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A batalha política pela cidade: rupturas e continuidades nos trajetos de protestos em junho de 2013 na cidade de São Paulo
The political battle for the city: Ruptures and continuities in itineraries of protests of June 2013 in the city of São Paulo
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 8, núm. 20, pp. 128-152, 2020
Sociedade Brasileira de Sociologia

Dossiê


Recepción: 14 Julio 2020

Aprobación: 29 Agosto 2020

DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.730

Resumo: O artigo investiga a variedade de trajetos das manifestações percorridos por uma gama de atores coletivos presentes no ciclo de confrontos de 2013, apresentando os mecanismos responsáveis pela ocupação, concentração e dispersão de protestos no espaço urbano. Quais foram os obstáculos e constrangimentos para a execução dos trajetos de protesto em junho de 2013? Através da análise espacial dos protestos, foi possível elencar os mecanismos pelos quais os diferentes usos situacionais do espaço urbano produzem e disseminam os trajetos de protesto. O argumento principal é de que a dispersão dos trajetos no cenário urbano paulistano resultou de dois fatores: 1) a morfologia espacial da cidade; 2) as disputas entre atores políticos (polícia vs. manifestantes; e ativistas com diferentes agendas) pelo controle de espaços da cidade visando objetivos específicos.

Palavras-chave: junho de 2013, espaço morfológico urbano e confronto político, São Paulo.

Abstract: The article explores the variety of paths taken by a range of collective actors in the 2013 cycle of confrontations, presenting the mechanisms responsible for the occupation, concentration and dispersion of protests in urban space. What were the obstacles and constraints to the execution of the protest routes in June 2013? Through the spatial analysis of the protests, it was possible to list the mechanisms by which the different situational uses of urban space produce and disseminate the protest routes. The main argument is that the dispersion of routes in the urban scenario of São Paulo resulted from two factors: 1) the spatial morphology of the city; 2) disputes between political actors (police vs. demonstrators; and activists with different agendas) for the control of city spaces aiming at specific objectives.

Keywords: June 2013, urban morphological space and contentious politics, São Paulo.

Introdução[1]

O artigo investiga as continuidades e rupturas na geografia do protesto durante os episódios de confronto de 3 a 25 de junho na cidade de São Paulo em 2013.[2] Apresentando os trajetos percorridos por ativistas, o estudo descreve os mecanismos responsáveis pela ocupação, concentração e dispersão de protestos no espaço urbano. Quais foram os obstáculos e constrangimentos para a execução dos trajetos de protesto em junho de 2013? Como as interações entre vários atores políticos afetaram a dispersão dos trajetos pela malha urbana paulistana? Protestar é, sobretudo, apresentar demandas políticas no espaço público da cidade, procurando demonstrar a importância de agendas através do número de participantes, da dignidade moral, do comprometimento dos ativistas e da unidade expressiva e tática dos manifestantes (Tilly, 2003). Assim, a execução de manifestações incorre em custos operacionais aos ativistas e supõe uma logística espacial visando impactos políticos estratégicos e expressivos. Portanto, o trajeto estabelecido representa um dos elementos cruciais no cálculo dos manifestantes.

No dia 3/6, os protestos encabeçados pelo Movimento Passe Livre (MPL) contra os reajustes das tarifas de transporte público começaram pequenos e concentrados geograficamente nas periferias da cidade (Capão Redondo). A partir do dia 7 do mesmo mês, a coalizão contra o aumento, formada por uma articulação do MPL com movimentos estudantis, partidos de esquerda e grupos autonomistas, testou novos trajetos de protesto nas marginais (Pinheiros e Tietê) e nas grandes avenidas que conectavam o centro aos bairros (Avenida Rebouças e Avenida Faria Lima). Isso mirava impactos na rotina da cidade e teve o efeito inesperado de aumentar a amplitude geográfica dos trajetos. Quando o volume de pessoas se massificou, no dia 17, os protestos se dispersaram por uma vasta área paulistana que ia do centro da cidade às periferias da zona Sul (bairros do Capão Redondo, Campo Limpo etc.) e a bairros residenciais nas franjas do centro expandido (bairros de Pinheiros, Tatuapé, Butantã etc.). A polícia, que no início coibiu certos trajetos, logo se viu forçada a acomodar os protestos, respeitando os percursos das manifestações.

A dinâmica em São Paulo é relevante, pois não só os protestos de junho se massificaram a partir da capital paulista, como também foram intensamente retratados na imprensa. A cidade de São Paulo é uma praça de protestos com visibilidade nacional, juntamente com Rio de Janeiro e Brasília. A concentração de poder econômico e político coloca essas cidades em situação de vantagem quanto à visibilidade de seus espaços urbanos, fazendo com que a dinâmica de ocupação política dos espaços e as interações entre polícia e manifestantes sejam destaques nos telejornais e nas mídias sociais. Contudo, convém lembrar que os confrontos em junho de 2013 se difundiram pelo Brasil como um todo. Nas cidades que sediaram megaeventos (Copa das Confederações de 2013 e Copa do Mundo de 2014), a disputa entre manifestantes e a polícia concentrou-se nas imediações das arenas esportivas onde ocorreriam os jogos. Em Brasília e Rio de Janeiro, os manifestantes e a polícia encamparam batalhas pelo controle e acesso a edifícios sedes do Poder Legislativo, como as Câmara Municipais, no caso do Rio de Janeiro, e o Congresso Nacional, em Brasília. Cabe mencionar ainda que em várias cidades do interior do país os manifestantes se dirigiram a uma variedade de locais de protesto como monumentos cívicos locais ou foram para o entorno das prefeituras municipais. Já existem trabalhos que apontam nessa direção e que avançam numa dinâmica proveitosa para investigações futuras (Heck, 2015; Souza, 2018; Paiva & Freitas, 2019).[3]

Neste artigo, o argumento é de que a dispersão dos trajetos no cenário urbano de São Paulo durante junho de 2013 resultou de dois fatores: i) a morfologia espacial da cidade, com suas grandes avenidas para a circulação de pessoas, bens e serviços, cuja importância as transforma em espaços de disputa e de visibilidade para os atores; 2) as interações táticas entre atores políticos (polícia vs. manifestantes; e ativistas com diferentes agendas) pelo acesso e controle de espaços da cidade visando fins diversos (garantia da ordem pública, visibilidade política e impacto na rotina urbana).

