Dossiê
Interpretações institucionalistas sobre as transformações dos capitalismos brasileiros: da pretensão neodesenvolvimentista à predação
Institutionalist interpretations of changes in Brazilian capitalisms: from neo-developmentalist aspiration to predation
Interpretações institucionalistas sobre as transformações dos capitalismos brasileiros: da pretensão neodesenvolvimentista à predação
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 9, núm. 22, pp. 9-44, 2021
Sociedade Brasileira de Sociologia
Recepción: 09 Junio 2021
Aprobación: 04 Agosto 2021
Resumo: O artigo discute como abordagens institucionalistas têm contribuído para a produção de novos entendimentos acerca das reconfigurações do capitalismo. O foco recai sobre a produção política de mudanças institucionais que ensejaram novas dinâmicas de acumulação em três setores-chave da economia brasileira: agricultura, mineração e transporte aéreo. A partir do exemplo desses setores, demonstra não apenas a coexistência da racionalidade neoliberal com as políticas de cunho neodesenvolvimentista, sugerindo pluralismo institucional, mas também o reforço institucional que vem sendo conferido a lógicas predatórias de acumulação. Finalmente, aponta para a necessidade de as abordagens institucionalistas prestarem mais atenção ao modo como as corporações passaram a atuar como um elemento disruptivo não apenas da regulação estatal e do controle social, mas também do pretenso equilíbrio de mercado.
Palavras-chave: instituições, Estado, mercado, corporações, neoliberalismo.
Abstract: The article discusses how institutionalist approaches have contributed to the production of new understandings about the reconfigurations of capitalism. The focus is on the political production of institutional changes that have given rise to new dynamics of accumulation in three key sectors of the Brazilian economy: agriculture, mining and air transport. Based on the example of these sectors, it demonstrates not only the coexistence of the neoliberal rationality with neo-developmental policies, suggesting institutional pluralism, but also the institutional reinforcement that has been given to predatory logics of accumulation. Finally, it suggests that institutionalist approaches should pay more attention to how corporations have become disruptive elements not only of State regulation and social control, but also of the alleged market equilibrium.
Keywords: institutions, State, market, corporations, neoliberalism.
Introdução
Há mais de três décadas, a explicação teórica dominante para a existência das instituições econômicas1 está associada à ideia utilitarista de que o Estado deve intervir de maneira pontual e momentânea quando identificado um problema que o mercado se revela incapaz de solucionar (Williamson, 1985). “Falhas de mercado” dizem respeito a problemas de precificação, abrangendo externalidades, bens públicos ou comuns e de mérito, bens não precificáveis e custos de transação; barreiras de entrada e saída; insuficiência de transações; imperfeição da informação; e imbricamento entre política e economia (Crouch, 2013, pp. 34-48). Dentre os fatores que estariam em sua origem, destaca-se a “racionalidade limitada” dos agentes econômicos (Simon, 1957), o que, por sua vez, seria efeito tanto da distribuição assimétrica das informações quanto das suas incapacidades cognitivas para processá-las de modo a tomar decisões racionais.
Essa concepção das instituições como soluções eficientes para as falhas de mercado já foi amplamente criticada pela sociologia econômica, cujo argumento principal sustenta que tais “falhas” revelam, na verdade, o mercado tal como ele realmente é: assimétrico, irracional e, por si só, incapaz de prover bem-estar coletivo (Granovetter, 2017). Além disso, a sociologia já se ocupou em demonstrar que, diferentemente de soluções eficientes para falhas de mercado, a produção das instituições frequentemente está na própria origem dessas supostas “falhas”. Para a sociologia, mercados são construções institucionais complexas, cujos formatos e efeitos variam em função dos resultados produzidos pelo jogo de forças competitivas (e cooperativas) entre os atores econômicos.
A sociologia das instituições econômicas (Duina, 2013), enquanto subdisciplina específica da sociologia econômica, também contesta outra ideia, amplamente disseminada entre os economistas e politólogos liberais, acerca das “falhas de governo” (ou “falhas de não mercado”). Esse conceito se refere a situações nas quais o Estado, por meio de suas políticas públicas, interfere nos mercados de tal modo que estimula ineficiência na alocação de bens e recursos. Geralmente, a noção é empregada para sustentar o argumento de que, mesmo quando o mercado não consegue satisfazer completamente as condições para gerar o bem-comum, a intervenção estatal é indesejada porque aguça ainda mais as desigualdades. Em suma, nessa perspectiva, quanto mais o Estado interfere, pior o problema se torna (Weimer & Vining, 2017).
Obviamente, essa conclusão distorce e simplifica demasiadamente as complexas interações entre os atores estatais, a produção de instituições e a dinâmica dos mercados (Furton & Martin, 2019). Atualmente, redundam evidências de dispositivos institucionais que favorecem o desenvolvimento de formas espoliativas de acumulação e o aumento da desigualdade social, por exemplo. No entanto, isso não implica a existência de uma falha decorrente da inabilidade estatal para corrigir o funcionamento dos mercados, o que, frequentemente, leva à discussão sobre como melhorar as “capacidades estatais” (Cingolani, 2013). Em muitos casos, as políticas são deliberadamente desenhadas para provocar esse tipo de efeito, respondendo às diferentes estratégias dos atores, grupos e coalizões que disputam os campos de produção das instituições, em especial, o próprio Estado (Evans, 2004; Fligstein & McAdam, 2012). A questão, portanto, é como construir uma interpretação condizente com a variedade de lógicas institucionais que marca a interação entre atores estatais e não estatais.
A partir dessa questão, para introduzir o dossiê da Revista Brasileira de Sociologia acerca das interpretações institucionalistas sobre as transformações dos capitalismos brasileiros, propomos uma análise a respeito de como determinadas mudanças institucionais repercutiram na reorganização de três mercados de suma relevância para a economia brasileira: agricultura, mineração e transporte aéreo. Após apresentar os principais pressupostos teóricos que orientam a análise, as três seções subsequentes do artigo discutem como determinados dispositivos institucionais (leis, normas, regras, códigos) foram manejados pelos atores, não para corrigir falhas dos mercados, mas para redesenhá-los à luz das suas estratégias políticas e econômicas.
Essas estratégias são desenhadas por atores cuja racionalidade é mais complexa do que geralmente pressupõem os modelos neoclássicos de tomada de decisão. Talcott Parsons já argumentava que, para a sociologia, a “ação racional é baseada em normas específicas e seus valores subjacentes, que estabelecem expectativas para os atores em certas situações nas quais deveriam conduzir-se de maneira racional” (Staubmann & Lidz, 2018, p. 13). Isso implica que a racionalidade não é intrínseca, sendo normativamente estabelecida a partir de princípios ontológicos, valores, crenças, objetivos e expectativas, os quais – é importante frisar, já que Parsons deu menos atenção a este ponto – os atores sociais alteram ao longo do tempo. Nesses termos, o Estado se conforma como um espaço regido por uma estrutura normativa específica, o que implica, ao menos em tese, a existência de atores com racionalidades diferentes daquelas que predominam nos mercados.
Não obstante, a partir dos três setores analisados, o artigo retoma o argumento de que essa autonomia institucional relativa do Estado não deve ser confundida com seu insulamento. A partir disso, volta ao diálogo de Evans (2004) com o institucionalismo histórico, quando o autor, lançando mão da noção de “autonomia inserida”, situou o Brasil como um caso intermediário entre os Estados desenvolvimentistas do leste asiático (Coréia do Sul, Japão e Taiwan) e o regime predatório do Zaire. Tomando como base a trajetória desses três setores nos últimos trinta anos, as conclusões sustentam que a invasão do Estado pela rationale neoliberal produziu uma espécie a transição de um Estado que se pretendia desenvolvimentista – por meio da conjugação assimétrica do que Evans (2004) chamou de papéis de custódio (regulador), demiurgo (produtor direto), parteiro (indutor-facilitador) e pastor (direcionador) – para um Estado cuja obsessão pela custódia o aproxima perigosamente de um modelo predatório e coloca em risco até mesmo os “bolsões de eficiência”.
