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O uso político da cloroquina: COVID-19, negacionismo e neoliberalismo1
Sandra Caponi; Fabiola Stolf Brzozowski; Fernando Hellmann;
Sandra Caponi; Fabiola Stolf Brzozowski; Fernando Hellmann; Silvia Cardoso Bittencourt
O uso político da cloroquina: COVID-19, negacionismo e neoliberalismo1
The political use of chloroquine: COVID-19, denialism and neoliberalism
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 9, núm. 21, pp. 78-102, 2021
Sociedade Brasileira de Sociologia
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Resumo: A insistente defesa do uso da cloroquina para tratamento e prevenção contra a COVID-19, é uma clara manifestação do negacionismo científico que caracteriza a gestão da pandemia no Brasil. O objetivo principal do artigo é analisar os debates científicos e políticos suscitados em torno do uso da cloroquina para prevenção e tratamento da Covid-19, particularmente os discursos do governo federal que defendem a suposta eficácia do medicamento. Para atingir esse objetivo, a metodologia utilizada é a análise do discurso. Analisamos a sucessão de debates publicados em artigos científicos, meios de comunicação e declarações institucionais referidas à suposta eficácia da cloroquina para prevenção e tratamento da COVID-19. Utilizamos como referencial teórico autores como Dardot e Laval (2014), Achile Mbembe (2011), dentre outros, para abordar o seguinte problema: por que motivo, mesmo com a acumulação de evidências afirmando que a cloroquina não tem efeito para tratar a infecção pelo novo coronavírus, sua distribuição faz parte dos protocolos do Ministério da Saúde e integram o “kit COVID” de vários municípios do Brasil? Como resultado, observamos que a divulgação da cloroquina como um medicamento eficaz para prevenir e tratar a COVID-19, leva a abandonar o isolamento social, criando uma falsa sensação de segurança, configurando o que denominamos como um uso político da medicação realizado pelo governo brasileiro. Para concluir, consideramos que o uso político da cloroquina pode ser visto como uma estratégia que contribui para o que chamamos de uma gestão necropolítica da pandemia hoje existente no Brasil.

Palavras-chave:negacionismo científiconegacionismo científico,necropolíticanecropolítica,cloroquinacloroquina,neoliberalismoneoliberalismo.

Abstract: The repeated defense of the use of chloroquine for treatment and prevention against COVID-19 is a clear manifestation of the science denialism that characterizes the handling of the pandemic in Brazil. The aim of this paper is to analyze the scientific and political debates surrounding the use of chloroquine for prevention and treatment of COVID-19, notably the discourses of the federal government of Brazil that defends the supposed efficacy of the drug. This study employs discourse analysis as its methodology. We analyze several debates published in papers and in the media, and institutional statements related to the supposed efficacy of chloroquine do prevent and treat COVID-19. We include authors like Dardot and Laval (2014), Achile Mbembe, (2011), among others, in our theoretical framework, to put forward the following question: why chloroquine is part of the protocols of the Ministry of Health, integrating the “COVID kit” of several cities in Brazil? We observed that the dissemination of chloroquine as a drug that would supposedly be effective to prevent and treat COVID-19 leads to undermining social isolation, by creating a false sense of security, and establishing what we call the political use of the drug, performed by the Brazilian government. To conclude, we consider that this political use could be viewed as a strategy that contributes to what we call necropolitics in the management of the pandemic in Brazil today.

Keywords: science denialism, necropolitics, chloroquine, neoliberalism.

Carátula del artículo

Dossiê

O uso político da cloroquina: COVID-19, negacionismo e neoliberalismo1

The political use of chloroquine: COVID-19, denialism and neoliberalism

Sandra Caponi
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Fabiola Stolf Brzozowski
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Fernando Hellmann
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Silvia Cardoso Bittencourt
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 9, núm. 21, pp. 78-102, 2021
Sociedade Brasileira de Sociologia

Recepción: 05 Septiembre 2020

Aprobación: 25 Octubre 2020

O negacionismo científico vem caracterizando a gestão da pandemia pelo novo coronavírus, especialmente no Brasil, como resposta às medidas de isolamento necessárias para o seu controle na ausência de vacinas ou medicamentos eficazes. Essa postura tornou-se particularmente perigosa em locais onde se transformou no discurso oficial dos governos e seus seguidores.

É preciso destacar que falar de negacionismo não significa aceitar acriticamente a totalidade do discurso científico instituído. Em momentos excepcionais, como o que estamos vivenciando, é necessário assumir uma perspectiva epistemológica crítica em relação ao modo como se divulga a informação científica, se validam as medidas de prevenção, se desenham as pesquisas dedicadas à descoberta de uma vacina eficaz, apontando os limites e as dificuldades dos saberes instituídos.

Propomos analisar aqui de que modo se sucederam, nos primeiros meses da pandemia, os debates científicos e políticos suscitados em torno do uso da cloroquina para prevenção e tratamento da COVID-19, particularmente os discursos enunciados pelo governo federal e seus aliados, em defesa da suposta eficácia da droga. Para atingir esse objetivo, foi utilizada a metodologia de análise do discurso, adotando uma perspectiva histórico-crítica. Inicialmente, definimos que tipo de fármaco é a cloroquina, em que momento e de que modo foi descoberta, destacamos sua eficácia para o tratamento de malária e outras patologias. Posteriormente, analisamos os testes in vitro, realizados para verificar a eficácia do fármaco para tratamento da COVID-19, e as dificuldades encontradas quando os testes foram realizados em humanos. Para isso, consideramos os artigos científicos que inicialmente defenderam a sua eficácia como antiviral e os debates posteriores que apontaram os riscos e ineficácia dessa medicação. Analisamos também a posição adotada por instituições internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), além de notas técnicas de instituições médicas nacionais tais como o Conselho Federal de Medicina e a Sociedade Brasileira de infectologia, dentre outras.

