Dossiê

Recepción: 07 Septiembre 2020
Aprobación: 25 Octubre 2020
DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.778
Resumo: Este artigo busca mapear a resposta do Estado brasileiro à pandemia da Covid-19, instalada no país desde março de 2020, levando-se em conta suas instituições do sistema nacional de ciência e tecnologia. Para isso, em um primeiro momento, discutiremos as respostas dadas em outros países, com ênfase no sistema de fomento e no arcabouço institucionalizado de pesquisa. Discutimos, posteriormente, a resposta do governo brasileiro que, desde o início, pôs em questão a real gravidade da situação. Finalmente, mostramos como a capacidade previamente instalada do sistema científico e tecnológico no Brasil, mesmo em contexto governamental de evidente oposição, respondeu, ainda que precariamente, à pandemia. Com isso, o que se quer argumentar é que, a despeito de toda limitação orçamentária e falta de apoio governamental, a existência prévia de uma rede de instituições de ciência e tecnologia possibilitou uma resposta à pandemia.
Palavras-chave: Covid-19, política científica, tecnológica e de inovação, pandemia, Sociologia da ciência.
Abstract: This article seeks to map the Brazilian state’s response to the Covid-19 pandemic, set up in the country since March 2020, taking into account its institutions of the national science and technology system. To this end, we will first discuss the responses given in other countries, with focus on the funding system and the institutionalized research framework. We will then debate the response of the Brazilian government, which from the beginning questioned the real gravity of the situation. Finally, we show how the previously installed capacity of the scientific and technological system in Brazil, despite evident governmental opposition, responded, even precariously, to the pandemic. The argument is that despite of the budgetary constraints and lack of government support, the previous existence of a network of science and technology institutions enabled a response to the pandemic.
Keywords: Covid-19, scientific, technological and innovation policy, pandemic, Sociology of science.
Introdução
A pandemia da Covid-19 (Coronavirus Disease 2019) tornou-se um evento global sem precedentes, pelo escopo de contaminação em um tempo relativamente pequeno. Desde a identificação em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, até o momento atual, cerca de 25 milhões de pessoas foram infectadas, com um total provisório de cerca de 850 mil mortos em todo o mundo. A curva de contaminações e de mortes está, no momento da escrita deste artigo, em ascensão, a despeito de ter direcionado a atenção quase que exclusiva para sua contenção, mobilizando toda a estrutura da sociedade global disponível, promovendo intercâmbio de conhecimentos, pessoas, insumos hospitalares e equipamentos médicos.
Tal foi o impacto instantâneo da pandemia, que alguns autores chegaram a falar que o sistema da saúde tem se tornado a totalidade da sociedade desde a emergência da pandemia, e é a partir de suas demandas que todos os outros sistemas sociais se organizariam, incluindo a ciência e a política (Stichweh, 2020, p. 3). A pandemia é um evento de tal monta, que suas consequências se deixam registradas na estrutura da própria sociedade, movendo para caminhos incertos sistemas como a economia, a política, a saúde e a ciência, mas também alcançando e alterando profundamente modos de sociabilidades entremeados em interações circunscritas à vida doméstica (Cadenas, 2020; Ponte, & Neves, 2020)1. Dessa forma, seus efeitos transcendem Estados nacionais para se tornarem globais, superam barreiras físicas para serem gerais e operam em meio a uma dinâmica societária não preparada para responder a ele e, mesmo a despeito desse caráter surpreendente da Covid-19, as respostas têm emergido, à sua maneira, a partir da estrutura societal previamente existente, organizada em torno de sistemas funcionais cujas ações têm alcance limitado.
Assim, a crise da pandemia, lida a partir da estrutura societária prévia, nos faz refletir sobre a lógica funcional dos diversos sistemas sociais nas “províncias” da sociedade mundial, hipercomplexa (Neves, 2006). Queremos dizer que, mesmo ocorrendo em escala global, as respostas são circunscritas aos limites operacionais dos sistemas em seus respectivos espaços nacionais, destoando umas das outras, em função também das expectativas generalizadas, consolidadas previamente, a respeito das funções de cada sistema social. No Brasil em quarentena, temos acompanhado uma hipertrofia da política e da economia contra todos os outros sistemas (Neves, 2020). Assim, sistemas como a saúde e a ciência estão experimentando, dia-a-dia, eventos degenerescentes, produzidos pela política e pela economia, seja na negativa das potencialidades letais do vírus, seja nos recorrentes cortes orçamentários e contingenciamentos à saúde e à ciência.
Este trabalho propõe mapear a resposta do Estado brasileiro à pandemia da Covid-19, instalada no país desde março de 2020, levando-se em conta suas instituições do sistema nacional de ciência e tecnologia, as quais, salvaguardando suas limitações inerentes, responderam à sua maneira aos desafios colocados, contra um pano de fundo político negacionista2. Como tem se dado a resposta a Covid-19 em um ambiente institucional com estas características por parte das instituições de ciência e tecnologia no Brasil? Quais políticas e quais arranjos se instituíram a partir dessa perturbação de saúde pública? Mostraremos como a capacidade previamente instalada do sistema científico e tecnológico no Brasil, decorrente de políticas de fomento anteriores, respondeu à incerteza e à complexidade da pandemia.
