ARTIGOS

Entre dois ciclos políticos: o percurso do MTST e os caminhos das lutas urbanas

Between two political cycles: the course of MTST and the paths of urban struggles

Cristhiane Falchetti
Universidade de São Paulo, Brasil

Entre dois ciclos políticos: o percurso do MTST e os caminhos das lutas urbanas

Revista Brasileira de Sociologia, vol. 10, núm. 25, pp. 168-192, 2022

Sociedade Brasileira de Sociologia

Recepção: 22 Agosto 2022

Aprovação: 19 Setembro 2022

RESUMO: O artigo analisa a dinâmica da ação coletiva pós anos 1990 no Brasil, destacando a reconfiguração das lutas urbanas à luz da dinâmica societária em que se inserem. De uma perspectiva relacional e processual, a pesquisa segue a trajetória do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), situando-o como movimento intermediário entre o ciclo de democratização e o ciclo que se abre após junho de 2013. Com base nas práticas e discursos dos atores políticos, são identificadas mudanças e continuidades entre um ciclo e outro, bem como a ampliação das fronteiras que definem os movimentos sociais e o deslocamento dos limites de sua atuação.

Palavras-chave: lutas urbanas, ciclos políticos, MTST, ação coletiva, reconfiguração.

ABSTRACT: The article analyzes the dynamics of collective action after 1990 in Brazil, highlighting the reconfiguration of urban struggles as the societal dynamics in which they are included. From a relational and procedural perspective, the research follows the trajectory of the Homeless Workers' Movement (MTST), situating it as an intermediate movement between the cycle of democratization and the cycle after June 2013. Based on the practices and discourses of political actors, changes and continuities between one cycle and another are identified, as well as the expansion of the boundaries that define social movements and the displacement of the limits of their performance.

Keyword: urban struggles, political cycles, MTST, collective action, reconfiguration.

Introdução1

Se a década de 1990 foi marcada pela dita globalização neoliberal e pela desarticulação da organização do trabalho, o início do novo milênio registrou protestos massivos nas principais cidades do mundo, que denunciam as tensões entre a democracia liberal e o neoliberalismo (Della Porta, 2015).2  No Brasil, as chamadas jornadas de junho de 2013 se conectaram a essa onda global de protestos, impactando toda a política e reposicionando a ação coletiva (Bringel & Pleyers, 2015). Desde então, abriu-se um novo ciclo político marcado por uma crise de legitimidade, inicialmente expressa pelo desgaste das formas institucionais e representativas, seguida pela ascensão ao poder da extrema direita no governo federal e em muitos cargos legislativos e por suas sucessivas contestações às instituições democráticas e ao sistema eleitoral.

Essa nova configuração política colocou em questão não apenas as práticas e os atores políticos forjados no processo de democratização, como também os próprios parâmetros pelos quais eles podiam ser compreendidos. No intervalo entre o ciclo político de redemocratização e novo ciclo pós-junho de 2013, a literatura passou do centramento nos “sujeitos políticos” organizados (Sader, 1988) ao “descentramento da forma-movimento” (Bringel & Domingues 2018), passando pelas dicotomias entre participação institucionalizada e ação direta, organização formalizada e autonomismo.

Considerando essa virada interpretativa, este artigo examina as redefinições no âmbito da ação coletiva3, especialmente nas lutas urbanas, no período intermediário entre esses dois ciclos, com o objetivo de compreender permanências e deslocamentos que definem o próprio sentido de ser do movimento social. Partindo de uma perspectiva relacional e processual, analiso a trajetória do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), descrevendo a dinâmica das lutas sociais que atravessaram o processo de neoliberalização no Brasil. Ao situar o MTST como um movimento intermediário entre o ciclo político de democratização e o atual, busco compreender o que ele informa sobre os conflitos sociais e as formas de mediação que articulam os mundos social e político.

Atualmente, o MTST figura como o maior movimento urbano no Brasil, está presente em 11 estados e mobiliza cerca de 30 mil famílias, a maioria na Região Metropolitana de São Paulo. Herdeiro do ciclo político de democratização, mas nascido no contexto de neoliberalização, é um movimento que atravessou a virada do século, tornando-se um dos principais atores da cena política após junho de 2013 e consolidando lideranças políticas com destaque nacional, como Guilherme Boulos. Desse modo, o percurso do MTST possibilita estabelecer os nexos, no tempo e no espaço, entre o campo da ação coletiva e a dinâmica social de um ciclo ao outro.

A pesquisa foi baseada em levantamento bibliográfico sobre as lutas urbanas e trabalho de campo realizado em São Paulo - SP, capital, por meio de observação participante, entrevistas e análise documental, durante o meu doutorado, entre 2015-2019. A análise dos dados se orienta pelos seguintes eixos: as articulações e escalas de atuação; os repertórios de luta e interação socioestatal; o contexto sociopolítico e o posicionamento assumido pelos diferentes atores.

Metodologicamente, a pesquisa tenta lidar com desafios trazidos aos estudos dos movimentos sociais, e que demandam novas incursões de campo e oxigenação teórica. Assim, a abordagem de trajetória numa perspectiva relacional visa a uma compreensão processual e ampliada da ação coletiva com base na observação empírica. Da mesma forma, o recorte em torno da relação entre ação coletiva e dinâmica urbana procura conectar os processos micro e macrossociais, apoiando-se na leitura dos estudos urbanos de que a cidade é um contexto dinâmico com o qual os agentes interagem (Frúgoli Junior, 2009).

Nessa abordagem, a noção de ciclo político é empregada como um recurso analítico para sinalizar momentos de deslocamentos societários em que a ação coletiva é interpelada e responde a determinadas questões de formas variadas. Assim, o ciclo político corresponde a um recorte temporal que delimita a historicidade das lutas e conflitos sociais, compreendendo sua trajetória (atores, projetos políticos e seus desdobramentos) em relação às condições históricas (modo de produção, forma do Estado, conflito social).

Seguindo a dinâmica das lutas urbanas que se desenrolaram no período analisado, o texto apresenta três seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira corresponde à origem e constituição do MTST, apresentando a configuração e inflexão do campo político organizado durante o ciclo de democratização. A segunda corresponde à construção e expansão do MTST, discutindo a intensificação dos conflitos urbanos e os reposicionamentos nas interações socioestatais. A terceira corresponde à visibilidade e protagonismo do MTST, abordando os antecedentes e desdobramentos das jornadas de junho em um novo ciclo político.

Da democratização à neoliberalização: origem e emergência dos movimentos de sem-teto

Como já amplamente explorado pela literatura, no Brasil o período de democratização foi marcado pela aposta nos chamados “novos sujeitos políticos”: movimentos sociais, o novo sindicalismo e setores organizados da sociedade civil (Paoli, 1991). A aparição e inserção desses atores na esfera pública impulsionou o debate político das décadas de 1970 a 1990, conduzindo a uma renovação das matrizes de leitura sobre a ação coletiva.