Do ponto de vista dos trajetos, os protestos podem ser analiticamente divididos em dois momentos distintos. A fase inicial coincidiu com o mecanismo de experimentação de trajetos (3 a 16 de junho). As tentativas policiais de prevenir o acesso à avenida Paulista fizeram com que os ativistas testassem novos trajetos, evitando espaços controlados pela polícia ou garantindo o acesso a locais de visibilidade pública. A segunda fase (17 a 25 de junho) caracteriza-se pela massificação do protesto, pela diminuição da repressão policial e pela pluralidade de atores coletivos nas ruas. Nesse momento, o mecanismo de competição espacial entre diferentes grupos de manifestantes desencadeou a dispersão dos trajetos de protesto para novos locais na cidade.

Esse retrato corresponde grosso modo à periodização de Alonso (2017) acerca de junho de 2013. A autora apresenta o fenômeno como um ciclo de confronto dividido em três etapas: eclosão (6 de junho), diversificação (11 de junho) e massificação (17 de junho). O presente artigo tenta compreender como a experimentação e a competição espacial foram responsáveis pela produção e dispersão dos trajetos no ciclo de confronto de junho[4]. A primeira seção apresenta a bibliografia sobre a relação entre protesto e espaço urbano. Em seguida, os traços morfológicos da cidade de São Paulo relevantes para a lógica espacial de manifestações são investigados em detalhe. Por fim, as seções seguintes analisam a trajetória dos protestos, salientando os mecanismos de experimentação e competição. A conclusão retoma os argumentos desenvolvidos ao longo do texto.

A política dos espaços de protesto: balanço da literatura

No Brasil, a literatura sobre a relação entre espaço e ativismo focalizou o problema do acesso a políticas públicas, a bens e a serviços urbanos. Esses autores citaram a crise urbana e a gestão neoliberal da cidade como principais motivações dos ativistas em vários episódios de confronto na pós-redemocratização. Junho de 2013 não teria sido diferente e as explicações apontaram as desigualdades e problemas urbanos como razões para a revolta coletiva pelo “direito à cidade” (Maricato et al., 2013; Maricato, 2015). Outra formulação sobre a relação entre espaço e protestos enfatizou o caráter simbólico de determinados locais na cidade. Nessa linha de estudos, os manifestantes ocupam espaços urbanos em tom de desafio ao poder estatal. Para essa concepção, o trajeto das manifestações é, sobretudo, semiótico, pois carrega mensagens políticas e esforços coletivos de reapropriação dos espaços públicos contra as pretensões do Estado e do mercado sobre os territórios (Gohn, 2013; Rosa, 2013; Heck, 2015; Paiva & Freitas, 2019; Frúgoli Jr., 2018).

Nos últimos anos, a literatura internacional interessou-se pelo impacto dos mecanismos socioespaciais na política do confronto. Auyero (2006) afirma que o espaço pode ser tanto um motivador político, uma barreira ou um facilitador para a construção de ações coletivas. No entender do autor, a literatura atual contribuiu com quatro perspectivas sobre a relação entre mecanismos socioespaciais e confronto: o espaço como repositório de identidades sociais e políticas (Gould, 1995; Tilly, 2013), a relação entre protesto, oportunidades e constrangimentos espaciais (Martin & Miller, 2003; McCarthy & McPhail, 2006; Rafail, 2018), enraizamentos políticos em rotinas cotidianas da cidade (Auyero, 2003; Salmenkari, 2009) e, por fim, lugares como arenas simbólicas e políticas para movimentos sociais e outros atores coletivos (Auyero, 2006).

O artigo contribui com esse debate procurando compreender como ativistas e a polícia interagiram estrategicamente, constrangidos pelo ambiente espacial e a circulação da cidade. Grande parte da literatura referiu o policiamento aos processos de criminalização dos movimentos sociais ou ao efeito das imagens da repressão para a indignação coletiva que desembocaria na difusão do ciclo de junho. Ainda são escassos os estudos que procuram traçar a sequência de interações políticas entre os agentes do Estado e os manifestantes nos contextos espaciais do protesto (Almeida, Monteiro & Smiderle, 2020; Maciel & Machado, 2019). O estudo visa, portanto, responder a essas questões procurando entender como o espaço público entra no cálculo dos manifestantes e da polícia. O artigo também pretende traçar uma agenda de pesquisa acerca das relações entre o espaço urbano e as estratégias de ativismo. Bringel (2007; 2011), por exemplo, vem apontando a lacuna e chamando a atenção para a necessidade de uma incorporação do espaço na agenda analítica acerca dos movimentos sociais. Segundo o autor, há uma via profícua a ser explorada quando se trata da relação entre territorialidades, autonomia e a criação de contrapoderes.[5]

Buscando flagrar a dinâmica da interação política e seus efeitos nos trajetos, o artigo mobiliza a análise de eventos de protesto como metodologia. Trajetos são definidos aqui como o conjunto de usos concretos de vias de transporte público, ruas, praças, parques dentre outros espaços como túneis e pontes mobilizados para o deslocamento ou permanência dos atores coletivos durante a execução de protestos. Os procedimentos metodológicos usados na pesquisa envolveram a coleta sistemática de informações acerca dos eventos de protesto e de seus trajetos.[6] Nessa etapa, foram catalogadas notícias de fontes jornalísticas como Folha de São Paulo, Uol Notícias e G1. Tais fontes serviram como demarcadores temporais dos principais protestos na cidade de São Paulo durante os dias 3/6 a 25/6. A análise será eminentemente qualitativa levando em consideração a interação dinâmica entre os vários atores políticos engajados no confronto nas ruas e seus efeitos nos trajetos.