Argumenta-se pela existência de “autonomia relativa” do sistema de ciência e tecnologia no tempo, a qual se relaciona com eventos incertos e complexos, produzindo ordens emergentes de respostas. Assim, discute-se, aqui, certa “inércia institucional” da ciência, a despeito de toda limitação orçamentária e falta de apoio governamental. Tanto a autonomia quanto a inércia são propriedades de instituições científicas, que decorrem do tempo reivindicado pela ciência para produzir resultados e que, portanto, produzem escalas temporais mais alargadas que a de uma pandemia. A esses elementos teóricos, será acrescentada a discussão do princípio da continuidade (Mattedi, 2017), como se verá à frente, o que permite falar também de “continuidade institucional” como mecanismo inerente a sistemas democráticos.
O trabalho está dividido em quatro partes, incluindo esta primeira. Na segunda parte, traremos uma visão panorâmica das políticas de ciência e tecnologia em alguns países selecionados, enfatizando aquelas que direcionaram esforços para o combate à pandemia da Covid-19. Em seguida, traremos um mapeamento dessas políticas no Brasil, contextualizando suas ações em função do arcabouço institucional instalado previamente e das condições emergentes da pandemia. Concluiremos, então, com algumas observações finais.
Respostas da ciência e tecnologia pelo mundo: países selecionados
Tão logo o novo coronavírus (Covid-19) foi notificado pelas autoridades chinesas, uma série de iniciativas foram tomadas para conter sua expansão. Políticas de migração foram alteradas, uma rede de informação integrada foi criada, articulada ou não, para informar em tempo real a expansão ou contenção3, sistemas de saúde direcionaram esforços para acolhimento de pacientes infectados e, claro, governos criaram programas e ações especiais de ciência e tecnologia para pesquisas que iam de estudos da natureza do vírus a estudo de dinâmica de populações para compreender melhor a pandemia. Em tempo recorde, potenciais vacinas já estão em fase de teste, graças a esforços governamentais e privados, na esteira da expectativa de uma depressão econômica da ordem de -5 % do PIB global (Cornell University, INSEAD, & WIPO, 2020). No entanto, distribuição de vacinas e crise econômica, mesmo que sejam eventos globais, ainda estarão estruturados pelos contextos nacionais específicos.
há várias maneiras de alcançar a coordenação das políticas de CTI (ciência, tecnologia e inovação), desde a coordenação estratégica mais descendente liderada por um gabinete (como é o caso no Japão) à coordenação a nível de agência (como na Noruega). Não existe uma abordagem única para essas estruturas de governança, e as atividades de coordenação de CTI para lidar com a Covid-19 devem ser adaptadas ao ambiente institucional específico de cada país (OECD, 2020b).
Assim, embora a sociedade atual seja uma sociedade mundial (Luhmann, 2006), seus processos constituintes são, em algum nível, estruturados pelos limites nacionais, principalmente estatais, “que respondem localmente a questões que exigiriam respostas globais” (Neves, 2020). A grande parte dos processos que a pandemia desencadeia são influenciados por sistemas sociais com dinâmicas específicas enraizadas em Estados nacionais que respondem diferentemente à pandemia, levando-se em conta seus próprios limites de se imporem contra uma ordem mundial globalizada. Nesse sentido, vemos que, em alguns países, o sistema de saúde e suas diretrizes têm assumido decisões generalizantes que antes cabiam à política. Da mesma forma, em outros contextos da sociedade mundial, é o sistema econômico que se impõe, contra as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). O dilema, em grande parte dos contextos, é achatar a curva de infectados (sistema de saúde) versus crescer a curva do PIB (economia).
Nenhum país passou incólume pela pandemia. Todos foram obrigados a encarar ações em praticamente todas as dimensões, da economia à vida doméstica. Em específico, praticamente todos os países mobilizaram suas instituições de ciência e tecnologia em ações vinculadas à pesquisa da Covid-19. Mas, como se alega acima, o fizeram de forma diferente, seja nas instituições mobilizadas, nas modalidades de incentivo ou nos valores econômicos dispendidos, levando em conta uma infinidade de fatores, dentre os quais estão aqueles ligados à trajetória institucional da ciência e tecnologia nos respectivos contextos nacionais e o padrão recente de financiamento da área. Abaixo, são mostradas iniciativas, em países escolhidos, de uso de instituições de ciência e tecnologia para responder à crise. Usaremos o STIP COVID-19 watch como fonte de dados, uma iniciativa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)4.