O MTST surgiu nos anos 1990, em um momento em que parte da literatura falava de “refluxo” desses movimentos sociais, porém se origina desse mesmo campo político forjado no processo de redemocratização. O MTST foi criado a partir do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que visava a construção de uma frente de ação nas cidades, diante da necessidade de fortalecimento da luta fundiária, que vinha sendo hostilizada no campo, e da mudança no perfil da sua base social, cada vez mais urbana (MTST, 2005).

Na mesma época, surgiram diversos movimentos de sem teto no centro da cidade de São Paulo, em sua maioria, derivados da União de Lutas de Cortiços (ULC), criada pela União dos Movimentos de Moradia (UMM), em 1991. Naquele ano, a UMM havia realizado um seminário com movimentos de 18 estados e promovido uma marcha a Brasília reivindicando uma política de habitação popular e um conselho participativo, mas não obteve resposta do governo. Após uma onda de ocupações no centro de São Paulo, houve uma reconfiguração dos movimentos urbanos, devido à ampliação da demanda e das discordâncias internas em relação aos métodos de ação (Miagusko, 2008). Daí resultam: o Fórum de Cortiços, o Movimento de Moradia do Centro, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central, o Movimento dos Sem-Teto do Centro, o Movimento de Moradia da Região Central (Pereira, 2012).

Tanto o MST quanto a UMM foram gestados no ciclo de democratização e pertencem ao chamado campo democrático-popular, organizado em torno do Partido dos Trabalhadores (PT). No contexto do regime militar, as lutas sociais organizadas no campo, nos bairros e nas fábricas foram decisivas para a constituição de um campo democrático e a criação do PT, em 1980. Com o processo de democratização, a aposta nas instituições democráticas e na inserção pela cidadania orientou a ação coletiva para uma maior formalização e organização da representação em nível nacional.4 A articulação do Novo Sindicalismo consolidaria a CUT, em 1983, e as Ligas Camponeses dariam origem ao MST, em 1984. Em 1987 surge a UMM, constituída a partir dos movimentos de bairros, que passou a compor o Movimento de Reforma Urbana e o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) – formado por movimentos urbanos, associações profissionais, ONGs e instituições de pesquisa que tinham como plataforma política a Reforma Urbana.5

Esse campo político organizado congregou uma rede de movimentos e setores sociais que circulavam nos espaços de militância e partilhavam um projeto político comum, enunciado na linguagem dos direitos (Paoli, 1991). O MTST surge do encontro do MST com os movimentos urbanos, durante a Marcha Nacional por Emprego, Justiça e Reforma Agrária para Brasília, em 1997, a qual fazia oposição à política econômica neoliberal do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e protestava contra a criminalização do MST, marcada pelo massacre de Eldorado dos Carajás, no ano anterior. Em um cenário de crise e redefinições da ação sindical e dos movimentos de moradia, o MST havia constituído um campo gravitacional próprio e ganhado preponderância na cena política. Contudo, a crise urbana somada ao desemprego tornava a vida urbana dramática nos anos 1990.

Com o fortalecimento da política econômica neoliberal, os ajustes fiscais ortodoxos aprofundaram os efeitos da recessão econômica em curso desde os anos 1980, afetando drasticamente a capacidade dos governos locais de executarem as atribuições recebidas pela descentralização. Houve aumento do déficit habitacional e construção de arranjos econômicos entre governos e iniciativa privada que implicaram maior mercantilização das cidades (Arantes et al. 2000).6 A situação social era de crise e enfraquecimento político das classes trabalhadoras. O assalariamento recuava, interrompendo o ciclo de mobilidade ocupacional da era industrial fordista. Sob impacto da reestruturação produtiva, os empregos industriais diminuíram e os trabalhos no setor de serviço são marcados pela informalidade e precariedade.7

Nesse contexto, surgem os movimentos de sem-teto, entre eles o MTST. A autonomeação sem-teto é expressiva das mudanças sociais e das condições de luta no contexto neoliberal, o que implicaria uma inflexão em relação aos movimentos originários do ciclo de democratização. Primeiramente, a unidade coletiva aparece na condição de vida dos sujeitos, e não na pauta reivindicativa, como era o caso dos denominados movimentos de moradia: “somos todos sem-teto, esta é a grande privação que nos une”. Em segundo, observa-se uma mudança de perspectiva na luta política, do “direito à moradia” para o apelo à “moradia digna”. A dificuldade de acesso à moradia aflige famílias cuja renda é insuficiente para sua manutenção básica, configurando o que Mouriaux (2002) denominou “lutas de urgência”, as quais são atreladas à sobrevivência e, portanto, ao plano imediato da vida; daí as ocupações de prédios no centro e o uso da forma-ocupação como alternativa de moradia.

Essas redefinições apontam mudanças no perfil da base social dos movimentos urbanos e se refletem no deslocamento na figura do trabalhador, que deixa de ser a referência central para a maioria dos movimentos. No caso do MTST, essa referência é reafirmada na sua autodefinição como movimento dos trabalhadores”, mantendo também a perspectiva de classe herdada dos movimentos do ciclo de democratização. Contudo, o movimento reconhece as mudanças nas condições de organização dos trabalhadores e coloca-se como um “movimento territorial”, adotando as ocupações nas periferias como a principal estratégia de organização política.

Dessa forma, a inflexão ocorrida nas lutas urbanas nos anos 1990 corresponde às mudanças nas condições de trabalho e moradia. Ainda que a precariedade seja uma constante na formação da classe trabalhadora no Brasil e a cidadania salarial fosse apenas uma promessa para a camada de trabalhadores mais pobre, observa-se que suas formas de inserção no espaço urbano e no mundo do trabalho se tornam mais incertas e inseguras do que aquelas experimentadas no período de industrialização e expansão urbana.8 Aquele modelo baseado na expansão periférica, na moradia irregular e autoconstruída, que havia reduzido o custo de reprodução do trabalho tornando a produção capitalista periférica mais competitiva (Oliveira, 2003; Kowarick, 1979) se esgotou. E a inclusão social pela cidadania salarial já não figura como um projeto no horizonte político-social (Cabanes et al., 2011).

Nesse cenário, é a gestão das emergências que se coloca como modo de mediação da questão social. Como analisa Miagusko (2008, p.61), juntamente com o surgimento dos movimentos de sem-teto, ocorre um “deslocamento de parcela significativa das políticas habitacionais para programas de gestão de precariedades, definindo públicos-alvo específicos e atendendo populações empobrecidas sem a perspectiva de financiamento habitacional” (p. 61). A partir daí, ocorre um contínuo deslizamento das políticas de caráter universalizante para aquelas de caráter tópico e contingencial, afastando-se do paradigma da cidadania em direção à mediação política pelo mercado. O próprio Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), em suas contradições, promoveu a expansão do mercado por meio da inclusão social no consumo.9

Entre conflitos urbanos e a política nacional: o MTST e a prática das ocupações

Mas, se os movimentos de sem-teto e a retomada das ocupações nos anos 1990 implicaram o deslocamento da ação coletiva da luta institucional no nível nacional em direção à ação direta centrada nas cidades, a década seguinte seria de construção das instituições participativas e institucionalização dos canais de interação com Estado. Daí o predomínio dos estudos sobre a sociedade civil e as novas instâncias participativas, cujas formas democráticas foram gestadas, ao mesmo tempo, no bojo da democratização e do movimento de neoliberalização no Brasil (Dagnino, 2004). Nesse período, enquanto o campo político articulado em torno do PT convergiu para uma atuação de mais colaboração com o Estado e de aproximação com o governo federal, o MTST fez das ocupações urbanas sua principal forma de atuação.