A centralidade das avenidas: espaços de confronto político na cidade de São Paulo

O crescimento acelerado da malha viária paulistana no século XX fez com que os planos urbanísticos da capital favorecessem as avenidas como eixos de circulação de pessoas e mercadorias. Com a preferência pelo carro como transporte, em detrimento do metrô e do transporte público coletivo, as grandes avenidas, em especial a Paulista, ganharam centralidade na morfologia espacial da cidade. Em função disso, as áreas próximas às avenidas são muito valorizadas pelos poderes público e privado por suas facilidades logísticas. A cidade de São Paulo possui dois cenários espaciais mobilizados em manifestações: o centro antigo e a zona Oeste e do centro expandido. O primeiro deles está organizado ao redor da praça da Sé, berço histórico da cidade. O segundo está mais próximo da região da avenida Paulista. A Figura 1 apresenta esses espaços.

O centro, na área que vai da praça da Sé à avenida Ipiranga e à praça da República, sedia a Prefeitura de São Paulo, edifícios importantes como o Teatro Municipal, praças, parques, terminais de ônibus, estações de trem e metrô, secretarias municipais e estaduais, centros comerciais e sedes de sindicatos e de partidos políticos. Esse quadrilátero é estratégico para manifestações, pois concentra as atividades rotineiras de governantes e das burocracias estatais e municipais da cidade. A área central também conta com a presença de sedes de sindicatos, associações operárias e de outras organizações políticas. Destaca-se que as sedes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT), importantes atores coletivos que frequentemente lideram manifestações, ficam na região da praça da Sé.

Por outro lado, a região que vai da avenida Paulista ao Palácio dos Bandeirantes, sede do Governo Estadual, caracteriza-se pela predominância de atividades econômicas modernas. Fruto de investimentos privados e públicos desde os anos 1980, a área recebe empresas do ramo financeiro, de telecomunicações, da publicidade, de mídia e de tecnologia (Souza, 2018). A Paulista desfruta de centralidade política e econômica nessa região e reúne sedes de empresas, de federações econômicas e entidades de classe, de bancos e de instituições científicas e culturais. Sitiados na Paulista, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e o escritório da Presidência da República na cidade costumam atrair manifestantes para as suas fachadas (Frúgoli Jr., 2018). Restaurantes, bases policiais, estações de metrô, cinemas, universidades, espaços de lazer e cultura marcam o cenário da avenida. Destaca-se o vão livre do edifício do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) localizado na avenida e que costuma abrigar eventos culturais, esportivos, religiosos e políticos. A Paulista também é palco de shows e festividades que, em várias ocasiões, se tornam episódios de contestação. Casos notáveis de eventos rotineiros que conjugam significados desse gênero são a Marcha para Jesus e a Parada LGBTT, que ocorrem anualmente na Paulista.


Figura 1
Principais espaços de protesto na cidade de São Paulo (2011-2013)
Elaboração Própria: Praça da Sé, Centro (Alto, Esquerda); avenida Paulista, centro expandido (Alto, Direita); avenida Faria Lima, Zona Oeste (Baixo, Esquerda); ponte Octávio Frias, Zona Sudoeste (Baixo, Direita)

Além da Paulista, as zonas Oeste e Sul da cidade apresentam importantes avenidas, como a Faria Lima, a Doutor Arnaldo e a Juscelino Kubitschek, que cortam a região e ligam o centro a áreas residenciais de classe média alta. A região Sudoeste também conta com equipamentos urbanos relevantes como o Parque do Ibirapuera e prédios públicos como a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) e o Palácio dos Bandeirantes. Acrescenta-se, ainda, a presença da Universidade de São Paulo que, por sua proximidade a outras avenidas importantes, serve de palco para manifestações estudantis na cidade. A zona Oeste ainda abriga o largo da Batata, que também vem se tornando um centro aglutinador de multidões. O largo possui vantagens para a localização de eventos como a presença da estação Faria Lima de metrô, uma área aberta de 4 km² e vias importantes como a avenida Faria Lima e a rua Teodoro Sampaio, que ligam o centro a diferentes bairros.

Na formação do MPL, em 2005, a área que vai dos terminais de ônibus do centro à avenida Paulista figurou como um espaço de protesto marcado por marchas, ocupações de terminais, “catracaços” e performances artísticas. Durante a gestão Gilberto Kassab (2005-2012) na Prefeitura, os aumentos das tarifas de ônibus em 2005, 2006, 2010 e 2011 intensificaram os protestos do MPL. Embora reunindo alguns milhares de participantes, essas manifestações, não raro, resultavam em confrontos entre manifestantes e a polícia militar em virtude de divergências quanto ao trajeto, que travava artérias importantes da cidade (Ortellado, 2013; Spina, 2016).

Por fim, mobilizações contra a corrupção já vinham ocorrendo na avenida Paulista. A pauta anticorrupção, em especial em 2012, com o julgamento do escândalo do Mensalão, também veio se apropriando da Paulista como espaço de protesto. Lá ocorreu, em 21/4/2012, a concentração do protesto do Dia do Basta contra a Corrupção. Os responsáveis pela marcha diferiam em cada município, mas pode-se listar como associações coordenadoras os grupos como Movimento nas Ruas, Movimento Dia do Basta, Coletivo Pátria Minha dentre outras dezenas de associações que comunicavam por meio de páginas de redes sociais na internet. Em diversas cidades, os eventos também contaram com a participação de manifestantes que emulavam as performances difundidas e associadas ao coletivo virtual Anonymous.[7] O evento foi um sucesso em outras cidades como Brasília e Rio de Janeiro, mas teve pouca tração na capital paulista. Em São Paulo, essa manifestação reuniu somente 700 participantes, todos eles vestidos com máscaras de Guy Fawkes e entoando gritos contra a corrupção. Houve conflito com a polícia em virtude do desacordo em relação à permanência dos manifestantes no local após o término do protesto (Abos, 2012).