O STIP é uma boa base de dados porque homogeneíza parâmetros e, portanto, permite a comparação. O STIP é um observatório que coleta informações dos países, relativas à crise da Covid-19, com foco nas iniciativas de ciência, tecnologia e inovação (C, T & I), por meio de um conjunto básico de questões, como aconselhamento científico, promoção da colaboração em pesquisa e desenvolvimento, e o conteúdo de C, T & I dos pacotes de estímulo econômico realizados pelos distintos países que compõem o observatório. As questões, que são atualizadas recorrentemente pela maioria dos países que compõe o observatório, estão no quadro abaixo:

É importante ter em relevo o financiamento extraordinário a pesquisas sobre a Covid-19 pelo mundo. Até 30 de agosto, foram feitos investimentos totais da ordem de 151,4 bilhões de dólares, por meio de 663 anúncios de programas de financiamento, não somente públicos (Cornish, 2020). É um recorde em termos de ação global contra uma pandemia e, claro, são recursos desigualmente distribuídos, seguindo a dinâmica de financiamento altamente concentrada de C, T & I pelo mundo. Nesse sentido, tanto as ações quanto os fundos disponíveis são desiguais, e parte dessa desigualdade deve ser remetida às diferenças que operam em contextos institucionais divergentes no plano dos Estados nacionais. A partir das respostas às questões da tabela acima, pode-se constatar esse elemento de desigualdade no que tange às respostas à Covid-19.
Alemanha
Tomando primeiramente a Alemanha e sua resposta ao desafio da Covid-19, deve-se ter em conta a postura diligente da chanceler Angela Merkel em tomar o sistema de saúde e o sistema científico como conselheiros de decisões governamentais. Em discurso, no dia 18 de março de 2020, a chanceler se referiu à pandemia como o maior desafio desde a segunda guerra mundial. E ressaltou reiteradamente o papel estratégico que o sistema da ciência, tecnologia e da saúde teriam neste momento. Assim, uma força-tarefa foi criada para orientar a resposta, liderada conjuntamente pelo Ministério Federal do Interior da Alemanha (BMI) e pelo Ministério Federal da Saúde da Alemanha (BMG). A força-tarefa se vale do aconselhamento do Instituto Robert Koch, o principal instituto de saúde pública na Alemanha, o qual monitora continuamente a situação, avaliando cientificamente informações disponíveis.
Com este arranjo de respostas cientificamente embasadas, a Alemanha faz uso extensivo de instrumentos de política científica, tecnológica e de inovação (PCTI) para responder à pandemia, seja internamente, seja unindo forças com países e entidades internacionais5. Para as ações específicas sobre C, T e I, o Comitê de Orçamento do Bundestag alemão alocou fundos adicionais para pesquisas relacionadas à Covid-19. Esses recursos foram divididos e alocados em diversas ações e em vários institutos de pesquisa. A lista a seguir oferece uma perspectiva a respeito das ações:
Financiamento para os institutos de pesquisa alemães, realizado via BMG, em torno de 9.574 milhões de euros (Instituto Robert Koch, Instituto Bernhard Nocht de Medicina Tropical, Centro de Pesquisa Borstel, Instituto Hasso Plattner)
Aporte de recursos, em torno de 140 milhões de euros, em programas para acelerar a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 dentro da estrutura internacional da Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (CEPI).
Programa de desenvolvimento de medicamentos para o tratamento da Covid-19, para melhor compreender o vírus, com orçamento em torno de 45 milhões de euros, com base nas prioridades de pesquisa definidas no roteiro da OMS para Covid-19, estruturada em torno dos seguintes módulos:
Módulo 1 - Combate à Covid-19 por meio de estudos clínicos iniciais para a aplicação de abordagens terapêuticas já conhecidas para Sars-CoV-2;
Módulo 2 - Controle da Covid-19 por meio de novas abordagens de diagnóstico clínico e terapêutico;
Módulo 3 - Pesquisa que contribui para a compreensão do vírus e sua propagação;
Módulo 4 - Apoio a projetos de pesquisa já em andamento sobre coronavírus
Chamada para propostas de pesquisa interdisciplinares sobre pandemias, com foco na prevenção, detecção precoce e contenção causas, consequências e manejo de epidemias e pandemias.
Rede de pesquisa, University Medicine Network, com 150 milhões de euros para o intercâmbio de dados e pesquisas de medicina universitária alemã no contexto da atual crise pandêmica.
Japão
A trajetória da Covid-19 no Japão pode ser observada a partir da resistência do governo japonês em promover severo lockdown, não fechar suas fronteiras, como fez a grande maioria dos países, principalmente a viajantes vindos da China, e realizar testes massivos, seguindo às orientações da OMS. O primeiro-ministro, Shinzo Abe, fala de um “modelo japonês” que, traduzido, seria um “estado de emergência não obrigatório”, mais aberto que o de seus vizinhos, e que, de forma surpreendente, levou a um número relativamente baixo de casos e mortes. Muitas explicações estão em construção, desde culturais, distanciamento social como hábito arraigado, até imunológicas, com a hipótese de que um vírus da família Sars já circulasse antes e produzisse imunidade. Deve-se mencionar que, como a Alemanha, no entanto, o Japão não menosprezou o aconselhamento científico e, além de ter mobilizado um aparato de monitoramento e cuidado, direcionou sua política de C, T, e I, uma das mais bem-sucedidas do mundo, a responder ao desafio da Covid-19.