Assim, ao longo dos anos 1990 e 2000, as ocupações urbanas foram o centro dinâmico das lutas sociais, sendo o MTST um dos principais atores em movimento, inclusive na era lulista, quando a institucionalização da ação política foi marcante. Embora as ocupações urbanas sejam uma prática antiga dos movimentos de moradia, elas foram sendo remodeladas e ganharam significados diversos ao longo do tempo. Essa reformulação constante registra a trajetória do MTST, cujo percurso pode ser organizado em três fases distintas, as quais remetem às condições urbanas, à configuração dos movimentos sociais e à conjuntura política. 

A fase constitutiva do MTST foi marcada pela proximidade com o MST e pelo alinhamento com o projeto democrático-popular, adotando as mesmas formas de organização, métodos de ação e posicionamentos políticos.

As primeiras ocupações foram feitas em conjunto com o MST, adotando a mesma estratégia baseada na posse da terra ocupada: “ocupar e morar aqui”. Cada família separava sua porção do espaço e começava a construir sua moradia no local, resistindo a toda pressão e repressão para afirmar o direito à moradia. Embora essas ocupações fossem organizadas, elas se assemelhavam às chamadas “invasões espontâneas”, cujo propósito era conseguir a posse do terreno para construir a própria casa.

Entretanto, as experiências das ocupações Oziel Alves (Campinas), Anita Garibaldi (Guarulhos), Carlos Lamarca (Osasco) e Santo Dias (São Bernardo do Campo) mostraram que a complexidade dos conflitos urbanos implicava formas de ação e ocupação distintas do campo (Miagusko, 2008; Goulart, 2011). Além do problema da urbanização precária associada a esse tipo de ocupação, a violência urbana e a disputa de território pelo tráfico de drogas colocavam em risco a manutenção da ocupação e a própria vida dos militantes. A questão da criminalidade afetava duplamente o movimento que, de um lado, sofria ameaças dos traficantes e, de outro, era associado ao crime pela polícia e pelos meios de comunicação. As disputas territoriais com o tráfico, o poder público, as igrejas e demais organizações instaladas nos territórios, as sucessivas investidas da polícia e as inúmeras ações de despejo aprovadas pela Justiça tornaram aquele tipo de ocupação inapropriada para a construção política.

A fase de redefinição do MTST ocorre a partir de 2005 e caracteriza-se pela reformulação no formato das ocupações e na interação com os territórios. O movimento inicia a construção de feições próprias e independência política, distanciando-se tanto dos demais atores do campo político organizado ligados ao projeto democrático popular, como da atuação institucional.

Além do afastamento do MST das ocupações urbanas, os dois movimentos também assumiram posições diferentes sobre os governos Lula, especialmente após o massacre da ocupação de São Bernardo do Campo, em 2003. Enquanto o MST seguiu como base de apoio do governo, o MTST atuou como oposição de esquerda. Os governos do PT se caracterizaram pela consolidação do processo de institucionalização da participação, com a ampliação dos mecanismos de gestão participativa, o que implicou uma reorientação da ação coletiva organizada, ligada ao projeto democrático-popular. Na conjuntura específica de São Paulo, o governo Marta Suplicy (PT, 2001-2004) já caminhava nessa direção com a criação de conselhos e programas sociais habitacionais em pareceria com ONGs e a incorporação de lideranças dos movimentos ao governo, modificando a lógica de mediação dos conflitos e delimitando um campo de atuação mais articulado com a estratégia eleitoral (Teixeira & Tatagiba, 2005). Frente a certo isolamento no campo político da esquerda e à tentativa de independência política, o MTST, afastando-se das formas de participação institucionalizadas, aposta na organização pela base e na ação direta.

Com as ocupações Chico Mendes (Taboão da Serra) e João Cândido (Itapecerica da Serra), o movimento inaugurou um novo formato de ocupação e se reorganizou construindo uma narrativa e definições próprias no campo da esquerda (Miagusko, 2008; Goulart, 2011). As ocupações passam a ser orientadas para a organização coletiva e para a pressão política sobre os governos por políticas habitacionais, aliando vivência coletiva nas ocupações com mobilizações no espaço público. Para evitar a favelização ou os traumas dos despejos sucessivos, as ocupações se tornam provisórias e orientadas para a organização do coletivo: não há divisão do terreno nem construções definitivas; as instalações são coletivas e improvisadas; privilegiam-se os espaços comuns (cozinhas, salão, palco, praça); a organização e manutenção da ocupação é compartilhada.

Para assegurar a permanência mínima do coletivo e construir vínculos sociais e práticas solidárias entre seus integrantes, as ocupações são realizadas em territórios periféricos onde vivem os trabalhadores pobres e em localizações menos “visadas”. Os vínculos e proximidade entre os integrantes da ocupação possibilitaram que se formassem núcleos de bairro, o que mantinha o coletivo organizado mesmo após a desocupação do terreno.  Foram sendo criadas articulações com diversos setores sociais e conexões com os territórios, diversificando as atividades formativas e culturais. A chegada de novos militantes e a participação de ativistas deram forma às chamadas brigadas, pelas quais se estabelecem conexões com universitários, artistas, jornalistas. A aproximação de grupos culturais na periferia, por meio da Periferia Ativa10 e da participação da Cooperifa11, ampliou a imersão do MTST nos territórios, em especial da Zona Sul de São Paulo, atuando na interface entre cultura e política.

Nessa fase, o MTST firma princípios organizativos para suas ocupações, tais como: formação de militantes, organização e mobilização coletiva, territorialização, referência nas comunidades, conforme proposta apresentada na cartilha de 2009 (MTST, 2015).

A fase de expansão e consolidação do MTST ocorre na década de 2010 e se caracteriza pela intensificação das ações e pela nacionalização do movimento, que se torna um dos principais atores políticos no campo da esquerda. Com o objetivo de se fortalecer politicamente, sua atuação tem se baseado na combinação entre confronto e negociação.

A conjuntura política nacional desse período foi marcada pela estruturação institucional das políticas urbana e habitacional no governo federal, com participação dos movimentos sociais, e posterior distanciamento da agenda da Reforma Urbana. Enquanto os movimentos ligados ao campo democrático-popular atuaram na interface com o Estado, por meio do Fórum de Reforma Urbana e do Ministério das Cidades, na construção da Política Nacional de Habitação, o MTST pressionou por meio das ocupações urbanas, ampliando sua atuação em âmbito nacional.

A estratégia definida pelo MTST consistia no “acúmulo de força política” e na construção de “poder popular”, com vistas a aumentar sua relevância no cenário político. Assim, o movimento começou a articular uma rede nacional com movimentos urbanos que tivessem a mesma perspectiva de atuação, pautada pela ação direta e autonomia político-partidária. A Frente Nacional de Resistência Urbana, criada em 2007, passou a organizar ações coordenadas, como a jornada nacional de lutas em 2008, com várias ocupações simultâneas, e diversas ações contra os efeitos urbanos das obras da Copa de 2014.12 Essa articulação alterou a configuração das lutas, descentrando-as do eixo Rio-São Paulo e colocando em cena movimentos “marginais” ao campo democrático-popular.