Instituições, Estado e Mercado
Nas duas últimas décadas, a construção de novas formas de interação entre Estado e mercado esteve no centro dos debates da sociologia econômica (Block & Evans, 2005).2 Na América Latina, essa agenda foi impulsionada pelo surgimento de governos ditos “pós-neoliberais”, termo controverso que tentou conferir algum grau de familiaridade aos regimes políticos heterogêneos que formaram a “onda rosa” latino-americana (North & Clark, 2017). Essa unidade se daria em torno da crítica ao paradigma neoliberal e, em sua decorrência, da construção de políticas sociais e redistributivas (Diniz & Boschi, 2007). No entanto, além de tais políticas não terem tido os mesmos formatos e efeitos em toda parte, com o passar do tempo, alguns analistas começaram a argumentar que, em certos países, o que estava em curso era uma transição institucional gradual (Balestro & Monteiro, 2019), por meio da qual, ao invés de um regime político completamente novo, o que se estava produzindo eram diferentes variedades de neoliberalismo (Saad-Filho, 2020).
Tendo abrigado algumas das experiências mais relevantes e controversas dessas novas formas de interação entre Estado, mercado e sociedade, o Brasil se tornou um laboratório particularmente importante para essas análises. Dentre as conclusões mais relevantes, pode-se destacar, por um lado, a coexistência de diferentes lógicas institucionais na “intervenção” estatal nos mercados e, por outro, a maior permeabilidade do Estado a atores que, historicamente, tiveram acesso limitado a esse campo, o que, por sua vez, implicou uma heterogeneidade institucional ainda maior. Em virtude disso, ao invés de cunhar novos idiomatismos que simplificam essa realidade – tais como “liberal-desenvolvimentismo” (Sallum, 1999) ou “novo desenvolvimentismo” (Bresser-Pereira, 2010) –, a literatura neoinstitucionalista contemporânea tem insistido na importância de compreender a variedade de arranjos institucionais que se formam a partir das múltiplas formas de interação Estado-mercado-sociedade (Block & Evans, 2005; Evans & Heller, 2015).
Inúmeros modelos analíticos foram construídos para dar conta dessa variedade. Dentre os mais conhecidos e mobilizados no Brasil, notadamente entre economistas e cientistas políticos, a maioria dialoga com a tradição regulacionista francesa (Boyer & Saillard, 2005; Théret, 2003), caracterizada por um viés fortemente estruturalista, ou com perspectivas mais individualistas ou relacionais, como as primeiras formulações sobre “variedades de capitalismo” (Hall & Soskice, 2001; Schneider, 2009), cadeias de valor (Gereffi & Korzeniewicz, 1994) e redes de produção (Henderson et al., 2011). Ao mesmo tempo em que avançam para entendimentos mais sofisticados do que a “monocultura institucional” (Evans, 2003) defendida por arautos (e mesmo por alguns dos críticos) do neoliberalismo, essas abordagens ainda pecam pela visão excessivamente normativa da realidade social, característica de boa parte das interpretações sobre as relações entre Estado, mercado e sociedade, resultando em uma concepção instrumental das instituições (e das políticas públicas).
Ao desembarcar no Brasil, essas abordagens se depararam com uma sociologia embrenhada na busca por alternativas tipicamente construcionistas e culturalistas à anacrônica oposição entre estrutura e ação. Assim, embora tenham se reformulado ao longo das duas últimas décadas, agregando elementos normativos e cognitivos nos processos de coordenação econômica (Dequech, 2011; Hodgson, 2016; Hudson, 2008; Streeck, 2012), essas abordagens – e, mais amplamente, o debate sobre as mudanças institucionais do capitalismo – continuaram chamando mais atenção dos economistas e politólogos do que dos sociólogos. Isso não significa que a sociologia tenha renunciado ao estudo das instituições – foi ninguém menos que Durkheim (2002, p. 6) quem nos ensinou que a Sociologia pode ser definida “como a ciência das instituições, de sua gênese e do seu funcionamento”. No entanto, ainda sensível aos efeitos do fogo cruzado que alvejou o estruturalismo, boa parte da sociologia se desviou de interpretações integradoras sobre o capitalismo.
Mais recentemente, entretanto, é possível observar algumas fissuras nessa barreira, a exemplo da identificação da sociologia econômica brasileira com a abordagem dos “campos de ação estratégica” de Fligstein e McAdam (2012), não coincidentemente desenvolvida em diálogo com autores que almejaram esta integração, tais como Bourdieu e Giddens.3 Trata-se de uma abordagem que coloca em primeiro plano o conflito entre diferentes coalizões que disputam a produção das instituições com vistas a controlar o mercado, reinterpretando-o como um arranjo institucional resultante de relações de poder. Ademais, a concepção de ator estratégico (ou hábil) desenvolvida se afasta da gramática do habitus, por exemplo. O ator social estratégico é um empreendedor institucional que procura engajar outros atores a determinado projeto, por meio do manejo (construção de enquadramentos) dos interesses, valores, crenças, representações e significados que os indivíduos atribuem às suas vidas (Frizo & Niederle, 2019). Note-se, portanto, que a racionalidade desse ator estratégico sociológico também está muito distante da do homo economicus.
Outra diferença que merece atenção é a centralidade que o Estado assume nessa teoria, o que a aproxima das principais correntes do institucionalismo histórico (Evans, 2004; Skocpol et al., 1985). Enquanto correntes como a pragmatista (Boltanski, 2008; Boltanski & Thévenot, 2020) privilegiam a análise de espaços públicos multicêntricos, nos quais os interesses e as identidades dos atores estatais e não estatais se reconfiguram interativamente, Fligstein e McAdam (2012) tratam o Estado como um campo específico de ação estratégica, formado por suas próprias regras, no qual atores incumbentes e desafiantes disputam a produção das instituições. Ademais, como ali se produzem leis, regras, códigos e padrões que possuem grande efeito sobre a ordem social, o Estado não é um campo dentre outros, mas um espaço privilegiado de ação dos empreendedores institucionais. Isso não significa, todavia, que o Estado seja um espaço unitário e coeso, ou mesmo imune às mudanças que se processam nos demais campos.
Diferentemente, Evans (2004) trata o Estado como um ator que, malgrado sua diversidade interna, apresenta interesses e identidades próprios, e detém os recursos organizacionais necessários para indicar as vias de ação potencialmente exploráveis pelos atores não estatais, particularmente aqueles que habitam o mercado e, em reformulação mais recente de sua abordagem, a sociedade civil (Evans & Heller, 2015). Embora a coerência dos interesses e identidades estatais apareça como um problema empírico para o autor, a ação estatal é produzida em um amplo gradiente entre os extremos da autonomia e da parceria, permitindo explorar suas interconexões com outros atores de maneira dinâmica e articulada4, assim como seus sentidos normativos quanto ao desenvolvimento – da “autonomia enraizada” ao “despotismo incoerente” (Evans, 2004, p. 50).
Nesses termos, o modelo bipolar apresentado pelo autor confere plasticidade suficiente para um tratamento da diversidade das formas de ação intra e interestatal. Em primeiro lugar, os chamados Estados desenvolvimentistas desempenhariam papéis-chave e direcionariam a mudança estrutural da economia no sentido do desenvolvimento, sendo generosa e contraditoriamente discerníveis na paisagem da economia política internacional desde os anos 1960 (Amsden, 2009; Gerschenkron, 2015; Hirschman, 1961). Por sua vez, a ação estatal predatória seria realizada “à custa da sociedade, minando o desenvolvimento mesmo no sentido restrito da acumulação de capital” (Evans, 2004, p. 12), caracterizando o Estado como dependente exclusivamente de laços pessoais como base de sua coesão, orientado à maximização individual e, portanto, avesso à própria burocracia. Não obstante, a ocorrência desse tipo de Estado seria bastante rara na literatura institucionalista.
