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O movimento musical LGBT e seus contramovimentos
The LGBT musical movement and its countermovements
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 8, núm. 20, pp. 50-77, 2020
Sociedade Brasileira de Sociologia

Dossiê


Recepción: 19 Junio 2020

Aprobación: 02 Octubre 2020

DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.724

Resumo: Este artigo trata de conflitos culturais e de movimentos contracorrentes que atualmente ocorrem em torno de gênero. Nos últimos anos, observa-se a formação de um movimento musical LGBT brasileiro, liderado por linguagens trans e negras, incluindo artistas como Liniker, As Bahias e a Cozinha Mineira, Linn da Quebrada e, ainda, pop stars, como Pabllo Vittar. Tal movimento articula um impactante campo de agenciamento de gêneros e sexualidades contemporâneas. Neste artigo, analisa-se o seu impacto não apenas a partir de sua linguagem interseccional e de suas políticas LGBT, mas também através da dinâmica conflituosa que o expõe aos chamados movimentos antigênero. Como será mostrado, esses contramovimentos fazem uso de diferentes ataques digitais às cantoras LGBT, que permitem radicalizar o ódio, mais geral, voltado contra supostos traidores da nação.

Palavras-chave: movimento musical, LGBT, movimento antigênero.

Abstract: This article deals with cultural conflicts and countercurrent movements that currently occur around gender. In recent years, a Brazilian LGBT musical movement emerged, including artists such as Liniker, As Bahias and Cozinha Mineira, Linn da Quebrada and also pop stars, such as Pabllo Vittar. Led by trans and black activist discourse, this movement articulates a relevant field of agency of contemporary genders and sexualities. In this article, its impact is analyzed not only from its intersectional language and its LGBT politics, but also through the conflicting dynamics that expose it to so-called anti-gender movements. As will be shown, these countermovements are using different digital attacks on LGBT singers that allow to radicalize hatred towards supposed traitors of the nation.

Keywords: musical movement, LGBT, anti-gender movement.

Introdução[1]

Em novembro de 2018, surgiram notícias nas redes sociais de que a pop star Pabllo Vittar deixaria o país. Relatava-se que, diante do resultado das eleições presidenciais em favor do candidato Jair Bolsonaro, a artista não via mais possibilidade de morar no Brasil. Pabllo Vittar imediatamente afirmou que esta informação estaria errada. Na televisão, a drag queen anunciou com ênfase: “Meus amores, eu não vou sair do Brasil. Nem o negro vai voltar pra senzala, nem a mulher pra cozinha, nem o gay pro armário!” (“Pabllo Vittar”, 2018). Essa frase, multifacetada, levanta uma série de questões sociológicas relacionadas ao atual movimento musical LGBT[2] e aos seus contramovimentos. A princípio, revela uma dinâmica que perpassa uma negociação aguçada sobre as posições sociais de negros, mulheres e LGBTs em sociedade. Sugere que, enquanto alguns querem retornar a uma ordem social anterior, outros defendem a emancipação e lutam pelo fim de sua opressão. Mas qual o significado de uma cantora popular estar no centro desse conflito? Quais as prováveis conexões atuais entre música, crítica social e novas formas de movimentos sociais? Para o presente artigo, essas questões são particularmente importantes, porque há contínuas batalhas sobre o lugar social de artistas LGBT. Musicistas[3] do movimento LGBT estão sendo atacadas porque afirmam seus corpos e identidades – algo que é, ao mesmo tempo, celebrado por alguns e violentamente combatido por outros. Qual é, então, a natureza desses movimentos opostos? Quais os temas que norteiam suas linguagens e, eventualmente, suas dinâmicas entre si?

O presente artigo se baseia em uma pesquisa em andamento[4], na qual se examinam os atuais agenciamentos LGBT na música popular brasileira[5] com o fim de traçar as suas formas de intervenção e contestação no campo social e político de gênero e sexualidade. Parte-se da constatação de que as ciências sociais têm neglicenciado a música popular enquanto campo de disputa e de ação coletiva no que diz respeito à articulação dos gêneros e das sexualidades, enquanto a área de comunicação tende a superestimar o potencial transformador da música para com as dissidências sexuais e de gênero, muitas vezes sem explicitar as ambivalências, contrarreações ou ainda as sobreposições com articulações de raça e classe envolvidas. Com o fim de superar essas limitações, mobiliza-se uma perspectiva sociológica inspirada pelo projeto dos Estudos Culturais (Hall, 2019) que entende a música popular como um campo de poder, muitas vezes contraditório, de negociação de gênero e sexualidade (Villa, Jäckel, Pfeiffer, Sanitter & Steckert, 2012; Noleto, 2016). Nele, ideações dominantes de masculinidade, feminilidade, família tradicional e (heteros)sexualidade são desafiadas, às vezes subvertidas, mas também defendidas e/ou reproduzidas.

Seguindo a perspectiva caleidoscópica dos Estudos Culturais e da sociologia da música (Roy & Dowd, 2010), a presente pesquisa compõe diferentes entradas de método e coleta de dados, visando fazer jus à complexidade da experiência social e política do movimento musical LGBT. Inclui, desde 2019, observação e interlocução com ouvintes em festivais e shows de artistas LGBT nas capitais São Paulo e Rio de Janeiro. Esta pesquisa de campo de cunho etnográfico, que foca a experiência vivida pelos sujeitos envolvidos, vem sendo complementada por entrevistas com musicistas do movimento[6]. Ao mesmo tempo, acompanha e arquiva amplamente dados midiáticos do período de 2015 até o presente, publicados em jornais, programas de televisão e mídias sociais (Facebook, Twitter e Instagram) que relatam sobre as musicistas LGBT em questão. Para os fins deste texto e sua ênfase nos conflitos culturais em torno de gênero, serão principalmente mobilizadas essas fontes midiáticas. Metodologicamente, tais fontes permitem uma análise crítica dos discursos e das disputas que, juntos, dão contorno à experiência do movimento musical LGBT. Como lembra Frith (1996), são antes os julgamentos sociais, os modos de falar sobre uma dada expressão musical que cunham os seus valores.

Delineando um espaço discursivo e de valores, o campo midiático também se destaca por seu papel de forjar o destino das carreiras das musicistas. Segundo Gonçalves (2017), muitas das artistas LGBT se fazem surgir através da cultura digital mais independente e “encontram nas redes sociais e nas plataformas de vídeo, como o YouTube, os principais caminhos para o alcance e a formação de um público” (2017, p. 1). Como mostrarei na primeira parte deste artigo, foi esse o caso de Liniker, o qual, na minha leitura, também marcou a abertura do campo que denominarei de movimento musical LGBT. Ao contrário de abordagens oriundas da área de comunicação, argumentarei que tal emersão de musicistas LGBT só se pode compreender quando se considera o surgimento e a circulação de novas linguagens críticas que – como insinuado acima com o exemplo de Pabllo Vittar – compõem um terreno social e político de contestação “interseccional”[7]. No movimento musical LGBT, articula-se, atualmente, uma linguagem política que se orienta pela ideia de combater diferentes formas de opressão[8] e que parte de posicionalidades trans e negras. Essa linguagem é significativa, porque pode indicar como as atuações LGBT na música se inserem em campos discursivos da interseccionalidade, que se desdobram também em resposta[9] aos chamados movimentos antigênero, observados em diferentes regiões das Américas e da Europa (Prado & Correa, 2018).