Em São Paulo, a suspensão dos programas habitacionais pelos governos Serra e Kassab (PSDB/DEM, 2005-2012) e as ações de repressão e reintegração de posse restringiram as ocupações no centro e reforçaram a ação institucional dos movimentos. Depois da emblemática desocupação do edifício Prestes Maia, em 2007, e da traumática remoção do Pinheirinho em São José dos Campos, em 2012, os conflitos urbanos ganharam outro patamar, especialmente do ponto de vista dos arranjos de forças jurídico-institucionais.

Nesse contexto, as ocupações do MTST resistiam e davam visibilidade às periferias metropolitanas. Focando os chamados “vazios urbanos”, o movimento se baseia no princípio constitucional da função social da propriedade, identificando e ocupando propriedades em desacordo com o fisco ou a Justiça. Com isso, busca respaldo legal às ocupações e melhores condições de negociação junto ao poder público. Contudo, as experiências das ocupações Frei Tito (Campinas), Silvério de Jesus (Embu das Artes) e Terra e Liberdade (Mauá) explicitavam que, apesar das garantias formais do direito à moradia e dos instrumentos institucionais contidos no Plano Diretor das cidades para o cumprimento da função social da propriedade, o que ocorria eram reiteradas reintegrações de posse e negação do direito à moradia (Costa, 2013).

O embate jurídico a que as ocupações são conduzidas e a sucessiva prevalência da instituição da propriedade privada sobre a função social da terra colocam à prova os marcos institucionais decorrentes da agenda da Reforma Urbana, no tocante à democratização do acesso à moradia e à cidade. Instrumentos jurídicos e urbanísticos relativos ao planejamento urbano, regularização urbana e proteção ambiental são constantemente mobilizados contra as ocupações pelas forças da ordem, conforme a conveniência das relações locais de poder. Considerando que a institucionalidade era insuficiente para garantir o acesso à moradia e que as negociações dependiam da visibilidade do conflito, o movimento ampliou as formas de mobilização, incluindo ocupações de prédios públicos e protestos nas ruas.

Com a retomada da política habitacional pelo governo federal, após mais de 20 anos sem investimentos públicos na área, os movimentos organizados pleitearam parte dos recursos do Programa Minha Casa Minha Vida, o qual havia sido concebido por fora da construção coletiva sobre a Política Nacional de Habitação (Rolnik, 2015). Frente à pressão dos movimentos, o governo criou a modalidade do Programa Minha Casa Minha Vida – Entidades, que correspondia a cerca de 3% de todo o investimento no programa e se voltava ao atendimento da demanda de baixa renda (até três salários mínimos) por meio dos movimentos sociais. Essa modalidade acabaria por representar a outra face do consenso lulista, envolvendo entidades historicamente vinculadas à luta pela Reforma Urbana e legitimando, assim, o programa. Como destaca Singer (2012, p. 9): “O lulismo existe sob o signo da contradição. Conservação e mudança, reprodução e superação, decepção e esperança num mesmo movimento”.

Nesse cenário, o MTST buscou manter certa independência partidária e fez oposição de esquerda aos governos do PT, mas suas ações passaram a se orientar pela disputa pelos fundos públicos. Em consequência disso, voltou-se mais para o âmbito nacional e para a política habitacional, expandiu sua atuação para outros estados, adotando uma estratégia que combina confronto e negociação na luta pela moradia. As ocupações se tornaram maiores e mais numerosas, com foco na mobilização de massa e nos processos de negociação com os governos.

O PMCMV contribuiu com o fortalecimento político do MTST, na medida que possibilitou a chamada “conquista” habitacional para as ocupações. Frente às dificuldades de atuação em territórios periféricos cada vez mais heterogêneos e atravessados pelos mercados formal e informal, o lançamento do maior programa habitacional do país e a inclusão da parcela social nunca antes contemplada criou expectativas, o que o tornou indispensável para os movimentos de luta por moradia. Por outro lado, é inegável que essa interação dos movimentos sociais com o Estado implicou a conformação deles ao Programa, cujo molde se define pelos princípios do mercado, e a delimitação de suas ações, aproximando-as das práticas da gestão neoliberal. Como analisa Camargo (2016), o desenho operacional do programa envolve apropriação e modelagem de saberes e práticas da tradição autogestionária, enredando os movimentos de luta mais significativos e redefinindo relações e arranjos institucionais que conformam o campo de atuação dos mesmos. Além disso, por não se instituir como uma política de Estado, o PMCMV atrelou a luta dos movimentos por moradia à dinâmica política dos governos e os aproximou de uma perspectiva mais colaborativa com o poder público, como se nota no caso do MTST.

Os movimentos sociais de luta por moradia foram afetados tanto por sua interação com o PMCMV, quanto pelos impactos dele e de outras políticas públicas sobre a dinâmica urbana. Assim como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e as obras para sediar megaeventos esportivos, a modalidade empresarial do PMCMV esteve associada a projetos de expansão do mercado imobiliário, avançando sobre áreas menos valorizadas, ocupadas por favelas e loteamentos populares (Rolnik, 2015). Se nos anos 1990 as ocupações no centro deram visibilidade à mercantilização da cidade e ao encolhimento do espaço público por meio dos “projetos de revitalização” e “empreendedorismo urbano”,13 nos anos 2010, a explosão das ocupações massivas nas periferias revelaria os efeitos urbanos do crescimento econômico pautado na produção capitalista do espaço.14

Entre a ação social e a política institucional: o MTST e o novo ciclo político

Como visto, durante os governos petistas no governo federal, as interações socioestatais se intensificaram, predominando nelas repertórios mais colaborativos entre os movimentos sociais e os governos federais petistas, ainda que com variações em cada área e segmento social (Abers et al., 2014). Isso não significa ausência de conflitos ou contradições (Oliveira & Rizek, 2007; Singer & Loureiro, 2016), que acabariam por expor os limites do modo de regulação lulista na gestão dos conflitos frente à crise neoliberal (Braga, 2017).

Em um cenário de aparente “pacificação” social, os protestos de junho de 2013 eclodiram despejando os conflitos nas ruas das cidades e abrindo caminho para a política do dissenso, nos termos de Rancière (1996). Da crise urbana à crise de representação, passando pela violência policial, tudo veio à tona, unificando cidade e política. Foi o momento em que o sufoco diário de deslocamento na metrópole transbordou o transporte, a violência policial periférica chegou ao centro e a política deixou os gabinetes e consensos e apareceu nas ruas. Foi também um momento de ensaio criativo da política, que se expressou em outra estética, formato e repertórios dos protestos, redefinindo o modo como seriam lidos e conduzidos a partir de então.

