educacional reduz ou enfraquece a probabilidade de o filho ascender ao topo social, de modo que o controle desta desvantagem aumenta o efeito original ajustado por este fator. O resultado reflete a ocorrência de uma espécie de mediação às avessas, pois a interveniência subsequente da trajetória educacional rebaixa ou não potencializa para os filhos as oportunidades de acesso ao topo social. Isto significa que a probabilidade de estar no topo seria maior se não existisse nestas categorias uma relação desfavorável entre a origem e a realização educacional. Na origem de trabalhador típico, o controle do caminho via educação altera muito pouco o efeito original, mostrando, então, um papel mediador muito fraco no agregado dos seus efeitos. Como esta origem não gera propriamente uma vantagem educacional, manifesta-se, então, na média da probabilidade de todos os casos, um papel bem reduzido da mediação educacional. Entretanto, existe uma variação de gênero subjacente a este efeito agregado na média dos casos. Nesta categoria, o papel da educação para o homem . quase nulo, mas para a mulher a mediação educacional responde por 18,5% do efeito da origem. No tocante ao efeito direto da origem mais vantajosa, as estimativas revelam um impacto elevado para os dois gêneros, porém mais forte para os homens e menos forte para as mulheres. Constata-se aqui, no conjunto de todas as coortes, que as mulheres com origens semelhantes dependem mais do que os homens da mediação educacional para ter acesso a empregos no topo social.

Os resultados apresentados são afetados pelo fato de se estar usando uma noção ampliada de topo social com a presença dos pequenos empregadores. Sem a presença dos pequenos empregadores, a probabilidade total de alguém vindo do topo se manter nele seria menor (31,5%), assim como o efeito direto (13,7%) e a persistência relativa do efeito não mediado pela educação (43,5%). Nas três situações, o efeito de origem é maior ao se considerar de forma mais ampla o acesso à propriedade de capital. A agregação do pequeno capital ao topo social serve, então, para captar melhor o papel e o impacto na população desta dimensão-chave da estratificação social. A dimensão de propriedade tem mostrado força no país ao aproximar a renda dos pequenos empregadores à dos especialistas num contexto em que estes experimentam perdas relativas de renda (FIGUEIREDO SANTOS, 2015).

Segunda questão: esta associação intergeracional direta — o efeito líquido de origem social, controlada a educação — declinou no tempo?

A análise é conduzida confrontando-se a evolução do efeito total da origem de classe (Gráfico 1) e do efeito direto da origem (Gráfico 2). São consideradas quatro coortes em intervalos de dez anos. Na base do gráfico, “48” representa os nascidos de 1948 a 1957 e assim por diante. Para a origem no topo social, as probabilidades preditas de o filho preservar a mesma origem dos pais, sem considerar a mediação educacional (Gráfico 1), aumentaram de 33,1% para 39,8% (+6,6) da primeira para a última coorte. Estes ganhos ocorreram enquanto o efeito direto não se alterou considerando o valor ínfimo da diferença (-0,7), os intervalores de confiança e o teste de significância das diferenças (Gráfico 2). Se tivesse ocorrido uma diminuição do efeito direto da origem, isto equivaleria a um aumento do efeito independente da escolaridade no destino. Visto a partir do todo social, este cenário não se confirmou. Afirma-se, na sucessão das coortes, uma dupla vantagem conjugada da origem no topo social: aumento do efeito total e persistência de um elevado efeito direto que não passa pela aquisição educacional.


Gráfico 1
Efeito total da origem por coorte IC95%
Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

Nas demais categorias, há um decréscimo do efeito direto de origem, regra geral associado a uma ausência de aumento do efeito total. Na origem de empregado qualificado/supervisor, a queda do efeito total de 30,0% para 22,5% (-7,5) se reflete na queda do efeito direto de 21,2% para 13,5% (-7,7) entre a primeira e a última coorte. O ingresso no topo ficou mais difícil para esta origem e, além disso, ficou cada vez mais dependente da mediação educacional, pois a diminuição do efeito direto da origem social supõe justamente um aumento do papel da mediação educacional.


