Dossiê

Ação Social e Instituições Econômicas: conquistas para a pesquisa sociológica

Social Action and Economic Institutions: achievements for sociological research

Sandro Ruduit Garcia
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

Ação Social e Instituições Econômicas: conquistas para a pesquisa sociológica

Revista Brasileira de Sociologia, vol. 9, núm. 22, pp. 145-168, 2021

Sociedade Brasileira de Sociologia

Recepción: 05 Enero 2021

Aprobación: 18 Abril 2021

Resumo: A “metamorfose do mundo” tem chacoalhado instituições econômicas consagradas, exigindo do pesquisador o reconhecimento das transformações no mapa da atividade econômica. A proposta deste artigo é examinar as contribuições do conceito de “ação social” para a investigação sociológica de transformações nos processos econômicos, particularmente em realidades como a brasileira, que experimentam tais transformações sem ter constituído plenamente instituições capitalistas modernas. Progressos de diferentes formulações e ênfases do conceito têm permitido complementaridades para perscrutar a construção ativa de relações econômicas concretas pelos agentes em face de resistências institucionais. Esses desdobramentos têm instigado a compreensão e análise tanto de processos de reprodução de relações de poder quanto de produção de relações de cooperação que encetam a ascensão de atividades econômicas e instituem quadros normativos. O argumento pressupõe que situações de crises nos mercados requerem a observação das ações significativas dos agentes para a reconstrução de relações e organizações econômicas, cuja base se acha não apenas na busca de interesses materiais, mas também na legitimidade de convenções sociais e normas legais. O predomínio da ação econômica com finalidades instrumentais leva, depois de certo ponto, à instabilidade das relações e ordens econômicas, exigindo a reconstrução de arranjos entre convenções e normas para estabilizar as relações e sistemas econômicos.1

Palavras-chave: ação econômica, instituições, capitalismo, sociologia econômica.

Abstract: The “metamorphosis of the world” has shaken established economic institutions, demanding that the researcher recognize the changes in the map of economic activity. The purpose of this article is to examine the contributions of the concept of “social action” to the sociological investigation of transformations in economic processes, particularly in realities such as the Brazilian which experience such transformations without having fully constituted modern capitalist institutions. Progress of different formulations and emphases of the concept has allowed complementarities to examine the active construction of concrete economic relations by agents in the face of institutional resistance. These developments have instigated the understanding and analysis of processes of reproduction of power relations as well as the production of cooperative relations that initiate the rise of economic activities and establish normative frameworks. The argument presupposes that crisis situations in the markets require the observation of the significant actions of the agents for the reconstruction of economic relationships and organizations whose basis is found not only in the search for material interests but also in the legitimacy of social conventions and legal norms. The predominance of economic action for instrumental purposes leads, after a certain point, to the instability of economic relations and orders, requiring the reconstruction of arrangements between conventions and norms to stabilize economic relations and systems.

Keywords: economic action, institutions, capitalism, economic sociology.

Introdução

A “metamorfose do mundo” tem chacoalhado instituições econômicas consagradas (Beck, 2018), exigindo do pesquisador o reconhecimento das transformações tecnológicas, jurídicas, políticas e culturais implicadas no remodelamento do mapa da atividade econômica (Castells, 2019).2 As transformações dos horizontes de referências e das coordenadas da ação abrem espaços de reflexividade para a habilidade dos agentes no redesenho de fronteiras sociais e de sistemas de regulação econômica. A provocação intelectual é que: “para apreender essas transformações, no entanto, é necessário um rompimento fundamental com a metafísica dominante da reprodução social (...)” (Beck, 2018, p. 71). As crises sucessivas e o questionamento público do sentido das relações econômicas instigam à prospecção intelectual de culturas econômicas emergentes, ainda em formação, com vistas à apreensão das aspirações e, quiçá, das tendências de transformação institucional do processo econômico (Castells, 2019).

Faz certo tempo que diferentes diagnósticos sobre o estudo sociológico do processo econômico, em âmbito internacional, têm alertado para a importância de se avançar na direção de questões como as capacidades de agência em meio às resistências institucionais (Beamish, 2007; Burroni & Scalise, 2017), as estratégias dos atores na construção da regulação do desenvolvimento (Ballarino & Regini, 2008; Regini, 2014), e o diálogo entre abordagens para novas amarrações micro-macro sociais na apreensão e na explicação de novos objetos de investigação (Beckert, 2009; Fligstein, 2015). Os diagnósticos tendem, grosso modo, a destacar as demandas públicas e científicas por explicação sociológica adequada de uma vasta gama de transformações em curso, desde a ascensão de países do Leste Asiático até os sentidos adquiridos por atividades em mercados informais, passando pelo consumo reflexivo na contestação de mercados, pela construção de nichos para produtos especiais, pela digitalização de cadeias de produção cultural, pelas redes de inovação econômica, e tantas outras.

Nesse sentido, formulações recentes têm se voltado para o “problema da ação” na tentativa de suprir lacunas em análises institucionalistas e das redes sociais, como identificadas por sua crítica e mesmo autocrítica. Salas (2004) já alertava para a importância de melhor elaboração do “problema” para o conhecimento sociológico das particularidades que distinguem economias latino-americanas. O enfoque fenomenológico tem chamado a atenção para os agentes cognoscitivos que acionam intencionalmente estoques de conhecimentos na afirmação de um curso de ação econômica (Aspers, 2009b). A análise de redes sociais, igualmente, tem se empenhado em compreender as formas como atores individuais e organizacionais tecem ativamente novos laços, podendo inclusive rearranjar a morfologia das redes de interação ao longo do tempo (Stark, 2009). A teoria dos campos de ação estratégica tem no miolo de sua rede conceitual a formulação sobre ação habilidosa dos atores sociais (Fligstein & McAdam, 2012). As formulações retomam, por diferentes caminhos, premissas de um legado sociológico preocupado em escapar de ciladas funcionalistas presentes em quadros teóricos algo sistêmicos (Berger & Luckmann, 2014; Giddens, 2003; Schutz, 2012). Esses progressos no debate guardam intersecção com desdobramentos de matriz weberiana em torno do conceito de ação social que é impulsionada por diferentes interesses, orientada interpretativamente para o outro, e monitorada reflexivamente em seu curso.