Pelas razões previamente apontadas, investigações apoiadas no tipo desenvolvimentista se difundiram em solo brasileiro, refletindo, de um lado, a familiaridade empírica do autor com a economia e a sociedade brasileiras (Evans, 2003, 2004; Evans & Heller, 2015, dentre outros) e, de outro lado, as próprias pretensões desenvolvimentistas no Brasil (Bresser-Pereira, 2010). A abordagem de Evans (2004) ganhou evidência porque favorecia um enquadramento da economia política nacional a partir do abandono definitivo do papel estatal de provedor direto de bens (demiurgo), em competição com o setor privado (forma considerada dominante no “antigo desenvolvimentismo”); mas também do papel regulador (custódio) que, pretensamente, havia limitado o Estado à formulação e aplicação da ordenação jurídica a partir dos anos 1980. O declínio desses modelos favoreceria a emergência dos papéis de parteiro e pastor, que tipificam as ações estatais voltadas à constituição de firmas (e.g. campeãs nacionais, como a Vale e a JBS) e setores (e.g. agricultura e um “mercado de aeroportos”), e ao direcionamento de suas decisões de investimento, instituindo uma matriz institucional de acumulação de capital, gestão das contas públicas e política redistributiva centrada no Estado.
Curiosamente, nenhuma dessas abordagens olhou com mais cuidado para o que estava acontecendo com os agentes principais do capitalismo: as firmas – a despeito das advertências que vinham sendo formuladas por outros autores quanto à centralidade da firma na economia política internacional contemporânea (Gereffi & Korzeniewicz, 1994; Hall & Soskice, 2001; Henderson et al., 2011).5 Isso se deu em parte porque tais abordagens incorporavam o modelo analítico da díade Estado-mercado (Block & Evans, 2005) – ou mesmo a tríade Estado-mercado-sociedade em suas versões mais sofisticadas (Evans & Heller, 2015) – de maneira um tanto indecisa e, mais importante, desconsiderando as profundas implicações da transformação em curso nas formas organizacionais no eixo do mercado, definidas pelo poder da corporação transnacional (Crouch, 2013), coordenando redes econômicas dispersas, mas funcionalmente integradas (Henderson et al., 2011).
Nesses termos, um olhar atento à revolução organizacional que se consolidava nos anos 2000 e segmentava firma e mercado, colocaria em maus lençóis a “oposição desgastada” entre Estado e mercado – e mesmo o frágil balanço que passara a incluir a sociedade civil –, fazendo da corporação transnacional um elemento disruptivo da regulação estatal, do controle social e mesmo do pretenso equilíbrio de mercado, assim como para a análise sociológica (Crouch, 2013, p. 53). A corporação transnacional tornou descabido o dilema acerca do controle e dos contrapesos às formas econômica e política do poder, na medida em que passou a representar “uma poderosa combinação de poder econômico privado e poder estatal” (Crouch, 2013, p. 69). Ainda que o polo desenvolvimentista despertasse as melhores expectativas dentre os analistas e formuladores de políticas do período, essa mudança criou as bases para uma oscilação pronunciada na direção oposta, de um modelo crescentemente predatório (Evans, 2004).
Inspirando-se nesse debate, seguindo os argumentos de Evans (2004) e Crouch (2013), este artigo explora como determinados empreendedores institucionais coletivos (organizações) têm atuado em favor da reconfiguração da ação estatal e suas repercussões para o(s) capitalismo(s) brasileiro(s) nas últimas décadas. Tais movimentos, inicialmente, permitiram a emergência de ensaios desenvolvimentistas setoriais, em grande medida, frustrados. Mais recentemente, contudo, passaram a reforçar a lógica de ação custódia, fortemente enraizada a partir dos anos 1990, e mesmo, a projetar uma transição crítica, ainda em sua expressão inicial, do desenvolvimentismo à predação. Argumentamos, nesse sentido, que as dinâmicas institucionais dos capitalismos brasileiros tendem à expansão da racionalidade corporocrática, isto é, da captura do Estado e do mercado pela corporação (Crouch, 2013), em paralelo ao descarte da sociedade.
Agricultura
Os mercados agrícolas estão entre os mais impactados pelas mudanças institucionais promovidas nos anos 1990. Fortemente regulados pela ação estatal nas décadas de 1970 e 1980, esses mercados foram um dos principais focos das medidas neoliberais de abertura econômica, integração às cadeias globais e transferência de competências estatais ao setor privado (crédito, seguro, abastecimento, distribuição, certificação). A criação do Mercosul, em 1991, e a adesão do Brasil à Organização Mundial do Comércio, em 1994, são os dois principais marcos desse processo, cujo objetivo era derrubar as barreiras comerciais que supostamente impediam o desenvolvimento econômico global. Apesar da promessa de resultados “ganha-ganha” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, inicialmente esse processo gerou uma profunda desestabilização das economias periféricas. Com relação ao setor agrícola, a “terapia do choque”, inicialmente, acentuou os problemas de abastecimento e inflação, exacerbando o flagelo da insegurança alimentar.
Outrora beneficiados por uma demanda relativamente estável e garantida, fruto do fechamento do mercado aos alimentos importados, e por pesados subsídios estatais no crédito à produção e comercialização, nos anos 1990 a maioria dos produtores brasileiros revelou-se incapaz de concorrer com a produção externa em vários mercados agrícolas. A crise levou à explosão dos conflitos agrários e ao fortalecimento dos movimentos sociais e sindicais do meio rural, que se tornaram os principais opositores às políticas liberais. Dentre as várias medidas para conter a insatisfação generalizada, o governo anunciou, por um lado, a criação de políticas para a agricultura familiar e a reforma agrária, as quais deram vazão à criação, em 1999, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e, por outro lado, a criação de benefícios fiscais para a exportação de commodities, dentre os quais, a Lei Kandir (Brasil, 1996) é o mais conhecido. Ambas as intervenções vieram consubstanciadas pelo discurso da correção (temporária) de falhas de mercado através do aprofundamento do processo de liberalização.
Esse cenário se alterou significativamente a partir de 2003, como efeito articulado da mudança no regime político (eleição do presidente Lula da Silva) e da explosão dos preços das commodities nos mercados internacionais. Enquanto a agricultura familiar conquistou legitimidade, reconhecimento e apoio de políticas desenvolvimentistas criadas por um Estado parteiro e pastor, o agronegócio “surfou na onda rosa”, aproveitando-se, sobretudo, da disposição deste mesmo Estado em manter ativas políticas custodiais e indutoras de caráter tipicamente liberal (Niederle & Grisa, 2019). As contradições decorrentes da coexistência de uma variedade de mecanismos de regulação e intervenção nos mercados agrícolas, cada qual adaptado à racionalidade de distintos atores econômicos, expressaram-se de maneira mais evidente na convivência de dois ministérios operando com lógicas de ação distintas.
As diferenças se explicitaram não apenas nos discursos pró e anti-liberalização que o Ministério da Agricultura (MAPA) e o MDA expunham nas negociações internacionais, mas, principalmente, nas disputas internas por recursos orçamentários e pelo próprio modo como interagiam com os atores não estatais. Com relação a esse aspecto, enquanto o MDA apostava no concertacionismo do governo Lula, expondo suas políticas ao crivo das organizações da agricultura familiar nos vários conselhos de participação social, e mobilizando-os para fortalecer suas demandas perante o governo, o MAPA adotava uma postura mais fechada, reproduzindo as formas mais verticais de interação com as representações políticas do agronegócio, as quais nunca se dispuseram verdadeiramente a compor os espaços de participação social.