Gráfico 2
Efeito direito da origem por coorte IC95%
Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

As categorias de origens desvantajosas mostram uma tendência declinante do efeito direto que caberia esclarecer. Como discutido, estas categorias no conjunto das coortes mostram desvantagens na realização educacional que geram um aumento do efeito de origem, quando se controla a educação. Este mesmo processo ocorre na sucessão das coortes, ou seja, o efeito direto com o controle da educação é maior do que o efeito total sem o controle em todas as coortes. Entretanto, para o trabalhador típico e o destituído, o efeito total fica estável ou não aumenta, enquanto o efeito direto seguramente cai, considerando o valor da diferença, o intervalo de confiança e o teste estatístico das diferenças. Estabilidade do efeito total no baixo patamar da primeira coorte significa manutenção da elevada desigualdade de oportunidades. Além disso, para quem tem desvantagem de origem, que afeta a aquisição educacional, o decréscimo do efeito direto, combinado à estabilidade do efeito total, não significa necessariamente uma boa coisa, já que antes a possibilidade de acessar o topo social podia ser mais independente de um longo e arriscado investimento educacional neste caminho. Nas coortes mais recentes, depende-se mais da mediação educacional para se conseguir resultados equivalentes às coortes antigas, considerando que o efeito total não aumentou entre a primeira e a última coorte para estas categorias. Sem os pequenos empregadores no topo social, as estimativas para as origens de trabalhador típico e destituído mostram ligeiro aumento do efeito total e decréscimo do efeito direto, porém estas alterações são incertas considerando os intervalos de confiança e o teste estatístico.

Terceira questão: a associação intergeracional varia por níveis de escolaridade ou, de modo mais específico, o efeito de origem social é menor entre os indivíduos mais educados?

A terceira questão de pesquisa reflete a ideia de que a escolaridade superior poderia igualar as circunstâncias das pessoas independentemente da origem. Supõe-se na hipótese que, neste nível educacional, o mercado de trabalho operaria com regras de recrutamento, recompensas e promoção mais universalistas (TORCHE, 2016, pp. 238-239). O Gráfico 3 contrasta o agrupamento destituído com os demais grupos na probabilidade de ter um emprego no topo social. Na medida em que os intervalos de confiança cruzem a linha onde está o zero, as diferenças entre os grupos comparados seriam incertas. Em relação ao topo social, as diferenças existem em todos os níveis de escolaridade e com força ainda maior na escolaridade superior completa (22,3 pontos percentuais). Esta diferença é o resultado de uma probabilidade de 62,4% para a origem no topo e de 40,2% para a origem de destituído, quando ambos têm escolaridade superior. Na amostra analítica, o acesso à escolaridade superior a partir desta origem é de somente 9,3% contra 52,9% dos que vieram do topo social. A escolaridade superior mostra o seu valor, porém não no mesmo grau, uma vez que somente uma minoria bem pequena consegue obtê-la vindo de origem destituída, quando são consideradas todas as coortes. Uma situação em parte semelhante (mas diferente em grau) ocorre entre aqueles cujos pais tinham um emprego qualificado ou de supervisor. No contraste da origem de classe de destituído com a de pequenos ativos e de trabalhador típico é incerta a existência de diferença na escolaridade superior.

Quando alguém não adquire uma vantagem educacional ou fracassa na escolaridade apesar de ter origem no topo social, ainda assim a origem atua no sentido de favorecer o acesso ao topo social em comparação aos demais grupos. Tendo nível menor de escolaridade (média incompleta, fundamental ou inferior), a diferença da origem topo social versus destituído é de 9,0 pontos percentuais, e, tendo educação média completa/superior incompleta, a diferença é de 11,8 pontos no acesso ao topo. A origem no topo gera uma “vantagem compensatória” capaz, em alguma medida (probabilidade predita de 11,7%), de garantir um lugar no topo para aqueles que não conseguiram obter melhor educação. Beneficiam-se desta proteção da origem de classe os 15,7% vindos do topo social no agregado das coortes que atingiram somente a escolaridade média incompleta ou inferior.


Gráfico 3
Efeito direto vs. Destituído por Educação IC95%
Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

Ao mensurar o topo social sem o pequeno empregador, as estimativas mostram decréscimos nas diferenças entre as origens no topo versus destituído, especialmente nos níveis de escolaridade abaixo do superior completo. No menor nível de escolaridade, a diferença cai de 9,0 (estimativa original) para 3,0 pontos percentuais (pequeno capital fora do topo). O contraste entre as duas estimativas revela que, quando a competição por um lugar no topo social envolve a posse de pequeno capital, o êxito se torna mais problemático para esta origem e/ou mais favorável para a outra. Para quem atinge a educação superior existe uma diferença de 18,6 pontos percentuais entre os dois polos de origem. A origem privilegiada continua a potencializar o efeito da educação superior mesmo quando o destino no topo exclui os pequenos empregadores.

Quarta questão: a associação entre educação dos indivíduos e seus destinos de classe tem variado entre as coortes, ou seja, o retorno da educação tem aumentado ou diminuído no tempo?