Situamos o uso político da cloroquina, realizado pelo governo brasileiro, no marco geral do negacionismo que caracteriza o discurso do presidente e de seus aliados, defensores de um tipo particular de neoliberalismo que definimos como neoliberalismo autoritário. Falamos aqui de negacionismo científico, para diferenciá-lo do negacionismo histórico, aquele que nega, por exemplo, a existência do holocausto, a violência institucionalizada nos regimes militares ou as consequências da escravidão. Falamos de negacionismo científico para designar a desconsideração explícita de questões que exigem um reconhecimento e validação científica, tal como ocorre nos casos em que se requerem evidências que respaldem a eficácia de certos tratamentos, vacinas ou medicamentos.

Ainda que as atitudes negacionistas antecedam o surgimento da internet, que o uso da mentira como estratégia sistemática de governo faça parte da história dos regimes totalitários, podemos dizer que foi com a internet que, de maneira ativa e militante, o negacionismo científico se propagou amplamente pela população. A internet não só democratizou a informação, mas permitiu apagar as fronteiras entre fatos e opiniões, entre argumentos informados e especulação gananciosa.

O discurso negacionista questiona o valor do conhecimento científico, dos argumentos racionais, da experiência adquirida ao longo dos anos, defendendo a ideia de que todas as opiniões têm o mesmo valor. Exige que sejam expostas versões opostas e antagônicas para explicar qualquer fato, seja social ou natural, como tendo igual poder explicativo. Assim, sob o argumento do direito ao contraditório, multiplicam-se discursos que afirmam que devem ser ensinadas nas escolas teorias como a do desenho inteligente junto ao evolucionismo, ao mesmo tempo em que se critica uma suposta “ideologia de gênero”. Para Diethelm e Mckee (2009): “os processos de negacionismo apresentam cinco características: 1) identificação de conspirações; 2) uso de falsos experts; 3) seletividade, focalizando em artigos que contrariam o consenso científico; 4) criação de expectativas impossíveis para a pesquisa; e 5) uso de deturpações ou falácias lógicas” (Diethelm, & Mckee, 2009, apudCoeli, & Camargo Junior, 2020, p. 2).

A equiparação de argumentos racionais ou de estudos científicos com opiniões sem fundamento contribui para negar a realidade dolorosa dos fatos, seja a desigualdade social, o racismo ou a pandemia, e silenciar os sofrimentos cotidianos, muitas vezes evitáveis. É por esse motivo que os mesmos que insistem na necessidade de apresentar “os dois lados” sobre um determinado fato, não transferem essa mesma lógica ao campo da política. Desse modo, uma suposta tolerância epistemológica se associa a uma absoluta intolerância política. Então aparecem, como afirma Zaiat (12 jul. 2020), “exacerbadas as tensões políticas e estimulado o ódio às forças políticas populares consideradas dissidentes. Trumpismo e Bolsonarismo são a expressão desses comportamentos”.

Vemos que o discurso conservador se opõe, ao mesmo tempo, aos enunciados científicos e aos direitos humanos, pois considera que ambos representam uma ameaça aos valores tradicionais (o nacionalismo, a misoginia, o desrespeito aos direitos das minorias). Líderes com esse viés político e seus seguidores reivindicam a liberdade de opinar e agir de acordo com suas opiniões, sem medir consequências. Como afirma Merkel, em seu discurso ao Parlamento Europeu do dia 9 de julho, a pandemia não pode ser combatida com mentiras e desinformação, nem com ódio e agitação, acrescentando que, em uma democracia, verdade e transparência são necessárias. Pelo contrário, Bolsonaro e seus seguidores, com o argumento de defender a qualquer preço a liberdade de emitir suas opiniões, de circular, de expor-se ao risco, divulgam falsas informações e propagam o contágio e a morte. Eles declamam uma liberdade impossível, alheia a toda responsabilidade social, pois desconhecem a existência do outro, do comum, das interações humanas.

A liberdade que está em jogo é a do sujeito neoliberal, o empreendedor de si. Um sujeito que reivindica seu direito de ser responsável absoluto por seus êxitos e fracassos, sem nada dever ou pedir ao Estado. Ao mesmo tempo, renuncia a qualquer responsabilidade em relação aos outros, pois para ele não existe o mundo do comum.

Os defensores do neoliberalismo acreditam que se beneficiarão com menos Estado, com menos impostos, com menos investimentos em educação e saúde pública, transformados em espaços de disputa de mercado. Cabe a cada um de nós gerir e antecipar os riscos, pagar um plano de saúde, uma aposentadoria, ter um capital de reserva. Quando essa lógica neoliberal se depara com um fenômeno dramático como a pandemia de Covid-19, ficam em evidência as fragilidades de um modelo de saúde regulado pelo mercado. Com a aparição da pandemia, diversos países começaram a fazer grandes investimentos em saúde pública, em ciência e tecnologia. Porém, mesmo no contexto de precarização do SUS e do aumento de contágios e mortes por COVID-19, o governo brasileiro executou menos de 40% do orçamento destinado a combater a pandemia. Essa subexecução de recursos é um dos elementos que, junto com a defesa da cloroquina, com a crítica ao distanciamento social e ao uso de máscaras, e com a desconsideração da compra de uma vacina eficaz, configuram uma verdadeira gestão necropolítica (Mbembe, 2011) da pandemia, onde já não se trata de fazer viver e diminuir as taxas de mortalidade, mas de fazer morrer, expondo os cidadãos sistematicamente ao perigo do contágio e à morte.