Esse panorama morfológico da cidade de São Paulo serviu para demonstrar a centralidade das grandes avenidas, em especial a Paulista, como espaços de manifestações. Não à toa, a Paulista concentra protestos ou aparece em trajetos de vários deles e é, portanto, um eixo de disputas entre o poder público e os manifestantes. A avenida atrai manifestantes pois: i) a centralidade da avenida garante visibilidade pública; ii) a posição privilegiada permite o acesso rápido dos manifestantes, bem como a disponibilidade de rotas de fuga em caso de confronto com a polícia; e, por fim, iii) a importância crucial da Paulista como entroncamento viário para o fluxo contínuo de veículos torna-a uma peça fundamental na gestão da ordem pública urbana. Somados, esses fatores (de ordem simbólica, morfológica e tática) facilitam o protesto na avenida. A mínima concentração de pessoas já é suficiente para travar o trânsito das áreas circunvizinhas e, dependendo do volume de pessoas nas ruas, afetar – a mobilidade e circulação da cidade. Dadas essas condições, a avenida aparece como um espaço constante de disputas entre a polícia e os manifestantes, e, em junho, ela seria o cenário de manifestações cada vez mais radicalizadas.

A experimentação tática: os conflitos entre polícia e manifestantes (3/6 a 16/6)

Na fase compreendida entre 3/6 e 16/6, os trajetos eram definidos por bloqueios, contrabloqueios, táticas de dispersão e reagrupamentos de manifestantes e da polícia. Os protestos ficaram concentrados nas imediações da praça da Sé e da Avenida Paulista, com experimentações de outros locais nas zonas Sul e Oeste da cidade. Logo no dia do 2/6, após a nova tarifa de transporte público entrar em vigor, manifestações começaram pela cidade. Em anos anteriores, o reajuste ocorria em janeiro ou fevereiro, mas, para frear a inflação, a presidente Dilma Rousseff (PT) e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pediram o adiamento dos reajustes ao prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e ao governador do estado, Geraldo Alckmin (PSDB) (“Tarifas de ônibus, trem e Metrô”, 2013). Com o atraso do reajuste, o MPL teve tempo para preparar a campanha contra o aumento das passagens. As lideranças realizaram, ao longo de maio, panfletagens em terminais nas periferias da zona Norte e Sul da cidade e em escolas secundaristas públicas. Isso permitiu ao MPL construir uma coalizão que englobava partidos de esquerda (PSOL, PSTU e PCO), movimentos estudantis (UNE e ANEL), sindicatos (Sindicato dos Metroviários) e grupos autonomistas (Fanfarra do M.A.L) (Spina, 2016; Souza, 2018).

No dia 3/6, na periferia sul da cidade, um protesto com 150 manifestantes transitou do Terminal Guarapiranga à Subprefeitura do M´Boi-Mirim. O evento iniciou a campanha oficial contra o aumento das passagens, embora não tenha recebido destaque nos jornais (“Protestos na M’Boi Mirim”, 2013). A explosão nos noticiários veio com o primeiro protesto na região central da cidade, no dia 6/6. O MPL planejou a primeira grande manifestação como estratégia de pressão direta à Prefeitura de São Paulo. Saindo da praça Ramos de Azevedo, os cerca de 3 mil manifestantes subiram a avenida 23 de Maio, que fica próxima à praça da Sé e dá acesso ao centro expandido e às imediações da avenida Paulista. Segundo o chefe da operação de policiamento, Coronel Reynaldo Rossi, o estopim do confronto teriam sido os bloqueios nos entroncamentos da avenida 23 de Maio e da avenida 9 de Julho. Embora sem edifícios de relevo político e fora dos centros comerciais, as duas avenidas não costumam atrair pedestres, sendo muito mais vias de tráfego de veículos e de acesso de bairros de classe média da zona Sul (Vila Mariana, Campo Belo, Moema) ao centro. O comando da operação destacou um contingente pequeno de trinta a quarenta policiais, mas teve relativa dificuldade em controlar a situação e convocou a Tropa de Choque como medida auxiliar (“Ao menos 30 pessoas se feriram”, 2013). A polícia tentou dispersar o evento com bombas de gás lacrimogênio. Esse recurso seria extensivo na primeira fase do protesto e, embora surta o efeito de dispersar os manifestantes, acaba espalhando o protesto por ruas e adjacências do trajeto principal (Maciel & Machado, 2019).[8]

No dia seguinte, o MPL deslocou o trajeto para o largo da Batata. O segundo “ato” começou com a concentração dos manifestantes nas proximidades do metrô Faria Lima. O MPL procurou criar uma comissão de negociação para os trajetos a fim de evitar conflitos (Judensnaider, Lima, Pomar & Ortellado, 2013; Spina, 2016). Com o trajeto negociado, a marcha seguiu em direção à avenida Rebouças. Essa foi a primeira experimentação de alteração tática do percurso em junho. A mudança de local facilitou a manutenção do percurso, pois evitava a Paulista e ajudava na logística para a aglomeração de pessoas, já que a área tinha a disponibilidade de estações de metrô. Amplas vias, como a marginal Pinheiros, a Faria Lima e a Rebouças, além de vias auxiliares, dificultavam o encurralamento dos manifestantes, que assim dispunham de rotas de fuga em caso de enfrentamento. Quando a manifestação se dirigiu para a marginal Pinheiros, a polícia usou bombas de gás para dispersar os manifestantes, e o confronto não durou muito, pois logo o MPL conseguiu dispersar os manifestantes.