Minha proposta de discutir um movimento musical LGBT não se refere, portanto, a um gênero musical propriamente dito. A sigla LGBT remete a um tema transversal que conecta artistas de estilos tão diversos como funk, pop, MPB, soul, rap, tecnobrega, rock e outros. Como já indicado acima, o “novo” nessa presença LGBT na música popular não é o assunto em si[10], mas a maneira pela qual as atrizes envolvidas o enquadram como crítica social. Sustenta-se que a ação coletiva deriva da linguagem interseccional que pluraliza identidades de gênero, raça e sexualidade e as conceitua dentro de um vocabulário de “empoderamento”[11]. Nesse sentido, entendo o movimento musical LGBT como um conjunto de uma geração de artistas que se autodefinem como – e que artisticamente contemplam diferentes sujeitos e corpos – trans, travesti, bi, lésbica, gay, bicha/bixa, não-binária/o, queer e outras categorias e identidades relacionadas a gênero e sexualidade não-heteronormativas e que, em muitos casos, se cruzam ou dialogam com uma afirmação de estéticas negras. Tal movimento engloba artistas como Liniker, As Bahias e a Cozinha Mineira, Jaloo, Johnny Hooker, Mulher Pepita, Rico Dalasam, Os Não Recomendados e, mais recentemente, Gloria Groove, Linn da Quebrada, Pabllo Vittar, Quebrada Queer, Majur, Urias, entre várias outras.[12]

O neologismo “artivismo” é frequentemente associado a essas musicistas, seguindo o raciocínio de que elas fazem da arte a sua forma específica de ativismo. No entanto, é necessária certa cautela quando se usa esse conceito para as políticas de gênero e sexualidades envolvidas. Diferentes estudos da área de comunicação (Colling, 2018; Rocha & Rezende, 2019) se referem a um tipo de engajamento artístico supostamente articulado à parte ou em contraposição aos movimentos LGBT institucionalizados. Essa oposição rígida é questionável, mesmo que ela atravesse certas disputas internas do movimento musical[13]. Antes de tudo, pretendo frisar que a crítica social praticada pelas musicistas se dá, por uma parte considerável, em colaboração com as agências e os “vocabulários“ (Aguião, 2018) conquistados por grupos LGBT institucionalizados. Basta, por exemplo, lembrar que as paradas LGBT representam um palco para várias dessas musicistas ou que as mesmas participam não só em coletivos de artistas, mas também em organizações da sociedade civil. É mais frutífero perguntar como o próprio movimento LGBT tem ultimamente multiplicado suas linguagens e campos de atuação. Segundo as reflexões de Facchini (2018), o ativismo das musicistas pode ser visto como um aspecto integral e não isolado da atual fase do movimento, pois é através de intervenções artísticas, entre outras, que se adensa a ênfase na experiência e no corpo de novos sujeitos.[14]

No entanto, tal adensamento de intervenções artísticas como parte da ação coletiva também não é apenas resultado da dinâmica interna do movimento LGBT – está relacionado, além disso, à pressão exterior por parte de setores conservadores que, desde o início da década passada, começaram a intensificar a mobilização contra os avanços dos direitos sexuais e reprodutivos em contextos institucionais e do Estado. Incluem, como já foi analisado de forma extensa (Facchini & Sívori, 2017; Miskolci, 2018; Prado & Correa, 2018; Gonçalves, 2019), um conjunto de atores institucionais, religiosos e partidários, e podem ser exemplificados, entre outros, no Escola Sem Partido (ver também Machado, 2019). Como pretendo mostrar na segunda parte do artigo, esses movimentos antigênero têm se radicalizado e ampliado a partir de 2017 e isso se faz visível nos contínuos ataques, principalmente digitais, a artistas e promotores do movimento musical LGBT. A radicalização refere-se a um alastramento de ideários fascistas – principalmente o da conspiração – e que vem acompanhado pela incitação de ódio contra um grupo indiferenciado de supostos inimigos. Argumentarei, ainda, que os chamados linchamentos virtuais, articulados através da internet e das mídias sociais, representam um meio central para a orquestração da violência que irradia desses movimentos antigênero.

Música, movimentos sociais e novos sujeitos LGBT

Recentes abordagens sociológicas voltadas à música popular (Vila, 2012; Semán, 2016; Boix, 2019) têm questionado dois pressupostos fundamentais para os estudos anteriores[15] que tratam da relação entre música e ação coletiva. Não apenas constatam uma relação menos congruente de um dado estilo musical com a identidade – supostamente única – de uma geração de jovens. Além disso, avaliam que, mesmo quando houver uma tal identidade forjada através de um estilo musical, esta não necessariamente atua, política e esteticamente, como coletivo homogêneo. Com o fenômeno do atual movimento musical LGBT brasileiro, estamos de fato lidando com um movimento que não pode ser entendido adequadamente pela abordagem de estilo musical, nem por uma abordagem que insinue uma identidade coletiva homogênea. A designação LGBT desse movimento não descreve um estilo musical próprio. Antes disso, refere-se a uma categoria sociopolítica[16] que, em si, já carrega uma multiplicidade de identidades e categorias de gênero e sexualidade.

Nesse sentido, LGBT ainda é uma categoria coletiva complexa no âmbito da música. Os grupos e identidades por ela referenciadas nem sempre se veem todos representados. E quando se veem, estão muitas vezes representados em proporções díspares. No movimento musical LGBT, o conjunto de agências vem sendo liderado pelo T (trans e travesti) e G (gay), enquanto as letras L (lésbico)[17] e B (bissexual) estão pouco representadas. Mas há outros vetores que ainda atravessam as identidades múltiplas e processuais que o caracterizam. Insisto em que este movimento musical atravessa uma linguagem interseccional que está racializando e, com isso, pluralizando os sujeitos políticos LGBT. Muitas de suas artistas são negras e vêm das periferias urbanas. Trata-se de uma articulação não-branca de corpos e sexualidades fora da heteronorma e que possuía, até recentemente, pouca voz na música popular comercializada. É um fenômeno que se percebe, por exemplo, nas próprias categorias, mais recentes, que as artistas articulam sobre gênero e sexualidade em conjunto com identidades negras, e também nas maneiras como essas categorias estão sendo recebidas pela mídia de massa.