O governo japonês criou a Sede do Novo Controle de Doenças do Coronavírus, chefiada pelo primeiro-ministro, orientada a promover medidas governamentais contra a Covid-19. Na Sede, o governo reuniu especialistas para fornecer aconselhamento científico para tomada de decisões políticas, no sentido inclusive do direcionamento da PCTI. Grande parte das respostas da ciência e tecnologia japonesas é coordenada pela Agência Japonesa de Pesquisa e Desenvolvimento Médico (AMED), que direciona e concentra esforços de pesquisa no sentido de responder à pandemia. A lista a seguir oferece uma perspectiva desses esforços:
Apoio a projetos de P&D em métodos diagnósticos, métodos de tratamento e vacinas para Covid-19, no valor de 1,44 bilhões de ienes.
Desenvolvimento de uma plataforma de P&D para responder imediatamente a epidemias de doenças infecciosas emergentes, como a Covid -19, no valor de 2,5 bilhões de ienes.
Apoio suplementar de um bilhão de ienes ao Health Labour Sciences Research Grant (HLSR) para pesquisas para confirmação dos efeitos terapêuticos dos medicamentos existentes e para a criação de kits de diagnóstico para Covid-19.
Grants-in-Aid especial (de 50 milhões de ienes) para pesquisa científica básica, na busca de desenvolver agentes preventivos, diagnósticos e terapêuticos, incluindo a coleta e análise de informações e amostras Covid -19.
0,3 bilhões de ienes para o desenvolvimento de equipamento de teste imediato para novos coronavírus.
Nova Zelândia
A Nova Zelândia é indicada como um caso de sucesso no combate ao novo coronavírus, com baixíssimo número de casos e mortes. Este sucesso se relaciona com uma postura proativa de uso de informação científica para responder à pandemia, seguindo principalmente as recomendações da OMS. O primeiro elemento a se considerar é o uso de testagem em massa, programa que está entre os maiores do mundo, o que permitiu um conhecimento de focos e dinâmicas fundamentais para o enfrentamento, possibilitando confinamentos efetivos e delimitados. Os pronunciamentos da primeira-ministra neozelandesa, Jacinda Ardern, alertando para os riscos da pandemia começaram a ser feitos antes mesmo que o primeiro caso fosse notificado. Foi criado, ainda antes da primeira notificação, o Centro Nacional de Coordenação da Saúde, formado pelo Ministério da Saúde e pelo Departamento e Gabinete da Primeira Ministra, os quais emitiam notas técnica e decisões políticas baseadas em pareceres científicos nacionais e internacionais.
No caso das PCTI da Nova Zelândia, o Conselho de Pesquisa em Saúde e o Ministério da Saúde, foram as instituições do sistema de ciência e tecnologia que lançaram chamadas públicas para respostas à pandemia, as quais priorizavam áreas como saúde e ciências sociais. Tais políticas consistiram em:
Convocatórias, no valor de 570 mil dólares, para pesquisas relacionadas à Covid-19, com foco em pesquisas que podem fornecer evidências acionáveis a curto prazo (dentro de 3 a 6 meses), para informar o Ministério da Saúde e/ou outras agências envolvidas na resposta ao novo Coronavírus.
Convocatórias para pesquisas, no valor de 1,44 milhões de dólares, que podem fornecer evidências a curto e médio prazos, para projetos de 24 meses. O objetivo é financiar pesquisas relacionadas à Covid-19 que fortaleçam a capacidade de pesquisa da Nova Zelândia e a resposta às ameaças emergentes de doenças infecciosas.
Argentina
Dados do dia 02 de agosto de 2020 mostram que, na comparação com outros países da América Latina, a Argentina tem um dos menores número de mortos por causa da Covid-196. Algumas razões são elencadas para tal feito, indo inclusive na direção da Nova Zelândia, como o início da quarentena tão logo se identificou o primeiro caso, e a adesão às recomendações cientificamente embasadas do presidente Alberto Fernández, que se orienta pelo Comitê Especial que Assessoramento, formado por cientistas de variadas especialidades, criado para coletar e organizar informações científicas para orientar decisões políticas. Entre tais decisões, o uso massivo de máscaras se destacou como um dos elementos mais eficazes para evitar a expansão da pandemia7.
O governo argentino realizou, então, uma convocatória extraordinária realizada pela Agencia Nacional de Promoción Científica y Tecnológica, no valor de 5 milhões de dólares, para projetos de investigação, desenvolvimento e inovação destinados a melhorar a capacidade nacional de resposta à pandemia, com foco em diagnóstico, controle, prevenção, tratamento, monitorização e/ou outros aspectos relacionados com a Covid-19.
