DOSSIÊ
Sobre quem somos e sobre o que dizem que somos: o que revelam os rituais das Comissões de Heteroidentificação?
On who we are and what they say we are: what do the rituals of the Heteroidentification Commissions reveal?
Sobre quem somos e sobre o que dizem que somos: o que revelam os rituais das Comissões de Heteroidentificação?
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 10, núm. 26, pp. 69-103, 2022
Sociedade Brasileira de Sociologia
Recepção: 31 Outubro 2022
Aprovação: 31 Dezembro 2022
RESUMO: Uma das recentes práticas relacionadas à implementação de políticas de ação afirmativa direcionadas à promoção de equidade racial é a instauração das Comissões de Heteroidentificação Racial. Tais comissões foram incorporadas como etapa regular necessária em diferentes processos de acesso a instituições públicas, desempenhando o papel de validação do pertencimento étnico-racial de um candidato e, consequentemente, de verificação de legitimidade para a ocupação de vaga destinada a grupos étnico-raciais. Este trabalho tentou responder à seguinte pergunta: quais interferências se apresentam no momento da aferição do pertencimento racial promovida pelas comissões de verificação? Para tanto, foi utilizada abordagem metodológica multidimensional: em um primeiro nível, com análise documental, observação dos procedimentos de operação das comissões e observações produzidas a partir da participação em curso de preparação para integrantes das comissões; e em um segundo nível, com entrevistas semiestruturadas direcionadas a agentes institucionais envolvidos com o processo de aferição. Como resultado, a partir da análise do modelo implementado para o acesso à graduação na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, argumentamos que a elaboração da alteridade desencadeada durante as entrevistas reproduz, ritualisticamente, dinâmicas de poder e conflito que i) revelam a existência de tensão entre a objetividade dos procedimentos e a subjetividade da avaliação e ii) propiciam a atualização da discussão sobre o sistema de classificação racial, até então considerado superado para o debate sobre as relações raciais no Brasil.
Palavras-chave: Ação afirmativa, igualdade racial, comissões de heteroidentificação, acesso ao ensino superior, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
ABSTRACT: Among recent practices related to the implementation of affirmative action policies aimed at promoting racial equity is the establishment of Racial Heteroidentification Commissions. Such commissions were incorporated as a necessary regular step in different processes for access to public institutions and they play the role of validating the ethnic-racial belonging of a candidate and, consequently, his/her legitimacy for occupying a place destined for black groups, quilombolas or indigenous people. This work tried to answer the following question: what interferences are presented on the moment of the appraisal of racial belonging, promoted by the relevant commissions? To this end, a multidimensional methodological approach was used: at a first level, through document analysis, observation of the commissions’ procedures and observations produced from the participation in a preparatory course for commission members; and on a second level, with semi-structured interviews aimed at institutional agents involved in the appraisal process. From the observation of the model implemented at the graduate level at the Federal University of the State of Rio de Janeiro, we argue that the development of alterity triggered during the interviews ritualistically reproduces dynamics of power and conflict that i) reveal the existence of tension between the objectivity of procedures and the subjectivity of judgment; ii) bring up to date the discussion on the racial classification system, until then considered outdated for the debate on racial relations in Brazil.
Keywords: Affirmative action, racial equality, heteroidentification commissions, access to higher education, Federal University of the State of Rio de Janeiro.
Introdução
As comissões de heteroidentificação têm se apresentado como uma prática regular incorporada como etapa necessária em diferentes processos de acesso a instituições públicas. Seja no campo profissional (como em concursos docentes para universidades federais e cargos no setor judiciário), passando por formações prestigiadas (como o Itamaraty), chegando ao ensino superior, as mencionadas comissões desempenham o papel de validação do pertencimento étnico‑racial de um candidato e, consequentemente, de verificação de legitimidade para a ocupação de uma vaga destinada a grupos negros (pretos e pardos, de acordo com os editais),1 quilombolas ou indígenas.2 Embora, em termos procedimentais, essas comissões sejam classificadas conforme o momento em que ocorrem – sendo as de verificação aquelas realizadas após suspeição ou denúncia de fraude e as de validação as que se sucedem no momento da matrícula dos estudantes –, de maneira geral, as comissões de heteroidentificação, devem ser entendidas como desdobramentos diretos dos mecanismos de promoção de igualdade social e de democratização do acesso a instituições – até então refratárias aos grupos não hegemônicos – adotados nos últimos anos, como as políticas de ações afirmativas e, mais especificamente, as políticas de cotas. O caráter refratário deve-se, sobretudo, à existência de processos seletivos produzidos a partir de princípios meritocráticos, mas que ocultam distintas formações e condições de competição. Sobre o ensino superior, por exemplo, associam-se instituições gratuitas e prestigiadas, com alto capital simbólico e cultural, à existência de elevada estratificação educacional, que limita expressivamente as possibilidades de acesso e, consequentemente, de mobilidade social (Picanço & Morais, 2016; Carvalhaes & Ribeiro, 2019).
Assim, a possibilidade de que vagas reservadas – destinadas a reverter o quadro de desigualdade racial verificado na distribuição de possíveis ingressos em instituições prestigiadas – possam ser ocupadas de forma ilegítima veio a deflagrar a demanda por e a emergência de bancas e comissões de verificação. Por outro lado, isso reflete um impasse não resolvido no âmbito do sistema de classificação racial da sociedade brasileira. Ressalta-se, nesse impasse, a categoria parda (Silva & Leão, 2012; Campos, 2013; Daflon et al., 2017). Enquanto os trabalhos das décadas de 1950, sobretudo os relacionados ao Projeto Unesco, incorporavam a existência de um intermediário mestiço entre o preto e o branco, os estudos realizados a partir da década de 1970, especialmente os de Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva, apresentavam a categoria não branco, assumindo a equivalência e a síntese entre as classificações pretos e pardos (Hasenbalg et al., 1999; Silva, 1999).
Não obstante o sistema de classificação racial nativo ser amplo, diversificado e, sobretudo, cromático, fundamentado em elementos fenotípicos,3 a utilização de não brancos ou, mais recentemente, negros pelos estudos acadêmicos revela a estratégia de assumir raça, em detrimento de cor, como categoria política e evidencia que, demograficamente, negros compõem não apenas a maior parte da população brasileira, como são igualmente subrepresentados em espaços de prestígio e poder, a exemplo do que ocorre na universidade pública, caso aqui analisado. A partir dessa narrativa política, as tensões em torno do intermediário pardo foram apaziguadas em prol de um projeto intelectual e político de elaboração da raça social que subsidiou a agenda de demandas do ativismo negro ao longo de toda a segunda metade do século XX. Contudo, embora a utilização da categoria “negro/a” se refira à síntese entre “pretos/as e pardos/as”, o histórico de miscigenação e mestiçagem (Rodrigues, 2022), a elaboração das categorias nativas “moreno/a” e “mulato/a”, assim como a própria utilização de “pardo/a” pelos órgãos oficiais viabilizam a incidência do que alguns setores ativistas chamam de “passabilidade”. Ou seja, a possibilidade de que parte da população adote mecanismos flexíveis para transitar entre as classificações “branco/a” e “negro/a”, de acordo com a situação.