Os protestos de junho de 2013 foram iniciados pelo Movimento Passe Livre (MPL-SP), um movimento autonomista, formalizado em 2005 no Fórum Social Mundial, no bojo dos movimentos altermundistas. Inicialmente focados na luta contra o aumento da tarifa de ônibus na cidade de São Paulo, em poucos dias os protestos se espalharam por mais de 400 cidades brasileiras e estenderam-se por mais de um mês, cujo ápice, em 20 de junho, envolveu cerca de um milhão de pessoas nas ruas (Gohn, 2014). Agregando novas questões e grupos sociais, as manifestações adquiriram uma dinâmica própria, configurando uma integração contingencial entre o núcleo organizado do MPL e a multidão, sem que houvesse uma direção hierarquizada. A simultaneidade dos protestos, a multiplicidade das pautas, a diversidade dos grupos sociais e setores da sociedade organizados ou não, fazem de junho de 2013 um fenômeno irredutível a uma única intepretação, e um objeto de disputa por seu significado e herança política (Leher, 2013).  

Contudo, embora tenha sido um acontecimento singular,15 junho de 2013 não pode ser entendido como um fenômeno isolado. Os protestos se vinculam a ações anteriores, bem como se prolongam em mobilizações posteriores – no sentido de que geram recursos para uma nova ação coletiva “produzindo os períodos de turbulência e reorganização” (Tarrow, 2009, p. 25). Nesse sentido, proponho situar as lutas urbanas num continuum de convergências e decorrências dos protestos de junho de 2013, como é o caso do próprio MTST e do repertório das ocupações.

Como foi dito, desde 2008 o MTST havia articulado em nível nacional a Frente de Resistência Urbana, que, desde sua formação, denunciava os despejos e a violência dos processos engendrados por grandes obras e questionava investimentos bilionários operados pelos governos através do PAC.16 Com o anúncio da Copa, outra frente de ação se formou, a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP), criando uma rede de movimentos, ativistas e intelectuais, envolvendo movimentos ligados tanto ao projeto democrático-popular (UMM, CMP, e um conjunto de ativistas do Direito e do Urbanismo), quanto ao campo autonomista (OcupaSampa, MPL, Centro de Mídia Independente, Associação Nacional dos Torcedores). Desde seu início, em 2010, a ANCOP realizou um conjunto de eventos e atividades, da produção de dossiês sobre o tema até protestos de rua e trabalho de base junto aos bairros afetados pelas obras da Copa (Brito, 2015).

Essas redes de articulação dos movimentos foram parte importante na difusão dos protestos de junho de 2013 (inclusive, o MPL fazia parte do CMP em São Paulo). A constituição de comitês populares nas cidades-sedes da copa foi um vetor de articulação nacional dos protestos, assim como o MTST foi irradiador dos protestos nas periferias da cidade.17  Da mesma forma, houve um prolongamento de junho de 2013 nos protestos contra Copa de 2014, com intensas mobilizações e ocupações urbanas.18 É notável a expressão adquirida pelo MTST, que, no intervalo entre junho de 2013 e a Copa do Mundo, inaugurou sua atuação na capital paulista, com as ocupações Faixa de Gaza, Nova Palestina e Copa do Povo. Essas ocupações representaram um novo patamar na trajetória do movimento, seja pela sua magnitude inédita, que desafiou o formato organizativo anterior, seja pela localização estratégica no conflito pela produção da cidade.

Um dos legados de junho de 2013 para as lutas urbanas foi o fortalecimento do discurso em torno do direito à cidade, que passou a ser mobilizado por diversos movimentos, criando um campo gravitacional em torno do qual orbitava uma miríade de lutas sociais, práticas políticas, discursos e coletivos. Nesse bojo, vemos a emergência de um “ativismo urbano”, composto por um conjunto de coletivos e práticas de ocupação e redefinição de espaços públicos, que tem como referência os direitos na vida cotidiana na cidade (Frúgoli Junior, 2018). Essa constelação de iniciativas ainda é pouco mapeada e de difícil apreensão, justamente por ter uma forma de organização menos estruturada, vínculos mais fluídos e ações mais intermitentes.

Mas se, por um lado, esse novo ciclo político reposicionou os parâmetros da ação coletiva, trazendo grandes mobilizações de rua, um padrão de engajamento social muito mais fluido e novos atores e repertórios de ação, pautados pela autonomia e crítica às instituições socioestatais; por outro lado, ele também se caracterizou pela reformulação das estratégias de repressão policial, pelo aprofundamento dos processos de judicialização da política, pela criminalização dos movimentos contestatórios e pela organização de movimentos de direita. Desde então, a polarização política adquiriu intensidade e amplitude inéditas na sociedade, bem como se acentuaram traços de violência e intolerância em todas as instâncias sociais.19 Após o golpe político de 2016, o aprofundamento de medidas neoliberais intensificou conflitos em torno da desregulamentação das relações de trabalho e dos direitos sociais, do redirecionamento dos recursos públicos das áreas sociais, do aumento do controle e da violência institucional.

Com o avanço da extrema direita ao poder, a destruição de conquistas sociais históricas e a instabilidade institucional democrática, ficou evidente que os termos com que se pensava e fazia a luta social tinham sido modificados, exigindo reposicionamento dos atores políticos. Assim, se o novo ciclo político havia se iniciado com a emergência de novas formas e repertórios de luta e a preponderância do autonomismo, contestando as formas institucionais e organizativas do ciclo de democratização, o momento seguinte seria de disputa em relação às instituições representativas e de luta pela manutenção das políticas públicas. Entre esses dois momentos, o MTST desponta como um dos principais atores políticos na esquerda.

Contrariando essa tendência inicial do campo político e seu próprio histórico de atuação, o MTST foi se deslocando do repertório confrontativo com o Estado e da oposição ao PT em direção à política institucional. Além de construir uma corrente político-partidária no PSOL – a Revolução Solidária –, desde 2018 o movimento tem lançado candidaturas aos cargos eletivos, incluindo a proposta de mandatos coletivos, uma inovação na disputa eleitoral.

Entretanto, o reposicionamento político do MTST não deve ser entendido como uma contradição ou ruptura na sua trajetória. Ao olharmos o percurso do movimento, percebemos que ele nunca esteve colado a posições muito demarcadas, mantendo uma narrativa ambígua e ações pautadas pela experiência prática e pela leitura de conjuntura, caracterizando-se por ser um movimento dinâmico. Mesmo quando assumiu posturas mais reativas à atuação institucional, sua organização interna não se assemelha à dos movimentos autonomistas, sendo muito mais marcante a estrutura organizacional herdada dos movimentos do ciclo anterior. Entre a fase de distanciamento do campo político organizado e da institucionalidade estatal e o atual momento de interação com a política institucional, podemos observar um deslocamento contínuo em direção a uma maior interação com o Estado. Isso é notado desde a prática de negociação com governos na luta por moradia, a busca por incidência político-institucional no Plano Diretor em São Paulo e no PMCMV, até a articulação partidária e a disputa eleitoral.