Fica claro que o governo abraça as políticas neoliberais representadas pelo ministro da economia, além de negar os fatos e governar multiplicando falsidades, que foi uma estratégia utilizada ao longo da história por governos autoritários e fascistas. Como afirma Hannah Arendt (1998, p. 526): “O súdito ideal para um governo totalitário não é o nazi convicto ou o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe a distinção entre fato e ficção (isto é, a realidade da experiência) e a diferença entre o verdadeiro e falso (isto é, os critérios de pensamento)”.

A história mostra que não existe contradição entre ambos os discursos, sendo perfeitamente possível falar de um neoliberalismo não democrático ou autoritário. Isso significa que, como afirmam Laval e Dardot (2014), o neoliberalismo pode ser, por si próprio, um eixo de desarticulação e de destruição da democracia.

Assistimos, assim, a um ressurgimento das velhas características do fascismo, agora transformadas pela lógica neoliberal. Lembremos que, entre as características do fascismo identificadas por Umberto Eco (2018), aparecem o culto à tradição e a rejeição da novidade; o irracionalismo e a desconfiança em relação aos intelectuais, a quem Goebbels definia como “porcos”; a desconfiança das universidades, identificadas como “ninhos de comunistas”, tanto na Itália dos anos 1930, como no Brasil de 2020; a defesa do nacionalismo exacerbado e as expressões de xenofobia e racismo, hoje direcionados contra China; a violência e a morte como único argumento; o uso de um léxico limitado e pobre, associado a uma sintaxe elementar; o ódio à diversidade e às diferenças sexuais encoberto na defesa da moralidade; e a exaltação do heroísmo e da guerra, evidente, por exemplo, quando o presidente brasileiro associa o uso de máscara à falta de masculinidade.

Umberto Eco (2018, p. 55) lembra que,

como a guerra e o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o Ur-Fascista transfere sua vontade de poder para as questões sexuais. Está ali a origem do machismo, seu desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante dos hábitos sexuais não-conformistas, como a homossexualidade. Porém, como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói Ur-Fascista prefere jogar com as armas, que são seu Ersatz (substituto) fálico: seus jogos de guerra são devidos a uma inveja ao pênis permanente.

Quiçá a isso devamos atribuir a insistência em metáforas fálicas vulgares obstinadamente repetidas pelo presidente. Nesse marco, podemos entender esse modo de governar que utiliza a negação dos fatos, dos argumentos e do conhecimento como estratégia fundamental. Assistimos assim à defesa do chamado isolamento vertical, à produção de um medicamento ineficaz como a cloroquina/hidroxicloroquina; a negação da gravidade da pandemia, descrita como uma gripezinha; a negação do colapso do sistema de saúde, quando incita a população a invadir e fotografar hospitais; a afirmação de que existe sobrenotificação de casos de COVID-19 quando evidentemente existe subnotificação.

A diferença para o fascismo clássico que surge como resposta à crise do capitalismo dos anos de 1930, é que hoje já não é necessário pensar num partido nacionalista forte. Pelo contrário, hoje se trata de um grupo heterogêneo de empresários, financistas, banqueiros, oligarquias rurais, interessados na extensão da racionalidade capitalista e no aumento das desigualdades econômicas, por um suposto livre jogo da competição e privatização (Dardot, & Laval, 2014).

O uso político da cloroquina/hidroxicloroquina

A COVID-19 não tem tratamento cientificamente estabelecido até o presente momento (agosto de 2020). Existe um grande número de pacientes que foram tratados, geralmente em pesquisas clínicas ou fazendo o uso off-label, com fármacos como cloroquina e hidroxicloroquina, além de ivermectina, azitromicina, lopinavir-ritonavir, favipiravir, remdesivir, ribavirina, interferon, plasma convalescente, esteroides e inibidores anti-iL-6, dexametasona, para citar as principais. Acontece que, dentre essas possibilidades, uma substância em especial teve seu uso político/ideológico exacerbado em comparação às outras: a cloroquina e sua variante, a hidroxicloroquina.

A cloroquina é uma substância derivada da quinina, um alcaloide extraído de uma planta denominada Cinchona. As propriedades antimaláricas desta planta são conhecidas desde o século XVII, utilizada inicialmente por povos indígenas na América do Sul. A quinina foi isolada em 1820, na França, porém apresentava vários efeitos adversos, tais como gosto amargo, náuseas e vômitos, zumbidos, cefaleia e visão turva; em doses elevadas podia causar hipotensão, disritmias cardíacas e efeitos no Sistema Nervoso Central (SNC). No século XIX começaram a ser relatados casos de falhas do medicamento e reincidências da malária, levando a uma corrida para descobrir novos compostos sintéticos. Assim, partes da molécula de quinina passaram a ser estudadas na tentativa de encontrar outra molécula efetiva. Mais de 12 mil substâncias foram desenvolvidas, dentre elas a cloroquina (Silva, 2020). A cloroquina e a hidroxicloroquina são medicamentos baratos e que não possuem mais patentes industriais. Essas mesmas substâncias foram testadas para outras doenças virais recentes, como o HIV (Savarino, Boelaert, Cassone, Majori, & Cauda, 2003), o SARS-CoV (Keyaerts, Vijgen, Maes, Neyts, & Ranst, 2004), o Ebola e a Zica.

Ainda que os testes in vitro tivessem sido promissores para o tratamento desses vírus, os testes em humanos não foram exitosos. No entanto, o populismo de líderes de países como Brasil e EUA, somados à negação das etapas científicas e a defesa descontextualizada das liberdades individuais, própria de um mercado neoliberal, politizou o uso da cloroquina e sua variante. Um breve resgate cronológico mostra que investidores e líderes políticos pró-mercado apostaram na cloroquina como uma bala mágica capaz de curar a doença e evitar medidas que prejudicassem o mercado, como a necessidade de estabelecer distanciamento social, isolamentos e quarentenas.