A proposta deste artigo é examinar as contribuições do conceito de “ação social” para a investigação sociológica de transformações nos processos econômicos, particularmente em realidades como a brasileira que experimentam tais transformações sem ter constituído plenamente instituições capitalistas modernas. A “ação social” é uma chave sociológica que tem sido levada a sério na investigação que se faz hoje, internacionalmente, sobre as transformações do processo econômico, contribuindo para a análise de transições e de particularidades da experiência econômica e social. Por meio de progressos de diferentes formulações e suas ênfases, a vivacidade do conceito tem permitido complementaridades para perscrutar a construção ativa de relações econômicas concretas pelos agentes em face de resistências institucionais. Esses desdobramentos têm instigado a compreensão e análise tanto de processos de reprodução de relações de poder quanto de produção de relações de cooperação que encetam a ascensão de atividades econômicas e instituem quadros normativos. O argumento pressupõe que situações de crises nos mercados requerem a observação das ações significativas dos agentes para a reconstrução de relações e organizações econômicas, cuja base se acha não apenas na busca de interesses materiais, mas também na legitimidade de convenções sociais e normas legais. O predomínio da ação econômica com finalidades instrumentais leva, depois de certo ponto, à instabilidade das relações e ordens econômicas, exigindo a reconstrução de arranjos entre convenções e normas para estabilizar as relações e sistemas econômicos.

Na sequência desta introdução, o texto organiza-se pela exposição do que se considera como fundamentos da “ação social”. A ideia é retornar às complexidades da proposta de Weber sobre o conceito, desde um tipo de leitura que sublinha os modos como os agentes constroem interessadamente seus mundos sociais. A seção sugere cadeias de causalidade multidimensional entre condicionantes e consequentes da ação social econômica (macro – micro- macrossociais). Seguem-se formulações recentes sobre o conceito, como propostas por Aspers, Stark e Fligstein, que se voltam mais especificamente para a compreensão e análise da agência, da cooperação e da transformação nos mercados. A seção explora esses avanços na “solução” para o “problema da ação” identificado pela crítica e autocrítica de enfoques sobre o enraizamento social e institucional da ação, situando intersecções entre esses desdobramentos e a proposta da ação social econômica. Por fim, destacam-se algumas considerações finais originadas pelo exame dos diferentes argumentos selecionados para estudo, posicionando esse conjunto de formulações sobre o conceito de ação social nas conquistas e complementaridades entre enfoques para a investigação de processos emergentes em face de crises e transições da atualidade.

Fundamentos da ação social

As contribuições conceituais recentes sobre ação econômica guardam intersecções com releituras da obra sociológica de Max Weber, bem como remetem a indicações contidas na sociologia fenomenológica de Alfred Schutz, na sociologia do conhecimento de Berger e Luckmann, e na teoria da estruturação de Anthony Giddens. O que se tem, em conjunto, é uma linha de raciocínio que assume a ação social como movida por interesses, orientada para outros agentes e monitorada em seu curso, diferindo, como lembra Schluchter (2011), das leituras de tipo “escolha racional” ou de tipo “teorias de sistemas”. A chave deslinda a ação capaz de produzir interessadamente relações e instituições, além de sofrer os condicionamentos de convenções sociais e de normas legais, afastando-se de funcionalismos.

Nessa senda, Swedberg (2005) adverte que, na sociologia econômica proposta por Weber, a ação econômica é uma expressão específica de ação social, visando à satisfação subjetiva de desejos por meio do alcance de utilidades (sejam objetos/serviços, sejam oportunidades de lucro). A ação social econômica move-se, especialmente, por interesses materiais (como “fome”), tendendo, entretanto, a combinar outros motivos no seu impulso: os interesses ideais (como “vocação”), a tradição (como “disciplina”) e as emoções (por exemplo, “ambição”). Como se trata de “tipos puros” da ação, o pesquisador depara-se com o problema sociológico do registro empírico de quais motivos se combinam e de que “pesos” esses detêm no desencadeamento do curso de ação econômica em firmas e mercados concretos (Weber, 1999). Essa modalidade de ação se orienta pela interpretação do que sejam as expectativas de outros agentes (passadas, presentes e futuras), tendendo a estabelecerem-se relações associativas abertas e fechadas. O curso de ação se desdobra, ainda, no monitoramento de convenções e normas consideradas legítimas numa ordem vigente, além da gestão de recursos escassos.

A gestão econômica demarca o poder de controlar e dispor de utilidades, expressando conjuntos de relações que constituem as organizações econômicas. O mercado consiste na luta pacífica dos agentes econômicos por oportunidades prováveis de utilidades, requerendo o empenho no controle de arenas (relações fechadas; organizações capazes de dominação) que observa convenções e direitos legítimos numa ordem social. Tais encadeamentos se combinam, instavelmente, em nova escala de formação social, em economia doméstica (orientada ao sustento da unidade econômica) ou em economia capitalista (orientada ao lucro nos mercados). Ademais, o capitalismo pode assumir diferentes formas, destacando-se a racional (cujos lucros se alcançam por meio do comércio livre, da avaliação da produção e da luta pacífica), a política (quando predominam retornos amparados na relação com a força da autoridade política) e a tradicional (cuja expansão é baseada em comércio especulativo) (Weber, 1999).