O crescimento das exportações agrícolas ofereceu o suporte que a coalizão política criada em torno do agronegócio, capitaneada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), precisava para produzir a imagem do “agro” como locomotiva econômica do país, contestando, com forte incidência midiática, a ideia de que o catching up econômico brasileiro dependeria da capacidade do país de desenvolver as atividades industriais e terciárias avançadas. Mobilizando imagens de um agro “tech”, que supostamente incorpora inovações com alto valor agregado, essa coalizão tem buscado desconstruir tanto a antiga crítica dependentista ancorada na ideia de deterioração dos termos de intercâmbio, quanto sua vertente mais contemporânea da desindustrialização e especialização regressiva (Lazzarini et al., 2015; Maia, 2020).
No entanto, a força discursiva dessas “expectativas ficcionais” (Beckert, 2017; Schmidt, 2017) é tão evidente quanto as fissuras que comprometem as bases reais do processo de acumulação. Apesar de a narrativa dominante apontar para um agronegócio que “cresce apesar do Estado” – sugerindo a existência de consideráveis “falhas de governo” – as evidências apontam para uma forte carga de incentivos estatais por meio de subsídios, isenções e, principalmente, a manutenção de uma política cambial amplamente favorável à exportação. O principal exemplo nesse sentido – ou, pelo menos, o mais controverso – é a Lei Kandir, que continua vigente apesar do cenário de hipervalorização das commodities ser completamente distinto daquele existente quando da sua promulgação. Os debates sobre a vigência desse dispositivo ratificam a ideia de que as instituições não são produzidas e, sobretudo, não se mantêm como soluções eficientes para falhas de mercado, nem são expressões de uma falha de governo. Trata-se, ao contrário, do complexo jogo de forças políticas que manejam as instituições para produzir condições favoráveis às suas lógicas de ação.
Inúmeros outros exemplos similares poderiam ser apresentados para ratificar tal interpretação, tais como a isenção de impostos para a importação de agrotóxicos, o valor irrisório do imposto sobre a terra, as regras para renegociação e perdão das dívidas dos produtores com o sistema de crédito rural, o subsídio do BNDES a determinados grupos agroindustriais, dentre outros. Não obstante, nos últimos anos, o calcanhar de Aquiles dessa narrativa tem sido a insustentabilidade das práticas agropecuárias (Rajão et al., 2020). O desflorestamento na Amazônia Legal é apenas a expressão mais visível das múltiplas faces de um agronegócio de rapina, cujos mecanismos de acumulação não se devem à incorporação de tecnologia, mas à espoliação de recursos naturais, o que, na literatura, tem sido referido como “land, water and green grabbing” (Sauer & Borras Jr., 2016). Como tem sido noticiado, desde 2019, atores em posições privilegiadas da estrutura estatal, em particular no Ministério do Meio Ambiente, parecem atuar como avalistas institucionais dessas práticas.
Em um primeiro momento, as mudanças institucionais promovidas por esses atores foram justificadas publicamente pela suposta necessidade de reduzir o fardo burocrático que bloqueia o desenvolvimento do moderno agronegócio. No entanto, com o passar do tempo, tornou-se evidente que muitas mudanças estimulam o segmento mais conservador e retrógrado, gerando fissuras na própria coalizão política do agronegócio, a ponto de o ex-ministro da agricultura e dono da Amaggi, a maior trading com ações majoritárias brasileiras, Blairo Maggi, afirmar que, depois de anos se esforçando para criar uma imagem de “produção com preservação ambiental”, o novo governo levou o país de volta à estaca zero na agenda ambiental, prejudicando a imagem setorial (Zaia, 2019). Embora tais esforços sempre tenham sido contestados, visto que o próprio Maggi já “conquistou” o prêmio Greenpeace de “Motosserra de Ouro”, o fato é que, por conta dessas mudanças institucionais, esses atores têm cada vez mais dificuldade em desvencilhar o agronegócio da imagem de degradação ambiental. Assim, o sucesso da balança comercial superavitária do setor se esvai em face do impacto negativo para a atração de investimentos em atividades sustentáveis.
Esse processo é acompanhado por um rápido desmantelamento das políticas criadas nas três últimas décadas, incluindo do próprio MDA, cuja extinção foi uma das primeiras ações do governo Temer. Os instrumentos institucionais mais afetados são aqueles que preconizam a intervenção direta do Estado, tais como as compras públicas de alimentos, a formação de estoques reguladores e os programas de extensão rural e reforma agrária (Sabourin et al., 2020). Naqueles que não foram extintos, a redução orçamentária foi de tal magnitude que, na prática, tornou-os inoperantes. Junto com isso, veio o desmonte dos espaços de participação social e o rompimento do diálogo com os movimentos sociais rurais. Finalmente, no campo simbólico, a ofensiva do agronegócio passou a questionar a própria ideia de agricultura familiar como categoria sociopolítica, sugerindo que a racionalidade dos “pequenos agricultores” é congruente com os interesses do setor como um todo, cuja expressão englobante seria o “agro” (buscando romper com o estigma que marca o agronegócio).
De outro modo, as políticas custodiais e facilitadoras, algumas delas criadas nos anos 1990 sob a justificativa de correção dos mercados, a exemplo das isenções fiscais e das subvenções a mecanismos privados de crédito e seguro, foram menos impactadas. Se, por um lado, isso pode ser interpretado como perpetuação da racionalidade neoliberal, por outro, há que se ressaltar que ela vem acompanhada pelo reforço da lógica clientelista de alocação dos recursos públicos. Talvez o principal exemplo nesse sentido seja o modo como, em vários setores, incluindo a agricultura, a ação estatal se tornou refém das emendas parlamentares. A análise do “Portfólio de Ações Passíveis de Apresentação para Emendas Parlamentares” (MAPA, 2021) sugere que, mais do que adotar uma política liberal coerente, o Estado está disposto a implementar o tipo de ação que deputados e senadores estiverem dispostos a financiar. Típico do modelo predatório de Estado, este tipo de clientelismo favorece a reprodução da racionalidade liberal dos atores que conformam a coalizão dominante, atualmente representada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), uma das bancadas como maior força no Congresso Nacional.
Mineração
A trajetória recente da indústria extrativa mineral (IEM) também é ilustrativa das transformações nas relações entre Estado e mercado no Brasil. Historicamente associado à geopolítica e submetido a planejamento centralizado, o setor foi objeto de mudanças liberalizantes a partir dos anos 1990, particularmente quanto à abertura ao investimento estrangeiro e à orientação exportadora, suportada pela redução da taxação. Com isso, a regulação da IEM passou a conjugar elementos de pastoreio e custódia (Evans, 2004). No entanto, em fins dos anos 2000, à frente da onda rosa (North & Clark, 2017), o Estado brasileiro reforçava sua atuação como pastor, rearticulando uma estratégia de base nitidamente nacionalista (Nem Singh, 2012), baseada em recursos naturais (Milanez & Santos, 2015), com destaque para o pré-sal. Entretanto, sua ação seria frustrada e conduziria à consolidação de seu papel custódio e uma nova rodada de (neo)liberalização.