A Tabela 1 abaixo traz outros programas pelo mundo com foco na resposta científica e tecnológica a COVID-19.
Pode-se dizer que grande parte desses esforços, que se relaciona com a dinâmica institucional relativa a cada país, incluindo a dinâmica dos governos da ocasião, foram direcionados pelo “Fórum global de pesquisa e inovação: em direção a um roteiro de pesquisa”, organizado pela OMS entre 11 e 12 de fevereiro de 2020, que reuniu mais de 300 cientistas, de uma grande variedade de disciplinas, bem como importantes financiadores de pesquisas, para discutir um mapa de investigação para a Covid19 (WHO, 2020). Desse encontro, definiram-se prioridades de pesquisa, para não sobrepor esforços e recursos entre países e empresas. As áreas prioritárias identificadas foram: vírus – história natural, transmissão e diagnóstico; pesquisas animal e ambiental sobre a origem do vírus e medidas de manejo na interface homem-animal; estudos epidemiológicos; caracterização clínica e gestão; prevenção e controle de infecções, incluindo a proteção dos profissionais de saúde; P&D de candidato a terapias; P&D de candidato à vacina; considerações éticas para pesquisa; ciências sociais na resposta ao surto. Os participantes do Fórum se comprometeram com uma agenda abrangente de pesquisa colaborativa, que pode ser encontrada acima na política de alguns países.
O que as informações acima nos mostram é que, mesmo diante de uma pandemia desta monta, ainda desconhecida em sua intensidade, dispersão, tempo e gravidade, os países tenderam a se apegar às instituições de ciência, tecnologia e inovação que tinham disponíveis. O vírus, para usar uma metáfora, “infectou” as instituições dos respectivos países, levando-as a responderem de forma seja mais global ou nacional, priorizando áreas ou generalizando o apoio, integrando-se mais ou menos com iniciativas privadas etc. Essas respostas estão sendo dadas a partir de contextos nacionais específicos, como se viu, mesmo que tais contextos possam se articular e formar respostas conjuntas – ainda assim, esse arranjo emergente é definido pelos limites dos Estados nacionais.
Ao se considerar a variável tempo, pode-se adaptar aqui o Princípio de Continuidade (Mattedi, 2017), usado para discutir catástrofes ambientais e levar em conta o período pré-pandemia de arranjo institucional para C, T & I. O princípio estabelece que existe uma relação de persistência entre as fases pré, trans e pós-impacto, ou seja, que as condições sociais observadas nos períodos trans e pós-impacto seriam uma propriedade emergente, embora incorporando maior complexidade, das condições sociais existentes no período pré-impacto. Nesse sentido, as instituições de C, T & I, ao serem impactadas pela emergência de uma pandemia nova, respondem de acordo com o que as estruturaram previamente, produzindo uma inércia em termos de respostas, mesmo em contextos de grande complexidade, como aqueles de transformação social. Pode-se perceber tal tendência nos dados levantados acima, desde que se considere elementos novos que emergiram a partir do caso raro. Abaixo veremos como tal continuidade institucional se manifestou no caso do Brasil, país que até a presente data havia registrado o segundo maior número de infectados e mortos.
O caso brasileiro
A crise da Covid-19 no Brasil pode ser lida a partir da hipertrofia da política e da economia contra sistemas que supostamente estariam no centro da organização das respostas à pandemia, como o sistema da saúde e ciência (Neves, 2020). As manifestações do Presidente Jair Bolsonaro, mesmo com a expansão no número de casos, foram realizadas contra todas as recomendações da OMS e contra evidências científicas da gravidade da Covid-19. O Presidente Jair Bolsonaro tem sido uma voz intransigente contra a quarentena e aconselhamento científico, a despeito, e declaradamente em oposição, à política cientificamente embasada de governadores e prefeitos8. No dia 12 de abril de 2020, Bolsonaro disse: “é o que eu tenho dito desde o começo, há 40 dias. Temos dois problemas pela frente: o vírus e o desemprego. Quarenta dias depois, parece que está começando a ir embora a questão do vírus, mas está chegando e batendo forte a questão do desemprego”. Cinco meses depois, a Covid-19 havia levado a óbito 126 mil pessoas no Brasil.
No entanto, contra a relutância do executivo federal em admitir a gravidade da pandemia, em 22 de janeiro de 2020, o Ministério da Saúde (MS) emitiu a portaria No.188 11, que ativou o centro de operações de Emergência (COE), com nível de alerta 1 (já que, à época, não havia casos suspeitos identificados), coordenado pela Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS). O COE busca organizar ações coordenadas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) para responder à emergência de saúde pública, no caso, reconhecendo a gravidade da Covid-19. O COE “aconselharia os secretários de saúde dos estados e municípios e o governo federal, serviços públicos e privados de saúde, agências e empresas sobre planos de contingência e medidas de resposta que devam ser proporcionais e restritas aos riscos atuais” (Croda et al., 2020). No dia 27 de janeiro, quando se identificou o primeiro caso suspeito de coronavírus no Brasil, o alerta foi elevado para nível 2 (risco iminente) e, em 3 de fevereiro a epidemia foi declarada Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN).