Dentro de certo formato de movimento-partido, a atuação do MTST busca articular ação social “por fora” do Estado com disputa institucional. Essa dupla atuação se reflete nas frentes de articulação política lideradas pelo movimento: a Frente de Resistência Urbana, que é voltada aos conflitos e ações urbanas e tem buscado articulações internacionais com outros movimentos latino-americanos; e a Frente Povo sem Medo, que tem se voltado à política nacional, organizando mobilizações e articulando ações junto à esquerda organizada tradicional.  A Frente Povo sem Medo, criada durante o processo de impeachment em 2015, tinha como propósito a defesa nas ruas da institucionalidade democrática e, durante as eleições de 2018, buscou construir “bairros sem medo”, como modo de aproximação popular da política partidária. Com esse mesmo propósito foi lançada a plataforma digital “Vamos”, que reuniu propostas sociais para um programa de governo em 2017. Também as pautas e discursos transitam entre questões periféricas em territórios urbanos e questões relativas ao trabalho e à política nacional, o que remete a diferentes escalas e instâncias de poder.

Essa combinação entre ação social e ação institucional, ao mesmo tempo que pode ser autossustentada, é difícil de equilibrar. Por um lado, a campanha eleitoral pode ser um momento importante de politização e popularização das ideias e do próprio movimento social, fortalecendo sua militância; por outro, a disputa eleitoral absorve e direciona as energias e recursos do movimento social para ação político-partidária, o que implica outro foco de ação, outra dinâmica e outras motivações sociais.

As candidaturas vinculadas ao MTST, em 2018 e em 2020, representaram uma renovação política dentro da esquerda e deram visibilidade nacional à principal liderança do movimento, tornando o movimento e o partido mais conhecidos em diversos segmentos sociais. A campanha de 2020, além de bem sucedida na sua estratégia, levando Guilherme Boulos ao segundo turno e a chapa das Juntas à suplência na Câmara Municipal de São Paulo, conquistou o apoio de figuras públicas relevantes do meio e envolveu milhares de pessoas. Ao mesmo tempo, gerou desconfianças nas bases sociais em relação às lideranças e ao movimento, e desencadeou disputas com outras lideranças e organizações partidárias de esquerda.

A mobilização promovida pela campanha atraiu novos militantes, em sua maioria jovens com formação universitária, vindos de segmentos médios e populares, o que contribuiu para diversificar e ampliar o escopo de ação do movimento para temas como segurança alimentar e hortas urbanas, arquitetura e urbanismo, educação, cultura e comunicação. As atividades foram intensificadas nas ocupações, nos territórios, nas ruas e nas redes sociais, e novas ocupações têm sido realizadas. Os maiores protestos pelo “Fora Bolsonaro” e pela reivindicação da vacina contra a Covid-19 têm o MTST como um dos principais organizadores e mobilizadores. Mas, esse crescimento do movimento também implica maior burocratização e centralização decisória, o que gera desengajamento social e distanciamento do ativismo mais crítico.

Considerações finais: reconfiguração e caminhos das lutas urbanas

Neste texto, abordei a reconfiguração da ação coletiva nas lutas urbanas percorrendo a trajetória do MTST e situando-o como um movimento intermediário entre o ciclo de democratização e o novo ciclo aberto em junho de 2013. A partir da leitura da ação coletiva baseada nos eixos de análise propostos, o próprio MTST pode ser entendido como um elemento de continuidade e atualização nessa transição de um ciclo ao outro.

Acompanhando a trajetória do movimento, podemos compreender o surgimento dos movimentos de sem-teto nos anos 1990 como um momento de inflexão nas lutas urbanas entre esses dois ciclos, o que é representado pela fragmentação das organizações, descentralização da atuação e foco na ação direta. Ao longo dos anos 2000, as lutas urbanas tornaram-se o epicentro dos conflitos, conectando-se com as jornadas de junho de 2013, quando o MTST ganha impulso social e desponta na cena política como um dos principais atores da esquerda.

Essa transição de um ciclo a outro ocorre em um contexto de transformações sociais desencadeadas com o neoliberalismo, que afetaram tanto o mundo do trabalho quanto a dinâmica urbana. No caso de São Paulo, corresponde ao esgotamento do paradigma fordista baseado na industrialização e na expansão periférica, impactando as relações de trabalho e as condições de inserção urbana dos trabalhadores pobres e acentuando a insegurança social.

Com isso, os movimentos urbanos, especialmente de moradia, tornaram-se importantes mediações para a organização coletiva, porém, em condições muito mais difíceis, tanto de acesso ao espaço urbano quanto de manutenção do coletivo. A base social dos movimentos se tornou mais fluída e outras identidades passaram a ser mobilizadas, como a territorialidade, que ganhou relevância nos discursos e pautas de diversos movimentos sociais (coletivos periféricos, povos indígenas, quilombolas, populações ribeirinhas, movimento campesino).

Como visto, o MTST se constituiu e consolidou nesse período, reformulando a prática das ocupações urbanas nos territórios periféricos, sendo esse o principal foco de sua atuação, inclusive no momento de intensificação da participação institucional, quando parte importante do campo político organizado caminhou nessa direção. Assim, as ocupações urbanas podem ser entendidas como um elo de continuidade entre os dois ciclos de lutas, constituindo-se num repertório versátil que foi sendo reformulado pelos movimentos e reapropriado por diversos outros coletivos, como se viu nas experiências Ocupe Estelita, em Recife, Ocupe o Cocó, em Fortaleza, Ocupa Ales, no ES (Cava e Cocco, 2014), e nas ocupações das escolas públicas em SP, PR e GO, as quais guardam conexões com o autonomismo e horizontalismo das jornadas de junho de 2013.

Nesse novo ciclo de lutas, a cidade adquire mais relevância nas lutas sociais, tanto nas pautas (moradia, transporte, distribuição dos serviços e infraestruturas) quanto nos repertórios de ação (ocupações, travamentos, manifestações simultâneas em diversas cidades). Com as jornadas de junho de 2013, o discurso do “direito à cidade” passa a ser vocalizado por diferentes atores políticos e incorporado nas agendas de campanha das últimas eleições. Também as interações entre os atores e seus membros se afastam do modelo de representação em diversos níveis e articulações centralizadas, aproximando-se de modelos descentralizados e independentes em escala global, cujas conexões são facilitadas pelo uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs).

Entre um ciclo e outro, o campo da ação coletiva foi da luta pela participação institucional à crítica à institucionalidade representativa; da formalização de organizações articuladas em nível nacional focando incidência na política institucional às tendências autonomistas descentralizadas e voltadas à ação direta contra a institucionalidade.

Para além das dicotomias, a trajetória do MTST mostra o caráter dinâmico e poroso que delimita os movimentos sociais, destacando as constantes redefinições nos seus repertórios de ação e nas interações socioestatais, combinando estratégias de mobilização social e participação institucional. Ao mesmo tempo, as redefinições no seu formato mostram mudanças, ao se aproximar da forma partido-movimento, e continuidades, ao preservar uma estrutura setorializada e centralizada, semelhante à dos partidos e sindicatos do ciclo anterior.

As múltiplas transformações sociais ocorridas nos últimos anos exigiram reposicionamentos políticos e deslocaram os limites de atuação dos movimentos sociais. Ao longo da sua trajetória, o MTST foi agregando múltiplas dimensões da vida social e política, atuando em diversas temáticas, que vão da luta por moradia à formação em tecnologia, passando por cozinhas solidárias, cursinho popular, hortas urbanas e outros. Além disso, dentro do movimento se constituíram núcleos de coletivos de LGBTQIA+, de mulheres, de negros, de juventude, e a organização do movimento dos trabalhadores sem direitos.