Entre 2009 e 2015, o “Novo Marco Legal da Mineração” (Milanez, 2012) se tornaria o eixo da mudança institucional pretendida pelo Estado.6 Sua fase latente (2009-2012) se iniciou com o Plano Nacional de Mineração 2030 - PNM 2030 (Brasil, 2010) e se encerraria com o Projeto de Lei nº 5.807/2013 (Brasil, 2013a), o qual abriu um período manifesto de contestação, efetivada predominantemente na esfera legislativa. Os principais agentes políticos envolvidos compunham dois blocos antagônicos. De um lado, no poder executivo, o Ministério de Minas e Energia (MME), a Casa Civil e a Presidência da República propuseram o Novo Marco Legal, estabelecendo parâmetros de planejamento que posteriormente se tornariam anacrônicos diante da inflexão nos preços das commodities a partir de 2012. De outro, o Congresso Nacional ingressou na disputa por meio da chamada Comissão Especial de Mineração, que elaborou quatro versões de substitutivos ao Projeto de Lei nº 37/2011.
Os agentes econômicos exerceram considerável influência ao longo dessa disputa. Corporações como Vale, CSN, Yamana, Anglo American e Usiminas, dentre outras, estiveram à frente do financiamento de campanhas eleitorais para os poderes executivo e legislativo em níveis estadual e federal em 2010 e 2014 (Oliveira, 2013, 2015). Posteriormente, “dados criptográficos revela[ra]m que o texto [do 4º Substitutivo (Brasil, 2015)] foi criado em um laptop do escritório Pinheiro Neto” (Senra, 2015), contratado por mineradoras como Vale e BHP Billiton. Por sua vez, movimentos sociais entraram em cena por meio, principalmente, do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração (CNDTM), advogando uma lógica “sociocrática” de regulação da atividade (Santos & Milanez, 2015, p. 762). No entanto, esses movimentos tiveram pouca capacidade de incidir no debate até, pelo menos, a ruptura da barragem da Samarco forçar a emergência de uma “questão mineral” no país (Trocate et al., 2015).
Com relação à lógica estatal de indução dos agentes privados (Evans, 2004), o PNM 2030 e o PL 5.807/2013 se orientavam à atração e expansão dos investimentos, à elevação da produtividade e à agregação de valor setoriais. Ao mesmo tempo, almejavam o fortalecimento do Poder Executivo por meio da captura de renda extrativa, a qual se tornou a base do “discurso neodesenvolvimentista”. Nesse sentido, formulados de maneira insulada e indicando “uma pretensão expansiva da economia nacional ad infinitum” (Santos & Milanez, 2013, p. 120), propriamente neoextrativista, esses dispositivos encarnavam uma lógica de ação estatista-tecnocrática.
De outro modo, no Congresso Nacional, a Comissão Especial de Mineração canalizava interesses variados. Em primeiro lugar, apresentava uma disposição clientelista de incorporação de demandas regionalizadas e subsetoriais, manifesta, por exemplo, na realização de 17 audiências públicas e 18 encontros regionais (IBRAM, 2014, p. 20). Mais importante, como indicam os dados relativos a doações empresariais às campanhas a deputado federal (Oliveira, 2015, p. 12), seus integrantes se mostravam permeáveis a interesses corporativos, de mineradoras e representantes setoriais, integrando uma racionalidade clientelista-corporocrática. Assim, os 59 artigos do projeto de lei (Brasil, 2013b) passariam a 142 no 4º Substitutivo (Brasil, 2015).
A confrontação entre essas lógicas de ação se mostrou decisiva, sendo importante indicar algumas repercussões em dimensões-chave, a saber: concessão, taxação e regulação. A concessão de licenças minerárias diz respeito às instituições relativas à propriedade dos recursos. O poder executivo federal utilizava sua prerrogativa para tentar restringir a discricionariedade dos atores econômicos quanto à forma da cessão, tempo de contrato e condicionamento à situação fiscal e tributária (Brasil, 2013a). De outro modo, a Comissão Especial, alinhada aos interesses dos agentes econômicos, se opunha, buscando restringir a modalidade de concessão, ampliar os tempos de licenças de pesquisa e outorga, e mesmo criar garantias de financiamento baseadas nas licenças (Brasil, 2013b, 2014). Por sua vez, a taxação diz respeito às instituições de captura da renda mineral, sendo a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) sua expressão no Brasil.7 O poder executivo buscava incidir sobre o controle e a ampliação de sua base de cálculo e alíquotas. Entretanto, beneficiando-se de um dos “regimes tributários minerais mais permissivos” do mundo (Santos, 2012, p. 12), os agentes econômicos enfatizavam o impacto potencial da inflexão dos preços sobre os custos de produção (Castro & Milanez, 2015, pp. 11-12). Finalmente, o tema da regulação foi menos conflitivo. Nas discussões sobre a reestruturação dos órgãos de formulação da política mineral e de regulação setorial, a conversão do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em Agência Nacional de Mineração (ANM) foi facilitada pela adesão dos próprios funcionários do DNPM.
Os enfrentamentos observados foram temporariamente suspensos e reorientados com o rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015 (Mansur et al., 2016), o que reitera a importância de eventos externos na conformação de estruturas de oportunidades e restrições (Tilly, 1978). Do mesmo modo, o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, ocasionou um choque institucional que reorientou completamente as mudanças no setor.8 Em primeiro lugar, esses eventos favoreceram uma alteração da correlação de forças, que levaria a uma mudança dos mecanismos de disputa – a substituição do projeto de lei por medidas provisórias e decreto,9 permitindo a tramitação de elementos-chave relativos à estrutura fiscal para os recursos naturais, ao regime legal de outorgas e concessões e à criação da ANM (Milanez et al., 2017). Essa reorientação confirmou a hegemonia da racionalidade clientelista-corporocrática no governo Temer (2016-2018), na medida em que o próprio executivo se tornou mais poroso à influência corporativa, a exemplo da recomposição integral da diretoria da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral (SGM/MME) por funcionários ou consultores de mineradoras (Milanez et al., 2017, p. 4).
A partir da ruptura institucional produzida em 2016 no setor da mineração, o Estado brasileiro transitaria rapidamente do pastoreio à custódia. No entanto, assim como no caso da agricultura – e talvez de maneira ainda mais expressiva, haja vista a própria natureza da atividade extrativa –, além da perpetuação da racionalidade neoliberal (Balestro & Monteiro, 2019), o que se observa no período mais recente é a aliança entre atores econômicos e políticos estrategicamente posicionados em favor de uma lógica clientelista-corporocrática que estimula a predação.
Transporte aéreo
O transporte aéreo é um setor econômico cujo histórico está fortemente ligado à influência militar no Brasil, tendo sido controlado pelo antigo Ministério da Aeronáutica até 2006, quando foi criada a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), aspecto que será detalhado mais adiante. Assim como no caso da agricultura e da mineração, o setor aéreo assistiu, entre as décadas de 1990 a 2010, a disputa entre diferentes racionalidades orientando a relação entre Estado, mercado e sociedade. Grosso modo, predominou, até o início das reformas, o papel de pastor no caso do mercado nacional, complementado pelo papel de parteiro no caso das rotas regionais e de demiurgo no caso dos aeroportos. Com a liberalização do setor, o Estado caminhou no sentido de um papel custódio (regulador), ainda que este tenha eventualmente se combinado com outros papéis em casos específicos, como será detalhado a seguir.
O marco inicial da introdução da agenda liberalizante no setor foi o fim da exclusividade da Varig na oferta de voos internacionais, aberta às demais empresas brasileiras (Vasp e Transbrasil), com a contrapartida da abertura do mercado para o mesmo número de empresas estrangeiras interessadas em voar para o Brasil. No mercado doméstico, a principal mudança foi a privatização da Vasp, em 1991, arrematada pelo empresário Wagner Canhedo, que adotou estratégias agressivas em todos os mercados, criando rotas para Estados Unidos, Ásia e Europa, e ampliando a oferta de descontos nos voos nacionais.10 No entanto, o governo Collor de Mello representou mais um “ensaio” de liberalização do que uma mudança propriamente dita nos padrões de relacionamento entre Estado e mercado no setor.