Essas ações, baseadas em aconselhamento científico, no entanto, serviram para a demissão do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que se pronunciou a favor das políticas de isolamento social e, desde então, entre ministros de curto mandato e o atual, interino, o MS continua à mercê do negacionismo científico do chefe do executivo, o que provavelmente impactou também no desenho das políticas de C,T & I apresentadas abaixo. Deve-se frisar, como sustentam Ajzenman, Cavalcanti e Da Mata (2020), que “a liderança é uma ferramenta poderosa para influenciar o comportamento humano”, e, portanto, a afetação elocutória de Bolsonaro contra a ciência tem impactado crenças e comportamentos, levando grupos de pessoas a abandonarem o aconselhamento científico e a experiência de políticas bem-sucedidas em outros países, para mobilizações contra evidências científicas, nas ruas e redes sociais9. Apesar disso, ações têm sido tomadas no plano da PCTI brasileira, como nos mostram as iniciativas abaixo.
Criação de um Comitê de Especialistas, por iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC), a REDE-VÍRUS, que usa centros de Pesquisa do MCTIC como Certificadores para produtores locais fabricarem materiais de combate à Covid-19;
Liberação emergencial de cerca de 20 milhões de dólares – sendo 10 milhões de dólares para chamadas públicas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para projetos (bolsas) no âmbito das prioridades definidas pela Rede Vírus-MCTIC, incluindo: desenvolvimento de kits de diagnóstico; desenvolvimento de vacinas; utilização de tecnologias avançadas para seleção rápida de possíveis medicamentos; sequenciamento em larga escala e monitoramento de mutações em amostras SARS-Cov 2 (Covid-19); estruturação de banco de amostras de vírus para estudos científicos de compreensão da doença;
Lançamento de ação emergencial pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) em resposta à Covid-19, realizada através de financiamento reembolsável (crédito), operado diretamente junto à Finep, utilizando recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), com ênfase nos seguintes produtos: Equipamento de Proteção Individual (EPIs), equipamentos médicos e demais produtos essenciais para enfrentamento da Covid-19 e desenvolvimento, otimização e escalonamento da produção de dispositivos de atenção à saúde utilizados em UTIs ou no tratamento da Covid-19, como forma de aumentar a oferta nacional desses produtos;
Lançamento do Programa Estratégico Emergencial de Combate a Surtos, Endemias, Epidemias e Pandemias, com objetivo de apoiar projetos de pesquisa para o enfrentamento da Covid-19 e em temas relacionados a endemias e epidemias típicas do país, com concessão imediata de 1.151 bolsas de mestrado e doutorado. No âmbito da chamada, foram lançados três editais para projetos temáticos de pesquisadores nas áreas de Epidemias, Fármacos e Imunologia e Telemedicina e Análise de Dados Médicos.
Como afirmam De Negri e Koeller (2020), os editais indicados acima não fazem menção às prioridades estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde, o que evidencia uma desarticulação com projetos e iniciativas conjuntos, principalmente com países com as dificuldades que o Brasil apresenta em seu sistema de ciência e tecnologia, como é o caso de países latino-americanos. Nota-se, também, uma desarticulação interna, posto não se identificarem políticas conjuntas entre as instituições que fazem parte do sistema de ciência e tecnologia no Brasil, o que evidencia ausência de coordenação e dependência tecnológica.
Do ponto de vista de política científica e tecnológica, é clara a falta de estratégia e de coordenação. O país tem lacunas tecnológicas que são visíveis na falta de respiradores, EPIs e testes para a doença. As tentativas de que se tem notícia para o desenvolvimento doméstico de alguns desses equipamentos estão totalmente descoordenadas, dificultando a resposta à crise e a consolidação de competências tecnológicas no país. Depender apenas de tecnologia produzida em outros países, nesse momento, é condenar o país a enfrentar a escassez de equipamentos médicos e insumos farmacêuticos críticos para salvar vidas (De Negri, & Koeller, 2020, p. 18).
Um caso notável de dificuldade de informação é a plataforma IdearumMCTIC, lançada pela Portaria MCTIC nº 5.992, de 31/10/2019, que visava conectar ideias e avaliar a maturidade das soluções tecnológicas frente a desafios emergentes, incluindo pandemias. A plataforma, até onde se pode constatar pelo site do MCTIC, não serviu para selecionar projetos das chamadas do CNPq ou da FINEP. Diz-se que já recebeu “111 propostas com grau de maturidade variadas, que vão da escala 1 até 9, sendo 50 iniciativas exclusivamente para soluções tecnológicas e produtivas para o enfrentamento ao Coronavírus” (Brasil, 2020), no entanto, sem identificar o que será feito com elas ou qual seria a fonte de recursos para concretizá-las.