Vale destacar, para fins do argumento proposto no texto, que se trata de ações materialmente interessadas que se orientam interpretativamente para os interesses de outros, reconhecendo-se a luta entre agentes e organizações por meio dos preços, da concorrência e do regateio com vistas a alcançar opções de escolha entre meios escassos e o controle de mercados. Trata-se de conferir certa importância aos conhecimentos dos agentes vis-à-vis a obediência de padrões morais generalizados. Outro aspecto que merece relevo é que a ação social econômica tende a produzir, complexamente, relações, organizações e ordens econômicas, cumprindo saber não apenas sobre as condições e meios da ação, mas também sobre suas repercussões que se podem expressar em diferentes dimensões e escalas sociais. Ademais, cabe sublinhar o caráter instável dos mercados e a imprevisibilidade do capitalismo, tanto mais verificável quanto mais se racionalizam as relações. Ao mesmo tempo, as crises tendem a ser criadoras de transformações, inclusive institucionais, com vistas a estabilizar os sistemas econômicos.

Schutz (2012) investiga os traços subjetivos e intersubjetivos do curso de ação social, esclarecendo sobre a consciência, a experiência e a constituição de estoques de conhecimentos que incidem na conduta dos agentes. A ação social é intencional e significativa, uma vez que se orienta na direção de outras condutas. O ponto de partida é a consciência que percebe “objetos”, agindo intencionalmente na apreensão do mundo. A ação consiste em experiências significativas que se baseiam em projetos, tendo um motivo que a desencadeia (“porque”) e se desenrolando com certa finalidade. O curso de ação recorre a mapas de conhecimentos adquiridos pela experiência no mundo. Esta consiste na atenção que se volta aos objetos (materiais, ideais, reais ou imaginários), constituindo-se estoques de conhecimentos. Os interesses dos agentes se modificam segundo suas experiências e conhecimentos. Em consequência, a relação social expressa condutas que se dirigem ativamente umas para as outras, em um contexto de significados.

Berger e Luckmann (2014) enfocam a questão sobre as atividades humanas que, dotadas de significados subjetivos, produzem em seus encadeamentos facticidades objetivas que se concretizam em instituições. As interações sociais conservam um intercâmbio entre atos expressivos dos atores sociais, envolvendo conhecimentos e tipificações próprios dos atores que se acham em troca no contexto. A ação social gera institucionalização quando ocorre o compartilhamento de tipificações sobre atores, atividades ou condutas. As identidades são chaves da realidade subjetiva dos atores, sendo formadas por processos sociais, mas, igualmente, agindo sobre as estruturas sociais – mantendo-as ou modificando-as. Desse prisma, um aspecto relevante é saber se o mundo objetivado em instituições é entendido como empreendimento humano (construção plástica que se pode redesenhar pela ação intencional) ou torna-se uma facticidade inerte (reificada) em cada contexto.

Giddens (2003) adiciona sutilezas ao “problema da ação”, especificando nuances na sua origem e consequências e na sua inscrição em dimensões institucionais e estruturais da vida social. A condução do fluxo de atividades pelo agente é, segundo o autor, racionalizada, mediante seus propósitos e acionamento reflexivo de conhecimentos sobre sua inserção nos cenários de interação. A agência refere-se às condutas capazes de produzir realizações ou efeitos contextuais, remetendo mais ao acionamento de recursos de poder do que às intenções implicadas na ação. A capacidade de agência em face de resistências é uma expressão particular de ação social, por meio do uso hábil de regras e recursos disponíveis em relações dialéticas entre os agentes. Giddens grifa a importância sociológica tanto das consequências impremeditadas quanto das imprevistas da ação. Uma ação intencional tende a gerar resultados no tempo e no espaço que escapam aos seus propósitos imediatos, desencadeando eventos fora do contexto de ação – e mesmo no próprio contexto de interações – que não são necessariamente pretendidos pelos agentes. Um curso de ação tende, ainda, a gerar desencadeamentos de eventos desconhecidos pelos agentes, mesmo que haja o monitoramento reflexivo da sequência de atos.

O que importa reter dessas indicações é que a ação social tem efeitos quer na reprodução quer na produção de novas escalas de organização social. Pode-se distinguir os motivos das ações, que desencadeiam e tipificam as suas variedades, das razões que são acionadas no monitoramento reflexivo das condições e meios do seu curso. As sequências de atividades sociais são, em maior ou menor medida, reflexivas e recursivas. O fluxo da conduta é desencadeado por propósitos nem sempre nítidos para os agentes, podendo referir-se a práticas que observam normas e regras, ou instintos/emoções, sem elaboração consciente ou refletida pelo agente. Há, pois, diferentes formas e graus de consciência e de elaboração discursiva no curso de ação. Ademais, essas indicações são esclarecedoras sobre os complexos “efeitos de composição” decorrentes da combinação entre cursos de ação social, constituindo ordens qualitativamente distintas dos motivos e/ou razões originais. Isso ocorre porque os estoques de conhecimentos acionados são sempre parciais e interpretativos, tornando a empreitada uma “aventura” fora de controle.

Portanto, as releituras e indicações supra mencionadas oferecem fundamentos que subsidiam progressos conceituais mais recentes, destacando que tanto a ação social econômica tem como requisitos as instituições (convenções significativas e direitos considerados legítimos) e estruturas (regras que distribuem recursos sociais, sendo por essas condicionados), quanto a ação gera relações e organizações econômicas e sociais que se combinam, complexa e instavelmente, em ordens legítimas, numa nova escala social. A compreensão dos motivos e das razões do curso de ação torna-se compatível com a explicação de sua combinação e transformação em ordens de novo tipo, requerendo causalidade interpretativa. Isso difere não apenas das análises funcionais, mas também do individualismo metodológico, exigindo distintas metodologias para captar, além de padrões, a particularidade da experiência.