Na transição para o governo Itamar Franco, o setor assistiu à tentativa de criação de uma “Câmara Setorial” por meio da qual se buscavam soluções para a crise vivida pela aviação comercial no período, seguindo o exemplo do setor automobilístico (Arbix, 1997). No entanto, o modelo de concertação representado pelas Câmaras seria banido com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, trazendo ao poder um grupo fortemente comprometido com uma agenda liberalizante e um “estilo tecnocrático de gestão” (Diniz, 2000), apostando no equilíbrio macroeconômico como uma política “horizontal” que proporcionaria um ambiente favorável à livre competição entre os atores econômicos.
A disputa entre um modelo “concertacionista” e o modelo liberal atravessou os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. De um lado, representantes das empresas e dos trabalhadores defendendo a retomada de instâncias de negociação com o governo para superar o que lhes aparecia como entraves ao desenvolvimento do setor (carga tributária, política de preço da Petrobrás), eventualmente contando com os militares da Aeronáutica na defesa dos interesses das empresas. De outro, autoridades econômicas apoiadas no discurso de que sua agenda atendia aos interesses de toda a sociedade brasileira, eventualmente apoiadas por empresários do setor de turismo e congressistas das regiões Norte e Nordeste, que reclamavam na grande imprensa e no próprio Congresso do fato de as empresas aéreas brasileiras cobrarem as “tarifas mais caras do mundo”.
Diante da pressão do executivo, os militares da Aeronáutica adotaram uma estratégia de “resistência e adesão” ao processo de liberalização.11 Nesse processo, que se deu ao longo da década de 1990, o transporte aéreo alternou fases de crescimento e competição mais intensa sucedidas por crises que, grosso modo, acompanharam os altos e baixos da economia brasileira e mundial. A principal mudança no setor nessa fase foi o crescimento da Tam, uma empresa de âmbito regional que, a partir da liberalização, passou a disputar o mercado de rotas nacionais e, ainda no final dos anos 1990, de rotas internacionais.12 Já na virada para o novo século, foi criada a Gol, empresa que adotaria o modelo “low cost, low fare” consagrado nos países desenvolvidos, com a oferta de passagens mais baratas e serviço simplificado.
Mesmo considerando a criação de uma nova empresa, o setor chegou ao início do século XXI em crise, com todas as empresas tradicionais enfrentando prejuízos, inclusive a Tam. As dificuldades se agravaram com a crise energética de 2001 e os atentados de 11 de setembro do mesmo ano, exigindo do governo a criação, em 2002, de um “Fórum de Competitividade do Setor Aéreo”. O Fórum não trouxe maiores resultados, mas anteviu o revigoramento da estratégia de concertação que seria uma das marcas da chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo federal. Nesse sentido, em 2003, por iniciativa do Ministério da Defesa, foram criados comitês reunindo técnicos do governo, representantes das empresas e dos trabalhadores para tratar da situação do setor. No entanto, esse direcionamento nas políticas teve fôlego curto e foi abandonado com a demissão do então ministro José Viegas, substituído pelo vice-presidente José Alencar.
O setor passou, ao longo desse período, por uma mudança abrangente em sua composição, com o encerramento das atividades das empresas tradicionais (Transbrasil, Vasp e Varig), a consolidação da Tam e a criação de novas empresas com estratégias baseadas em serviços simplificados (Gol, Oceanair/Avianca, Webjet e Azul). Demarcando a mudança do papel de pastor para o de custódio, em fins de 2005 deu-se a criação da ANAC em substituição ao DAC. Inicialmente, a criação de novas empresas e a ascensão de uma “nova classe média” deram dinamismo ao setor, com aumento da competição (pelo menos nas rotas mais importantes) e ampliação do número de passageiros transportados.13 No entanto, a falta de disposição para (re)construir os mecanismos de coordenação cobrou seu preço e o setor viveu, entre 2006 e 2007, uma crise de ampla envergadura que ficou conhecida como o “apagão aéreo” (Monteiro, 2009).
Diante da crise, toda a direção da ANAC pediu demissão, abrindo espaço para a entrada em cena de um grupo de técnicos do governo e pesquisadores, que trouxe uma orientação marcadamente liberal e a retomada do “estilo tecnocrático de gestão” para a ANAC, reduzindo o espaço para negociação com empresas e trabalhadores. Assim, nas rotas internacionais, a ANAC apostou na adoção de uma política de “céus abertos”, com a progressiva eliminação de mecanismos de regulação da oferta. No plano doméstico, a principal estratégia foi a concessão dos aeroportos à iniciativa privada, como forma de melhorar a infraestrutura de apoio ao voo, apostando-se na criação de um “mercado de aeroportos”.14
Na última década, o mercado passou por novas mudanças, com o fim de algumas das empresas criadas nos anos 2000 e a reestruturação de outras, com destaque para a Tam, que passou a integrar um acordo com o grupo chileno Lan, tornando-se Latam. Esse tipo de aposta no capital internacional ganhou prioridade no governo Temer, que extinguiu o limite de 20% na participação de capital estrangeiro em empresas brasileiras de transporte aéreo, permitindo até 100% de participação. Essa medida seria um marco da consolidação de uma trajetória de longo prazo de liberalização do setor, fazendo com que o Brasil se tornasse um dos poucos países detentores de um grande mercado de transporte aéreo aberto a empresas estrangeiras.
Da custódia à predação
Na última década, duas interpretações prevaleceram nas ciências sociais brasileiras acerca das reconfigurações do capitalismo e, em particular, das relações entre Estado e mercado. A primeira é aquela que, enfatizando as mudanças abruptas nos regimes políticos decorrentes da chegada ao – e também da retirada do – poder do PT, acentua a passagem de um modelo neoliberal de Estado para outro de cunho social-desenvolvimentista (Bresser-Pereira, 2010; Diniz & Boschi, 2007). A segunda é aquela que, concentrando sua atenção menos no Estado e mais nas racionalidades da acumulação capitalista, destaca processos mais graduais de transição, caracterizados pela continuidade do neoliberalismo – apesar das variações que este demonstrou em diferentes momentos (Ban, 2013; Saad-Filho, 2020). Ambas as interpretações apresentam problemas, evidentes ao contrastar os setores da agricultura, mineração e aviação.
Em primeiro lugar, tais interpretações pouco se ocuparam das contradições que a estratégia de desenvolvimento trazia consigo, subordinando ou mesmo negligenciando analiticamente o polo da sociedade civil. Desde suas origens, o neoinstitucionalismo histórico projeta os movimentos sociais como atores-chave para compreender as transformações do capitalismo, sendo aqueles inclusive considerados por alguns autores como o mecanismo mais efetivo de mudança institucional (Skocpol, 1979; Tilly, 1978). De forma completamente diferente, essa relevância da sociedade civil também emergiu, mais tarde, no outro lado do espectro institucionalista, na medida em que a nova economia institucional passou a advogar a inclusão das organizações sociais nos processos de governança como essencial para reduzir as falhas de mercado e de governo (Williamson, 1985). A diferença é que, enquanto essa vertente sublinha os processos de concertação social e a formação de espaços públicos de governança colaborativa, aquela destaca o papel dos conflitos e das revoluções como mecanismos de mudança.
Alternativamente, o modelo tripartite de autonomia inserida proposto por Evans e Heller (2015) situa a sociedade civil como parceiro estratégico do Estado e do mercado, sem, com isso, camuflar os conflitos que marcam essas relações. Para os autores, a construção de um modelo desenvolvimentista democrático – que se afasta das experiências autoritárias do pós-guerra –, envolve não apenas a cooperação entre atores estatais e privados, mas a criação de espaços participativos de produção das instituições – e não porque isso permitiria à sociedade corrigir as falhas de mercado ou de governo, mas porque viabilizaria o desenho de arranjos institucionais plurais, adequados às realidades de diferentes racionalidades e contextos sociais.