Um outro elemento de dificuldades é a informação sobre as PCTI em resposta à Covid-19. No site da Casa Civil do governo, por exemplo, há atualizações constantes das ações em resposta ao novo coronavírus, no qual as ações que tratam de C, T & I são, no geral, notícias de seminários e encontros sobre a pandemia. Mais grave ainda, o site da REDE-VÍRUS traz informações desatualizadas e os projetos não estão visíveis (consulta no dia 06 de setembro de 2020), o que dificulta a soma de esforços e busca de sinergias entre pesquisadores.
As chamadas e resultados preliminares dos editais acima reproduzem ainda dois problemas recorrentes da PCTI no Brasil. O primeiro é a concentração de recursos em estados do sul e sudeste. Tomando os editais da CAPES, cerca de 93% dos projetos financiados nas três áreas indicadas são dessas regiões. Um outro problema é a exclusão das ciências humanas e sociais das chamadas. Aliás, deve-se lembrar, esta era uma das áreas prioritárias indicadas no “Fórum global de pesquisa e inovação: em direção a um roteiro de pesquisa”, organizado pela OMS. Sobre isso, houve manifestação política pedindo a reconsideração das áreas prioritárias nos editais10.
Tais problemas são indicados na literatura sobre a PCTI no Brasil. Por exemplo, Mazzucato e Penna (2016), ao estudar o Sistema de C, T & I no Brasil, indicaram a ausência de uma agenda pública de longo prazo e a fragmentação dessa agenda entre os entes públicos envolvidos, “incluindo funções duplicadas em vários ministérios, competências pouco claras das agências, falta de sinergias” (Mazzucato, & Penna, 2016, p. 63). Além disso, a dificuldade de financiamento, também um problema recorrente, agravou-se nos últimos anos, com redução drástica de recursos para ciência e tecnologia, com o agravante dos contingenciamentos, que apontam para um colapso sistêmico iminente, na esteira da crise econômica inédita que já se manifesta em toda a sua intensidade.
Tais respostas por parte da PCTI no Brasil, como se indica acima, estão na contramão da mensagem chave que organismos internacionais têm emitido em relação à resposta à pandemia por parte da PCTI. Por exemplo, a OCDE indicou em relatório a necessidade de uma resposta doméstica efetiva à COVID-19, de coordenação adequada entre ministérios e agências, para dirimir o risco de duplicar esforços ou perder oportunidades. Observa, também, a necessidade de aconselhamento científico, e da busca pela adesão e mobilização da comunidade de C, T & I (OECD, 2020a). Outros elementos do relatório ainda vão de encontro à PCTI brasileira, como a centralização, plataformas integradas para troca de informações abertas e pesquisa colaborativa.
Dada essa situação, principalmente relacionada à falta de coordenação em nível nacional, a pandemia instalou uma crise federativa que culminou na criação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para a Covid-19, integrado por representantes de todos estados da região e assessorados por cientistas e médicos de outras regiões do país e do exterior. A missão do Comitê é reunir informações para orientar e articular as ações dos estados e municípios para o combate à pandemia de Covid-19, monitorando seu impacto na saúde pública, mas também na economia e educação. Importante ressaltar que tal iniciativa é uma resposta à falta de coordenação federal e à incapacidade de organizar uma agenda comum de combate à pandemia.
Assim, retomando o ponto do argumento, o caso da resposta científica e tecnológica do Brasil à pandemia da Covid-19 reproduz dinâmicas já recorrentes de sua PCTI, como a descontinuidade, fragmentação, sobreposição e falta de articulação entre as instituições e entes federados, agravadas pela crise de financiamento. A este elemento de continuidade de um T1 (Mattedi, 2017), deve-se considerar outros que emergiram com a pandemia, aumentando a complexidade do sistema em T2 (durante a pandemia), a saber, governo federal negacionista, o pouco tempo para desenhar políticas, crise orçamentária aguda, conflito entre atores importantes.
No entanto, deve-se ter em conta, também, que a resposta que está em andamento se dá graças à rede de instituições de ciência e tecnologia que se enraizou há décadas no Brasil. Ou seja, a continuidade de dificuldades atávicas, e a emergência de novas, ocorre em paralelo com a existência de uma rede de instituições de ciência e tecnologia consolidadas. CNPq, CAPES e FINEP institucionalizaram processos e conhecimento, incluindo formas de resposta rápidas apropriadas a períodos de pandemia, como as chamadas emergenciais, que, mesmo diante de um quadro governamental abertamente negacionista, conseguem desenvolver alguma resposta. Isso inclui universidades e centros de pesquisa. Assim, é graças à continuidade ou inércia institucional que, diante de um acontecimento extraordinário como a pandemia da Covid-19, a resposta, por mais restrita e precária que seja, ocorre.