Na verdade, esse fenômeno foi exaustivamente apresentado e analisado na literatura sobre as relações raciais brasileiras. Oracy Nogueira (1954) já apontava para o campo de possibilidades apresentado e diferentemente acessado a partir de tons de pele e características físicas específicas. Ao escrever “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem”, o autor escrutinou os elementos que organizam o sistema de classificação racial baseado em distinções fenotípicas. Do mesmo modo, Thales de Azevedo (1955) apontou, em sua pesquisa sobre as elites de cor na Bahia do início do século XX, a possibilidade de ascensão para “pardos e mestiços”. As análises de Nogueira e Azevedo representam a gênese de um conjunto de reflexões que está longe de ser encerrado. Trabalhos recentes ainda empreendem esforços para analisar os novos contornos do sistema de classificação racial verificados no Brasil (Loveman et al., 2011; Muniz, 2016) e até mesmo em perspectiva comparada (Silva & Saldivar, 2018).
De maneira geral, vale ressaltar que a associação de dois princípios – o da dificuldade de acesso produzido por rígida estratificação educacional e o da persistência de um sistema de classificação racial cromático, o qual permite uma zona de passibilidade – vem revelar, de forma subjacente à imposição pela adoção de comissões de heteroidentificação, a certeza de que espaços de status e prestígio, como ingresso em empregos públicos e assentos em universidades, são mecanismos potentes de ascensão social, bem como bens valorizados e escassos na sociedade brasileira. Nesse sentido, as políticas de inclusão adotadas no Brasil a partir dos anos 2000, ao promoverem a ampliação do acesso a tais espaços, permitiram, como consequência não intencional, que indivíduos não elegíveis se apresentassem como elegíveis, possibilitando, assim, as fraudes.
A ideia de fraudes passou a ser vinculada às de ação afirmativa, cota e inclusão a partir das sucessivas denúncias de que indivíduos não negros, ou pardos com passabilidade, estariam se beneficiando ao transitarem entre grupos raciais a fim de obterem facilitação no acesso a espaços prestigiados. Nas instituições de ensino superior públicas em especial, embora sejam exíguos os indicadores que permitam a precisa mensuração das fraudes, estudantes e coletivos negros protagonizaram práticas de publicização com exposição daqueles considerados fraudadores, com páginas em redes sociais e divulgação de seus perfis, fotos e hábitos; constrangimento direto com distribuição de cartazes no interior das instituições; e prática de pressão à gestão central.
Em termos jurídicos, o ato de fraudar é definido, objetivamente, como “enganar; lesar alguém por meio malicioso ou fraude, causando prejuízo, enganando as pessoas; adulterar coisas e documentos” (Santos, 2001, p. 103). Contudo, quando aplicado aos princípios que definem os elegíveis para ocuparem vagas de ação afirmativa a partir de corte étnico‑racial, um problema é revelado: a noção de identidade racial pressupõe uma recusa às experiências classificatórias defendidas pelo racismo científico ao longo do século XIX, com especial permeabilidade no Brasil no início do século XX e, simultaneamente, a defesa de que qualquer identidade deva ser entendida como um processo de construção e elaboração constantes, que associa características físicas a elementos outros, como dinâmicas e experiências familiares e sociais, dotando assim sua constituição de contornos especialmente subjetivos.
E, além: a possibilidade de se autonomear, de se autoidentificar e se autoclassificar representaria o poder de produzir discursos e narrativas sobre si mesmo, retirando do “outro” o poder de definição e recusando o lugar de objeto passivo de nomeação. A agência em um processo de classificação racial representaria autoridade sobre si mesmo e protagonismo em elaborações de representações.
Por essas razões, a implementação das comissões de heteroidentificação não é consensual, estabelecendo polêmicas que tensionam setores do campo acadêmico e do ativismo negro. Nesse sentido, são complexas, posto que impõem a ideia objetiva de fraudes, tal como apresentada no campo jurídico, à subjetividade da autoidentificação, da autoclassificação; são paradoxais por subverterem a autoridade de validação de pertencimento étnico-racial; e são exóticas ao tentar produzir respostas ao impasse histórico do sistema de classificação racial brasileiro, a partir de ações institucionais extrínsecas às elaborações tradicionais sobre as relações raciais brasileiras.
A literatura que aborda as comissões de heteroidentificação frequentemente discorre sobre os debates prévios à sua instauração ou ao papel de agentes sociais e coletivos para sua execução (Silva et al., 2020; Batista & Figueiredo, 2020). Mas, sobretudo, podemos inferir que ainda estamos em um momento no qual os trabalhos produzidos apresentam os mais diversificados estudos de casos, que contribuirão para a consolidação de uma perspectiva mais ampla sobre as distintas e diversas experiências de comissões de heteroverificação implementadas em instituições de ensino superior.
A Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, por exemplo, apresentou em 2019 um dossiê temático intitulado A importância das Comissões de Heteroidentificação para a garantia das Ações Afirmativas destinadas aos Negros e Negras nas Universidades Públicas Brasileiras. Nesse dossiê, em sua maioria, os trabalhos publicados refletiam estudos de casos das Universidades Federais de Uberlândia (Elísio et al., 2019); da Grande Dourados (Marques et al., 2019); do Mato Grosso do Sul (Maciel et al., 2019); do Recôncavo da Bahia (Fonseca & Costa, 2019); do Paraná (Dias et al., 2019); de Santa Catarina (Passos, 2019); e de Pelotas (Nunes, 2019).
O presente trabalho, nesse sentido, pretende contribuir com essa literatura já produzida, ao apresentar por objetivo a reflexão sobre dinâmicas, tensões e conflitos verificados na implementação e execução das comissões de identificação racial destinadas a validar o ingresso de estudantes em cursos de graduação no ensino superior e, mais especificamente, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), através das ações afirmativas destinadas a pretos e pardos. Partimos do princípio de que tais dinâmicas institucionais – viabilizadas por meio de discursos, nomeações e ritos – operam no sentido de disciplinar e adequar os agentes envolvidos a performarem seus respectivos papéis de “sujeito avaliado e sujeito avaliador” e, assim, independentemente dos conflitos e ruídos ali desencadeados, atuarem como “cúmplices” da legitimação e reconhecimento dos processos e procedimentos inerentes à exigência da heteroidentificação.
Vale destacar que, quando falamos em “sujeito avaliado e sujeito avaliador”, sob a inspiração das formulações de Foucault (1984, p. 5), entendemos que “há dois sentidos para a palavra ‘sujeito’: o sujeito submetido a outro pelo controle e pela dependência e o sujeito ligado à sua própria identidade pela consciência ou pelo conhecimento de si”. Para a construção de uma cultura participativa e democrática, são necessários, portanto, sujeitos que a legitimem e que nela se construam, ou que sejam “produzidos”, mediante processos disciplinares que, segundo Foucault (1984), envolvem técnicas específicas de um poder que toma os indivíduos/sujeitos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício.