Considerando a interação entre as recentes articulações de subjetividades LGBT negras na música e sua inicial recepção pela grande mídia, destaca-se o caso de Liniker. Na leitura aqui proposta, o avanço artístico da cantora representou um ponto de inflexão quando o campo midiático voltou a sua atenção para a voz comovente e, ao mesmo tempo, o corpo dela. A cantora, que ganhou notoriedade em 2015 a partir do lançamento do seu primeiro single “Zero”, pela plataforma digital YouTube, deu um dos primeiros impulsos para a articulação do atual movimento. Após a publicação dessa música, que mistura soul, R&B e MPB, a artista – na época com 20 anos de idade e oriunda de Araraquara, interior de São Paulo – recebeu a atenção da grande mídia. Esta passou a promovê-la tanto pela voz “doce e instigante”, quanto por sua expressão fluida de gênero, e ambas de forma racializada. Mais do que apenas nas entrelinhas, para as mídias como o jornal O Globo, havia algo de espantoso nessa performance de gênero, vista como a de um jovem artista negro que se apresentava de “saia, brincos, batom, colar, turbante e bigode” (“De batom”, 2015). Liniker, na mesma reportagem, replicava não se encaixar em certezas de ser homem ou mulher e que o seu corpo era um corpo livre e político. “O que eu sei é que eu sou bicha, preta, pobre e estou aí, batalhando por um povo” (“De batom”, 2015).

O espanto midiático inicialmente provocado por Liniker aponta não apenas para uma importante inflexão, ou seja, para um momento em que as classificações hegemônicas sobre o corpo parecem entrar em crise. Além disso, indica os esforços de agentes na música em forjar novas identidades políticas na sua complexa interseção entre raça, gênero, sexualidade e classe. Como lembra Green (2000) na sua história das homossexualidades masculinas no Brasil, músicos e artistas de teatro têm sido responsáveis por tais irrupções classificatórias em diferentes momentos do século XX. No início dos anos 1970, o grupo de dança e teatro Dzi Croquettes apresentava performances que não se encaixavam nas categorias vigentes de “bicha” e “travesti”. Necessitando achar uma explicação, os jornais da época adotaram o termo “andrógino”, codificando, ao mesmo tempo, as subjetividades sexuais por um viés de classe. Conforme o autor,

os homens de classe média e alta que transgrediam os limites de gênero eram descritos como pessoas andróginas, enquanto os pobres e a classe trabalhadora eram travestis, um termo que cada vez mais passou a ser associado com prostituição, vida nas ruas e marginalidade (Green, 2000, p. 411).

Comparando com as tentativas de explicar o momento Liniker por parte da mídia, chama a atenção que, agora, as categorias e atributos de raça ganhem um papel de destaque. O espanto que se desdobra sobre a combinação corporal de “saia, brincos, batom, colar, turbante e bigode” sugere que uma fluidez para com os padrões de gênero seria algo incomum para um cantor negro. Ainda mais porque – aqui em analogia à leitura das transgressões de gênero do grupo Dzi Croquettes – a Liniker não corresponde à marginalidade que a figura da travesti continua ocupando no imaginário dominante.

Recentes pesquisas sobre as ressignificações de estéticas e subjetividades negras nas grandes capitais brasileiras ressaltam como os engajamentos de jovens no âmbito da moda e da cultura ganharam um novo papel de mediação social entre saberes, autoafirmação e política (Silva, 2019). Além de cantora, Liniker é uma das referências da chamada geração tombamento: um recente movimento que ganhou visibilidade através de sua estética afrofuturista, que se expressa, entre outros, através de roupa, tranças, turbantes e maquiagem (Santos & Santos, 2018) e cujo nome também foi cunhado por rappers negras feministas, nomeadamente Karol Conka e MC Carol. Conforme analisado por Santos e Brasil (2017), esse movimento está mobilizando jovens negras e ativistas, principalmente mulheres das periferias urbanas, exaltando a autoestima e a consciência de sua história, valores e direitos. “Tombamento”, observam, refere-se a uma ideia de chamar a atenção de maneiras ousadas, com a intenção de chocar ou deixar alguém sem palavras, usando discurso de confronto, corpo e atitude (Santos & Brasil, 2017, p. 9)[18]. Tal espírito em torno de sentimentos de “empoderamento” (Lacerda, 2016) permeia também diferentes coletivos, formações artísticas e festas articulados por negros LGBT. De acordo com os estudos etnográficos realizados por Ribeiro e França (2017), tais festas compõem um engajamento político que “se coloca explicitamente no campo da luta antirracista, na valorização da “cultura negra e periférica” e, ao mesmo tempo, relaciona-se ao deslocamento de convenções de gênero e sexualidade” (Ribeiro & França, 2017, p. 1).[19]

O movimento musical LGBT está intimamente ligado ao ativismo articulado pelos coletivos de jovens negros. Linn da Quebrada[20], uma das vozes mais radicais do movimento, lançou o seu primeiro álbum “Pajubá” (2017) em diferentes capitais brasileiras com participação da festa Batekoo. Esta festa foi criada em 2014 por um coletivo, em Salvador, e hoje também acontece em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outras capitais do país e se dedica a fortalecer e divulgar a cultura da juventude urbana, negra e LGBT (Pimentel, 2019). Linn da Quebrada contribui para essa festa com diferentes músicas que contemplam a experiência de ser vigiada e humilhada, seja pelo Estado seja pela violência civil que atravessa o racismo, o machismo e a trans-/homofobia. Tanto pela performance quanto pelas letras intensas e provocadoras, canções como “Bixa Preta” (2017) articulam uma política do corpo que, ao mesmo tempo, reverbera a luta contra a opressão e partilha o sentimento de empoderamento: apresentam a pele negra como um “manto de coragem” que permite à narradora da música (a própria figura artística Linn da Quebrada) “enviadescer”[21] a mente heterobranca e criar vaidade para os que são vistos como abjetos. A música ainda prediz que ninguém irá mais rir da travesti negra da favela, quando a destruição contínua de “machos alfas” estiver concluída.

Nem todas as musicistas do movimento usam uma linguagem artística tão explícita, radical e de confronto, como é o caso de Linn da Quebrada. Não obstante, faz parte do posicionamento próprio de muitas das suas artistas entenderem-se como ativistas ou colaboradoras do campo de luta contra o racismo e o sexismo. Para essas jovens LGBTs, o ativismo articulado por meio de intervenções estéticas refere-se a um engajamento político que assume diferentes formas práticas. Por um lado, engloba uma estratégia de criar representatividade[22] em várias áreas da música popular, que vem acompanhada de um crescente interesse por parte das indústrias fonográfica, televisiva, cinematográfica, de moda e empresarial. Corpos negros e trans lutam aqui por seus próprios espaços, físicos e discursivos, pela autodeterminação e contra a exclusão social. Por outro lado, os ativismos das musicistas também se expressam em uma troca com a sociedade civil. Isso se reflete em campanhas contra o homicídio, como a #JovemNegroVivo da Anistia Internacional, na qual estão envolvidos artistas do coletivo soteropolitano Afrobapho (AI-Brasil, 2017). Projetos sem fins lucrativos como a Casa 1, em São Paulo, que recebe pessoas LGBT expulsas de casa[23], também são impulsionadores para o movimento musical. Ali se realizam debates e campanhas de doação para o projeto, além de ocasionais lançamentos de músicas. Um exemplo disso foi a colaboração entre Pabllo Vittar, Emicida e Majur na música “AmarElo” (2019), que trata da saúde mental e da resistência à violência a partir de um elo afetivo entre pessoas LGBT e negras.