Avanços conceituais

Como antes mencionado, internacionalmente, diferentes enfoques sociológicos têm se interessado pelo conceito de “ação social” para o estudo de processos econômicos, guardando certa proximidade com os termos expostos em seção anterior sobre os fundamentos alcançados pelo debate em teoria social. Os autores escolhidos são apenas uma amostra dessa tendência nos estudos, justificando-se por enfrentar dimensões e níveis de análise complementares entre si, tais como os conhecimentos embutidos nas interações de troca mercantil (Aspers), as ideias constituídas na organização empresarial (Stark) e as habilidades formadoras de coalizações de agentes econômicos (Fligstein). Em qualquer caso, a experiência social é posicionada na origem dessas dimensões de análise, consentindo falar-se de certo tipo de releitura da ação social.

Se o nosso tempo se depara com a crise das imagens de futuros econômicos (Beckert, 2020), então, impõe-se ao analista focalizar a ação social econômica capaz de produzir convenções, normas e representações – ou seja, instituições – e de intervir nas regras de distribuição de recursos relevantes – ou seja, agência (Burroni & Scalise, 2017; Regini, 2014). Isso justifica o movimento teórico que se verifica, não é de hoje, na literatura internacional. Os avanços conquistados expressam, sob certo aspecto, esforços para tentar suprir lacunas que se vinham identificando entre as análises de redes sociais e as análises institucionalistas.

O movimento teórico

Os enfoques da ação econômica enraizada em estruturas de redes sociais têm se empenhado, mais recentemente, na compreensão de iniciativas de construção de vínculos sociais pelos agentes econômicos (análise relacional), avançando em relação à agenda de explicação dos comportamentos econômicos pela morfologia de uma rede social (análise estrutural).3 As análises de redes sociais revelaram, convincentemente, não somente a distribuição diferencial de informações, de conhecimentos, de ideias e de outros recursos entre agentes econômicos ao longo dos mercados, mas também o empenho das empresas e outros agentes na identificação e proteção de nichos econômicos e na sustentação de relações de confiança (Granovetter, 2009). Assim, a morfologia de uma rede e a posição de um agente nessa estrutura mostraram-se capazes de explicar aspectos dos comportamentos econômicos, da performance alcançada pelos agentes, e da organização das firmas (Smith-Doerr & Powell, 2005).4

O enfoque passou a chamar a atenção para as intervenções intencionais na criação e manutenção dos laços bem como no monitoramento dos fluxos de recursos, modificando as propriedades e os retornos econômicos das redes de interações sociais. As “alianças estratégicas” são uma das expressões dessas intervenções no âmbito das relações entre firmas, originando-se, no mais das vezes, de vínculos informais entre profissionais e gestores das organizações (Smith-Doerr & Powell, 2005). Para Burt (2004), os agentes são capazes de identificar lacunas nos laços existentes em uma rede, utilizando esses “buracos estruturais” no transporte de nova informação de um contexto a outro, na intermediação entre grupos e na prática de “corretagem”. Isso não apenas expressa a identificação e uso de uma posição que lhe confere “poder”, mas também pode modificar os vínculos e a morfologia da rede, na medida em que o agente se torna capaz de construir ativamente novos laços, tendo em vista explorar vantagens das lacunas existentes. Vedres e Stark (2010), por sua vez, referem-se à relevância da produção de “intercoesão” entre grupos distintos. Os agentes imersos em uma rede podem atuar como vínculos entre cliques mais ou menos coesos, promovendo a troca de informações e conhecimentos que provoca um atrito criador de novas ideias. Essas “dobras estruturais” são também assumidas como expressão de mudança na morfologia da rede.

Os enfoques institucionalistas também têm se voltado para a compreensão de processos de mudança institucional, progredindo em relação aos problemas de adaptação, conformidade e persistência institucional. Sem entrar em detalhes sobre a ampla gama de abordagens institucionalistas, pode-se sublinhar, como ilustração, que o enfoque sociológico do institucionalismo ofereceu, particularmente, contribuições significativas sobre situações em que os atores organizacionais seguem lógicas de adequação às estruturas institucionais existentes, detendo-se ao peso de quadros cognitivos que conformam o compartilhamento de rotinas, símbolos e mitos. Essa agenda mostrou a força de reprodução das instituições sociais que constrangem as opções dos atores, destacando a homogeneidade e a persistência das formas organizacionais (Whitley, 2002). O conceito de campo organizacional foi elaborado para expressar os conjuntos de atores organizacionais relativamente diversos entre si que, no entanto, perfazem redes de relacionamentos na medida em que se acham submetidos a quadros institucionais, cognitivos e simbólicos comuns. O campo tornou-se a unidade de análise do processo econômico. O isomorfismo (coercitivo, mimético e normativo) tornou-se outro conceito proeminente nessa teorização, registrando os mecanismos de difusão de lógicas de ação entre organizações que demarcam as suas respostas adaptativas ao campo e seu entorno (DiMaggio & Powell, 2005). Com vistas a avançar na explicação de processos de mudança institucional, o enfoque passou a absorver novas formulações. Além do isomorfismo, as investigações identificam a existência de situações de contradição entre instituições, levando aos movimentos de mudança. O conceito de empreendedor de ideias também ganha lugar para expressar os atores capazes de transportar novas ideias, por meio de suas redes de interações, resolvendo problemas ou crises que são percebidas como janelas de oportunidades por tais atores (Smith-Doerr & Powell, 2005).