Assim, com vistas a pensar como Comissões de Heteroidentificação podem se configurar como espaços de ritualização de narrativas institucionais, como espaços de reatualização de relações de alteridade e de poder – incluindo o “poder de nomear” – bem como de conflitos e formas de resistência inerentes a processos dessa natureza, recorremos a uma chave teórica que conecta a reflexão sobre práticas institucionais à abordagem das práticas rituais e “disciplinares”. Essas últimas, como produtos de práticas políticas e administrativas, bem como de discursos – aqui entendidos também como ações do Estado, cuja marca é a do exercício do poder (Souza Lima, 1995) –, operam como dispositivos que potencializam e reatualizam relações de dominação e de disciplinarização, bem como o poder de nomear agentes, sujeitos e as coisas que se entrelaçam no mundo.
Este artigo apresenta, em primeiro lugar, o processo que inaugurou o uso das comissões de heteroidentificação no Brasil como uma etapa considerada necessária e complementar às políticas de inclusão e acesso desenvolvidas desde os anos 2000. Entendemos que, desde sua implantação pela UnB, houve uma sensível modificação de seu significado e legitimação de seu uso. Na sequência, o campo estudado – a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – será exposto, localizando a UNIRIO no universo das instituições de ensino superior públicas do estado, com destaque para o processo de sua adesão às ações afirmativas e incluindo os desdobramentos dessa adesão. Em seguida, passaremos à discussão teórica que subsidia os pressupostos defendidos neste trabalho: os de que as comissões de heteroidentificação são desenvolvidas em tensão tênue entre os princípios objetivos da análise do candidato e a constante presença de subjetividade, complexificando as relações de alteridade, poder e conflito ritualizadas e inerentes às práticas das referidas comissões. Por fim, analisaremos como essas relações foram verificadas nas comissões de heteroidentificação desenvolvidas na UNIRIO.
Metodologia
Para fins de análise, este trabalho priorizou as Comissões de Heteroidentificação formadas para verificação, tal como desenvolvidas na maior parte das universidades federais brasileiras, inclusive na UNIRIO. Para tanto, foram utilizadas abordagens metodológicas multidimensionais. Em um primeiro nível, com a proposta de compreensão do campo e para a produção das primeiras reflexões, foram conjugadas análise documental e abordagem da observação dos procedimentos da formação das comissões. Do mesmo modo, houve a inserção em um curso de preparação para integrantes das comissões.
Em um primeiro momento, as informações e dados obtidos através dessas estratégias não conjugadas foram complementares, permitindo a observação dos processos de alteridade presentes nos momentos da instalação das comissões e, ao mesmo tempo, a elaboração das primeiras análises e validação das premissas que orientaram o trabalho. Em um segundo momento, como forma de controle para os dados obtidos na etapa anterior, foram conduzidas entrevistas semiestruturadas com agentes institucionais diretamente envolvidos com as comissões (gestores e integrantes). Esse procedimento permitiu que as reflexões produzidas anteriormente fossem confirmadas e aprofundadas. Como se trata de um estudo de caso, com agentes instituídos por nomeação, a identidade dos informantes será preservada, de forma que este artigo priorizará a análise das informações obtidas, em detrimento da transcrição literal das falas dos entrevistados.
Os resultados da pesquisa aqui apresentados trazem novas perspectivas para os distintos campos de estudos que vêm se apresentando no entorno das relações raciais: em primeiro lugar, acrescentamos ao tema das comissões a perspectiva de pensá-las ritualisticamente e como exercício disciplinar de poder, a partir das contribuições de algumas abordagens antropológicas (Lima, 2002; Souza Lima, 2002). Do mesmo modo, ao observarmos as relações produzidas no momento da realização das entrevistas, reinserimos no debate sobre acesso ao ensino superior o complexo problema acerca de nosso sistema de classificação racial, que há décadas parecia ter sido superado, assim como o das relações de alteridade e poder que o cercam e constituem.
Da peritagem racial à validação das comissões de heteroidentificação
Tão logo as discussões sobre a implementação de ações afirmativas – seja na forma de iniciativas produzidas pela sociedade civil ou de políticas, elaboradas a partir da política institucional (Vieira, 2003) – chegaram ao debate público no Brasil, ao longo dos anos 1990, as características de um sistema de classificação multirracial e cromático foram acionadas como possível obstáculo a medidas que pressupunham a utilização de um critério racial binário: negros e brancos.
No discurso ordinário, perguntava-se “quem é branco no Brasil?”, enquanto, no campo acadêmico, era travado um embate sobre os significados de nosso sistema de classificação. Em Multiculturalismo e racismo no Brasil: uma comparação Brasil x Estados Unidos – o primeiro livro sobre ações afirmativas publicado no Brasil, organizado por Jessé de Souza –, por exemplo, o eixo de reflexões percorre questionamentos sobre a possibilidade de desenvolvimento de mecanismos de ação afirmativa em um país com tamanha flexibilidade.
A princípio, esse debate foi superado quando as universidades estaduais UERJ e UNEB e a federal UnB, não obstante esse impasse inicial, implementaram suas políticas de ação afirmativa para a ampliação do acesso a suas graduações. Contudo, a iminência de ocupação indevida de vagas por candidatos não‑elegíveis e a necessidade de salvaguardar as medidas de inclusão adotadas levou as instituições a desenvolverem mecanismos de controle para possíveis fraudes. Desse modo, a primeira comissão de heteroidentificação implementada no ensino superior brasileiro ocorreu na Universidade de Brasília (UnB) em 2004. Sua instauração resultou em grande polêmica, sobretudo porque ali foram impostas formas de classificação e identificação a partir de um olhar “estrangeiro”, sendo denominada pelos críticos de “peritagem racial” ou “tribunal racial”, em alusão às práticas do racismo científico difundido na passagem dos séculos XIX e XX. A reserva de vagas instituída pela UnB previa a verificação do critério racial através de fotos, antes de se validar a matrícula do estudante (Maio & Santos, 2005). Entretanto, após o polêmico caso dos gêmeos, no qual um foi aceito na política de reserva de vagas e o outro não, a instituição passou a adotar entrevistas como método de validação (Blackman, 2014).
Além disso, um levantamento realizado pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (GEMAA) observou que, até 2011, 40 universidades adotavam algum procedimento de definição para pertencimento racial. Trinta e quatro (85%) adotavam a autodeclaração; três (7,5%) implementaram comissões de verificação; duas (5,0%) usavam fotografia; e uma (2,5%) associava o uso de fotografia à comissão de verificação. Medidas que foram descontinuadas posteriormente à implementação da Lei de Cotas em 2013, que previa o critério de autodeclaração racial (Feres Júnior et al., 2011).
As comissões somente voltam ao cenário do ensino superior em 2017, quando nove instituições implantaram o mecanismo de forma complementar à autodeclaração. Criando uma tendência, o número de comissões cresceu rapidamente; chegando a 69 instituições em 2021 (Santos, 2021). A literatura explica esse movimento de três maneiras. A primeira, como uma resposta às fraudes ocorridas no processo de matrícula dos estudantes nessas instituições (Ferreira, 2020; Dos Santos et al., 2021). A segunda, como um reflexo das comissões criadas no âmbito dos concursos públicos. Essas tiveram a sua constitucionalidade garantida no Supremo Tribunal Federal a partir da Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 41 (Brasil, 2017). E, por fim, por pressões advindas do Ministério Público.