A intensificação das mobilizações sociais, a emergência de novos atores políticos à esquerda e à direita, os novos repertórios e as disputas de narrativas implicaram uma ampliação das fronteiras que delimitavam os movimentos sociais, tal qual concebidos no ciclo de democratização. Frente a esses deslocamentos e ambiguidades contidos na experiência recente dos movimentos sociais, os estudos sobre eles ficaram desafiados a pensar novas abordagens e metodologias que superem limitações das perspectivas analíticas que operam com categorias e classificações muito rígidas, construídas em outro contexto social. Abordagens orientadas por um conceito muito estreito de movimento social ou centradas na noção de frame apresentam dificuldades em apreender a atual dinâmica da ação coletiva.

Referências

Abers, Rebecca, Serafim, Lizandra, & Tatagiba, Luciana. (2014). Repertórios de interação estado-sociedade em um estado heterogêneo: a experiência na Era Lula. Dados, 57(2), 325-357. https://doi.org/10.1590/0011-5258201411

Arantes, Otília, Vainer, Carlos, & Maricato, Ermínia (org.). (2002). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos (3. ed.). Vozes.

Avelar, Idelber. (2017). Os levantes de junho de 2013 e o esgotamento do pacto lulista: sobre antagonismo, contradição e oxímoro. Lugar comum, (50), 127-147.

Bonduki, Nabil. (2008). Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas perspectivas no governo Lula. Revista Eletrônica de Arquitetura e Urbanismo, (1), 70-104.

Braga, Ruy (2017). A rebeldia do precariado: Trabalho e neoliberalismo no sul global. São Paulo: Boitempo Editorial.

Brenner, Neil, Peck, Jamie, & Theodore, Nik. (2012). Após a neoliberalização? Cadernos Metrópole, 14(27), 15-39.

Bringel, Breno, & Domingues, José. (2018). Brasil – cambio de era: crisis, protestas y ciclos políticos. Los Libros de la Catarata.

Bringel, Breno, & Pleyers, Geoffrey. (2015). Junho de 2013... dois anos depois. Polarização, impactos e reconfiguração do ativismo no Brasil. Nueva Sociedad, 259, 4-17.

Brito, Juliana Gomes Machado (2015). Copa pra quem?: Estado de exceção e resistências em torno da copa do mundo fifa 2014. [Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo] https://doi.org/10.11606/D.8.2015.tde-31072015-164458

Cabanes, Robert et al. (org.). (2011). Saídas de emergência: ganhar/perder a vida na periferia de São Paulo. Boitempo.

Camargo, Camila Moreno de (2016). Minha Casa Minha Vida Entidades: entre os direitos, as urgências e os negócios. [Tese de Doutorado Curso de Doutorado Universidade de São Paulo] https://doi.org/10.11606/T.102.2016.tde-13102016-141513

Cava, Bruno, & Cocco, Giuseppe (org.). (2014). Amanhã vai ser maior: o levante da multidão no ano que não terminou. AnnaBlume.

Costa, Andre Dal’Bó. (2013). Luta social e a produção da cidade. [Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.102.2013.tde-24042014-161246

Dagnino, Evelina. (2004). Sociedade civil, participação e cidadania: do que estamos falando? Brasiliense.

Della Porta, Donatella. (2015). Social movements in times of austerity. Polity Press.

Falchetti, Cristhiane. (2019). Ação coletiva e dinâmica urbana: o MTST e o conflito na produção da cidade [Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo] https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-27112019-183740. https://drive.google.com/file/d/1T0-vBgeKw5L-pnJGRctcEzALdpqnX2v3/view?usp=sharing

Feltran, Gabriel. (2010) Periferias, direito e diferença: notas de uma etnografia urbana. Revista de Antropologia, 53(2). https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2010.37711

Frúgoli Jr., Heitor. (2009). A cidade no diálogo entre disciplinas. In C. Fortuna & R.P. Leite (org.), Plural de cidade: léxicos e culturas urbanas (pp. 53-68). Almedina.

Frúgoli Jr., Heitor. (2018). Ativismos urbanos. Cadernos CRH, 31(82), 75-86, 2018.

Gohn, Maria da G. (2014). Manifestações de junho de 2013 no Brasil e nas praças dos indignados no mundo. Vozes.

Goulart, Debora C. (2011). O anticapitalismo do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST. [Tese de Doutorado em Ciências Sociais, Universidade Estadual Paulista].

Kowarick, Lucio. (1979). A espoliação urbana. Paz e Terra.

Leher, Roberto. (2013, 6 de junho). Manifestações massivas no Brasil têm origem na esquerda. Correio da Cidadania. Disponível em https://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8543

Miagusko, Edson. (2008). Movimentos de moradia e sem-teto em São Paulo: experiências no contexto do desmanche. [Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2008.tde-03082009-153444

Mouriaux, René. (2002). A esquerda e a reanimação das lutas sociais na Europa [Entrevista a Andréia Galvão]. Crítica Marxista, 14, 150-170.

MTST, Movimento dos Trabalhadores sem Teto. (2005). Cartilha de princípios. MTST.

MTST, Movimento dos Trabalhadores sem Teto. (2015). Cartilha de princípios. MTST.

Oliveira, Francisco de. (2003). Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. Boitempo.

Oliveira, Francisco de, & Rizek, Cibele S. (org.). (2007). A era da indeterminação. Boitempo.

Paoli, Maria Celia. (1991). Movimentos sociais, cidadania e espaço público: perspectivas brasileiras para os anos 1990. Revista Crítica de Ciências Sociais, 33, 115-133.

Pereira, Olivia de C. M. (2012). Lutas urbanas por moradia. O centro de São Paulo. [Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo].

Rancière, Jacques (1996). O desentendimento: Política e estética. São Paulo: Editora 34.

Rolnik, Raquel. (2015). A guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. Boitempo.

Sader, Eder. (1988). Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo. Paz e Terra.

Singer, André V. (2012). Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. Companhia das Letras.

Singer, André & Loureiro, Isabel (Orgs.). As contradições do Lulismo: a que ponto chegamos?. São Paulo: Boitempo, 2016.

Tarrow, Sidney. (2009). O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Vozes.

Teixeira, Ana Claudia, & Tatagiba, Luciana. (2005). Movimentos sociais: o desafio da participação. Instituto Pólis.

Telles, Vera da S. (2006). Trajetórias urbanas: fios de uma descrição da cidade. In R. Cabanes & V. S. Telles, Nas tramas da cidade: trajetórias urbanas e seus territórios (pp. 69-116). Associação Editorial Humanitas.