A violência não é só tema de músicas, mas ela também atravessa, de forma mais ampla, maneiras como os sujeitos do movimento musical LGBT se opõem a enquadramentos históricos da sua existência. Como sugere Coacci (2018, p. 203), a “história de vulnerabilidade à violência letal” foi primordial para se construir uma coletividade enquanto movimento de pessoas trans no Brasil[24]. Ao mesmo tempo, também mostra que houve uma mudança de paradigma em relação aos modos de conhecimento produzidos sobre pessoas trans, por incluírem gradualmente as mesmas como autoras, abrangendo destaque de conceitos como cisgeneridade nas ciências humanas, em políticas institucionais, assim como nos campos midiáticos e artísticos, principalmente (Coacci, 2018, p. 229). A atriz Renata Carvalho, que é uma interlocutora do movimento musical, enfatiza as potencialidades das artes em desafiar a desumanização da população trans e que irradia da cisgeneridade e de suas representações concomitantes.

Quando passamos a conviver diariamente com este sujeito/corpo, que ontem era totalmente estranho, ele cotidianamente passará a ser naturalizado, passa-se a humanizar esse corpo, essa identidade e por fim esta população. A arte coloca estes corpos não mais sendo objetos, e sim sujeitos. A arte nos torna concretas, possíveis e humanas (Renata Carvalho em Lemos Jr. & Gosciola, 2018, p. 104).

De acordo com suas reflexões, a arte seria o meio que permite tirar o corpo trans do seu status de objeto, do desumano e, assim, da sua sobrecodificação de violência.

É na interação com os públicos e demais integrantes do movimento musical que tais conhecimentos e a música interpretada por pessoas trans ganham sua dinâmica coletiva. Em uma mesa sobre “Liberdade de gênero na música”, na Semana Internacional da Música de São Paulo (“Liberdade de gênero”, 2016), a cantora Raquel Virginia se distanciou da leitura de que este movimento seria uma moda ou ainda reflexo de uma abertura “boazinha” da indústria cultural. Além de talento, havia “uma pressão, de muitas pessoas para que a gente esteja aqui” (“Liberdade de gênero”, 2016), incluindo, segundo ela, tanto sua própria pressão para se defenderem contra a violência[25], quanto a do crescente público com uma pauta que aspirava enxergar-se nelas. Raquel se disse surpresa com o peso que a música podia ter para algumas pessoas, quando comentou a descoberta de que havia jovens trans e travestis que não estavam se suicidando por sua causa. Como lembra Muñoz, com sua proposta do conceito da desidentificação, certas artistas queer veiculam estratégias de sobrevivência que, por negociarem com “uma esfera pública majoritária que é fóbica e que elimina ou pune continuamente a existência de sujeitos que não estão em conformidade com o fantasma da cidadania normativa” (Muñoz, 1999, p. 4), podem habilitar os receptores, sujeitos minoritários, a enxergar empoderamento em meio à opressão. Nesse sentido, as ações coletivas que se desdobram na dinâmica do movimento musical LGBT, assim sugiro, remetem para os modos como a música ativa uma construção de sobrevivência que está ligada à produção de subjetividades, com ênfase trans e negra, e que visa a deslocar os enquadramentos históricos ocupados pela violência.

Enfrentando o ódio

A maioria das análises do movimento musical LGBT tende a tratar a questão da sua recepção de forma unilateral. Existe, certamente, uma tentação de apreender os sujeitos deste movimento no palco como representantes de um mundo por vir, transviado, com sua própria linguagem, visão e política de gêneros. Embora essa experiência da música atravesse igualmente a pesquisa que é base deste texto, essa aspiração histórica não deve iludir a respeito do fato de que o movimento da música LGBT também enfrenta uma onda de rejeição e apelos odiosos para detê-lo ou censurá-lo. Isso coloca um desafio analítico para a pesquisa sobre os atuais movimentos no campo de gênero e sexualidade e sua dinâmica entre si. Os movimentos antigênero, que integram parcelas da chamada nova direita, bem como forças fundamentalistas religiosas, também disputam – e, por vezes, com considerável sucesso – o poder de definição sobre os modos de viver gênero e sexualidade, como mostra muito bem a polêmica da “cura gay” (Gonçalves, 2019). O estado de arte dos atuais conflitos de gênero ainda confirma, de forma bastante clara, que o discurso da “ideologia de gênero” foi usado, ao longo dos últimos anos, para unir uma frente de diferentes atores extremistas, religiosos e seculares do campo conservador (Facchini & Sivori, 2017; Balieiro, 2018; Miskolci, 2018; Machado, 2019; Wasser & França, 2020).

Vale lembrar a escalada desse discurso em nome da defesa da tradicional família brasileira e das crianças (Balieiro, 2018). Embora a “ideologia de gênero” esteja em expansão desde os anos 1990 (Junqueira, 2017), foi só a partir de 2017 que os grupos mais extremistas começaram a usá-la como uma estratégia repetida para legitimar as intimidações e ataques ao cenário cultural com conteúdo LGBT. Como em outras regiões do mundo, esses novos movimentos de direita são caracterizados pelo fato de formarem políticas de ódio contra grupos minoritários ou marginalizados, em grande parte através do uso da internet e das mídias sociais. Essas tecnologias seguem uma “economia de atenção”, escrevem Albrecht, Fielitz e Thurston (2019), que ajuda a deslocar os limites do que é socialmente aceitável. É através dessas tecnologias que ideias, expressões e atos violentos, antes eram considerados extremistas, tendem a entrar no repertório do normal. Tal foi o caso na acusação do artista Wagner Schwartz como pedófilo[26], após a difusão de uma série de vídeos furiosos de políticos conservadores, líderes religiosos, ativistas anônimos e conhecidos, como os do Movimento Brasil Livre (MBL) que tinha impulsionado os ataques (Balieiro, 2018). Seguiram-se ameaças de morte, concentrações de protesto no MAM de São Paulo e anúncios falsos de que Schwartz havia cometido suicídio (Brum, 2018, 12 fevereiro). Apenas dois meses depois, o MBL articulou uma chamada nas mídias sociais para o boicote das palestras de Judith Butler em São Paulo, um ato que também resultou em tumultos e, finalmente, até ataques físicos à filósofa.