Em um primeiro momento, as instituições começaram a criar comissões de “verificação”. Essas são um mecanismo de averiguação das matrículas ocupadas por estudantes que não se enquadram no critério da reserva de vagas. É importante ressaltar que em todos os tipos de cotas existe a possibilidade da fraude. Contudo, as queixas ocorriam, em sua maioria, por parte dos integrantes dos movimentos negros que acompanham a implementação da lei n° 12.711/12, em especial, a entrada de alunos pretos e pardos nas instituições de ensino superior.4
A mudança de paradigma ocorre a partir de discussões centradas na ideia de que “a vaga ocupada por um fraudador nunca será recuperada”. Com essa perspectiva, as instituições de ensino superior começaram a instituir, no momento da matrícula dos estudantes, de forma complementar, comissões de heteroidentificação (Nunes, 2018). Essas foram denominadas de “comissões de validação” e seguem um modelo parecido com as comissões que operam em concursos públicos.
É importante destacar que, quando falamos em “complementar”, estamos assinalando o fato de que a heteroidentificação só pode ocorrer após a autodeclaração. Esse processo envolve um direito do indivíduo de se identificar como pertencente a uma determinada cor ou a um grupo social. Do mesmo modo, possui um caráter subjetivo, no qual há uma autodefinição e uma autoidentificação. A problemática se instaura justamente nesse campo, pois, muitas vezes, a estrutura social que reflete sobre o indivíduo não é a mesma que este contempla. Além disso, também há a má intenção, em que o sujeito conscientemente frauda o processo. O embasamento para criação das Comissões de Heteroidentificação está debruçado nesse segundo contexto.
Instauradas, as instituições de ensino superior iniciaram seu processo de organização dos critérios de heteroidentificação.5 Essa discussão estava polarizada quanto à inclusão de estudantes que possuem ascendência preta, parda ou indígena ou estudantes que atendem fenotipicamente a esses critérios. Assim, a partir do entendimento de que as ações afirmativas perpassam a questão do racismo estrutural e de que este, no caso brasileiro, ocorre não pela ascendência, houve um entendimento de que essas comissões deveriam observar o fenótipo dos estudantes (Silva et al., 2020; Santos, 2021). No caso do Rio de Janeiro, estado onde se localiza a UNIRIO, nossa instituição de análise, ainda se teve como pano de fundo a pressão do Ministério Público para que essas comissões aderissem ao critério de fenótipo como forma prioritária (MPF, 2018). Nesse sentido, os gestores se aproximaram do argumento de Oracy Nogueira (1954) de que, no Brasil, existe um “preconceito de marca” no qual os traços físicos dos indivíduos incidem diretamente no modo como este irá acessar direitos e bens. As comissões de heteroidentificação, justamente por observarem essas “marcas”, debruçam-se sobre a construção da identidade racial brasileira, em especial, na categoria “pardo”, na qual a “negritude autodeclarada é controvertida ou ao menos posta em dúvida” (Rios, 2018, p. 235).
As primeiras análises sobre a implantação das comissões em instituições de ensino superior apontam para uma problemática em relação à verificação da pessoa parda. Os estudos de Maia e Vinuto (2020), em que se observaram estudantes de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense, mostram que há uma facilidade em aferir pessoas brancas e de pele mais escura, entretanto, isso não acontece quando a pessoa pertence ao grupo dos pardos. Além do tom da pele, existem outras características que são observadas para a identificação do sujeito de direito à cota racial. Fatores como cabelo, nariz, boca, roupas e local de residência são importantes para esta verificação (Maia & Vinuto, 2020). Nesse último caso, roupas e local de residência interpõem a posição de classe dos indivíduos; corroborando a ideia de que “dinheiro embranquece e pobreza escurece” (Silva 1999, p. 111). Ao garantir esse entendimento, as comissões passam a ter uma análise racial transpassada pela classe e tornam-se distantes das discussões de que a desigualdade racial acontece isoladamente das condições socioeconômicas do indivíduo. O pardo, portanto, se torna figura da transposição de um argumento centrado nos problemas raciais brasileiros e se concentra numa interseção de desigualdades.
A questão da regionalidade brasileira também é relevante para pensarmos essa relação. Isso, porque as relações raciais e as formas como a pessoa é lida racialmente se modificam, dependendo do local. Assim, considerar o indivíduo pardo em um local como o Rio de Janeiro é diferente de o considerar na Bahia. Do mesmo modo, essa relação também será diferente no sul do Brasil (Maia & Vinuto, 2020).
Assim, a heteroidentificação de pessoas pardas perpassa o reconhecimento social de que esses indivíduos sofrem de fato preconceito racial e isso implica uma série de condições que estão na base da estrutura social brasileira. Braga (2021), ao comentar sobre o alto índice de reprovação de pessoas pardas na UFMG, argumenta que existem pessoas pardas que não precisam deste tipo de política para concorrer aos processos seletivos. Nessa perspectiva, ainda que conste de jure como membro da categoria negro, o elemento pardo é socialmente lido como pessoa que não passa pelas mesmas agruras e sofre discriminação racial que justifica adoção para si de importantíssima ferramenta de luta contra o racismo!
(Braga, 2021, p. 114).Outra questão que se faz relevante para o debate no âmbito das comissões de validação é a forma como os estudantes ingressantes lidam com e se compreendem dentro desse processo. Ao analisar o momento da realização dessas comissões na UFF, Miranda, Souza e Almeida (2021) atentam para a dificuldade dos estudantes em fundamentar sua autodeclaração no formulário da instituição. Esse continha questões como “Você já sofreu preconceito?” ou “Por que você se considera preto(a), pardo (a) ou indígena?”. Em muitos casos, os estudantes procuravam os burocratas responsáveis pela comissão para perguntar “eu escrevo o quê, professor (a)?” (Miranda et al., 2021, p. 20).
Nesse sentido, compreendemos que as Comissões de Heteroidentificação trazem questões fundamentais a serem pensadas pelas ciências sociais. Primeiramente, a partir da dimensão da “técnica”, isto é, dos modelos de verificação/validação instituídos por cursos prévios de “legitimação” dos avaliadores – que pressupõem formação, “capacitação” e “adequação” específicas para sua atuação institucional – e portarias institucionais. E, depois, a partir da dimensão do campo subjetivo, em que se observam diferentes comportamentos tanto do observado quanto do observador.
Da adoção de ações afirmativas à instalação das comissões de heteroidentificação: o caso da Unirio
A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, de acordo com sua página institucional, originou-se a partir do Decreto-Lei nº 773 de 20 de agosto de 1969, que estabeleceu a vinculação de instituições isoladas, até então associadas “aos Ministérios do Trabalho, do Comércio e da Indústria; da Saúde; e da Educação e Cultura” – a Escola Central de Nutrição, a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, o Conservatório Nacional de Teatro (Escola de Teatro), o Instituto Villa-Lobos, a Fundação Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro e o Curso de Biblioteconomia da Biblioteca Nacional –, fundando assim a Federação das Escolas Isoladas do Estado da Guanabara (Fefieg), à qual se juntaria, em 1977, o Curso Permanente de Arquivo (do Arquivo Nacional) e o Curso de Museus (do Museu Histórico Nacional).