Comentários finais
Neste trabalho, realizamos um mapeamento de respostas internacionais e nacionais à pandemia da Covid-19, instalada desde dezembro de 2019, com identificação do primeiro caso no Brasil em março de 2020, focalizado na política científica e tecnológica. Para tanto, levaram-se em conta as instituições dos variados sistemas nacionais de ciência e tecnologia. Em específico, selecionaram-se os casos alemão, japonês, neozelandês e argentino. Em um primeiro momento, com ênfase no sistema de fomento e no arcabouço institucionalizado de pesquisa, discutiram-se as respostas dadas em outros países. Após essa parte, discutiu-se a resposta do governo brasileiro que, desde o início, pôs em dúvida a real gravidade da situação. Com esse percurso, mostrou-se como a capacidade previamente instalada do sistema científico e tecnológico no Brasil, mesmo em contexto de aumento de incerteza e complexidade, respondeu, à pandemia, incorporando elementos emergentes como a crise orçamentária aguda e a falta de apoio governamental explícito.
Alguns comentários devem ser ainda incluídos. É certo que a crise de orçamento vai ter consequências no plano dos conflitos distributivos, o que, no caso do sistema de ciência e tecnologia, pode representar conflitos entre campos disciplinares. No entanto, a pandemia serviu para explicitar a importância da integração entre as ciências, levando em conta que tal ocorrência é tão natural quanto social. Se, por um lado, as ciências da saúde e biológicas estão na linha de frente dos diagnósticos e tratamentos, vemos também, por outro lado, áreas como matemática, computação e estatística, apoiando com projeções, modelos e dados, e as ciências humanas e sociais oferecendo contribuições no que se refere às causas do contágio e aos impactos sociais e econômicos. Apesar disso, e de diversos relatórios internacionais defendendo maior integração, no Brasil, as ciências humanas e sociais não foram devidamente contempladas nas chamadas dos financiamentos públicos.
Além disso, a crise da pandemia nos mostrou que o sistema de ciência e tecnologia no Brasil é fragmentado e concentrado, cabendo a algumas regiões, em especial sul e sudeste, estarem à frente das respostas científicas e, às outras, papel coadjuvante. Deve-se ter claro que tal estado de coisas é fruto de decisões políticas. Assim, fragmentação e concentração, como elementos recorrentes no passado do sistema de ciência e tecnologia no Brasil, tenderam a se reforçar ainda mais, devido à crise de financiamento público e aos contingenciamentos recentes, agravados pela pandemia.
Se compararmos os distintos sistemas de ciência e tecnologia aqui tratados, o fato notável é a inércia institucional que todos apresentaram. Isso pode ser consequência da complexidade e incerteza que momentos de crise aguda do sistema geram. Nesses momentos, tende-se a se apegar a elementos presentes que sinalizam para algo familiar, que diminuem a complexidade do futuro que se abre completamente diante das crises. O movimento é de buscar alguma certeza diante da expansão das incertezas, agravadas pelo ineditismo da ocorrência e, para atualizar essa discussão, pela circulação em tempo real de informações pelos meios de comunicação de massa virtualizados, não poucas vezes com imagens instantâneas de familiares em hospitais se despedindo por meio de câmeras e queda ao vivo das bolsas de valores. Nesses momentos, o apego à instituição é uma forma de relativa estabilidade em contextos de instabilidade absoluta.
Por fim, em um contexto de instabilidade democrática, como a que ocorre no Brasil, deve-se ter claro que não é suficiente produzir representação política com base no sufrágio, pois, em uma democracia, precisa-se governar. Torna-se imperativo enfrentar, eficientemente, as crises e desafios apresentados pela sociedade, reduzindo-os a condições de governabilidade, repousando-os sobre as instituições vigentes, sem medidas extraordinárias e perturbadoras (Schmidt, & Zanotta, 2019).
Schmidt e Zanotta (2019) sintetizam que as propostas hoje universalmente aceitas como condições para a existência da democracia repousam, por exemplo, na presença efetiva de funcionários eleitos para a tomada de decisões, investidos constitucionalmente; liberdade de expressão de todos os cidadãos, sem o risco de punições, em questões políticas amplamente definidas, incluindo a possibilidade de crítica aos funcionários, ao governo, ao regime, à ordem socioeconômica e à ideologia prevalente; fontes de informação diversificadas. autonomia para as associações, incluindo a possibilidade de criação de organizações independentes como partidos políticos e grupos de interesse; cidadania inclusiva, direito de votar, de ser votado, de participar de organizações independentes e de ter direitos a outras liberdades e oportunidades que sejam necessárias ao bom funcionamento das instituições políticas da democracia em grande escala (Schmidt, & Zanotta, 2019). Poderíamos acrescentar que uma boa resposta a Covid-19 seria consequência da satisfação das condições acima, acrescidas de um aconselhamento cientificamente embasado.
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Notas