Outro tipo de progresso para tentar captar processos de mudança institucional refere-se aos esforços de integração entre instituições e redes sociais, destacando não somente os efeitos de quadros cognitivos e convenções sociais institucionalizadas sobre as características das redes sociais, mas também as práticas institucionais que emergem de redes, considerando que essas são capazes de difundir ideias e símbolos entre atores profissionais e organizacionais. Os enfoques de redes sociais atentam não somente para os efeitos das redes nas atividades econômicas, mas também para os processos de mudança e formação das redes, dedicando certo cuidado às capacidades constitutivas da realidade num curso de ação. As capacidades de colaboração entre agentes econômicos têm sido relacionadas com iniciativas políticas intencionais e com compartilhamento de ideias que aproximam interesses, apontando-se as instituições formais e informais como infraestrutura relevante para a moldura e modificação das estruturas de rede (Owen-Smith & Powell, 2008). A formação e mudança nas redes são também explicadas pela aglomeração espacial, criando de forma mais ou menos espontânea vínculos entre atores em torno de atividades produtivas e econômicas. As capacidades de agência e as contingências têm sido, igualmente, identificadas como constitutivas de redes de interação e como fatores de mudança na sua morfologia (Smith-Doerr & Powell, 2005).

Assim, considera-se que, em meio a tais críticas e autocríticas, surgem mais recentemente sérios esforços teóricos que exploram mais detidamente as contribuições da chave sociológica da ação social para progredir no conhecimento de novos aspectos e matizes do processo econômico, expressando intersecções com as releituras e indicações sobre os fundamentos do conceito, como antes apresentado.

Patrik Aspers: ações avaliativas

A contribuição de Patrik Aspers tem chamado a atenção para as variedades de conhecimentos acionados pelos agentes no curso de suas atividades econômicas, especialmente na avaliação de interações e produtos em diferentes situações de mercado (Aspers, 2009b). Os agentes utilizam-se de distintos tipos de conhecimentos para as trocas nos mercados, cabendo ao analista compreender concretamente questões como, os diferentes conhecimentos acionados, as situações e aspectos dos mercados imbricados nos conhecimentos, e estruturação social dos conhecimentos nos mercados. O caso é que a contribuição alerta para uma construção ativa e significativa pelos agentes das suas aproximações para a realização do interesse em transações econômicas, diferindo da ênfase usual sobre obediência a normas e valores generalizados ou sobre heranças de esquemas cognitivos prévios (Aspers, 2009a, 2006).

Os conhecimentos tácitos e codificados são acionados não apenas na elaboração de bens e serviços, mas também na interpretação pelos agentes das situações de transação de produtos. As informações são igualmente pertinentes, sendo acionadas quer na geração de bens e serviços, quer na orientação e movimentação dos agentes nas trocas de mercado. O conhecimento codificado tem suas aplicações mais visíveis na elaboração de bens e serviços assim como no aperfeiçoamento de processos produtivos, traduzindo-se em tecnologias e métodos para inovação, diferenciação de produtos e melhoria de processos de gestão. Esse conhecimento também é útil para a leitura e organização de informações complexas sobre situações de incerteza e variabilidade dos mercados. Se as trocas de mercado são também intersubjetivas, então as transações requerem informação e conhecimento tácito para a adequada avaliação pelas partes das estruturas de significados envolvidas nos termos de troca. O conhecimento tácito é acionado na interpretação das regras e significados compartilhados pelos agentes. Os estoques de conhecimentos completam-se com informações empregadas pelas partes sobre os demais atores e sobre os produtos em transação (Aspers, 2009b).

Tais considerações, algo originais, acham suporte teórico e metodológico nas indicações antes apresentadas – Schutz, por exemplo – sobre a ubiquidade dos conhecimentos na construção dos mundos sociais dos agentes, inclusive nos mercados. A complexidade da experiência social origina variedades de estoques de conhecimentos que contribuem na constituição social de interesses e na avaliação das qualidades implicadas nas situações de troca mercantil. Esses estoques tendem ainda a ser empregados como meios para o alcance do que os agentes consideram como seus interesses.

O uso desses conhecimentos reflete-se, segundo o autor, nas fases do processo de construção e nos diferentes tipos e funcionamento dos mercados. Em “mercados espontâneos”, a constituição inicia-se pela orientação dos agentes para a percepção das possibilidades de trocas, passando para a contração e redução do mapa de tipos dos envolvidos, até alcançar uma fase de coesão das regras e termos das transações. Em “mercados organizados”, os atores interagem negociando politicamente seus interesses na construção de regras e termos de troca que afirmam “concepções de controle”.5 Conhecimentos e informações são sempre decisivos para a percepção das chances de troca, para a seleção de produtores e consumidores considerados pertinentes, e para a negociação e interpretação dos termos de troca (Aspers, 2009a). Os “mercados de tipo standard” (commodities) tendem a requerer conhecimentos sobre padrões de produtos, com vistas ao estabelecimento do valor destes. Nesses casos, o processo de valoração privilegia as características dos bens e serviços. Os “mercados de tipo status” (produtos singulares) tendem a requerer conhecimentos e informações não apenas sobre os produtos, mas também sobre as identidades de produtores, consumidores e intermediários, com vistas à interpretação da variação de produtos e da demanda em meio à ausência de escalas de valores predefinidas. Nesses casos, o processo de valoração privilegia as identidades dos atores, conferindo relevância ao conhecimento detido pelas partes sobre as dinâmicas das interações sociais e mesmo para a coordenação das relações sociais de troca. Os atores são constitutivos das qualidades dos objetos em transação (Aspers, 2009b, 2006).