O início do uso mais amplo da cloroquina para o tratamento da COVID-19 se deu a partir do dia 29 de janeiro, quando uma reportagem do Hubei Daily, jornal estatal chinês sediado em Wuhan, divulgou que pesquisadores identificaram, por meio de testes in vitro, três substâncias antivirais que pareciam inibir o SARS-CoV-2 (nome dado ao novo coronavírus): a cloroquina, o remdesivir e o lopinavir/ritonavir.2 No início de fevereiro, pesquisadores do Instituto de Virologia Wuhan, dentre outras instituições chinesas, publicaram uma carta ao editor na revista Cell Research detalhando dois desses medicamentos, afirmando que a cloroquina e o remdesivir haviam sido eficazes no controle da infecção por SARS-CoV-2 in vitro, e sugeriram que tais compostos fossem avaliados em seres humanos (Wang et al., 2020).

Em seguida, em outra carta ao editor, três pesquisadores chineses afirmaram que foram conduzidos ensaios clínicos em dez hospitais do país, com mais de 100 pacientes, para testar a eficácia e a segurança da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19. Os autores sugeriram superioridade desses compostos na inibição da exacerbação da pneumonia, encurtando a duração da doença, sem reações adversas graves. A mesma carta afirmava que o medicamento seria incluído na próxima versão das Diretrizes para Prevenção, Diagnóstico e Tratamento da COVID-19, emitida pela Comissão Nacional de Saúde da República Popular da China.

Mais preocupante foi o consenso de especialistas chineses sobre a eficácia da cloroquina para o tratamento do novo coronavírus, publicado pelo Grupo de Colaboração Multicêntrica do Departamento de Ciência e Tecnologia da Província de Guangdong e pela Comissão de Saúde da Província de Guangdong em uma revista chinesa local, sem informar detalhes dos estudos realizados (Multicenter Collaboration Group, 2020). Sabemos, sim, que no curto espaço de tempo dedicado ao estudo (dezembro de 2019 a fevereiro de 2020) não seria possível ter resultados clínicos significativos de eficácia comprovada da cloroquina para o tratamento da nova doença.

Na mesma época, a Coreia do Sul também incorporou o tratamento off-label para a COVID-19, com medicamentos como interferon, lopinavir/ritonavir, cloroquina e hidroxicloroquina (Sung-Sun, 2020). Ainda em fevereiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou priorizar alguns medicamentos em seus ensaios clínicos, incluindo a cloroquina. A OMS chamou a atenção para o fato de que não havia provas de que os tratamentos fossem eficazes, recomendando que a terapêutica fosse utilizada e testada no quadro de ensaios clínicos aprovados eticamente para averiguar sua eficácia e segurança. Também a Itália vivia o auge da epidemia e a Comissão Científica Técnica da Agência Italiana de Medicamentos, em reunião realizada por teleconferência entre os dias 11 a 13 de março de 2020, expressou parecer favorável sobre, dentre outras medidas, a incorporação de medicamentos para uso off-label no tratamento da infecção por SARS-CoV-2 no sistema público de saúde (lei 648/96), dentre elas: cloroquina, hidroxicloroquina, lopinavir / ritonavir e darunavir em associação com cobicistate.

Foi através das redes sociais, em especial uma série de tweets de investidores de bitcoin, no início de março de 2020, que seu uso se popularizou. James Todaro, médico e investidor estadunidense, falou várias vezes sobre a influência da pandemia nas carteiras de investimento nessa rede social. Em 11 de março, Todaro anunciou que existiam dois medicamentos utilizados no tratamento do coronavírus: a cloroquina e o remdesivir e alertou, como médico, que a eficácia de ambos ainda estava sendo avaliada. Em 12 de março, Todaro manteve uma troca de tweets com Paul E. Sperry3, quem afirmou que a Coreia do Sul havia reduzido significativamente a letalidade do coronavírus prescrevendo um tratamento para COVID-19 combinando cloroquina com zinco, postagens que geraram muitas curtidas e muitos compartilhamentos.

Na sequência, Todaro e Gregory Rigano, que trabalha no mercado de regulação e aprovação de fármacos, disponibilizaram no Twitter um rascunho de uma proposta de uso da cloroquina como sendo um tratamento efetivo para COVID-19, inclusive como medida preventiva. Esse documento foi compartilhado por Elon Musk, empresário e investidor internacional bastante conhecido, quem fundou ou comandou empresas gigantescas como o Paypal, a Teslae, a SpaceX e Neuralink, e que possui milhares de seguidores4. Não demorou para que a cloroquina fosse divulgada como sendo a portadora da cura e prevenção, mesmo sem pesquisas clínicas.

Em 17 de março, Gregory Rigano compartilhou um vídeo no Youtube (já retirado do ar por violar as diretrizes do site), no qual o médico francês Didier Raoul informava a cura em seis dias de tratamento de cloroquina ou hidroxicloroquina em 100% dos pacientes de COVID-19 tratados por ele em um hospital em Marselha5. No dia seguinte, Todaro, Rigano, e seus seguidores, passaram a divulgar no Twitter o resultado de um estudo francês liderado por Didier Raoul, que utilizou desenho aberto e avaliou a hidroxicloroquina em poucos pacientes, concluindo que “apesar de a amostra ser pequena, nossa pesquisa mostrou que o tratamento com hidroxicloroquina está associado com redução significativa ou desaparecimento da carga viral em pacientes com COVID-19 e esse efeito é reforçado pela azitromicina” (Gautret et al., 2020, p. 1). Esse resultado foi comemorado por parte da sociedade como esperança para a cura da pandemia, apesar dos sérios problemas metodológicos e de ser publicado em uma rede social.