Ainda antes, em 1975, após a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, passou a ser chamada de Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado do Rio de Janeiro (Fefierj); em 1979, Universidade do Rio de Janeiro (Unirio); e, por fim, em 2003, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
A Unirio é uma das quatro universidades federais localizadas no Rio de Janeiro, um estado que, entre as 27 unidades da federação, ocupa a quarta posição no ranking de distribuição de universidades federais por estado, juntamente ao Pará,6 Paraná7e Pernambuco,8 atrás apenas de Minas Gerais,9 do Rio Grande do Sul10 e da Bahia.11 Incluindo a já mencionada Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, o estado conta ainda com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Universidade Federal Fluminense (UFF).
Ocupar a quarta posição na distribuição de universidades por região pode parecer, a princípio, modesto para um estado como o Rio de Janeiro. Mas, até a implementação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão da Universidades Federais, o Reuni,12 instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, o estado ocupava a terceira posição na distribuição de universidades federais em seu território, atrás de Minas Gerais (11) e do Rio Grande do Sul (5). Bahia, Pará e Pernambuco possuíam, até então, três universidades federais, e Paraná, duas.
Além disso, se considerarmos exclusivamente as instituições de ensino superior públicas, somam-se às quatro universidades mencionadas a municipal Faculdade Professor Miguel Ângelo da Silva Santos (FeMass), as estaduais Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Universidade Estadual da Zona Oeste (Uezo), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf); os institutos federais Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ), Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence); Instituto Federal Fluminense (IFF) e Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ).
Considerando as universidades federais, estaduais, municipais e os institutos de ensino superior, veremos que o Rio de Janeiro apresenta grande diversificação entre as instituições. Para além da variedade de IES, o estado é conhecido por seu lugar de tradição e destaque no cenário do ensino superior nacional. Possui a primeira universidade do Brasil, a UFRJ; detém centros expressivos de pesquisa e produção de conhecimento e programas de pós-graduação consolidados. Além disso, protagonizou discussões essenciais para os recentes debates sobre acesso, inclusão e democratização.
No que se refere especificamente às ações afirmativas, o Rio de Janeiro representou vanguarda das discussões, em especial, quando a Uerj se tornou uma das primeiras universidades brasileiras a adotar ação afirmativa para a inclusão de jovens de baixa renda e de minorias étnicas, através da aprovação pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) das Leis 3.524 (em 2000) e 3.708 (em 2001). Em contrapartida, no estado, também se situa o principal campo da resistência às ações afirmativas, representado fundamentalmente pela UFRJ, que, já em 2004, havia declarado que seu Conselho de Ensino, fundamentado em resoluções como a produzida pela Faculdade de Medicina, rejeitaria qualquer proposta de ações afirmativas/cotas que fossem submetidas para aprovação.
Matéria de Rubem Berta (2004) inclui depoimento do então diretor daquela instituição em que declara sua posição contrária às cotas, argumentando que essa medida iria aumentar o risco de precarização do ensino e a evasão no curso. Em deliberação realizada no final de julho de 2004, todos os 32 membros da congregação se opuseram à proposta de reserva de vagas na Faculdade de Medicina
(Wickbold & Siqueira, 2018, p. 5).Apesar das pressões internas, somente em 2011, às vésperas da promulgação da Lei de cotas, a UFRJ aprovou, em seus conselhos superiores, a adoção de reserva de vagas, mas somente direcionadas para alunos originários de escolas públicas, as chamadas cotas sociais, (Magalhães & Menezes, 2014), em uma decisão analisada como “um exemplo da resistência enfrentada à modalidade de cotas raciais” (Wickbold & Siqueira, 2018, p. 3).
A aprovação das cotas sociais por resolução do conselho universitário na UFRJ, em 2011, fez com que a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, instituição vizinha, localizada no tradicional bairro da Praia Vermelha, na Zona Sul do Rio de Janeiro, se tornasse a última universidade pública do estado a adotar qualquer medida de ação afirmativa para a ampliação do acesso às graduações. De acordo com levantamento do Gemaa (Feres Jr. et al., 2011), até as vésperas da implementação da Lei de Cotas, somente cinco instituições federais do Sudeste não haviam desenvolvido suas políticas de ações afirmativas, e a Unirio encontrava-se entre essas.13 Sem que se tivesse produzido qualquer mobilização na comunidade acadêmica, ou nem mesmo discussões no Conselho Universitário (Consuni) ou no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe), seus conselhos superiores, a Unirio somente incorporou ações afirmativas como forma de acesso a suas graduações por força da Lei de cotas, instituída em 2012.
Entre a década que compreende o início das ações afirmativas, em 2012, até o ano de 2022, a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro ampliou as ações afirmativas para além da graduação. Atualmente, além de ações afirmativas para o acesso à graduação, a Unirio conta com uma Pró‑Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) que, como complemento dos mecanismos de inclusão, desenvolve políticas direcionadas à permanência de estudantes, sobretudo aqueles com perfil compatível aos das cotas sociais. Do mesmo modo, os programas de pós‑graduação em seus mestrados e doutorados incorporaram cotas étnicas e raciais em seus processos seletivos.
Pode-se afirmar que a entrada da Unirio no universo das políticas de ação afirmativa, seja para o acesso à graduação, seja para o acesso à pós‑graduação, ou ainda com a adoção de assistência estudantil, não ocorreu de forma orgânica. Ou seja, desde o acesso à graduação chegando à adoção de cotas na pós‑graduação, não houve sensibilização da comunidade acadêmica para a questão, tampouco discussões amadurecidas em seus conselhos superiores. Do mesmo modo, a Pró‑Reitoria de Assuntos Estudantis responde a uma demanda do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes).
No âmbito das comissões de heteroidentificação, objeto de nossa análise, o processo de adesão da Unirio se insere em dois contextos. O primeiro, interno à instituição, foi angariado pelos próprios funcionários, em 2016, após a primeira avaliação da implementação da Lei n°12.711/12. Durante o trabalho de campo, percebemos que houve certo incômodo após a constatação de que, entre os estudantes que participavam do processo, alguns não se enquadravam na autodeclaração. No curso das observações, percebemos ainda que esse tipo de situação tinha a ver com a percepção do burocrata em relação à política. Por outro lado, no contexto externo, vale lembrar que o Ministério Público do Rio de Janeiro, após denúncias de membros de movimentos sociais, notificou as universidades do estado exigindo a criação de comissões de heteroidentificação.
Assim, uma questão e problema que estavam sendo discutidos nos conselhos universitários se deslocaram para o âmbito jurídico, e como todas as universidades do Rio de Janeiro foram intimadas, optou-se pela proposição de um modelo único de comissão, resultando, assim, na criação de um Termo de Ajustamento. Este, por sua vez, previa que o procedimento de heteroidentificação fosse feito através de fenótipo e realizado por uma banca que apresentasse ampla diversidade de membros. No caso da Unirio, foi escolhida uma banca com dois membros de cada segmento: discente, docente e técnico-administrativo. Entre os discentes, foram priorizados integrantes dos movimentos/coletivos negros da universidade.