Considerando os três setores discutidos acima, as evidências sugerem que os governos do PT avançaram no desenho desses espaços, o que permite indagar se isto seria sinal de ruptura com o neoliberalismo dos anos 1990. Nos casos aqui analisados, a situação da agricultura talvez seja aquela que mais facilmente demonstra como os espaços de governança das políticas públicas de desenvolvimento rural criados entre 2003 e 2016 estão mais próximos ao vislumbrado por Evans (2004) do que por Williamson (1985). Mesmo assim, isso somente se aplica para um conjunto restrito de conselhos e comissões, manifestamente aqueles que geriam as políticas para a agricultura familiar, e não para o setor como um todo. Sustentado pelas coalizões que controlam a política do agronegócio, o MAPA manteve-se afeito às lógicas tecnocráticas e clientelistas.
No caso da mineração, a redefinição das políticas públicas setoriais a partir dos anos 2010 revelou uma confrontação entre lógicas tecnocrática e corporocrática, restringindo fortemente a participação social, a despeito dos esforços inéditos de organizações sociais em rede nesse campo. Enquanto isso, no transporte aéreo, é digno de nota que os trabalhadores tenham sido capazes de avançar a agenda de concertação em momentos específicos, geralmente contando com o apoio de atores-chave da burocracia pública, como ocorreu no período de transição entre o final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e o início do primeiro de Lula. Mas, paradoxalmente, foi durante os governos do PT, como resultado da janela de oportunidades aberta pelo “apagão aéreo”, que a gestão do setor foi entregue a um corpo burocrático comprometido com a agenda de liberalização, o que prevalece desde então.
Em segundo lugar, as duas interpretações continuam a formular análises de mercados empíricos que cindem suas dimensões institucional e organizacional, negligenciando os impactos das formas organizacionais, isto é, dos modelos empresariais, dos recursos a eles associados e dos padrões de interação interempresariais como instituições per se, que tanto permitem quanto constrangem a ação econômica e, principalmente, os papéis do Estado no que remete ao desenvolvimento. Nesses termos, redes e corporações não dizem respeito, meramente, a atores econômicos e seus agrupamentos, mas à redefinição das próprias instituições que conformam mercados.15 Assim, avançar na abordagem político-cultural do mercado (Fligstein, 2002) implica tanto recentrar analiticamente o Estado – no que Evans (2004) é bem-sucedido –, quanto aguçar a percepção das relações de poder que lhe são constitutivas. Não obstante, é possível ou mesmo necessário levar mais a sério o sentido relacional inscrito na noção de “autonomia e parceria”, pensando o desenvolvimento menos como função das estratégias estatais em si e mais como resultante da interação dinâmica entre Estado, empresas e sociedade. Fazê-lo demanda singularizar a corporação transnacional e as redes de produção (Henderson et al., 2011) como eixos da mudança institucional, seguindo o caminho apontado por Crouch (2013).
Embora não seja factível a narrativa de que o agronegócio renunciou ao apoio estatal, o rápido processo de concentração econômica, impulsionado pela financeirização, fez com que a dinâmica do setor se tornasse mais impactada pelo redesenho das estratégias corporativas do que pelas políticas agrícolas tradicionais. Não impressiona, portanto, que o lobby das coalizões de interesse se concentre mais nas medidas custodiais (desregulação, isenções e câmbio desvalorizado) que favorecem a operação dessas corporações do que na criação de instrumentos setoriais de política agrícola. Por sua vez, a centralidade da mineração para o equilíbrio das contas externas e, nos anos 2000 e 2010, para as condições objetivas e legitimidade da política de renda (Milanez & Santos, 2015) impõem a consideração da corporação transnacional mineradora e suas redes de produção como dinâmicas constitutivas das próprias condições institucionais de existência desse mercado, incidindo, por exemplo, sobre as instituições de concessão, taxação, regulação, assim como sobre a ampliação exponencial de suas “externalidades” ambientais (Mansur et al., 2016; Milanez & Felippe, no prelo) em sentido espoliativo e que indica uma reorientação do próprio Estado em favor do modelo predatório (Evans, 2004). No transporte aéreo, a caracterização de um modelo predatório talvez tenha ficado mais evidente no período do “apagão aéreo”, gerando a inflexão definitiva da gestão do setor para um modelo tecnocrático liberal, privilegiando um modelo de desenvolvimento baseado na ampliação da concorrência. No entanto, a crescente presença do capital internacional nas empresas brasileiras e no controle dos aeroportos aponta para o fortalecimento das grandes corporações. O risco da captura do Estado e do mercado pelos interesses desses atores seguirá desafiando os estudiosos do transporte aéreo, inclusive os defensores do aprofundamento da liberalização do setor como o melhor caminho para prover o “bem-estar do consumidor”.
Finalmente, as duas interpretações prevalecentes falham em compreender a coexistência sincrônica de diferentes racionalidades econômicas e mesmo de capitalismos. Para contornar esse problema, alguns autores produzem argumentos que se assemelham à imagem de uma transição incompleta (Villaverde & Rego, 2019). Ou seja, o problema dos governos do PT foi a incapacidade do social-desenvolvimentismo de completar o trabalho de remoção dos “resquícios neoliberais”, por conta da resistência das elites econômicas e, ao fim e ao cabo, do duro golpe que destituiu a presidente Dilma Rousseff e reinstalou uma nova variedade de neoliberalismo. Essa leitura isola o Estado e atribui a outros campos a formação de barreiras institucionais que restringiram mudanças institucionais mais expressivas. No entanto, se operássemos com outra chave de leitura, a partir da ideia de “autonomia inserida” de Evans (2004), por exemplo, reconheceríamos um processo mais dinâmico de State building, o qual revela que as lógicas institucionais que supostamente bloquearam mudanças mais profundas também orientavam a ação dos atores estatais, a exemplo do que ocorreu no MAPA (agricultura) e na ANAC (transporte aéreo).
Os três setores analisados demonstram que não há um modelo de transição unívoco. Em primeiro lugar, porque os atores econômicos conformam cada vez mais a regulação pública das diversas estruturas mercantis que dominam, assim como restringem as dinâmicas emergentes de controle social. Por sua vez, os atores da sociedade civil, mesmo em posição subordinada, não refreiam suas pretensões, continuando a exercer peso não negligenciável na conformação dessas vias. Mesmo no que respeita ao Estado, sua transição permanece meramente indicada, embora o anseio desenvolvimentista esteja, ao menos temporariamente, subordinado às dinâmicas hegemônicas da custódia e, no limite, da predação. Mas, se os três setores podem sugerir alguma “convergência na divergência”, esta se encontra na reconfiguração do neoliberalismo16 como regime de promoção tecnocrático do “bem-estar do consumidor” (Crouch, 2013, p. 55) – em detrimento de sua liberdade de escolha –, no qual o mercado cede espaço às corporações.
Dentre os casos aqui analisados, a agricultura desponta como aquele setor em que as contradições da ação estatal se mostram mais evidentes, haja vista a sobreposição, até 2016, dos papéis custódio, demiurgo, parteiro e pastor. No entanto, um olhar mais atento para as dinâmicas corporativas sugere que muitos instrumentos de política convergiram para a afirmação da racionalidade corporocrática, inclusive aqueles que, com viés indutor, concederam recursos que foram transferidos dos agricultores familiares para a indústria agroquímica, por exemplo. No caso da mineração, o modelo prevalente chancela a interpretação hierárquica defendida por Schneider (2009), sendo mais apropriadamente rotulado como corporativo. Assim como na agricultura, trata-se de um modelo export-led (gerador de divisas e ponto de equilíbrio das contas públicas). No entanto, ele é ainda mais dependente do uso destrutivo da força de trabalho, da expropriação territorial e da geração de externalidades negativas, apoiando-se cada vez mais na ação estatal predatória, e abrindo caminho para um regime de acumulação espoliativo. Finalmente, no transporte aéreo, a combinação de um papel custódio no transporte de passageiros com o pastoreio na criação de um “mercado de aeroportos” representou a promessa de modernização do setor por meio da ampliação da concorrência, cujos resultados positivos ainda estão para ser demonstrados.