Rigano passou a defender a cloroquina em várias mídias e, em 19 de março, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump participou de uma coletiva de imprensa, na qual anunciou que a cloroquina e a hidroxicloroquina apresentaram resultados encorajadores (O’Connor, & Weatherall, 2020) e que esses fármacos poderiam “mudar o jogo”. Assim, a necessidade do julgamento clínico desses medicamentos para tratar a nova doença foi cooptada pelo seu uso político-ideológico da ala conservadora estadunidense.

Após a publicação no Twitter, o estudo de Didier Raoul foi publicado também numa revista científica, em tempo recorde: um dia após sua submissão. Além disso, um dos coautores do artigo era editor da mesma revista, o que aponta para um possível conflito de interesse. Metodologicamente, podem-se destacar alguns problemas: apenas 42 pacientes avaliados; descrição duvidosa dos pacientes tratados e não tratados; falta de descrição dos desfechos clínicos (por exemplo, hospitalização, UTI ou ventilação mecânica); exclusão de 6 pacientes que receberam cloroquina (sendo que 3 faleceram e um foi encaminhado para a UTI) das análises, sem explicitar os motivos. Apesar dos vieses, este estudo popularizou a esperança do ocidente de um fármaco milagroso e barato para tratar a COVID-19, intensificando o uso off-label.

Em 31 de março, a OMS, que já havia lançado o estudo multicêntrico internacional Solidarity, reconheceu que, em muitos países, médicos estavam prescrevendo medicamentos de forma off-label, recomendando que fossem prescritos caso a caso, de acordo com as legislações (WHO, 2020). A OMS assumiu essas prescrições como eticamente apropriadas indicando que o uso emergencial desses medicamentos deveria ser monitorado, documentado e compartilhado em tempo hábil com a comunidade médica e científica em geral.

No início de abril, hospitais da Suécia já haviam parado de recomendar cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento off-label da infecção pelo novo coronavírus, em função de seus efeitos adversos, especialmente pelo risco de arritmias e paradas cardíacas, principalmente se administradas em altas doses (Wallin, 2020).

Nesse meio tempo, o Centro para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) atualizou seu guia de orientações terapêuticas, afirmando que não existem medicamentos aprovados, nos EUA, para o tratamento da COVID-19. Mesmo assim, no dia 18 de maio, Trump declarou que estava fazendo uso de hidroxicloroquina para prevenir a infecção por coronavírus. O apelo do presidente e o discurso midiático da cloroquina levou o FDA (Food and Drug Administration) a aprovar o uso emergencial da cloroquina de modo off-label na população estadunidense.

A defesa da cloroquina no Brasil

No Brasil, já no final de março o presidente Bolsonaro decidiu seguir pelo mesmo caminho de Trump, ao afirmar que a cloroquina e a hidroxicloroquina estavam dando certo para tratar aquilo que ele havia chamado de “gripezinha”, solicitando ao exército a produção em grande escala do produto, mesmo sem existirem resultados conclusivos sobre sua eficácia. A divulgação do suposto êxito da medicação levou a seu desaparecimento das estantes das farmácias brasileiras. Esse fato levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a incluir os dois fármacos na categoria de medicamentos sujeitos a controle especial (Brasil, 2020a), o que ocorreu também mais recentemente com a ivermectina.

Nesse momento, teve início a ideologização da cloroquina também no Brasil. Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde, que até então estava sob o comando de Luiz Henrique Mandetta, propôs um protocolo de pesquisa incorporando a hidroxicloroquina como tratamento para pacientes em estado grave. As discordâncias em torno do uso da cloroquina fizeram com que Bolsonaro e Mandetta passassem a adotar perspectivas diferentes na condução da pandemia. O Ministro médico, de partido de direita do espectro político, se tornou “inimigo” do próprio governo ao defender critérios científicos na incorporação das tecnologias medicamentosas no enfrentamento nacional à COVID-19.

A rixa no governo aumentou em seguida, especialmente após o dia oito de abril, quando um documento redigido pelo professor Marcos Eberlin, químico e cientista brasileiro, famoso por se contrapor à teoria da evolução, e coassinado por 30 cientistas de diferentes áreas, foi publicado em defesa do uso da hidroxicloroquina em pacientes não-graves de COVID-19. O documento era uma crítica às falas do ministro Mandetta que, naquela ocasião, já estava em atrito com Bolsonaro, o qual tinha procurado respaldo científico para a liberação da cloroquina para casos leves de COVID-19. A carta de Ebelin questionava se haveria tempo suficiente para esperar por uma resposta, definitiva e consensual, da comunidade científica. Os pesquisadores que assinaram essa carta, incluindo o redator, são ligados ao movimento denominado Docentes Pela Liberdade que, segundo seu próprio website6, é formado por professores e profissionais de qualquer área, cujo interesse é recuperar a qualidade da educação no Brasil, romper com a hegemonia da esquerda e combater a perseguição ideológica. Aproximadamente uma semana depois, Mandetta foi demitido, sendo nomeado Nelson Teich como seu sucessor, que ficou apenas 28 dias no comando da pasta.