Além disso, foi interpretado que, como ato administrativo, a participação dos integrantes nas comissões não poderia ocorrer sem curso prévio que os formasse e capacitasse como avaliadores. Num primeiro momento, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) oferecia cursos para formar membros da banca. Entretanto, mais recentemente, a própria Unirio passou a oferecer esse tipo de formação.
Longe de haver um consenso dentro da universidade, ao longo do trabalho de campo percebemos existir certa dificuldade em recrutar membros docentes e técnicos para compor as bancas. Por isso, o recrutamento ocorreu através das práticas relacionais da instituição e não por chamadas públicas. Esse processo, em alguma medida, está associado às relações de poder no cerne das instituições, temática que iremos tratar nas próximas seções.
Sobre ritos institucionais disciplinares e o poder de nomear
Processos normativamente ritualizados, bem como as relações daí decorrentes no campo institucional, podem ser pensados à luz das formulações de Foucault (1992) – particularmente as que se referem ao surgimento de determinadas instituições – sobre o exercício capilarizado de poderes disciplinares, quando mecanismos de controle expressos sob a forma de avaliação, supervisão, formalização e normatização vão institucionalizar práticas disciplinares ou microtécnicas de poder atuando sobre indivíduos, sujeitos e grupos sociais.
Embora a análise de Foucault sobre as relações de poder seja resultado de investigações delimitadas e circunscritas a certos espaços e relações, é possível percebermos que a intervenção de certas tecnologias de controle – e de produção – de indivíduos, posta em prática em instituições como a prisão, o hospital, a escola e a fábrica, também ocorre em outros campos e espaços, no sentido de disciplinar o funcionamento e as ações daqueles que os fazem existir. Tal como uma técnica, um dispositivo, um mecanismo, tais tecnologias – sempre ancoradas em “saberes” – atuam como instrumentos de poder que viabilizam o controle minucioso de fazeres, práticas e papéis, disciplinando e criando relações de “adequação”. O que interessa a Foucault (1992) é a observação do desenvolvimento de uma certa eficácia produtiva e positiva do poder, ou seja, examinar de que modo e por meio de que estratégias o poder ressurge como positividade, ou como ele produz relações e rituais de verdade, a fim de gerir e adequar de forma eficaz vida institucional e vida dos indivíduos, sempre no sentido do aperfeiçoamento de suas capacidades.
No que se refere ao objeto aqui analisado, partimos do pressuposto de que aqueles que atuam em bancas e comissões de avaliação ou validação – heteroidentificação – são escolhidos porque julgados aptos e detentores de uma espécie de notório saber – saber também associado às noções de vivência e experiência – a ser aplicado sobre um campo de ações, relações e indivíduos. Vale lembrar que “avaliadores” são também alvo de formação específica – institucionalmente amparada – que lhes confere a legitimidade de peritos dotados de certo capital de conhecimento a ser empregado para a eficácia – e legitimidade – de um processo institucional que se busca instaurar e manter.
Consideramos que o estudo de rituais, tema clássico da antropologia desde Durkheim, assume um especial significado teórico e, menos obviamente, político, quando levado dos estudos clássicos para o mundo moderno. Nesse movimento, o foco, antes direcionado para um tipo de fenômeno considerado não rotineiro e específico, amplia-se e passa a dar lugar a uma abordagem que privilegia uma pluralidade de eventos interpretados como “socialmente singulares” ou como “fenômenos especiais”.
Sabemos que o ritual é um dos temas mais discutidos na antropologia, remontando aos trabalhos de Durkheim, Robertson Smith, Van Gennep, Bateson, Gluckman, até Turner e Leach. Há uma vasta literatura sobre esse tema, e, no último século, inúmeras definições foram propostas e infindáveis classificações sugeridas. Apesar disso, ou exatamente em razão disso, ao pensarmos o nosso objeto – comissões de heteroidentificação – como espaços de ritualização de práticas e procedimentos, não partimos de uma definição a priori de ritual. Isto é, não buscamos separar, em termos absolutos, o que é ritual do que não é ritual, na medida em que acreditamos que a própria concepção de que um evento reúne características de um ritual, por ser “diferente, especial, peculiar”, tem que ser nativa.
Seguindo essa inspiração, acreditamos que passa a ser ritual o que, em campo, é definido ou vivido como peculiar, distinto, específico, sendo o pesquisador personagem relevante na escolha dos acontecimentos significativos para uma investigação e abordagens ritualísticas. Daí, em nossa percepção, buscamos evitar classificações prévias, como se estivéssemos à procura de um novo kula em espaços e no correr de eventos e experiências institucionais. Assim, buscamos aqui algo que surpreenda nossas categorias e representações naturalizadas, partindo do princípio de que grande parte do repertório sociocultural de uma determinada sociedade envolve a ritualização e de que os rituais não se separam de outros comportamentos sociais de forma radical e absoluta. Uma flexibilidade analítica se segue, portanto, e a abordagem desenvolvida para estudar os rituais pode ser utilizada de maneira produtiva e criativa para analisar eventos em geral.
Enfim, entendemos que o ritual pode ser visto como ferramenta de análise que vai repensar tipos especiais de eventos dotados de certa ordem que os estrutura, de um sentido de acontecimento cujo propósito é coletivo, de uma eficácia sui generis e uma percepção de que são acontecimentos diferenciados, daí serem suscetíveis à análise porque já recortados em “termos nativos”. Portanto, afastada a ideia de ritual como “objeto” meramente empírico, ele adquire, aqui, o papel de instrumento privilegiado de análise: como ferramenta e não tema ou objeto de estudo. Insistimos: como rituais não se separam de outros comportamentos de forma absoluta, eles simplesmente replicam, enfatizam ou acentuam o que já é usual; e, se há uma coerência mínima na vida social, como nós, cientistas sociais, acreditamos, é possível aplicar o potencial analítico desenvolvido para os rituais para “eventos extraordinários” – e pensados como tais pelos grupos, coletivos e sociedades.
Propondo aqui uma breve retrospectiva sobre a abordagem teórica dos rituais, relembramos que, nos anos 1960, Edmund Leach (1976) contribuiu para o tema com um trabalho que se tornou clássico na Antropologia. Ao estudar os Kachin birmaneses em suas relações menos ou mais técnicas e menos ou mais ritualizadas, Leach distinguiu três tipos de comportamentos: além do racional-técnico (dirigido a fins específicos que, julgados por nossos padrões de verificação, produzem resultados de maneira mecânica); o comunicativo (que faz parte de um sistema que serve para transmitir informações através de um código cultural) e o mágico (que é eficaz em termos de convenções culturais). Para o autor, os dois últimos tipos envolviam um complexo de palavras e ações, isto é, uma linguagem condensada e declaratória sobre como os indivíduos estão, simbolicamente, envolvidos na ação e quais os seus status sociais no sistema estrutural em que temporariamente se encontram.