O protesto de 11/6 estava programado para iniciar na avenida Paulista e o MPL pretendia descer até a Rua da Consolação, com término previsto nas imediações da estação Anhangabaú e Terminal Dom Pedro II. Mais simples e direto que nos eventos anteriores, o trajeto também contribuía para rápida dispersão dos manifestantes, devido à presença das estações do metrô. Todavia o percurso se inseria em um trecho da cidade, cujo tráfego de veículos costumava ser intenso nesse horário. Quando os manifestantes tentaram entrar no terminal Parque Dom Pedro II, 400 policiais e a Tropa de Choque barraram a entrada com bombas de efeito moral e gás de pimenta (Mora & Viana, 2013), ao que os manifestantes responderam com paus e pedras. A própria ação policial contribuiu para dispersar o confronto por uma área que ia do centro histórico da cidade até as imediações da avenida Paulista.

O MPL agendou novo protesto para o dia 13/06. Publicado no site do grupo, o trajeto indicava como ponto de encontro a praça Ramos de Azevedo, próximo à Prefeitura e às avenidas Ipiranga e Consolação, que davam acesso à Paulista. O uso das redes sociais foi importante durante essa fase do protesto como canal de divulgação do ponto de encontro inicial do protesto. As páginas do Facebook e do Twitter também serviram como veículo de divulgação de mensagens, fotografias e imagens do trajeto percorrido nas ruas. Isto visava coibir tanto a ação policial como demonstrar a ausência de intenções violentas dos manifestantes. O uso dessas novas tecnologias foi central na coordenação do protesto, já que a facilidade em criar páginas no Facebook e a disseminação de informação via Twitter colaboraram para a escalada do protesto nas ruas. No dia 12/6, o Anonymous invadiu o site da Secretaria Estadual de Educação para divulgar o protesto do dia 13/6 (“Hackers invadem site da Secretaria de Educação”, 2013). Vários grupos aproveitaram-se da visibilidade dos protestos.

Assim, a Paulista, no dia 13/6, não serviu de palco somente para grupos associados com a esquerda tradicional (MTST e CUT) ou com a esquerda autonomista (MPL e Comitê Popular da Copa). No mesmo dia, ativistas do Juntos pela Vida se reuniram no MASP entoando o hino nacional, com palavras de ordem a favor das bandeiras anticorrupção e em prol de melhorias na segurança pública. Esses manifestantes usaram aplicativos de conversa por celular para coordenar o percurso do protesto e marcharam na avenida Paulista, ajudando a engrossar a passeata convocada pelo MPL (Oliveira, 2013).

A imprensa repercutiu o incidente do dia 11/6 e conclamou as autoridades a “retomar” a Paulista (“Editorial: Retomar a Paulista”, 2013). Por outro lado, as cenas de violência policial passaram a circular nas redes sociais. Isso teve dois efeitos: o crescimento no volume de pessoas no protesto e o aumento do aparato de controle policial do espaço. No dia 13/6, a polícia solicitou que o ato terminasse na praça Roosevelt, mas os manifestantes rejeitaram a proposta. Ativistas do PSOL e do MPL revezavam-se nas tentativas de negociação dos trajetos (Araújo, Moreno & Stochero, 2013). Em contraproposta os manifestantes queriam que a passeata fosse até a avenida Paulista e depois retornasse à praça da República. Por sua vez, a PM negou qualquer possibilidade de acesso à avenida. Nessas circunstâncias de tensão crescente entre polícia e manifestantes, o comando da operação policial condicionou a manifestação a acordos tácitos sobre a necessidade de manter o trânsito intacto evitando a Paulista. O confronto teve início próximo à Rua Maria Antônia dada a insistência dos manifestantes em manter o trajeto para a Paulista. A polícia tentou a dispersão por meio de bombas de gás. Manifestantes responderam arremessando objetos contra os policiais. Conhecido como a “Batalha da Consolação”, o protesto do dia 13/6 assinalou o recuo da polícia quanto ao controle ostensivo das manifestações (Maciel & Machado, 2019).

O secretário de Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, no dia 15/6, instituiu na investigação sobre abusos cometidos por policiais e, no dia 16/6, em entrevista coletiva, afirmou que a Tropa de Choque, apreensões de material e munições menos letais não seriam mais usadas nas manifestações seguintes. Na ocasião, o Secretário convidou os manifestantes para estabelecer o trajeto de novas manifestações e afirmou que os bloqueios policiais se dariam somente nas ruas adjacentes ao itinerário principal, garantindo a manutenção do percurso dos manifestantes (Barros, 2013).

A partir da repercussão negativa da ação policial, grupos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Periferia Ativa e o Comitê Popular da Copa (COPAC) passaram a conclamar suas bases para as ruas. No dia 14/6, esses grupos realizaram um protesto na Avenida Paulista, em frente ao prédio da Presidência da República, contra as remoções em função da Copa do Mundo de 2014 (“Protesto ‘Copa para quem?’ ocupa faixa da avenida Paulista”, 2013). No dia 15/6, foi a vez da Liga Brasileira de Lésbicas e da Marcha Mundial das Mulheres se reunirem na praça da Sé a favor da descriminalização do aborto (“Protesto contra estatuto do nascituro”, 2013). Destaca-se o fato de que, a partir do dia 13/6, a presença dos black blocs passou a ser notada. Empregada como tática de proteção dos manifestantes, logo seus praticantes começaram a fazer uso da ação direta como estratégia de ocupação dos espaços da manifestação.[9]

É importante registrar que a disputa pela Paulista constituiu uma das tônicas que ajudaram a radicalizar as ações da polícia e dos manifestantes no início das mobilizações na cidade de São Paulo. As tentativas recorrentes de ambos os lados de manter o controle das avenidas centrais, como a Paulista e a Consolação, colaboraram para as várias rodadas de bloqueios e contrabloqueios e para a multiplicação dos locais acessados nos protestos. Em manifestações como as dos dias 6, 7,11 e 13, nas quais os trajetos perpassavam grandes avenidas nas áreas próximas ao centro, as bombas lançadas pela polícia ajudaram a difundir o protesto por uma área fora do trajeto inicial. Isso ocorreu porque as avenidas centrais são atravessadas por ruas auxiliares sinuosas, o que facilitou a dispersão e reagrupamento dos manifestantes. A região também conta com uma oferta de estabelecimentos comerciais ou edifícios de vãos livres, nos quais os ativistas puderam se esconder. Com a dispersão generalizada por ruas pequenas e tortuosas, a polícia escalou o processo repressivo por meio de bloqueios e detenções. Nessas circunstâncias, o protesto tomou dimensões difíceis também para organizadores, pois estes não conseguiram retomar o trajeto combinado e estabelecer negociações com a polícia.