Menos comentado é como o conflito moral e politicamente instrumentalizado pela “ideologia de gênero” atingiu a indústria da música e do entretenimento desde 2017. À primeira vista, isso até pode parecer contraditório quando se considera a significativa expansão do movimento musical LGBT em 2017, entre outros, pelo sucesso comercial de Pabllo Vittar. Mas é exatamente aí que se desdobram os embates. O movimento musical LGBT não evoca apenas aprovação. Desde que o empoderamento de novos sujeitos de gênero na música desafia pilares de dominação, como é o patriarcado e a ordem do sexo binário, surge uma inquietação entre os que se orientam por e/ou se aproveitam de tais antigas estruturas de poder. O fato de drag queens e travestis agora ocuparem um espaço na música popular significa que os arranjos tradicionais de gênero publicamente vacilam ou, pelo menos, que vêm sendo fundamentalmente questionados. Os ideólogos e agressores dos movimentos antigênero perceberam esse momento de inquietação causada pela música LGBT. Na verdade, o exploram porque a inquietação pode ser usada para cultivar o medo de potenciais inimigos, que por sua vez legitima o ódio e a vontade de fazer uso de violência.

A seguir, ilustra-se essa dinâmica com base em dois exemplos de espetáculos da TV Globo que foram significativos para o embate dos movimentos antigênero com o movimento musical LGBT – uma evidência que reconstruímos a partir da análise do corpo de dados midiáticos dos últimos cincos anos, considerando o alto índice de ataques digitais voltados contra as musicistas LGBT, que se seguiram às emissões desses programas, especificamente, Amor & Sexo e Domingão do Faustão, quando este último premiou a música “K.O.” de Pabllo Vittar. Com respeito aos movimentos antigênero, os dois casos indicam não apenas uma mobilização de forças extremistas, mas junto a isso, uma radicalização da violência que recorre ao incitamento ao ódio de qualquer estilo de vida baseado em gêneros que escapam ao sexo binário ou que se opõem abertamente à opressão de mulheres e LGBTs.

O programa televisivo Amor & Sexo é um programa da TV Globo, apresentado pela modelo e atriz Fernanda Lima, e que foi transmitido com interrupções entre 2009 e 2018. Inclui “quadros de talk show, performances musicais, bate papo (sic), dinâmicas, entre outros atrativos ao longo de seus episódios” (Batista, 2019, p. 7) e combina entretenimento com uma intenção pedagógica. Frequentemente, o programa é considerado um dos primeiros da TV aberta que discute publicamente os tópicos de sexo, sexualidade e amor. No entanto, isso não significa que esses tópicos sempre tenham sido tratados em sua diversidade. Ao contrário: especialmente nos primeiros anos, verificou-se que o programa contribuía para a reprodução de estereótipos sexistas e representações heteronormativas de sexo, afeto e corpo. Homossexuais, como mostraram Barros et al. (2011), dificilmente apareciam no script e, então, prevalecia um entendimento heterossexual que os enquadrava de acordo com as normas hegemônicas de masculinidade e feminilidade: representações que não inquietariam ou desafiariam a crença numa ordem tradicional de gêneros. Isso mudou ao longo dos anos, após o programa ter sido temporariamente suspenso em 2014. Em sua edição reestruturada em 2016[27], e especialmente na penúltima temporada de 2017, foram incluídos mais e mais temas socialmente críticos, como feminismo, machismo, relações de gênero, violência e LGBT (Batista, 2019, p. 7). Em 2016 e 2017, a ainda pouco conhecida cantora e drag queen Pabllo Vittar foi contratada como animadora permanente do programa.

Nessa fase, o programa Amor & Sexo foi significativo para o movimento musical LGBT, porque o tornou midiaticamente visível enquanto um coletivo de cantoras com propostas políticas e diversificadas em torno de gênero e sexualidade. No dia 2 de março de 2017, o episódio transmitido dedicou-se ao tema da diversidade sexual e de gênero.[28] Além da animadora permanente Pabllo Vittar, foram convidadas as cantoras Liniker, Raquel Virginia, Assucena Assucena e Linn da Quebrada. Lá, elas atuaram como representantes da luta pelos direitos e pelo orgulho LGBT, conversaram sobre suas próprias experiências e participaram do formato didático do programa, informando sobre discriminação, mas também sobre a arte de drag queens, carnaval e o significado de diferentes identidades de gênero e sexuais. Todas as cantoras também deram exemplos de sua performance musical ao longo do episódio, o qual, no final, teve um clímax dramático com a interpretação de Liniker da clássica “Geni e o Zepelim”[29]. Pouco antes do início do refrão, o canto parou. Em vez de entoar a conhecida frase “Joga pedra na Geni!”, Liniker conclamou “Não joga!” e apelou para parar com os assassinatos de travestis e transexuais no Brasil.

As reações ao episódio divergiram. Enquanto, por um lado, a defesa de direitos da comunidade LGBT através do programa foi elogiada (Nascimento, Santos & Rodrigues, 2017), por outro lado, manifestaram-se vozes que viam a expressão de uma “ditadura homossexual”. Nos comentários de leitores em uma coluna sobre o programa na Folha de São Paulo, esses críticos ao programa concordaram que o preconceito, embora moralmente condenável, não deveria levar à imposição de uma apologia ou ideologia de “gays” (Bernardi, 2017).

A agressividade das mobilizações antigênero em resposta ao Amor & Sexo aumentou significativamente em 2017. Ainda durante a campanha eleitoral, em 2018, levou a uma troca de ofensas entre defensores e oponentes do programa. O ódio e as condenações por parte dos oponentes foram agora dirigidos à apresentadora Fernanda Lima. O MBL acusou-a, desde cedo, de que ela e seu programa estavam promovendo a suposta “destruição da família“. Além de sua solidariedade com a causa LGBT, foi o feminismo que chegou ao centro da atenção. Embora o papel do feminismo em um programa convencional como o Amor & Sexo fosse inclusive controverso entre as feministas em 2017 (Berner & Boiteux, 2017), ele foi negativamente instrumentalizado e até demonizado, em 2018, por eleitores e apoiadores do candidato presidencial Jair Bolsonaro. Fernanda Lima virou escândalo. Quando, na transmissão de 6 de novembro – logo após o segundo turno das eleições – ela enfaticamente pediu a abolição da imagem misógina da mulher louca e chamou, nas suas palavras, para “sabotar as engrenagens desse sistema homofóbico, racista, patriarcal, machista e misógino” (Amor & Sexo, 2018), uma onda de ódio tomou conta do momento. Celebridades, principalmente masculinas, da mídia e da política, assim como líderes religiosos aqueceram o clima nas mídias sociais, acusando Lima de trair o “povo brasileiro“, lê-se, os eleitores de Bolsonaro. Eliane Brum (2018, 21 novembro) interpretou isso apropriadamente como uma reação de masculinidades inseguras, inquietadas, a uma mulher autodeterminada que “não se deixou converter em objeto” e que optou por romper com a imagem de mãe de uma família tradicional e ideal branca que uma parcela dos espectadores queria enxergar nela. Por isso, não apenas a insultaram nas mídias sociais como “imbecil” (Eduardo Costa), “esquerdista” errônea ou “revolucionária clandestina” (Marco Feliciano), mas também prometeram o fim iminente de artistas como ela sob a cruzada do seu futuro presidente – ver referências a essas falas em Brum (2018, 21 novembro).