Tanto Mandetta quanto Teich foram contrários à liberação da cloroquina para casos leves de COVID-19, por falta de evidências científicas. Ambos os ministros são ligados à direita brasileira, tornando sem sentido a fala do presidente de que “quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, Tubaína7”. O terceiro Ministro da Saúde durante a pandemia, general Eduardo Pazzuelo, sem formação na área da saúde, colocou em prática a lógica de uma suposta “medicina de guerra” e, em 20 de maio, a cloroquina foi incorporada em protocolo oficial com a indicação de tratar casos leves de pessoas contaminadas com o novo coronavírus (Brasil, 2020b). Esse protocolo recomenda que o acesso aos medicamentos se dê a partir de uma prescrição médica, porém o paciente deve assinar um “Termo de ciência e consentimento para uso de hidroxicloroquina/cloroquina”, em função dos riscos desses medicamentos, passando a responsabilidade de eventuais consequências para o próprio paciente. Várias entidades se posicionaram contra o protocolo recém lançado, dentre elas as Sociedades Brasileiras de Infectologia, de Imunologia e de Pneumologia, além de várias universidades e hospitais.

Até o final de maio de 2020 não havia evidências científicas contundentes a favor da cloroquina ou hidroxicloroquina em seres humanos para o tratamento da COVID-19. Entretanto, o negacionismo científico dos defensores da cloroquina só aumentou. Um dos acontecimentos que contribuiu foi a retratação de artigos publicados, apontando os riscos da cloroquina, na revista The Lancet, porque a empresa que forneceu os dados utilizados na pesquisa foi acusada de fraudes (Mehra, Ruschitzka, & Patel, 2020).

Ainda que outras pesquisas indicassem que cloroquina e hidroxicloroquina não possuíam efeitos promissores, seja para prevenção ou cura (Chen et al., 2020; Borba et al., 2020; Boulware et al., 2020), esses medicamentos se tornaram grandes vedetes. Muitos municípios e planos de saúde passaram a implantar tratamentos à base de cloroquina para pessoas com sintomas leves, sem sintomas ou até como prevenção de forma ampla. Esses tratamentos ficaram conhecidos como “kit COVID”. O empresário Carlos Wizard, bilionário brasileiro, criou um núcleo de profissionais que defende o método de tratamento precoce da COVID-19. Ele foi convidado a integrar a pasta do Ministério da Saúde, embora sua passagem tenha sido rápida em decorrência do boicote a suas empresas (Wizard Idiomas e o Mundo Verde)8.

A partir de julho de 2020, novas pesquisas com a cloroquina e sua variante foram publicadas, mostrando a ineficácia desses medicamentos no combate ao novo coronavírus. Mesmo depois de pesquisas interrompidas pela OMS, cancelamento da autorização do uso emergencial para COVID-19 pelo FDA, abandono desses tratamentos pela França, Inglaterra e outros países, no Brasil, o governo continua recomendando seu uso, usando-o como símbolo de esperança e minimização da pandemia, o que pode ser observado na imagem de Bolsonaro mostrando o medicamento para uma ema no Palácio da Alvorada (residência oficial do presidente)9.

A defesa da cloroquina pelo governo brasileiro mostra que “tratamentos milagrosos” estão sendo utilizados como esperança de cura, ao mesmo tempo que servem como justificativa para não fechar estabelecimentos comerciais e outros setores da economia. O presidente afirma ainda que o lockdown não é eficaz na redução da mortalidade. O isolamento social e quarentena já haviam sido implementados em vários locais do mundo, levando ao fechamento de escolas, bares, restaurantes, comércios, pontos turísticos e redução de outros serviços. Como consequência, economias se abalam, pessoas perdem empregos ou veem redução em sua renda etc. É nessa relação entre economia e saúde que o problema da cloroquina ganhou um apelo esperançoso, em seu uso off-label, porém sem embasamento científico. A não existência de evidências e o uso generalizado de certos medicamentos gera uma falsa sensação de segurança, o que é um perigo, uma vez que isso pode levar à negação do isolamento social e do uso da máscara, que são, até o momento, as medidas comprovadamente eficazes para prevenir a COVID-19 (Gandhi, Beyrer, & Goosby, 2020; Nussbaumer-Streit et al., 2020).

O Brasil, na data de 29 de agosto, já havia registrado 3.852.075 casos confirmados, 2.976.796 recuperados e 119.594 mortes. Logo, a taxa de recuperação é muito maior do que a da mortalidade por COVID-19. Uma interpretação comum do uso off-label de um medicamento e do uso compassivo de fármacos é que, se o paciente morreu, ele morreu da doença, mas se o paciente sobreviveu, sobreviveu por causa do medicamento, como no caso da cloroquina ou do kit-COVID (Kalil, 2020). Mas isso não é verdadeiro, pois 98% das pessoas se recuperam, a maior parte delas sem nenhum tipo de intervenção.

Usar a ciência para identificar tratamentos que funcionam é um imperativo ético. Ensaios clínicos randomizados são a melhor maneira disponível para saber como se deve tratar uma doença quando não existe terapêutica comprovada, como na COVID-19. No caso analisado, percebe-se que, por conta de uma carta ao editor com supostos resultados de pesquisas clínicas da cloroquina e hidroxicloroquina para COVID-19 e por conta do uso off-label desses fármacos, mas especialmente por conta de investidores e empresários e do populismo político, somados à potente divulgação midiática das mídias sociais, a cloroquina passou do debate das pesquisas científicas, e chegou ao campo especulativo e político-ideológico.

A corrida contra o tempo atropelou os padrões mínimos científicos, dando lugar a publicações precipitadas, incompletas, em tempo recorde. Os tweets dos investidores de bitcoins, associados ao estudo questionável dos médicos de Marselha, fez com que se popularizasse o uso da cloroquina, na esperança de salvar vidas e, principalmente, de salvar o mercado. Mas a questão de saber se esse medicamento é ou não um tratamento seguro e eficaz para a COVID-19 se intensificou como objeto de disputa política, especialmente no Brasil. Os esperançosos, os desesperados e os apoiadores de Bolsonaro nas mídias sociais, compartilham as supostas evidências tidas como anedóticas. Os cientistas e os críticos do presidente defendem a necessidade de se esperar resultados científicos e compartilham o fato de não haver evidências comprovadas. Ainda que a “febre” da cloroquina tenha diminuído em meados de agosto de 2020, a mesma lógica permanece, mas agora com outro medicamento, a ivermectina.