Competição pelos espaços: novos atores e a difusão espacial do protesto (17/6 a 25/6)

O recuo da polícia teve como efeito a reconquista de trajetos tradicionais de protesto, como a Paulista e a praça da Sé, mas trouxe uma consequência inesperada: a competição por esses espaços com outros atores políticos até então não-mobilizados. A fase é marcada por longos trajetos e deslocamentos massivos de pessoas nas ruas. Parte da massificação dos protestos pode ser explicada pelo papel que as redes sociais tiveram na disseminação e na autonomia na chamada de protestos. Apesar da centralidade do MPL na condução dos trajetos principais, outras páginas, como as Anonymous Brasil e Black Bloc Brasil, começaram a divulgar o evento. No Twitter, a manifestação era discutida e o impacto das imagens da repressão policial eram amplificados aumentando a simpatia de cidadãos comuns em relação aos ativistas. Isso também produziu a multiplicação de agendas nas ruas, o que, de um lado, ampliou a base dos protestos, mas, por outro, tornou difícil a condução logística e política nas ruas. O MPL passou a ter dificuldades em definir trajetos e em ditar a agenda das manifestações. Em outros termos, a interação entre as ruas e as redes sociais serviu tanto para amplificar o efeito das manifestações como para criar novas tensões nas ruas.

O evento do dia 17/6 reuniu o maior contingente de pessoas até aquele momento e cerca de 65 mil participaram do “ato” do MPL. Isso acarretou conflitos entre a parcela partidária dos protestos e os novos manifestantes que chegavam às ruas. Já no largo da Batata ocorreram hostilidades de apartidários contra ativistas com bandeiras do PSOL, PSTU, PT e PCO. Os gritos de “Lulladrão, seu lugar é na prisão” e “Abaixa a bandeira”, “Sem partido”, embora esparsos, davam os primeiros sinais de uma competição pela visibilidade política nos trajetos. Situação que iria se prolongar no restante do ano de 2013.

Segundo o MPL, a manifestação seguiria pela avenida Brigadeiro Faria Lima em direção à Ponte Octávio Frias. Contudo, o trajeto se dividiu em três. O principal deles seguiu o percurso estabelecido pelo MPL. Conforme a marcha se desenrolava, um grupo de manifestantes passou a ocupar espaços adjacentes ao percurso principal. Bloqueios na marginal Pinheiros se deram em conjunto com pequenas marchas nas imediações do Itaim Bibi, Morumbi e Cidade Jardim, bairros de classe média alta e próximos à sede da Rede Globo e do Palácio dos Bandeirantes. Um segundo trajeto debandou para a avenida Paulista. Aos gritos de “Sem Violência”, esses manifestantes reforçavam o apelo antipartidarista e recriminavam o uso de táticas violentas no percurso. Esse grupo, que contava com manifestantes contra a corrupção, ajudou a transformar as imediações do MASP naquilo que a imprensa chamou de “calçadão” dos protestos (Alvarenga, 2013).

Enquanto isso, ao fim do evento na Ponte Octávio Frias, manifestantes não quiseram se dispersar conforme o comando do MPL e permaneceram na zona sul, próxima ao metrô Morumbi. Os recalcitrantes se dividiram entre aqueles que se dirigiram à sede do Poder Legislativo, na ALESP (na zona central da cidade), e aqueles que embarcaram numa tentativa de invasão ao Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi. De todo modo, as autoridades policiais e governamentais acataram os trajetos dos protestos, dado o volume de pessoas nas ruas. Isso deu flexibilidade para que organizadores e manifestantes decidissem mudanças repentinas de curso ou viabilizassem trajetos em múltiplas ruas com o mesmo ponto de encontro final.

Na manhã do dia 18/6 uma reunião com o Secretário de Segurança, Fernando Grella Vieira, com o comandante-geral da PM, Benedito Meira, e com as lideranças do MPL estabeleceu procedimentos para a manifestação. As negociações sobre o trajeto ocorreriam via rádio ou telefones celulares durante o evento. O MPL não informou previamente sobre o trajeto, mas o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad elogiaram a disposição dos manifestantes em negociar (“Alckmin agora elogia líderes do movimento”, 2013). Contudo, o MPL perdeu o controle dos trajetos no dia 18/6. Outros atores políticos (partidos, sindicatos e novos manifestantes) disputaram o protagonismo nas ruas, explorando outros espaços e negociando seus próprios trajetos, temas e performances alternativos aos definidos pelo MPL. Um fator contribuiu para acelerar a competição pelo protesto por outros atores políticos. Na hora da manifestação, o rádio que servia de comunicação entre MPL e a PM falhou e o grupo não pôde comunicar o trajeto às autoridades. O grupo apelou para o celular, mas a rede de transmissão estava congestionada no momento, o que impossibilitou a comunicação do trajeto (“Conheça integrantes do MPL”, 2013). A polícia se absteve de agir e a Prefeitura virou alvo de depredações e tentativas de invasão. Somente a Guarda Civil Municipal fazia a segurança do prédio. Saques e depredações ocorreram nas imediações da praça da Sé e da Prefeitura. Após a chamada da Tropa de Choque, o protesto na região foi dispersado, mas ainda houve enfrentamentos entre polícia e manifestantes na Rua Augusta. Apesar das depredações, parte dos manifestantes encaminhou-se diretamente para a Paulista. A composição da manifestação mudara, já que os ativistas autonomistas (MPL, COPAC e MTST) e partidos de esquerda (PCO, PSTU, PSOL) disputavam espaços com recém-chegados à cena do protesto, muitos deles vestidos com a camisa da Seleção Brasileira de Futebol e rejeitando a estética, temas e as táticas do MPL e da esquerda tradicional (CUT, MTST e PT). Esses novos ativistas nas ruas disputavam a visibilidade da Paulista e gritavam slogans anticorrupção, pela defesa da família e contra a PEC-37, que revogava prerrogativas do Ministério Público na investigação de crimes de corrupção. Outros ativistas à esquerda do espectro político também denunciavam o racismo, a homofobia e as desigualdades brasileiras, mas foram paulatinamente suplantados pela “onda verde-amarelista” que ocupava a Paulista.