Outra conquista dessa contribuição, além do foco no complexo de conhecimentos para monitorar e agir nos mercados, é a problematização das fases de estruturação dos mercados que se alcança pelas intersecções com releituras de Max Weber (Swedberg, 2005; Schluchter, 2011). A contribuição atribui relevo ao momento de orientação da ação para a avaliação dos demais agentes, identificando um leque de possibilidades de transação. Isso tende a progredir para a coordenação de relações e para um mercado ordenado, desde que significados sejam objetivados em instituições sobre os termos de troca.

Portanto, as trocas nos diferentes mercados acham-se plenamente enraizadas em processos de estruturação social no acesso e uso dessa diversidade de conhecimentos que marcam não apenas a constituição, mas também a estabilidade da institucionalidade. De um lado, o acesso a informações e conhecimentos relaciona-se com estruturas de redes de relações sociais dos produtores e dos consumidores (“burburinho”; “fofoca”). De outro lado, os encontros em cada mercado têm suas regras com caminhos de valoração de bens e serviços, consistindo em dinâmicas de negociação e entendimento mútuo entre identidades e significados constituídos na experiência social dos agentes (quem são os agentes se torna uma proxy de “performance” ou de “qualidade” dos produtos).

David Stark: ação reflexiva

David Stark (2009) tem contribuído, ao chamar a atenção para a ação reflexiva que se acha nas formas organizacionais em rede. Grupos relativamente coesos exploram situações de incerteza, resolvendo problemas de mercado com base em combinações entre cálculo e confiança. A “heterarquia” é a forma de organização da dissonância capaz de gerar novas ideias para resolver problemas, em caminho distinto daquele das organizações baseadas em hierarquias. Nesse sentido, a performance alcançada no curso de ação tem mais relação com a reflexividade organizacional do que com propriedades ou capacidades dos indivíduos.

As organizações desse tipo integram estruturas de redes complexas permitindo interdependência e colaboração entre diferentes grupos coesos com suas ideias e convenções mais ou menos compartilhadas (“princípios de avaliação”). As redes tornam-se a unidade de ação econômica em ambientes marcados por maior volatilidade e incerteza, tendendo a responder mais rápida e eficientemente às perturbações, crises e disrupções. Isso se torna uma vantagem tanto em relação ao desenho de hierarquias, com relação de dependência entre firmas e grupos, quanto ao desenho de busca por soluções “livres” nos mercados, com competição independente entre firmas ou unidades. Diferentes princípios de avaliação convivem sem hierarquia prévia. Trata-se da consideração de diferentes possibilidades de respostas às incertezas, especialmente em situações de ausência de parâmetros prévios para os problemas da organização (Stark, 2009). De Vaan, Stark e Vedres (2014) consideram que organizações são conjuntos de princípios de avaliação dos grupos, abrindo-se oportunidades de geração de novas ideias e de recombinação de recursos em face de incertezas num jogo de certa tensão entre unidades.

Esse tipo de formulação vale-se de indicações sobre a ação significativa antes apresentada, na medida em que ressalta a negociação entre grupos sobre significados das ideias assim como a construção de tipos compartilhados que sustentam a legitimidade de relações e organizações, num raciocínio próximo ao que antes se mencionou sobre Berger e Luckmann, por exemplo. Há orientação dos agentes para os outros grupos, monitorando-se reflexivamente ideias, calculando-se a eficácia de sua recombinação e negociando-se a sua legitimidade.

Há coordenação de uma inteligência distribuída mediante a transparência de decisões e resultados. A liderança tende, antes, a reportar-se lateralmente às demais unidades, em lugar de privilegiar a prestação de contas aos superiores na hierarquia. Essa horizontalidade de comunicação produz uma fonte de autoridade gerada pela transparência, ao mesmo tempo em que exige responsividade entre grupos. Quanto mais lateral essa distribuição de autoridade, tanto mais diversos os princípios de avaliação de situações. A organização favorece certo grau de fricção entre os diferentes princípios de avaliação dos grupos que competem entre si na geração de ideias e na performance para a identificação e solução de problemas. Contudo, a competição e fricção excessiva entre grupos ou unidades tende a ser prejudicial ou mesmo destrutiva ao conjunto da organização, podendo ocasionar personalização e antagonismo nas relações. A organização da dissonância difere tanto da harmonia quanto da “cacofonia” (Stark, 2009).

Vale apontar intersecções dessa contribuição com os destaques weberianos sobre a produção de convenções sociais e normas legais que se tornam capazes de estabilizar mercados em situações de incerteza e mesmo ordens econômicas em crise. O ponto refere-se à construção da coordenação de ações recíprocas que se tornam relações, desde o convívio entre princípios diversos. Nessa intersecção das ações, a cultura – traduzida nas práticas laterais, responsivas e não hierárquicas que sustentam a organização – não deixa de ser acionada como um recurso estratégico para a solução de “problemas”: incerteza e crise.

Portanto, a ação reflexiva nas organizações ocorre em meio a interdependência entre grupos coesos. Isso suscita uma performance competitiva entre ideias e princípios de avaliação de problemas e situações de incerteza. Para Stark (2020, cap. 1), a competição é uma expressão performática que transcende aos mercados, movendo cursos de ação em diferentes dimensões da vida social. Essa contribuição avança na exploração da diversidade interna das organizações que acabam envolvendo certa competição entre princípios e valores na solução de problemas.