Os debates sobre cloroquina/hidroxicloroquina no campo da medicina

Se, no cenário mundial, alguns médicos, cientistas e governantes passaram a defender o uso de determinados fármacos para tratamentos “preventivos”, para casos leves e graves de indivíduos infectados pelo coronavírus, no Brasil não foi diferente. Um dos primeiros posicionamentos coletivos no meio médico foi do Conselho Federal de Medicina, em 17 de março de 2020, que, em nota, afirmou: “nenhum tratamento antiviral específico é recomendado pela OMS, CDC ou pelo governo brasileiro”, porém, apontou que “mesmo sem registro dos órgãos reguladores, em casos especiais de alta gravidade, sob o uso compassivo, algumas delas têm sido usadas. Há relatos de uso off-label de lopinavir/ritonavir, na Itália, e de cloroquina e hidroxicloroquina, na China”, além de citar o estudo de Wang e colaboradores para corroborar o possível uso desses fármacos (CFM, 2020a, p. 7-9).

Nesse mesmo documento, o CFM apontou para a importância de ações de isolamento social e proteção dos profissionais de saúde e destacou que “embora a saúde individual da maioria das pessoas não será ameaçada pela pandemia de COVID‐19, estamos frente a uma das maiores ameaças já vivenciadas pelos sistemas de saúde do mundo” (p.13). Porém, já superamos o número das 100 mil mortes no Brasil e a doença se expandiu para além dos grupos de risco inicialmente apontados. Em nota emitida no site da instituição, em 20 de março, o CFM, referindo-se à hidroxicloroquina, afirmou que “a compra e uso indiscriminado desses medicamentos não é recomendada e a automedicação pode representar grave risco à saúde e o consumo desnecessário pode acarretar desabastecimento dessas fórmulas, prejudicando pacientes que delas fazem uso contínuo para tratamento de doenças reumáticas e dermatológicas, além de malária” (CFM, 2020b).

No entanto, em 16 de abril de 2020, o CFM emitiu um parecer sobre o possível uso de cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com diagnóstico de COVID-19 (tanto casos leves como casos graves), citando situações pontuais em outros países em que foram utilizadas e destacando que os efeitos colaterais dos medicamentos “são bem conhecidos”. A nota termina com a seguinte afirmação: “diante da excepcionalidade da situação e durante o período declarado da pandemia, não cometerá infração ética o médico que utilizar a cloroquina ou hidroxicloroquina, nos termos acima expostos, em pacientes portadores da COVID-19” (CFM, 2020c, p. 7). Vale lembrar que, nessa época, já havia recomendações em outros países para o não uso da cloroquina, conforme pontuamos anteriormente.

Vemos, assim, que o CFM se posicionou ambiguamente em relação ao uso dos tratamentos medicamentosos que surgiram no decorrer da pandemia, ao colocar a decisão nas mãos de médicos e pacientes sobre o seu uso. Ainda que ressalte que não há evidências robustas, abre espaço para a defesa desse uso. Por outro lado, o CFM destaca a importância de sociedades médicas que, clara e objetivamente, à diferença do próprio conselho, se posicionam contra o uso da cloroquina, como é o caso da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), de acordo com a nota emitida em 17 de março. A SBI divulgou algumas notas técnicas10, desde o início da pandemia, sugerindo cautela sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina, como na nota emitida em abril (SBI, 2020a). Depois, à medida que as evidências de sua contraindicação foram aparecendo, a SBI recomendou a sua não utilização, tal como pode ser observado na nota emitida em julho (SBI, 2020b).

Vale lembrar que o código de ética médica (CFM, 2019, p.17), destaca que “a medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados”. Da mesma forma que a SBI, diferentes entidades científicas, médicas e de outros profissionais da área da saúde, se posicionaram de forma contrária ao que o governo federal vem estabelecendo, e à posição defendida pelo próprio CFM quando se posiciona de forma ambígua (CNS, 2020; ACMFC, 2020, SBMFC, 2020; CONASS, 2020).

Vale ainda o destaque para o “manifesto pela segurança do paciente no tratamento para a COVID-19”, assinado inicialmente por médicos em Santa Catarina e posteriormente por profissionais de outros estados, a partir do momento em que prefeituras passaram a distribuir, como medida de saúde pública, o “kit COVID” para “prevenir a complicação de infecções pelo coronavírus”. Nesse documento, há destaque para a insegurança que é inerente à situação de pandemia, para a pressão social pelo uso de medicamentos sem comprovação de eficácia, para a relação entre o uso não comprovado desses medicamentos e a flexibilização das medidas que sabidamente evitam a expansão da doença:

São graves e preocupantes os movimentos que vêm pressionando o poder público e promovendo desinformação e coerção de pacientes, profissionais de saúde e tomadores de decisão para impor supostos tratamentos precoces da COVID-19, independente de evidências de sua eficácia ou da sua segurança. Preocupante também é a pressão associada para a flexibilização das medidas de distanciamento físico, advogando uma falsa sensação de segurança à população com o uso de medicamentos, contribuindo para a desinformação, a desorganização das ações em saúde pública, o avanço da transmissão da Covid-19 e suas calamitosas consequências11.