O Gráfico 4 mostra as probabilidades preditas, ou retornos absolutos, na sucessão das coortes de estar no topo social em quatro níveis educacionais selecionados (a partir de médio incompleto). O modelo controla pela origem de classe e estima interações entre coorte e educação, seguindo o mesmo procedimento do estudo comparativo internacional (BERNARDI; BALLARINO, 2016a), de modo a isolar melhor as mudanças no potencial específico da educação. Os níveis mais elevados de educação têm uma queda marcante na probabilidade de o filho estar no topo social. O superior completo decai de 51,9% para 43,6% da primeira à última coorte. A queda do médio completo vai de 12,8% para 7,2%. Ocorrem igualmente regressões no médio incompleto e no superior incompleto, porém não é certo que haja diferenças entre a primeira e última coorte nestes níveis de escolaridade. Os intervalos de confiança e os testes estatísticos das diferenças confirmam estas tendências. Os resultados no seu conjunto testemunham um decréscimo dos retornos absolutos da maior escolaridade no acesso ao topo social. Este processo, regra geral, ocorre quando a expansão da oferta de educação mais elevada suplanta a demanda de empregos mais qualificados. Estimativas alternativas à parte, sem pequenos empregadores no topo social, diminuem pouco os níveis de retornos absolutos da educação e não afetam as tendências.


Gráfico 4
Retornos absolutos da Educação por coorte IC95%
Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

O Gráfico 5 revela o que ocorre com os retornos absolutos da educação, supondo que eles possam variar conjuntamente por coorte e origem de classe. Usa-se uma interação tripla entre origem de classe, coorte de nascimento e padrões educacionais. Os efeitos interativos estimados removem o constrangimento estabelecido pelo modelo de os efeitos serem aditivos ou equivalentes entre as diferentes origens. Focaliza-se no comentário o que ocorre entre a primeira e a última coorte com a vantagem da escolaridade superior. Para a origem no topo social, constata-se um leve aumento de 1,5 pontos percentuais do retorno da escolaridade superior, porém incerto, considerando o intervalo de confiança (-9,2 a +12,2) e o teste de significância das diferenças. Para as origens de empregado qualificado/supervisor, pequenos ativos e destituído, ocorrem reduções estatisticamente significativas, respectivamente, de -21,5; -13,3 e -13,9 pontos percentuais. Por fim, registra-se para a origem de trabalhador típico uma queda do retorno da escolaridade superior de -3,2 pontos percentuais, mas incerta considerando o intervalo de confiança (-15,7 a +9,3) e o teste de significância. O resultado não favorece quem está abaixo do topo e mais precisa da escolaridade superior, pois, para estes, não aumentaram entre as coortes os retornos da educação superior para ingressar no topo social. Já, para a origem no topo social, as possibilidades favoráveis oferecidas no passado pela escolaridade superior não teriam sido alteradas na última coorte. O quadro de conjunto formado retrata a persistência de desvantagens em meio a mudanças sociais.


Gráfico 5
Retornos da Educação por classe e coorte IC95%
Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

Discussão e Conclusão

As investigações sociológicas realizadas com a incorporação de dados mais recentes de 2008 e 2014, referidas na revisão da literatura, mostram uma contínua e significativa diminuição da desigualdade de oportunidades de mobilidade social no Brasil. O presente estudo apresenta um quadro relativamente diferente quando são analisadas as tendências temporais entre as coortes. As possíveis discrepâncias de resultados devem ser ponderadas e qualificadas. Existem entre os estudos diferenças de escopo, definições de variáveis, métodos e processos que estão sendo considerados. Neste artigo, foi focalizada a questão crítica do acesso ao topo social, em que a competição é mais desigual, porém não a mobilidade social em termos da associação completa entre todas as origens e destinos de classe. O topo social delineado neste estudo, além de incluir as profissões de maior e de menor poder profissional, os executivos e gerentes médios, foi ampliado na dimensão de propriedade pela agregação de todos os empregadores. Um achado revelador desta pesquisa é que a dimensão ampliada de propriedade indica uma situação relativa mais problemática para os que estão abaixo do topo. A fonte principal de diferenças, no entanto, está possivelmente em um dos principais interesses que motivou o presente estudo. Os estudos considerados seguem a tradição consagrada na área de estratificação social desde os anos 90, que prioriza as medidas relativas de associação que são insensíveis às mudanças estruturais na distribuição dos empregos. As evidências centrais dos trabalhos referidos, embora possam ser discutidas, dizem respeito ao grau de fluidez social revelado por esta associação líquida, ou seja, subtraída das consequências das mudanças estruturais. Os efeitos que estão sendo estimados aqui, com o uso de modelos de regressão logística, em termos de probabilidades de acesso ao topo social refletem as tendências concretas das trajetórias que emergem particularmente do jogo entre expansão educacional e mudança da estrutura do emprego.