Linchamento virtual é o termo atualmente usado na mídia para descrever casos como o de Fernanda Lima. Refere-se a diferentes agressões, que são direcionadas contra certos indivíduos e que, por meio de sua mobilização nas mídias sociais, desenvolvem uma dinâmica própria de violência. A princípio, a lógica dos linchamentos virtuais sustenta que os indivíduos visados ​​teriam cometido um erro e que teriam de ser julgados e punidos por um veredito popular, habitualmente uma raivosa multidão virtual. Freitas (2017) também aponta que os linchamentos virtuais diferem analiticamente do discurso de ódio. Os discursos de ódio são frequentemente pronunciados de forma situada. Eles naturalizam, renovam de maneira violenta os preconceitos existentes em relação a certos grupos sociais. Linchamentos virtuais, os “tribunais da internet” (Freitas, 2017, p. 157), em contrapartida, devem ser entendidos como uma espécie de julgamento de propaganda, exibido on-line, e que igualmente permitem criar novos sujeitos para o ódio. Discursos de ódio também podem se manifestar ao longo dos seus processos, mas a chave do linchamento é menos o preconceito generalizado do que a comprovação de que o acusado agiu incorretamente. Públicos invisíveis na web devem se convencer disso, razão pela qual, além do erro, o veredito e a punição fazem parte do linchamento virtual.

É saliente que agentes dos movimentos antigênero fazem uso extensivo dessa estratégia de mobilização digital. Os agressores no caso Fernanda Lima usaram tais meios para apresentar o veredito – a traição de uma parcela do eleitorado brasileiro – como consequência de um comportamento incorreto que seria o discurso feminista dela. A traição é uma figura comum nos ideários fascistas e pertence à concepção mítica da conspiração (Messenberg, 2017, p. 637), que procederia de um ou mais grupos aparentemente hostis, de preferência os já estigmatizados. Lima foi condenada como inimiga porque, neste entendimento, pertence a grupos conspiratórios, ou seja, feministas, LGBT e “esquerdistas“. A encenação pública do julgamento serve, em última instância, para fazer parecer legítimo perseguir, banir ou, se possível, até destruir a acusada.

Para os movimentos antigênero, as mídias sociais são um meio que permite redirecionar a inquietação – o medo confuso de perda da masculinidade hegemônica, do controle da sexualidade, do arranjo tradicional de gênero e do sexo binário – convertendo-a em ódio. Para aquecê-lo, os linchamentos virtuais são mais do que adequados. Isso também pode ser visto no exemplo de Pabllo Vittar, que se tornou um alvo repetido de tais ataques. Em uma inspeção mais minuciosa, os linchamentos virtuais acompanhavam sua carreira desde o início. Seu primeiro hit, “Corpo Sensual”, foi seguido por aplausos e, ao mesmo tempo, por uma onda de comentários de ódio no canal do YouTube, que espalharam abertamente a homofobia (“Eu odeio gays”) e a incitação para matar gays (“Viado bom é viado morto bolsomito 2018”) (Paulino; Nunes, 2017, p. 10). Tais comentários contendo insultos e ameaças atingiram um primeiro auge provisório em dezembro de 2017, quando a drag queen recebeu o prêmio Música do Ano do popular programa de TV “Domingão do Faustão”. Após sua apresentação ao vivo da música “K.O.”, reações tomaram plataformas da internet e as mídias sociais, ridicularizando sua performance de voz e questionando se ela era uma cantora de verdade.

Com base na análise de Pereira (2018), fica claro que essa rejeição se refere menos à qualidade artística de Vittar do que à nova encenação do ódio contra a população LGBT. Além do exemplo de Fernanda Lima, Vittar também é apresentada como uma ameaça à família tradicional. O que muda é a dramaturgia desse linchamento virtual. Ela se alimenta da desestabilização causada por uma drag queen no palco de um programa da família tradicional: a inconformidade de gênero de Pabblo Vittar, que rompe com as representações anteriores de travestis na mídia,[30] assim como com a crença geral de que as pessoas deveriam viver de acordo com a rigidez do sexo binário. Como acontece, porém, que parte da plateia se sinta “traída” por isso? (Pereira, 2018, p. 10). Não há causalidade entre inquietação e a sensação de ter sido traído. O ódio contra Pabllo Vittar só pode ser explicado, mais uma vez, colocando-se as reações no contexto da circulação do discurso de “ideologia de gênero”. Para os movimentos antigênero, o erro pelo qual Pabllo Vittar deve ser responsabilizada por sua aparição em “Domingão do Faustão” reside precisamente na sua não conformidade com a ordem do sexo binário – seja esta biológica ou religiosamente defendida. E essa ofensa é enquadrada por tais agentes como conspiração. O objetivo do linchamento virtual da artista, em outubro 2017, era o de instrumentalizá-la como símbolo da suposta degradação da cultura brasileira, da traição aos valores cristãos e à família tradicional.

Embora tenha passado pouco tempo, já é analiticamente perceptível que o linchamento virtual de Pabllo Vittar não é um caso pontual. Consequências se desdobram, eventualmente, em práticas que retratam o boicote enquanto punição legítima. Em dezembro de 2017, documentou-se como alguns comerciantes de Brasília se mobilizaram contra uma propaganda da Coca Cola com Pabllo Vittar (Pereira, 2018, p. 11). Seus atos consistiram em raspar o retrato da cantora das latinhas e, em seguida, circular as fotos nas mídias sociais. Porém, tais práticas eventuais por si só não são suficientes para convencer um público mais amplo do mau comportamento de Pabllo Vittar. Para garantir o efeito duradouro dos linchamentos virtuais, os movimentos antigênero usam meios que exacerbam a sensação de conspiração. Refere-se à proliferação de memes e informações enganosas sobre a artista em 2018, conhecidas coloquialmente como fake news.Muitos desses foram reunidos sob o título comum “Dessa vez Pablo Vittar foi longe demais”[31]. Incluíram colagens bizarras – como sobre o plano governamental de imprimir o rosto de Pabllo Vittar em notas de 50 ou equipar semáforos com cílios à moda da drag queen – e desinformação sobre a artista iniciar um programa de TV para crianças (veja uma coleção em Evangelista, 2018). Aqui a traição não é apenas a de se opor ao sexo binário. Os contornos que Pabllo Vittar recebe nessa instigação são mais flexíveis. Neles, Vittar ainda é perigosa porque (homo)sexualizaria as crianças, mas ela também é uma suposta agente do Partido dos Trabalhadores, da grande mídia, da indústria ou do Estado e faz parte de um movimento contra a nação. O motivo recorrente para esse tipo de política de ódio é que as forças progressistas precisam se fundir em um bloco de conspiração.