Assim, sobre a potência ritualística ou sobre o poder dos rituais, Leach (1976) nos ensinou que, numa espécie de compatibilidade construída, o mundo cotidiano penetra o mundo ritual, fornecendo‑lhe como matéria‑prima aquilo que nele se expressa e cuja reconstituição, por meio dos elementos retóricos e simbólicos do ritual, vai contribuir para que algo seja revelado, reforçado ou até neutralizado sobre a estrutura social. Em outras palavras, por meio do ritual, explicitam-se, em linguagem simbólica, aspectos relevantes do sistema social, seja como forma de reforçar e acentuar regras, posições e relações já existentes, ou, ao contrário, como forma de neutralizar, inverter e conferir novos significados ao que existe.
Trata-se ainda de um momento que se aproxima da experiência teatral, quando uma encenação dramatiza o que se vivencia na vida cotidiana e na qual contradições e dilemas fundamentais expressos nas relações sociais são reposicionados, seja para acentuá-los, seja para ressignificá-los. Além disso, se pensarmos nos rituais como encenação teatral, acreditamos ser possível também perceber, como consequência de sua qualidade dramática, aquilo que Goffman (1989) denomina de controle de impressões: quando um certo número de pessoas ou atores exercitam a arte de manipular a impressão para representarem com sucesso seus personagens. Segundo o autor, “[a] fim de evitar que aconteçam incidentes e o embaraço consequente, será necessário que todos os participantes da interação, bem como aqueles que não participam, possuam certos atributos e os expressam em práticas empregadas para salvar o espetáculo” (Goffman, 1989, p. 195).
Em suma, seja pela inversão, reforço ou neutralização, normas e padrões sociais são reforçados ou neutralizados na atividade ritual, quando aspectos da realidade são enfatizados em detrimento de ou complementaridade a outros. Essa dinâmica mental e emocional vem fortalecer – assim como parece alimentar-se de – um conjunto matriz de imagens hierárquicas que acentua e reatualiza a “competência” de alguns versus a “incompetência” de outros; o savoir‑faire de um grupo contra o “despreparo” de outro. Assim, pode-se dizer que uma comissão de heteroidentificação, operando como ritual, engendra uma dramatização que acentua certos aspectos da realidade social que normalmente se encontram submersos na vida cotidiana, por meio de toda uma simbologia que faz com que ressurjam com mais ênfase.
Em relação ao que observamos, em que a banca‑comissão é organizada como um exercício demonstrativo de como as coisas devem funcionar segundo parâmetros elevados a um determinado padrão de veracidade e confiabilidade, no sentido da eliminação da possibilidade da fraude, há uma performance ritualística. A sabatina imposta ao avaliado busca também demonstrar uma ordem institucional que, normatizando procedimentos, quer se revelar como um processo imparcial, rigoroso, disciplinado e crítico quanto ao encaminhamento de decisões que envolvem disputas, questionamentos e a possibilidade da ocorrência de ações orientadas por novos procedimentos – normatizados – como “recursos cabíveis” e denúncias a órgãos competentes.
No curso desse processo, engendra-se um minucioso controle – sob o amparo daquilo que os indivíduos “interiorizaram da exterioridade”, isto é, do que incorporaram como limites e possibilidades inerentes às suas posições sociais – para que certas pretensões demonstrativas não sejam enfraquecidas e para que não surjam descréditos em relação ao que se busca afirmar e reproduzir. Portanto, ao mesmo tempo que a ritualização engendrada nas comissões de heteroidentificação vem reforçar aquilo que se pretende afirmar sobre as instituições – seja seu perfil democrático, sua competência, ou alinhamento com direitos humanos – ela reafirma igualmente o poder de nomear, classificar, incluir e excluir, expresso na própria lógica operacional de um evento em que a cena principal deve refletir a transparência, o caráter solidário, o compromisso com a democracia, a vinculação a políticas de reconhecimento de direitos etc.
A tentativa de pensar esses eventos sob o prisma de uma linguagem ritualística acionada dentro de uma finalidade “demonstrativa” e pedagógica, ou para reforçar lugares, posições e relações que se estabelecem no mundo social, fez-nos confirmar, a partir de um campo totalmente singular, o que Leach afirmara há muito tempo sobre os rituais. Eles propiciam a declaração de algo sobre aqueles que estão envolvidos na ação – como o status que adquiriram e a posição que ocupam dentro de uma estrutura social hierárquica –, assim como fazem com que certos aspectos do mundo fiquem em evidência, sejam reforçados e, talvez, por alguns caminhos, neutralizados.
O que revelam os rituais das comissões de heteroidentificação?
Um olhar apressado traduziria os procedimentos que organizam a realização das comissões de heteroidentificação da Unirio como essencial e eminentemente técnicos, e talvez até enfadonhos.
Primeiro cenário: o candidato que, após realização do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), submeteu-se à classificação no Sistema de Seleção Unificado (Sisu) a partir de algum tipo de cota, uma vez aprovado, no momento da matrícula, apresenta-se diante de uma banca, por meio da qual é inserido num rito montado para a validação de seu pertencimento racial. Sentado frente a uma comissão, como já mencionado, composta por dois técnicos, dois docentes e dois discentes brancos e negros, o candidato a ocupar uma das vagas destinadas a cotas raciais para pretos e pardos vai responder perguntas elaboradas por seus examinadores. Todo esse procedimento é filmado desde o momento em que o candidato entra na sala de aferição. Após responder às questões, o candidato aguarda a conclusão da banca/comissão que, na maior parte das vezes, resulta em aprovação.
Segundo cenário: a não aprovação. Caso os reprovados impetrem recurso, esse processo se repetirá, dessa vez, em nova banca formada por novos membros. Estes, por sua vez, analisam as imagens do candidato, filmadas ainda no momento da primeira aferição, e, a partir de então, produzem novo parecer.
Terceiro cenário: a não aprovação final. Resta aos que não foram aprovados a possibilidade de reverter a decisão através de medida extrauniversidade, ou seja, acionando o poder judiciário.
De maneira geral, as práticas produzidas durante a instalação das comissões buscam adotar procedimentos técnicos que, apesar de recentemente inseridos na rotina das matrículas, foram prontamente incorporados à burocracia das instituições de ensino superior. Sintetizando as informações já apresentadas neste artigo: a comissão é paritária; seus integrantes obtêm treinamento prévio sobre as relações raciais no Brasil e sobre procedimentos jurídico‑institucionais; todos são instruídos a analisar o candidato a partir de critérios unicamente fenotípicos, portanto objetivos, tais como cor de pele, textura de cabelo e traços fisionômicos, embora perguntas possam ser formuladas.
Contudo, um olhar mais cuidadoso para esse rito que se repete a cada semestre, durante todos os dias de realização de matrícula para calouros já tensos e ansiosos pela entrada em uma universidade pública, permite entrever detalhes e nuances de uma prática que muito tem a revelar: a) seja sobre como funcionam, na universidade, as dinâmicas de institucionalização de narrativas produzidas e legitimadas pela opinião pública; ou b) como operam as relações de alteridade e, consequentemente, de poder daí decorrentes; ou, por fim, c) sobre as próprias relações raciais brasileiras.