De igual modo, a Sociedade Brasileira de Família e Comunidade reitera a contraindicação do uso de drogas como a cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina, entre outras substâncias apontadas como possíveis tratamentos para as infecções pelo coronavírus causador da COVID-19. Essa mesma linha argumentativa aparece em notas assinadas por entidades como a Sociedade Brasileira pelo progresso da Ciência (SBPC, 2020) e pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB, 2020). O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) questiona:

Por que estamos debatendo a Cloroquina e não a logística de distanciamento social? Por que estamos debatendo a Cloroquina ao invés de pensar um plano integrado de ampliação da capacidade de resposta do Ministério da Saúde para ajudar os estados em emergência? (CONASS, 2020).

Essas são questões cruciais para evitar a continuidade da catástrofe, da perda de vidas humanas e do sofrimento da população, conforme diferentes entidades que se ocupam das questões de vida e saúde têm assinalado desde o início da pandemia.

Observamos que existem posições contrapostas no âmbito das associações e entidades médicas. Algumas, como o CFM, divulgam ideias que corroboram o negacionismo científico, outras contestam esse posicionamento e parecem dialogar melhor com as ideias defendidas pela comunidade cientifica de todo o mundo. Estas últimas destacam os riscos e dificuldades de uma medicação que não tem nenhuma comprovação cientifica, motivo pelo qual não deve ser prescrita nem como como medida preventiva, nem como terapêutica em casos de COVID-19.

Para concluir

Como já foi dito, a principal premissa do negacionismo científico em relação à COVID-19 é a falaz oposição entre “defender a vida” ou “defender a economia”, apresentadas como polos antagônicos. Nesse marco geral, devemos situar-nos para entender por que motivo se repete essa oposição como se de fato fosse possível imaginar conquistas econômicas edificadas sobre cadáveres.

No dia 14 de maio de 2020, o governo brasileiro declarou que estamos em guerra. Não se trata aqui de repetir mais uma vez a questionável metáfora utilizada por presidentes como Emmanuel Macron, da França, quando falou de guerra contra a pandemia. Pelo contrário, o Brasil prefere declarar guerra contra os governadores e prefeitos que, em diferentes Estados do Brasil, se negaram a aceitar a política genocida do governo federal. Se a guerra de Macron contra o vírus tem como aliados os pesquisadores, biólogos, infectologistas, sociólogos e historiadores, os aliados que o governo brasileiro chama para sua guerra não são os cientistas, mas os empresários. Ele pede diretamente aos empresários que obstaculizem as medidas de isolamento adotadas pelos governadores e prefeitos. De fato, essa guerra enunciada e declarada em 14 de maio já estava em curso desde o momento em que começaram a ser implementadas as primeiras medidas de controle da epidemia, agravando-se depois da demissão do ministro Mandetta.

Enquanto isso, o chefe do governo brasileiro manifesta publicamente seu descontentamento e levanta a falsa oposição entre “salvar vidas ou salvar a economia”, além de espalhar fake news, estimular aglomerações, minimizar a pandemia, negar as recomendações da OMS, de outros presidentes, da comunidade médica, e ignorar as mortes que se acumulam e o caos que se espalha em alguns estados. Pouco a pouco, as pressões dos empresários conseguiram que, mesmo com casos e mortes em aumento, os comércios de rua considerados não essenciais fossem abertos, em seguida os shoppings, as academias e os cabeleireiros. O certo é que a falta de uma articulação com o poder executivo nacional que fosse capaz de investir maciçamente na conscientização dos riscos da pandemia e em estratégias socioeconômicas de ajuda às populações vulneráveis, levaram todos os esforços ao fracasso.

A posição do governo brasileiro, que tem como objetivo principal a flexibilização do isolamento social, parece ter também um objetivo secundário e solidário ao primeiro. E a cloroquina e a hidroxicloroquina, ainda sendo medicamentos ineficazes para o tratamento da COVID-19 e com efeitos colaterais extremamente sérios, contribuem para essa lógica que opõe o cuidado da economia ao cuidado da vida, a lógica que afirma que o “Brasil não pode parar”. Isso porque, existindo uma “bala mágica” que permita um suposto tratamento eficaz, não haveria motivos para continuar mantendo a quarentena tão recomendada por infectologistas e sanitaristas. A insistente defesa da cloroquina, para cuja fabricação o Brasil destinou 1,5 milhão de reais, criando um estoque para 18 anos de uso normal do fármaco, torna necessário que essa substância, desacreditada por pesquisadores de todo mundo e pela OMS, seja publicizada como solução para a pandemia e distribuída pelos estados nos famosos “kits COVID”.

A pandemia coloca frente a frente duas estratégias biopolíticas de gestão da epidemia. Uma que aposta nas solidariedades coletivas e na defesa do direto à vida, direito à saúde, direito a uma morte digna, ciente de que só poderemos recuperar nossa economia já debilitada se aceitamos cuidar-nos entre todos. Outra que reforça e reivindica a lógica neoliberal centrada na ideia de assumir os próprios riscos e expor as populações à morte, com todas as características definidas por Aquile Mbembe (2011) como necropolítica. Nessa necropolítica confluem o negacionismo científico, o autoritarismo e o discurso neoliberal.

Essa necropolítica nos leva a naturalizar o número de 800 a 1.000 mortes diárias e a minimizar o seu aumento exponencial; a aceitar invasões aos hospitais e agressões a profissionais de saúde; a aceitar a subnotificação e a divulgação de uma medicação que mata; assim como banalizar o genocídio contra os povos indígenas expostos à invasão de seus territórios e ao contágio. Todos esses fatos fazem parte da política negacionista e de exposição à morte defendida por parte do governo brasileiro e por alguns empresários, em uma guerra declarada contra aqueles que tentam defender as medidas impostas em todo o mundo: isolamento social, associado a um sistema eficaz de auxílio, renda emergencial e créditos.

Material suplementario
Referências
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