Conclusão

A música popular tem se apresentado como um campo social bastante conflituoso. Nos últimos anos, as lutas culturais em torno de gênero não apenas impulsionaram novos campos e linguagens do movimento LGBT na música, mas também uma frente de movimentos antigênero em oposição ao primeiro. Os dois, movimento e contramovimento, estão relacionados nesse sentido. No entanto, a dinâmica entre eles é mais complexa do que um modelo simplista de ação e reação poderia sugerir. A comparação dos dois mostra, entre outros aspectos, que o conteúdo das mensagens políticas nem sempre se relaciona diretamente um com o outro e que também depende da conjuntura política geral. Nos seus ataques a artistas do movimento musical LGBT, os movimentos antigênero quase não fazem referência às intervenções antirracistas das artistas. Em sua retórica, também, os sujeitos trans e travestis geralmente não aparecem como tais, senão apenas sob o guarda-chuva de uma suposta ditadura homossexual, em concerto a quaisquer outros adversários das próprias convicções. Fazem parte da estratégia do atual radicalismo conservador a ignorância e o mal-entendido sobre os novos sujeitos políticos do movimento musical.

Ao mesmo tempo, é importante perceber como se dão as defesas e resistências por parte das musicistas frente aos ataques antigênero. Como vimos no início deste artigo, ainda Pabllo Vittar, a artista de maior êxito comercial do movimento musical LGBT e que não é famosa por uma fala política, insere-se no campo discursivo “interseccional”. Significativamente, Vittar defendeu sua permanência no Brasil não com referência a uma questão individual, mas em nome de uma postura coletiva que insiste na igualdade de direitos para negros, mulheres e LGBTs. A fim de mobilizar uma narrativa sociológica a respeito desse fenômeno discursivo e artístico, presente na recente geração de diferentes musicistas LGBT, propus a nomenclatura conceitual de movimento musical LGBT. Este conceito contribui tanto para superar a negligência da investigação social da música enquanto campo contraditório de negociação de gênero e sexualidade quanto para lapidar as interpretações oriundas dos estudos de comunicação que tendem a descontextualizar a produção musical LGBT dos seus laços com os movimentos LGBT institucionalizados, assim como a demonstrar desatenção aos ataques antigênero.

Os aspectos centrais da caracterização que venho esboçando do movimento musical LGBT remetem aos modos como suas integrantes apresentam uma crescente inquietação social para com a exclusão que as permeia. Desde o seu surgimento, é a sua linguagem interseccional que articula uma oposição a diferentes eixos de opressão – racista, homo/transfóbica, misógina e classista – que, antes de descreverem fenômenos momentâneos ou recentes – referem-se às profundezas históricas da violência no país. Nesse sentido, o movimento musical LGBT se apresenta como algo maior e culturalmente mais desestabilizador do que os seus adversários admitem.

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Pabllo Vittar nega que vá sair do Brasil: 'Nem o negro vai voltar pra senzala, nem a mulher pra cozinha, nem o gay pro armário’. O Globo Gshow. Rio de Janeiro, 21 de novembro de 2018. https://gshow.globo.com/programas/conversa-com-bial/noticia/pabl...ra-senzala-nem-a-mulher-pra-cozinha-nem-o-gay-pro-armario.ghtml [último acesso: 13.06.2019]

Pimentel, Evandro (2019), Muito mais que uma festa: a verdadeira história da BATEKOO. Red Bull, Cultura Urbana. 19 de junho de 2019. [Web log]. https://www.redbull.com/br-pt/batekoo [último acesso: 11.06.2020]