No dia 19/6, o governador do estado e o prefeito de São Paulo decidiram revogar o aumento das tarifas. O MPL preparou um grande evento comemorativo para o dia 20 de junho. Contudo, os discursos apartidaristas nas ruas ofuscaram o clima de comemoração e ajudaram a confundir e inflar ainda mais as agendas dos protestos. No dia 20, o MPL tentou guiar a passeata da praça do Ciclista em direção à praça Oswaldo Cruz, situadas nos extremos da Avenida Paulista. Tomar a Paulista em toda a sua extensão é uma raridade em protestos. Ativistas da esquerda tradicional (MST, CUT e UNE) e de partidos (PCO, PSOL, PT e PSTU) chegaram de modo esparso, antes mesmo da marcha, às imediações da praça do Ciclista e do MASP. Conforme os manifestantes antipartidaristas chegavam, os focos de conflito se ampliaram alterando a dinâmica do protesto e a natureza de suas agendas políticas. Pedidos de “Abaixa a bandeira!” e tentativas de queimar símbolos partidários pipocaram ao longo da Paulista. Assim que a passeata teve início, o MPL e partidos de esquerda montaram um cordão de isolamento para impedir o confronto, mas em frente à FIESP os conflitos entre os manifestantes se tornaram insustentáveis. Sem que a polícia interviesse para acalmar os ânimos, membros de partidos de esquerda e manifestantes antipartidaristas se enfrentaram nas ruas.

Acusado de oportunismo pelos manifestantes antipartidaristas, o MPL não pôde garantir o controle da marcha. O volume de pessoas dificultava não só o trajeto, mas também a unidade da coalizão ao redor do MPL e a capacidade deste em controlar conflitos. Os partidos começaram a abandonar a passeata ou debandar para as avenidas Angélica e Consolação procurando permanecer nas ruas, perdendo protagonismo, mas sem ceder às provocações. Os manifestantes anticorrupção, representados por grupos como “Revoltados Online” e “Pátria Minha”, permaneceram nas imediações do MASP, da sede da TV Gazeta e da FIESP que, a essa altura, fazia um jogo de luzes com as cores da bandeira nacional (“Militantes do PT são hostilizados”, 2013).

No dia 21, com a revogação da tarifa e os episódios de violência entre partidaristas e os novos manifestantes, o MPL retirou-se das manifestações. Essa saída das ruas abriu os flancos para que vários atores disputassem esses espaços. Primeiro, o MTST, COPAC e o Periferia Ativa assumiram a liderança tardia de junho e convocaram atos nas regiões periféricas da cidade. Nos dias 19 e 25, houve pequenas ondas de bloqueios em vários locais das periferias de São Paulo: a Estrada do M´Boi Mirim, a Francisco Morato e terminais de ônibus como Campo Limpo e Capão Redondo, nas zonas Sul da cidade (“Novos protestos em São Paulo e Minas”, 2013). Por fim, na Avenida Paulista, ativistas contra a PEC-37 e contra o Mais Médicos (programa do Governo Federal que estabelecia a vinda de médicos cubanos para suprir locais com carência de pessoal) ainda se beneficiavam do rescaldo dos grandes protestos. No dia 22/6, a Associação Paulista do Ministério Público organizou um protesto que reuniu cerca de 30 mil pessoas. O “ato” foi assumindo tonalidades fortes de crítica contra o governo de Dilma Rousseff e o PT. Uma parte dos manifestantes se reuniu no MASP e rumou para a Prefeitura, onde um show de rock animava os presentes, enquanto outra parte seguiu para a ALESP – percursos emulados dos protestos do MPL (Galhardo, 2013).

A competição pelos espaços impactou o modo como os protestos se desenrolaram ao final de junho. Quando o volume de pessoas aumentou, nem todas elas comungavam das mesmas premissas políticas do MPL ou de suas táticas de ocupação dos espaços. A escalada das manifestações dificultou a manutenção dos trajetos e o controle do MPL sobre a organização do protesto nas ruas. O resultado foi a entrada de novos manifestantes que procuravam levar a cabo suas pautas, acomodando novos temas e acatando a política de segurança pública e de controle da ordem nos trajetos. A competição pela Paulista fez com que grupos da esquerda tradicional optassem pelas periferias como estratégia de mobilização. Com a decisão da polícia de negociar com os manifestantes para minimizar os custos políticos a escalada do protesto se aprofundou e o processo de competição espacial veio a se desenhar em meados de junho.