Notas

1 Versão revisada do texto apresentado no Comitê de Pesquisa Movimentos Sociais, durante o 20° Congresso da SBS, em Belém – PA, entre 12 e 17 julho de 2021.
2 Após a crise econômica de 2008, houve levantes na Islândia e na Tunísia; em fins de 2010, iniciou-se a luta contra regimes autoritários no Oriente Médio e no norte da África, a chamada “Primavera Árabe”; em 2011, ocorreram as manifestações dos jovens da “Geração à Rasca” contra políticas neoliberais em Portugal; em seguida, os “Indignados”, na Espanha, questionavam a democracia representativa e as estruturas de poder; e o movimento “Occupy Wall Street”, nos EUA, discutia a financeirização da economia e a desigualdade econômica. O Movimento Passe Livre (MPL) é tributário de uma forma de pensar e praticar a política presente nas lutas antissistêmicas latino-americanas, a exemplo dos Zapatistas, do movimento estudantil que promoveu a célebre Ocupação da Unam (México, 1999) por longos dez meses, das Lutas da Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca – Appo (2006), das lutas do movimento Pinguim no Chile (2006) e dos levantes da juventude pela educação pública no Chile, em 2012-2013, e das ocupações das reitorias pelos estudantes das universidades federais em 2006, assim como a ocupação da USP em 2007.
3 Ação coletiva é um termo mais amplo que movimento social e busca lidar com mudanças na dinâmica social que afetaram determinadas categorias e exigem um instrumental analítico menos rígido e mais ajustado à pesquisa exploratória.
4 Nesse período, surgiram as entidades nacionais que agregam movimentos e associações: a) a Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), criada em 1982, motivada pela construção de uma projeção nacional da representação dos bairros, a fim de avançar suas pautas e influência no cenário político; b) a União Nacional por Moradia Popular (UNMP), criada em 1989, voltada à moradia, abarcando desde práticas autogestionárias até participação nos conselhos e fóruns; c) o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), criado em 1990, voltado a moradia e reforma urbana; d) a Central de Movimentos Populares (CMP), surgida em 1993 da desarticulação da ANAMPOS , concebida nos mesmos termos das Centrais Sindicais, articulada ao PT e à CUT e agregando diversos movimentos sociais (saúde, moradia, mulheres, negros, indígenas, direitos humanos).
5 Durante a Constituinte, o MRU obteve conquistas importantes nos marcos da CF/88, como o princípio da função social da propriedade e o direito dos ocupantes informais, criando bases jurídicas para a implementação da agenda de reforma urbana, a qual incluía: o reconhecimento do direito dos posseiros, a luta contra a especulação imobiliária e a democratização dos processos decisórios das políticas urbanas. A habitação foi reconhecida como direito fundamental e foram definidos os marcos para a construção de uma política habitacional orientada pelos princípios de participação e descentralização.
6 O déficit habitacional cresceu 19,9%, entre 1991 e 2000, e 40,9% entre famílias com renda inferior a dois salários mínimos (BONDUKI, 2008). Estimativas baseadas no censo indicam que, nesse mesmo período, o percentual de pessoas vivendo em favelas passou de 9% para 11% entre a população paulistana (ROLNIK, 2015), sendo que houve perda de população no centro e adensamento das periferias, combinados a altos índices de violência urbana.
7 No início dos anos 2000, segundo o IBGE (2000), cerca de 54 milhões de pessoas, 53,4% da população economicamente ativa do Brasil, trabalhavam no mercado informal, e 70% dos trabalhadores urbanos tinham empregos incertos.
8 Desenvolvi essa discussão na pesquisa de doutorado. Ver: Falchetti (2019)
9 Em outros trabalhos discorri mais detidamente sobre o PMCMV, argumentando sobre a mediação mercantilizada do social e seus impactos sobre o urbano.
10 A Periferia Ativa foi criada pelo MTST e reúne associações e militantes comunitários na Grande São Paulo, e atua nas periferias com o objetivo de organizar ações políticas e culturais. Tem um caráter territorial.
11 A Cooperifa é um movimento cultural de incentivo às manifestações culturais da periferia, iniciado em 2000, num bar na Chácara Santana, zona sul de São Paulo, com saraus às quartas-feiras. Em 2007, o MTST ganhou o 3º prêmio Cooperifa, que premia iniciativas que contribuam com a arte na periferia.
12 A Resistência urbana é composta por Movimentos Sem teto e Movimentos de afirmação do Direito à cidade presentes em vários Estados do Brasil, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o Movimento de Luta Popular (MLP/PA), o Movimento Urbano dos Sem Teto (MUST/SP), o Terra Livre – Movimento Popular do Campo e da Cidade, o Movimento dos Sem Teto da Bahia (MSTB/BA), e as Brigadas Populares (BPs).
13 Desde meados dos anos 1990, o governo estadual atuava no centro por meio de Programa de Atuação nos Cortiços, visando removê-los, e o governo federal mantinha linhas de apoio à construção de programas culturais e recuperação patrimonial, sempre associadas aos processos de valorização imobiliária (ver: Miagusko, 2008).
14 A política de crescimento econômico, a partir de meados dos anos 2000, esteve fortemente atrelada à construção civil e ao investimento em obras de grande impacto urbano, incluindo o PMCMV.
15 Sobre o significado de acontecimento, ver: Avelar (2017)
16 Em 2010, foi lançada a campanha nacional “Minha Casa Minha Luta”, com protestos em todo o país contra os despejos. Em São Paulo, o MTST atuou na paralisação das rodovias Régis Bittencourt, Raposo Tavares, Rodoanel Oeste Anhanguera e Santos Dumont. Em 2011, houve a ocupação do Ministério dos Esportes em Brasília e outras ações sobre o tema e, em 2012, o MTST ocupou as obras do Itaquerão, em mais uma jornada nacional de lutas.
17 No dia 3 de junho, ocorreram três atos na Zona Sul, organizados pelo MPL e MTST: a Estrada M’Boi Mirim foi bloqueada às 6h por moradores locais; o terminal Guarapiranga foi ocupado as 7h e seguiu, a partir de lá, em direção à subprefeitura, uma manifestação do MPL convidando a população para o primeiro grande ato contra o aumento da tarifa.
18 Somente em São Paulo, o número saltou de 257, entre 2011-2012, para 681 em 2014. O MTST fez quatro grandes ocupações no segundo semestre de 2013, incluindo a maior delas, a Nova Palestina, que reuniu cerca de oito mil famílias.
19 Em 2014, houve diversos protestos contra a Copa do Mundo, e a greve dos Garis no RJ. Em 2015 e 2016, ocorreram as ocupações das escolas públicas em SP, PR e GO, e as mobilizações ficaram polarizadas em torno do processo de impeachment da Presidenta Dilma (PT), com maior organização e fortalecimento dos movimentos de direita. Em 2017, a greve geral contra as reformas da previdência e trabalhista teve ampla adesão de setores menos atuantes e organizados. Em 2018, houve a paralisação dos professores das escolas particulares de São Paulo pela manutenção do acordo coletivo da categoria e a greve dos caminhoneiros contra o aumento do combustível. A esquerda continuou se mobilizando frente à prisão de Lula, à intervenção militar no Rio de Janeiro, ao assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ). Durante as eleições de 2018, houve a maior mobilização desde as pré-impeachment de 2016, o #EleNão liderado por mulheres contra o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL).

Autor notes

Mestre (UNESP) e Doutora (USP) em Sociologia.
HMTL gerado a partir de XML JATS4R por