Notas

[1] Agradeço pelos comentários de Georgia Pereira e Bruno Nzinga Ribeiro que, junto com as produtivas observações por parte dos pareceristas, enriqueceram este texto. Igualmente, fico grato pelo apoio na revisão que foi feita por Jefferson Vasques e Leticia Vargas Prost.
[2] Neste texto, a adoção da sigla LGBT, enquanto guarda-chuva para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, se dá por duas razões referentes ao contexto da pesquisa. Por um lado, “LGBT” descreve a constituição histórica de um sujeito político e de direitos no Brasil ao longo das últimas duas décadas (Aguião, 2018) e que também se consolidou no vocabulário comum. Por outro lado, a sigla “LGBT” igualmente passou a figurar de rótulo ou etiqueta para um segmento da atual expressão artística na música, no cinema e na literatura, entre outros.
[3] De acordo com a autodefinição por parte da maioria das artistas, adotamos o feminino genérico para referir-nos às integrantes do movimento analisado.
[4] Este projeto é intitulado “Nas redes da cena musical LGBT+: ocupação, pânico moral e novas subjetividades sexuais” e é financiado pela FAPESP (19/05219-7).
[5] Antes de uma definição abrangente do complexo da música popular brasileira, refere-se a um campo de estudos interdisciplinares, como sugerido por Napolitano (2002). Nesse campo, música popular significa uma tradição cultural no país que atravessa suas múltiplas expressões em gêneros tão distintos como o samba, a MPB ou o funk e que igualmente reflete sua inserção nas indústrias da cultura (Napolitano, 2007).
[6] Até o momento, foram realizadas entrevistas com a cantora Assucena Assucena, da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, e com o cantor Caio Prado, da formação Não Recomendados, além do acompanhamento presencial do debate “Depois do corpo” entre Rico Dalasam, Jup do Bairro e Karol de Souza, realizado no marco do 27° Festival Mix Brasil, São Paulo, 2019.
[7] Antes de referir, no sentido restrito, à interseccionalidade enquanto perspectiva crítica-acadêmica, desenvolvida e institucionalizada por autoras do feminismo negro dos EUA (ver Hill Collins & Bilge, 2016), interessam aqui os modos pelos quais a interseccionalidade vem sendo articulada empiricamente por diferentes grupos e ativismos no âmbito cultural brasileiro.
[8] Como mostra Zanoli (2019), esta reivindicação se faz presente em diferentes ativismos LGBT, negros e feministas contemporâneos.
[9] Ver as análises de Roth (2020) sobre os movimentos feministas em diferentes países das Américas, que contestam as políticas antigênero dos movimentos de direita.
[10] Para um estudo histórico sobre a representação LGBT na canção brasileira, ver Gonçalves (2016).
[11] Destaco aqui a diferença em relação a gerações anteriores de cantoras e cantores homossexuais da música popular. Como fica claro pela apresentação histórica de letras e figuras LGBT na canção brasileira por Gonçalves (2016), muitas artistas das gerações anteriores, desde Ney Matogrosso, Gal Gosta a Renato Russo ou Cássia Eller, contribuíram enormemente para forjar a cultura LGBT que permeia a MPB. Ao mesmo tempo, evidencia-se uma linguagem diferente. A conceituação de “empoderamento” da geração contemporânea se apresenta em um campo discursivo indissociável de críticas sociais formuladas pelos feminismos negros e dos movimentos trans. A incorporação dessas críticas – ao racismo, ao sexismo, à cisgeneridade e à homofobia – em conjunto com a proliferação de subjetividades recentes, como por exemplo a da “bicha preta”, remete para articulações historicamente específicas da contemporaneidade.
[12] Uma primeira visão geral com entrevistas biográficas de algumas dessas artistas pode ser encontrada em Moreira (2018). Porém, não é o objetivo, nem do referido livro nem do presente artigo, apresentar uma abrangência das artistas envolvidas. Ao contrário, vale lembrar que, além do grande número de musicistas atuais que fazem parte desse campo discursivo, há também posicionamentos divergentes em relação ao uso de “LGBT” enquanto denominação artística-cultural. Algumas artistas, inclusive, incomodam-se com o selo “LGBT” porque veem a sua arte reduzida a uma só causa e porque criticam uma certa uniformização que as colocaria em proximidade de certas cantoras que seriam artística e politicamente distantes. Minha sugestão de olhar para esse conjunto de artistas como um movimento musical LGBT é uma sugestão sociológica, descritiva, mas que reconhece tal pluralidade de posicionamentos e perspectivas heterogêneas.
[13] Um exemplo seria a participação de Linn da Quebrada na 18a edição da Parada LGBT+ de João Pessoa, em 2019, que foi cancelada pouco tempo antes. A artista tornou o caso público e acusou os organizadores de imporem uma censura, já que estes tinham expressado um incômodo em relação ao vocabulário demasiadamente explícito e radical da cantora (“Linn da Quebrada”, 2019).
[14] A autora desenvolve essa reflexão em diálogo com as pesquisas de Stephanie Lima sobre os coletivos estudantis (Lima, 2017) e de Carla Gomes sobre o papel do corpo e das emoções na Marcha das vadias (Gomes, 2017). Além disso, vale lembrar que a centralidade de intervenções artísticas como parte da ação coletiva LGBT contemporânea se expressa em diferentes coletivos, como é o caso do Revolta da Lâmpada (Grunvald, 2019) ou do grupo ativista Aos Brados (Mascarenhas Neto & Zanoli, 2019).
[15] Esses pressupostos, muito inovadores na época, remontam aos estudos culturais de Birmingham. Para o campo da música popular, foi o estudo de Hebdige (1979) sobre estilo, subcultura e sua relação com a consciência rebelde de classes populares inglesas que teve muita influência.
[16] Isso inclui o processo histórico de como, nas palavras de Aguião (2018), os movimentos homossexuais fizeram-se no Estado. Além disso, a inserção da categoria LGBT na indústria fonográfica aponta para aspectos mercadológicos (França, 2012; Wasser, 2017).
[17] É importante destacar a participação de artistas lésbicas e feministas negras no movimento musical LGBT, como, por exemplo, a rapper Luana Hansen ou Bia Ferreira. No entanto, tais artistas continuam sendo menos destacadas no que aparece sob o selo música LGBT na indústria fonográfica.
[18] É importante notar que a denominação geração tombamento, assim como os entendimentos sobre estética e política concomitantes, não é consenso, senão alvo de disputa contínua. Como mostra Bruno Nzinga Ribeiro (2018) em sua análise sobre a “cena preta LGBT de São Paulo”, há posições de motivação política do campo antirracista que, inclusive, a rejeitam. Isso se dá, por um lado, porque a denominação pode insinuar um conflito geracional entre negros e, portanto, representaria um conceito enganoso. Por outro lado, críticos da geração tombamento acusam seus representantes de fazer “militância de sofá” e de serem reféns do consumismo e do capitalismo (Ribeiro, B., 2018, p. 13).
[19] Como aponta Bruno Nzinga Ribeiro (2018), algumas dessas festas também contam com performances de vogue, uma dança inicialmente executada nas Ballrooms de Nova Iorque dos anos 80 e, posteriormente, comercializada por artistas como Madonna.
[20] Linn da Quebrada se define como artista multimidiática e tem atuado, além de sua trajetória como cantora, como atriz de telenovela da TV Globo e de cinema, ativista trans, apresentadora de um programa de TV no Canal Brasil e compositora.
[21] Este jogo de palavras de Linn da Quebrada é também o título de uma das suas primeiras músicas, que ganhou certa notoriedade na plataforma YouTube em 2016 (https://www.youtube.com/watch?v=saZywh0FuEY). Nela, a cantora se opõe, de forma provocadora e divertindo-se com as masculinidades dominantes, à discriminação de gays “afeminados” por parte de outros gays e homens.
[22] A criação de representatividade, bastante referenciada no campo do movimento musical LGBT, refere-se à ideia-chave de abertura e ocupação de espaços artísticos pela autorrepresentação de grupos e corpos historicamente minorizados, marginalizados ou desumanizados. Nesse sentido, visa-se a desafiar suas representações históricas de dominação, como, por exemplo, a do Black Face (Ribeiro, D., 2018, p. 48) ou do Trans Fake (Renata Carvalho em entrevista a Lemos Jr. & Gosciola, 2018, p. 105) – representações humilhantes que se nutrem da branquitude e cisgeneridade normativas.
[23] O projeto Casa 1 abrange, além da acolhida de pessoas LGBT expulsas de casa, um centro cultural e atendimento psicoterápico. Detalhes em http://www.casaum.org/quem-somos/.
[24] O autor aponta aqui para as disputas sobre a diferença entre as experiências de travestis e de transexuais que marcaram esse processo (Coacci, 2018, p. 201).
[25] Raquel Virginia acrescentou sobre a violência pessoalmente sofrida em 2016: “esse foi o ano em que mais fiz sucesso e o ano em que eu mais apanhei. Mas não foi o ano em que eu mais apanhei no sentido metafórico, não. Eu apanhei mesmo. Levei garrafada na cabeça. Eu levei tapa na cara, tapa na cabeça. Aconteceu tudo isso“ (Liberdade de gênero, 2016).
[26] Em setembro de 2017, o artista apresentou a performance “La Bête” no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). Esta performance, na qual Schwartz se inspirou em esculturas de Lygia Clark e que convida o público para participar da obra, foi alvo de polêmica porque o artista se apresentou nu. Os ataques contra Schwartz foram disparados após a circulação de um vídeo fragmentado que mostrava uma criança tocando o corpo do artista.
[27] No mesmo ano, a Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo homenageou Fernanda Lima e o seu programa na categoria TV do Prêmio Cidadania em Respeito à Diversidade (ver APOGLBT, 2016).
[28] O episódio encontra-se em https://globoplay.globo.com/v/5695481/
[29] A música data de 1978 e é uma composição de Chico Buarque, gravada por ele no álbum ópera do Malandro. Ela conta a história de como uma sociedade desumanizava uma travesti, Geni.
[30] Pereira (2018) lembra que, nos formatos da TV aberta brasileira, a figura da travesti e da drag queen se reduzia à representação na comédia, e, não raras vezes, as expunha ao ridículo ou ao espúrio.
[31] Esse título foi também apropriado pelos apoiadores e fãs da artista nas redes sociais, usando-o justamente no sentido contrário, ou seja, enquanto prova do sucesso transgressor e emancipador de Pabllo Vittar na sua ocupação de espaços midiáticos.


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