Neil Fligstein: ação habilidosa

As formulações sobre a ação habilidosa, como propostas por Fligstein e McAdam (2012), inscrevem-se no que os autores chamam de campos de ação estratégica. Os mercados são arenas de ação social em que agentes econômicos se empenham em jogos de captura de ganhos, requerendo concepções sobre identidades e interesses que aproximam agentes, assim como regras de estruturação de recursos que facilitam ou atrapalham certo curso de ação. O jogo de mercado é marcado pela habilidade de induzir a cooperação para o alcance de interesses, mediante a construção de significados compartilhados. As fronteiras desse campo assumem contornos variáveis, em razão de condições prévias (regras institucionais e recursos do ambiente), de suas interdependências com campos próximos (estatais, econômicos e societais), e das estratégias em dinâmicas de interação/cooperação/conflito entre os agentes.

Nessa arena, agentes incumbentes e desafiantes atuam segundo seus interesses em produzir novas regras do jogo ou em reproduzir as existentes, orientando-se tanto por seus quadros identitários quanto pelos recursos distribuídos pelas regras vigentes (direito de propriedade, padrões de governança, regras de troca). As estratégias de atuação dos agentes empresariais nos mercados podem assumir diferentes formas: estratégias que visam à colaboração com concorrentes como forma de ampliação de suas capacidades e raio de ação; estratégias de pressão sobre o Estado para que este estabeleça regras em seu favor; e estratégias que visam à diferenciação de produtos e geração/ adoção de inovações (Fligstein, 1996, 2006).

O processo de formação de um mercado guarda diferentes fases: a emergência tem agentes empresariais buscando convencer os demais sobre a adoção de sua concepção das regras, movendo-se pela aproximação de interesses na afirmação de suas concepções de organização do novo mercado; a estabilização ocorre com a legitimação pelo Estado das instituições que informam o mercado, conformando uma hierarquia entre as empresas e suas concepções de controle do mercado; e a crise torna o mercado suscetível a transformações, uma vez que movimentos e coalizões políticas reivindicam a mudança nas regras e concepções de controle existentes no mercado (Fligstein, 1996). Nessa formulação, há diferentes razões para a desestabilização e para mudanças nos mercados, destacando-se as instabilidades da competição permanente e redução de preços pelas empresas, o problema da manutenção da empresa como uma coalização política, as mudanças na demanda consumidora, a invasão de concorrentes situados em outros setores, e as ações do Estado. Vale notar que os mercados, em seus diferentes momentos, expressam lutas políticas, seja porque o Estado legitima suas condições e regras institucionais, seja porque se desenvolvem mediante projetos de poder entre empresas e dentro das empresas, no caso, entre concepções de controle dos diferentes dirigentes (Fligstein, 1996, 2006).

Em processos de transformação dos mercados, empreendedores institucionais exploram dinâmicas ideacionais e discursivas que criam recursos e aproximam interesses, reconstruindo identidades dos atores. Aqueles têm a habilidade de integrar ideias e métodos que inovam na arquitetura institucional e, com isso, organizam um campo de ação estratégica. Isso tende a produzir unidades de governança interna, concorrendo para uma nova fase de estabilização do campo. Esse processo ocorre em meio às condições previamente encontradas (instituições e recursos captados em campos correlatos), resultando modelos-concepções-visões de mundo que orientam a ação estratégica nas empresas. A ação tática no processo de indução da cooperação e, com isso, de construção institucional do mercado – ou seja, das regras legítimas que não apenas constrangem, mas também capacitam os atores – recorre à produção de quadros identitários comuns entre diferentes atores, à proposição de uma agenda para esses quadros, à intermediação e controle de recursos relevantes e, mesmo, à pressão sobre os atores com vistas a obter sua colaboração (Fligstein & McAdam, 2012).

Há, pois, intersecções entre essa contribuição e releituras sobre Weber, conferindo meios para a compreensão de relações de dominação e lutas nos mercados, além da orientação dos agentes econômicos para outros agentes e da cooperação para o alcance de propósitos, entre outras aproximações. Trata-se de formulação que enfoca a emergência e transformação de mercados, além de compreender racionalmente disputas de sentido da ação econômica, proximamente a Weber. Ademais, a ação hábil acha amparo em indicações, como as de Giddens, antes mencionadas, sobre a agência que, neste caso, pode modificar relações e organizações nas arenas de mercado. Cabe ainda sublinhar que essas habilidades e capacidades dos agentes têm origem, nessas formulações, na complexidade e variedade da biografia, da experiência e dos conhecimentos acumulados pelos agentes.

Portanto, o curso das atividades econômicas nessa contribuição é sempre sustentado em diferentes formas de enraizamento sociopolítico-institucional, envolvendo não apenas a diversidade das relações sociais de cooperação e de conflito, mas também distintas combinações de interesses (materiais e ideais) implicados na produção e reprodução dos mercados.

Considerações finais

A “ação social” tem sido acionada entre diferentes perspectivas sociológicas no debate internacional, desde releituras que visam a perscrutar a construção ativa de relações, organizações e instituições econômicas concretas pelos agentes sociais.

Um conjunto consistente de perspectivas recentes sobre a ação social econômica – que remete ao seu caráter interpretativo e orientado para o outro, ao seu impulso por diferentes interesses e ao monitoramento reflexivo do seu curso (Swedberg, 2005) – avança em desdobramento das buscas por complementaridades entre enfoques como o das redes sociais e o da análise institucional. O movimento teórico internacional tem gerado meios conceituais que tentam captar tanto a reprodução de práticas econômicas quanto as atividades emergentes, tanto os conflitos de interesses quanto a cooperação para a ação conjunta, em meio aos antigos e novos obstáculos para a coordenação da ação econômica em nosso contexto espaço-temporal.