Considerações finais e apresentação do dossiê
Dentre os setores analisados neste artigo, o principal exemplo de ação estatal predatória é encontrado na mineração. A transição da pretensão desenvolvimentista ao Estado predatório se expressa tanto na incapacidade de os desastres socioambientais (Mansur et al., 2016; Milanez & Felippe, no prelo) afetarem a posição das corporações mineradoras – que condicionam as próprias instituições de sanção (Santos & Milanez, 2017) –, quanto na abertura territorial, incluindo áreas de preservação permanente e terras indígenas, liderada pelo Estado a partir de 2017 (Wanderley et al., 2020). De outro modo, no caso do setor aéreo, essa categoria já teria mais dificuldades de operar. Mesmo assim, se a trajetória do setor não pode ser associada a um modelo predatório, tampouco os resultados alcançados nos últimos anos permitem falar de desenvolvimento, portanto, em sucesso da racionalidade tecnocrática liberal que prevaleceu desde a crise do “apagão aéreo”. Finalmente, a agricultura vem à tona como um mundo de contradições, conciliando formas de ação estatal tipicamente predatórias com outras que conjugam custódia e pastoreio.
Esses resultados nos encaminham para a conclusão de que, mesmo nesse contexto de profunda crise institucional, o que se sobressai é o pluralismo institucional e a conformação de uma variedade de formas de interação que precisam ser analisadas à luz da dinâmica de cada setor. À primeira vista, isso pode soar como uma defesa das abordagens setoriais, as quais são muito conhecidas no debate institucionalista, em função dos aportes regulacionistas (Boyer & Saillard, 2005) e da literatura sobre sistemas transnacionais de produção (Gereffi & Korzeniewicz, 1994; Henderson et al., 2011). No entanto, além de destacar a possibilidade de mais de uma lógica operando no interior de um mesmo setor, a ideia de que cada mercado possui uma dinâmica específica não impede uma análise das comunalidades (Streeck, 2012). O setor é apenas um dos recortes analíticos possíveis para compreender as múltiplas racionalidades que conformam as variedades de capitalismo. Ao mesmo tempo, a defesa desse pluralismo institucional não deve ocultar a existência de racionalidades ou lógicas dominantes – a referida convergência na divergência –, o que seguramente levará alguns leitores a identificarem o neoliberalismo, o social-desenvolvimentismo ou mesmo a predação como as lógicas institucionais dominantes em diferentes momentos da história recente brasileira. Não há discordância com esse tipo de raciocínio, desde que não implique, como geralmente é o caso, na ocultação da variedade de lógicas alternativas em prol da ideia de um arranjo institucional monocromático.
Finalmente, se há um aspecto de comunalidade entre os setores analisados, este reside no crescente poder exercido não exatamente pelo Estado, mercado ou sociedade civil, mas por uma nova elite corporativa mundial, estreitamente associada ao capital financeiro. Esse é o argumento desenvolvido por Colin Crouch (2013, p. 54), para quem o neoliberalismo “abandonou a insistência prévia na necessidade de competição efetiva [...] [em favor de] uma nova teoria da economia [...] que tendia a favorecer grandes empresas dominantes no mercado”. As implicações da adoção dessa concepção de neoliberalismo estão longe de ser evidentes, mas é possível argumentar que elas representam um desafio consistente ao modelo tríptico Estado-mercado-sociedade, ao mesmo tempo em que sugerem que a assimetria entre os tipos ideais do Estado desenvolvimentista e predatório (Evans, 2004), francamente favorável ao primeiro polo, tende a ser reduzida no futuro próximo.
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Inúmeros argumentos aqui sustentados dialogam com as análises apresentadas nos demais artigos que compõem o dossiê “Interpretações institucionalistas sobre as transformações dos capitalismos brasileiros”. Os dois primeiros textos inserem-se na agenda de investigações sobre “capitalismos comparados”, o que lhes permite considerar a trajetória brasileira em relação a outros países.
Inicialmente, no artigo In search of developmental capitalism institutions: bringing growth models back in emerging countries, Moises Balestro e Antonio Junqueira Botelho discutem como diferentes modelos de crescimento marcaram a trajetória de desenvolvimento no Brasil. Segundo os autores, a oscilação das elites econômicas entre modelos liberais e não liberais fragilizou as repetidas tentativas de formar uma coalizão desenvolvimentista. Em virtude disso, os autores apontam para a inadequação de leituras que tentam situar o país de maneira muito estrita em modelos de crescimento orientados pela exportação, pelo consumo ou pela demanda. Outro argumento saliente no artigo está associado à ideia de que “o capitalismo é baseado em empresas, não em decisões de política microeconômica de governos e bancos centrais”, por meio da qual, a nosso ver, os autores vão ao encontro do que apresentamos acima quando reivindicamos um olhar mais atento para o modo como as corporações estão tomando para si a responsabilidade de redesenhar as lógicas institucionais.
Por sua vez, o artigo de Fabiano Escher, intitulado Variedades de capitalismo nos BRICs: uma perspectiva agroalimentar, aporta uma contribuição interdisciplinar inovadora, a partir do cotejamento crítico de diferentes literaturas especializadas sobre capitalismos comparados e regimes alimentares. Nesses termos, a inovação apresentada consiste na proposta convincente de reposicionamento da questão agroalimentar e do regime agroalimentar internacional no centro da análise institucional histórico-comparada da economia, convertendo-os em foco privilegiado de entendimento da diversidade institucional do capitalismo contemporâneo. Se, de um lado, essa pretensão anuncia uma promissora trajetória de aplicações empíricas, considerando a emergência e pluralidade de agências nesse mundo social, de outro, ela sugere grande potencial teórico quanto à redefinição da própria noção de desenvolvimento e, consequentemente, da tipologia do Estado desenvolvimentista.
Enquanto uma das intenções manifestas no presente artigo é destacar a ausência das corporações nas análises, em Arquitetura de mercados como processo social: trazendo o direito para a sociologia econômica institucionalista, Pedro Salomon Bezerra Mouallem e Diogo Rosenthal Coutinho destacam a necessidade de a sociologia econômica, que até agora de concentrou principalmente em mostrar como Estados arquitetam mercados, dar mais atenção ao papel do direito. Nesse sentido, os autores defendem que o fenômeno jurídico, entendido como parte da disputa social que cerca a definição dos arranjos institucionais, é constitutivo da ação estatal e, mais amplamente, dos mercados. Além disso, argumentam que, na medida em que o fenômeno jurídico se expressa de maneira particular em cada país, o direito torna-se um elemento central à explicação das “variedades institucionais”.
Finalmente, Sandro Ruduit Garcia retoma um dos dilemas centrais da sociologia contemporânea, qual seja, a relação entre ação social e instituições econômicas. Em diálogo com a tradição weberiana de análise das instituições, o autor destaca como, recentemente, determinadas abordagens institucionalistas sobre as transformações do capitalismo têm incorporado uma preocupação mais evidente com os “choques e negociação de interesses entre os atores do que com a coesão alcançada pela obediência e compartilhamento de valores que sustentariam sistemas sociais.” Em alguma medida, esse argumento pode ser encarado como uma crítica ao modo como, para contrapor vertentes utilitaristas, uma parte do institucionalismo se desviou do tema da ação social interessada, o que seguramente é uma fragilidade quando vários setores se reorganizam em resposta ao crescente domínio corporativo.
Referências
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Notas