Olhando-se a partir do topo social, não se constata um processo equalizador das oportunidades de mobilidade social no Brasil. O efeito total desta origem privilegiada, além de ser alto no conjunto, está aumentando entre as coortes, e o efeito direto de origem não está decrescendo. Olhando-se para os grupos que estão abaixo do topo, vê-se que o efeito total está diminuindo ou estabilizado, no limite do intervalo de confiança, ou seja, destas origens está mais difícil ou não está mais fácil de chegar ao topo social. Além disso, o efeito direto está diminuindo. Esta combinação de ambos os efeitos mostra que este processo não está associado a um aumento do efeito da própria educação da pessoa em ter êxito no destino de classe. Se fosse assim, não teria por que o efeito total diminuir ou estabilizar, exceto se os retornos da educação estiverem caindo ou estáveis, o que foi justamente constatado para os agrupamentos de classe abaixo do topo social.

A escolaridade superior oferece retornos elevados para quem consegue obtê-la, porém as diferenças absolutas de classe são maiores neste nível, pois o desempenho e os ganhos de quem tem origem no topo são ainda maiores. A diferença absoluta depende do quão comum é o resultado de interesse no subgrupo da população em questão. As diferenças são maiores na escolaridade superior, em parte, porque a escala do êxito é maior para quem tem escolaridade superior. De outro lado, a origem privilegiada pode realizar com menos limitações o seu potencial de incrementar as probabilidades de sucesso. A vantagem compensatória dada pela origem privilegiada para quem está circunscrito à escolaridade de médio incompleto para baixo mostra a força da origem e os limites da equalização promovida pela educação. A origem no topo leva sempre vantagem, tanto ao prover quanto ao não garantir uma melhor escolaridade para os filhos.

Os retornos em termos de empregos privilegiados dos níveis maiores de escolaridade estão caindo. Este processo teria uma implicação favorável para a fluidez social na medida em que comprometesse parte da transmissão de vantagens pela educação superior. Entretanto, este efeito médio decrescente da maior escolaridade varia conforme a origem de classe. Os efeitos interativos estimados não confirmam uma tendência de baixa da escolaridade superior para a origem no topo social e de trabalhador típico. O quadro indica, para estas origens, uma estabilidade ou não variação no tempo dos retornos da escolaridade superior. Entre desiguais, resultados similares podem não possuir implicações equivalentes. Para a origem no topo, estabilidade significa persistência das vantagens e, para a origem de trabalhador típico, reprodução das assimetrias. Três outros agrupamentos abaixo do topo social — as origens de empregado qualificado, de pequenos ativos e de destituídos — estão contribuindo de forma ponderável para a tendência declinante. A expansão educacional do período, além de ser desigual na composição dos beneficiados, se associa a uma queda dos retornos absolutos para ingresso no topo social de quem possui menos, como a origem destituída, e depende mais do recurso educacional. Em meio às mudanças estruturais e seus impactos entre as coortes, o artigo conclui que, no acesso ao topo social, vantagem de origem continua a gerar vantagem de destino no Brasil.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
* Este artigo beneficiou-se de uma bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq.
[1] A mobilidade relativa “refere-se à associação entre origens e destinos, líquida (net) da mudança estrutural” (TORCHE, 2015, p. 42). As taxas relativas de mobilidade social “estão relacionadas à associação líquida (net) — a rigidez inerente — que existe entre as posições de classe dos filhos e seus pais”. A mobilidade relativa é a associação líquida entre origem e destino que persiste quando todos os efeitos da mudança estrutural de classe são descontados (GOLDHORPE, 2016, p. 96).
[2] Na PNAD de 2014, o pequeno empregador tem renda do trabalho principal média de 4117 e mediana de 3000 reais; o gerente, respectivamente, de 4686 e 2700 reais; o empregado especialista, de 4629 e 3000 reais. A categoria logo abaixo é o supervisor, com renda média de 2627 e mediana de 2000 reais. A mediana capta melhor o que se passa com a experiência da maioria dos membros das categorias. Além de representar a dimensão de propriedade, crítica na organização da desigualdade, as chances de vida do pequeno empregador permitem aproximar o grupo de um topo social ampliado no Brasil atual.
Tabela 1
Efeito da origem de classe na probabilidade de emprego atual no topo social, total e direto, após o controle da educação, por gênero. Brasil, PNAD 2014.

Obs.: O Efeito Direto % foi calculado pela razão: Direto/Total.

Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

Gráfico 1
Efeito total da origem por coorte IC95%
Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

Gráfico 2
Efeito direito da origem por coorte IC95%
Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

Gráfico 3
Efeito direto vs. Destituído por Educação IC95%
Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

Gráfico 4
Retornos absolutos da Educação por coorte IC95%
Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD

Gráfico 5
Retornos da Educação por classe e coorte IC95%
Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD
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