A perspectiva sobre cursos de ação baseados nas avaliações das trocas de mercado chama a atenção para a cognoscibilidade dos agentes que acionam intencionalmente estoques de conhecimentos na afirmação de caminhos de valoração de bens e serviços. Patrik Aspers tem, no cerne de suas preocupações, os conhecimentos mobilizados ativamente por agentes conscientes e interessados na construção de transações mercantis; parte de um debate crítico com a literatura sobre construção social dos mercados, progredindo para maior precisão sobre os meios de avaliação e valoração nas trocas de mercado. Distingue um novo tipo “mercados de status”; e especifica uma nova fase de “mercados espontâneos”.

A perspectiva da ação reflexiva em organizações destaca as tensões criativas e as recombinações de recursos inscritas nas performances competitivas geradas no compartilhamento entre princípios e ideias diversos. A agência organizacional tece ativamente novos laços, podendo inclusive rearranjar a morfologia das redes de interação. David Stark posiciona no centro da investigação a reflexividade organizacional para mover-se nas incertezas e instabilidades de mercado, recuperando criticamente a agência transformativa que leva à criação de produtos e inovações. Alcança o conceito de “organizações heterárquicas”.

A perspectiva da ação habilidosa notabiliza, em sua rede conceitual, os movimentos de coletivos de atores econômicos no processo de construção social dos mercados. A habilidade de induzir a cooperação permite o agir coletivo que produz significados compartilhados, gerando normas que se institucionalizam. Neil Fligstein confere relevo à ação coletiva que produz normas para a transformação e para a reprodução de mercados. Ao reposicionar criticamente o empreendedor de ideias, avança para o foco na mudança institucional, conquistando-se, por exemplo, o conceito de “empreendedor institucional”.

A atenção comum entre as formulações sobre o problema da agência social nos mercados expressa-se em diferentes níveis: das trocas, das organizações e dos movimentos de atores econômicos. As contribuições conceituais valem-se de fundamentos reconhecidos em releituras da obra sociológica de Max Weber, que contém indicações relevantes para apreender experiências de cooperação entre atores, de construção de normas, e de coordenação da ação em diferentes escalas de organização social. Ao partir da experiência social e dos interesses concretos dos agentes, o ângulo de leitura adotado preocupa-se mais com os conhecimentos, com a reflexividade e com os choques e negociações nas interfaces do que com a coesão alcançada pela obediência moral que sustentaria sistemas sociais. Essa agenda tem levado a reencontros com a teoria sociológica, com vistas a viabilizar novos diálogos e sínteses entre programas de pesquisa e, com isso, melhor integrar escalas macro e micro sociais pertinentes ao conhecimento de transições e da diversidade institucional do processo econômico.

Os diálogos e complementaridades entre tais formulações permitem progredir na direção de questões caras aos rumos do desenvolvimento econômico e à distribuição social desse tipo de riquezas. Essa atenção tende a se ampliar no momento em que se experimenta uma sobreposição de crises – econômica, política, ambiental e sanitária – que acelera a contestação e, mesmo, a degradação de antigas instituições econômicas. Isso abre novos espaços e sentidos para a ação econômica bem como enseja a constituição e a reformulação de convenções sociais e normas legais. Não é demais lembrar que esse quadro de instabilidades se agrava no contexto brasileiro, cuja institucionalidade moderna sequer se afirmou. Isso suscita, por exemplo, uma vasta gama de temas caros ao país sobre o curso de ação de agentes estatais – tomados em sua variedade e permeabilidade com diferentes esferas – na regulação e no estímulo aos mercados em suas diferentes fases e tipos, às organizações mais horizontais e inovativas, e à constituição de quadros e arranjos institucionais na economia.

O diálogo entre perspectivas e a integração de conquistas da teoria sociológica são, pois, cruciais para a análise crítica das emergências e possibilidades de um mundo em transformação.

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Notas

1 Agradeço aos meus alunos no curso “Sociologia da Ação Econômica” que tenho oferecido no Programa de Pós-Graduação em Sociologia/UFRGS, bem como aos integrantes do GT Teoria Sociológica e Crítica Contemporânea, 44º Encontro Anual da ANPOCS. As considerações encontradas em ambos os ambientes foram valiosas para a modelagem deste artigo.
2 Apenas para efeito de ilustração, pode-se mencionar dois exemplos recentes em diferentes âmbitos: o debate público mundial sobre “empreendedorismo feminino”, que foi desencadeado por movimentos sociais; e a sugestão do Fundo Monetário Internacional (FMI) de tributar internacionalmente as “grandes fortunas”, numa mudança de posição da agência.
3 As análises relacionais e estruturais de redes sociais assumem as interações e relações dos agentes como constitutivas de mercados competitivos. Os interesses que movem a ação são constituídos e monitorados interpretativamente em seu curso, recuperando princípios caros a certa tradição weberiana (Godechot, 2015; Maillochon, 2015). Os enfoques tornaram-se, em qualquer caso, alternativa consolidada tanto aos modelos formalistas e abstratos do mercado, quanto à ideia corrente de que a ação econômica decorre da obediência a normas que se sustentam em valores amplamente compartilhados pelos atores sociais (Granovetter, 2009).
4 O progresso das pesquisas constatou, por exemplo, que a similaridade de comportamentos entre agentes econômicos numa rede pode decorrer menos da obediência a normas e valores, e mais da influência mútua entre agentes com laços diretos, ou mesmo do monitoramento recíproco entre agentes em posições equivalentes, levando-os à imitação de condutas avaliadas positivamente na competição entre si pelos “favores” dos demais contatos (Mizruchi, 2009).
5 Os mercados organizados têm atores mais ou menos definidos, recebendo os efeitos do poder de Estado. Veja-se o estudo sobre habitações populares empreendido por Bourdieu (2003). Os mercados espontâneos expressam uma miríade de produtores em busca de consumidores inicialmente difusos. Veja-se o estudo sobre fotografias no mundo da moda empreendido por Aspers (2006).
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