Conclusão

Este artigo apresentou a variedade de trajetos percorridos por atores coletivos presentes no ciclo de junho de 2013, como elemento simbólico e tático de manifestação nas ruas. Dois fatores foram fundamentais para o processo de construção e difusão dos trajetos pela cidade: a experimentação de locais de manifestação e a competição espacial por diversos grupos políticos pelos espaços de visibilidade. O papel das avenidas, tanto para os ativistas quanto para a rotina da cidade, fez com que os episódios de protesto de 2013 girassem em torno das estratégias de ocupação desses espaços. A entrada de novos atores políticos nas ruas se deu par a par com a política de policiamento dos trajetos na cidade de São Paulo. Os confrontos com a polícia e a reabertura de vários canais de circulação para os manifestantes ajudou a difundir o protesto pela malha urbana. Sucessivos enfrentamentos com a polícia enfraqueceram as lideranças autonomistas no controle do trajeto e deslocaram a esquerda tradicional para as bordas da cidade, áreas de menor visibilidade. Esses dois mecanismos facilitaram a tomada das ruas pelos manifestantes anticorrupção e contra os partidos. Cabe destacar também o uso das redes sociais como uma forma de difusão, coordenação e ampliação das agendas dos protestos. Fatores esses que ajudaram a escalar as manifestações nas ruas.

Finalizando, o artigo ressaltou a importância da política do espaço urbano para as dinâmicas de difusão dos episódios de confronto político, porquanto o encontro de manifestantes de distintas vertentes políticas e os conflitos entre autonomistas e a polícia pela decisão dos trajetos difundiram o protesto enquanto tática de ocupação de espaços pela cidade de São Paulo. O artigo reavalia o papel do espaço morfológico urbano, com suas distintas funções, enquanto variável mediadora das interações entre manifestantes e a polícia e o impacto para a política na esfera pública. A dinâmica do movimento de junho de 2013 demonstra a existência de uma política dos trajetos de protesto e de multidões em geral. Em junho, a sequência de interações entre os atores políticos (ativistas, polícia, cidadãos comuns) nos trajetos desenharam uma possibilidade de escalada, dispersão e desmobilização dos episódios de confronto. Assim, as motivações e agendas políticas podem ser a faísca, mas o espaço morfológico urbano pode ser um dos rastilhos de pólvora pelos quais episódios de confrontos se disseminam.

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Notas

[1] Gostaria de agradecer os comentários e sugestões extremamente valiosos da Profª Débora A. Maciel (UNIFESP). Também deixo registrados agradecimentos à Profª Angela Alonso (USP), à equipe de trabalho no CEBRAP, Hellen Guicheney, Viviane Brito e Lilian Sendretti, aos colegas do International Postdoctoral Program (IPP-CEBRAP) e à Carolina Adania (USP) pelas leituras e observações. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo suporte à pesquisa. Por fim, agradeço à leitura atenta dos pareceristas e editores da revista, cujas sugestões foram centrais para a finalização deste texto.
[2] Apesar de reduzido, o intervalo de tempo recobre a fase aguda de interação entre polícia e manifestantes nas ruas, durante o conflito político em 2013. Como o foco do artigo consiste em entender a dinâmica de competição pelos espaços, o período selecionado parece ser o mais adequado. Após o protesto do dia 25 de junho na cidade, o protesto se legitima, ainda que brevemente, como forma de ocupação do espaço e a competição entre os atores políticos cessa, só retomando intensidade durante o processo do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. O escopo temporal e espacial delimitado também permite um estudo em profundidade das interações entre polícia e manifestantes no contexto urbano.
[3] No total, cerca de 452 cidades no Brasil todo experimentaram protestos de 3 a 30 de junho (Souza, 2018).
[4] Tarrow (2013) define ciclos de confronto como um rápido aumento da intensidade e frequência de protestos. O protesto se difunde enquanto tática de expressão política para uma variedade de setores sociais. O conceito separa os momentos de irrupção não-convencional de confrontos das rotinas políticas cotidianas (Tarrow, 2011) . No Brasil, Alonso (2017) e Tatagiba e Galvão (2019) vêm usando o conceito para dar conta das transformações políticas a partir de junho de 2013.
[5] Destacam-se o trabalho de Dowbor e Szwako (2013) ao salientar a importância da performatividade dos protestos como dinâmica central. Ricci e Arley (2014) também reforçaram o papel das novas formas expressivas dos movimentos sociais recentes. O presente artigo busca dialogar com essa veia de investigação procurando desvendar como a cidade em seus aspectos morfológicos interage com as possibilidades de expressão política que nela ocorrem e produz novas visibilidades políticas.
[6] Uma das fontes principais das notícias foi o Banco de Eventos de Protesto (BEP) produzido sob a coordenação geral da Profª Angela Alonso (USP/CEBRAP). O BEP é construído a partir da coleta de notícias da Folha de São Paulo sobre eventos de protesto em nível nacional, baseada na definição de eventos como “ação pública tocante às questões em que as preocupações explícitas sobre temas diversos são expressas como uma dimensão central, organizada por iniciadores não-estatais com o propósito explícito de crítica ou discordância juntamente com reivindicações sociais e/ou políticas” (adaptado de Fillieule & Rootes, 2003, p. 273).
[7] Esses grupos cresceram na esteira do julgamento do Mensalão que ocorreria em 2012. Surgidos em 2011, alguns desses movimentos se tornariam importantes articuladores dos protestos a favor do impeachment em 2015 e 2016. Excetuando o Anonymous, criado no Brasil em 2010 e inspirado no movimento transnacional de hacktivistas com o mesmo nome, todos esses grupos tinham na anticorrupção sua principal bandeira (“Dia Do Basta”, 2012).
[8] Segundo Spina (2016), o MPL vinha aprimorando as técnicas de bloqueios de vias com a ajuda de integrantes do MTST.
[9] Os black blocs surgiram na Alemanha durante os anos 1990 como estratégia de confronto direto com a polícia. Praticada por grupos ativistas anarquistas, punks e anticapitalistas, a tática é um guarda-chuva de ações que englobam a ação direta contra símbolos capitalistas, vestimentas que dificultam identificação policial e o uso seletivo da violência. O caráter disruptivo da estratégia black bloc serviu de munição para as iniciativas de aumento da repressão nos meses subsequentes a junho e ajudaram a formatar um conjunto de medidas de controle do protesto como a regulação do uso de máscaras e a penalização das ações dos manifestantes nas ruas (Almeida et al., 2020; Maciel & Machado, 2019).


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