Naquilo que se refere às dinâmicas de institucionalização de narrativas produzidas e legitimadas pela opinião pública, um questionamento pode ser elucidador. Se perguntássemos a qualquer pessoa “o que pretendem efetivamente as comissões de heteroidentificação?”, provavelmente obteríamos, como pronta resposta, a assertiva: “pretendem evitar fraudes e garantir que pessoas não legítimas ocupem vagas destinadas às cotas raciais”.
De fato, o principal argumento justificador para a instalação de comissões de heteroidentificação resulta da ideia de que haveria número significativo de fraudes entre os que supostamente estariam reivindicando o direito de acesso às universidades através das cotas raciais. Tal discurso, difundido na opinião pública, foi elaborado por grupos específicos de agentes sociais e políticos: primeiro, por setores do ativismo negro institucionalizado, responsáveis pela produção de discursos para um público externo às universidades; segundo, por coletivos de estudantes negros que, atuando no interior das universidades (Guimarães et al., 2020), exercem pressão sobre distintos níveis da gestão universitária; terceiro, pela mídia que, regularmente, veicula reportagens nas quais a categoria fraude é destacada;14 e por fim, por parcela de estudiosos do campo que, em diversos trabalhos publicados, associaram comissões de heteroidentificação ao combate às fraudes (Carvalho, 2020; Freitas & Sarmento, 2020; Sales & Freitas, 2020).
Contudo, a ideia de combate às fraudes, tão demandada por atores sociais e políticos perde força discursiva tão logo as comissões são institucionalizadas e incorporadas à dimensão burocrática da gestão pública. Embora a tentativa de assumir identidade indevida a fim de assumir vaga legalmente destinada a grupos específicos deva ser entendida, de fato, como fraude, ou ainda como falsidade ideológica (Artigo 299 do Código Penal), o discurso institucional investe na não criminalização de uma possível conduta irregular, entendendo que, nesse processo “disciplinador”, uma banca de peritos treinados atua para avaliar – e validar ou não – o pertencimento racial de um candidato/a e, em caso de dúvida e suspeição quanto a sua autodeclaração, questioná-la e negá-la.
Nesse sentido, a finalidade das comissões subverte a narrativa produzida originalmente pelos agentes sociais e políticos. Em lugar de impedir ou controlar as fraudes, o fim retoma de forma positiva a ideia de “peritagem”, na medida em que os integrantes da comissão passam a atuar como peritos habilitados a validar – ou não – o que se entende como sendo “a solicitação de obtenção de direito por parte de um candidato”. Nesse sentido, a recusa ou reprovação não representariam a constatação de um crime, mas a invalidação do pleito para a obtenção do acesso, sem que fosse, desse modo, necessário aplicar sanção judicial prevista em lei específica, tal como deveria ocorrer em casos de fraudes e falsidade ideológica comprovadas.
Surge, nesse procedimento, outra finalidade não explícita ou publicizada: a do levantamento de suportes para uma possível judicialização, tendo em vista que todos os ritos que sucedem a entrada do/a recém‑aprovado/a evidenciam tal proposta: assim que o/a candidato/a entra na sala, a gravação é iniciada. Vale destacar que a gravação e filmagem de um ato, reunião ou evento institucional não é algo trivial e com propósitos exclusivos de “memória”. Uma experiência institucional gravada pode ter finalidades plurais e adquirir, inclusive, caráter de prova, caso, adiante, haja denúncias e/ou interposição de recursos. Não por acaso, quando ocorrem “ritos institucionais” envolvendo um coletivo, indaga-se a todos se será permitido gravar o evento. Todavia, ainda que “acionar gravador e câmera” tenha para a maioria um sentido de respaldo jurídico-legal, quando se “entra no modo gravado”, é como se “a ficha da formalização caísse” para todos, pois, a partir de então, adentra-se num momento peculiar e extraordinário dos papéis a desempenhar, do controle das impressões (Goffman, 1989) e, no caso da banca de verificação, da interpelação da subjetividade e da autopercepção do outro, cujo pertencimento será inquirido.
Uma vez inseridos no “modo gravado” e ritualístico da observação do/a candidato/a, instaura-se uma sabatina vigilante de caráter pedagógico, disciplinador, controlador e legitimador: um ritual de verdade, como sugere Foucault, porque estruturado sobre o alicerce de argumentos e discursos representados como legítimos, a fim de adequar e gerir de forma eficaz, competente, idônea e confiável a vida das instituições e das pessoas que nela atuam e ingressam (Lima, 2004).
O envolvimento de todos os que se relacionam durante a ritualização “pedagógica” constituída nas comissões de heteroidentificação supostamente viabilizaria o exercício da vigilância contra fraudes e um olhar disciplinador de tal modo que o vigiado adquira de si mesmo a visão de quem o observa. Nessa performance, os atores agem – e atuam – em conjunto para manter certas impressões, concordando sobre o tipo de representação a ser oferecida aos participantes. Fica o avaliado “imerso num ritual”, em contato permanente com o indiscreto olhar da banca; sujeito a perguntas orientadas para corrigir erros, ensinar lições e, assim, reafirmar lealdade aos princípios estruturantes daquela instituição, ainda que, ao final, questionamentos, dúvidas, ruídos e conflitos possam resultar em denúncias formais e informais, ou em prerrogativas conhecidas como “recursos cabíveis” – estes últimos amparados normativamente – conflitando com o que a banca decidiu, desaprovou e negou: o pleito do acesso à instituição e à formação desejadas.
Nesse sentido, duas questões relevantes emergem. A primeira se refere à relação do processo com os atores e os regimentos institucionais, tendo em vista que a dimensão procedimental – criada com objetivo de garantir a confiabilidade no processo – se torna peça-chave para compreendermos essas relações. No caso da Unirio, observamos existir grande preocupação em respaldar a Comissão, caso sua decisão seja questionada na esfera judicial, por quaisquer razões que evidenciem um caráter subjetivo na atuação de seus membros. Emerge desse ponto o segundo conjunto de revelações que evidenciam impasses não resolvidos pelas bancas de heteroidentificação: “como estabelecer procedimentos objetivos e neutros diante de processos de avaliação e classificação do outro”. Para além do exercício de peritagem, como pretendem, comissões são processos de interação. Aqui, encontram-se indivíduos que, apesar de “institucionalizados”, trazem para o momento da entrevista um olhar subjetivado.
Voltemos para o momento da entrevista: o/a candidato/a senta-se diante de uma comissão. Algumas perguntas são feitas: trata-se de perguntas elaboradas pelos integrantes da comissão. Não há roteiro que as defina previamente, embora, com frequência, as questões girem em torno de como o candidato construiu sua identidade racial. A inserção de uma possibilidade de resposta que remeta à formação pessoal de identificação racial cumpre, na verdade, duas funções: a primeira, quebrar o constrangimento para que a avaliação não ocorra em um silêncio absoluto e, mais importante, garantir que a comissão tenha tempo de avaliar o candidato utilizando critérios fenotípicos.
Nesse lapso de minutos de uma avaliação a priori objetiva, abre-se a fresta para que várias dimensões de subjetividade possam operar. Em primeiro lugar, comissões são heterogêneas, seja racialmente, seja a partir da atuação na universidade, seja a partir da trajetória de vida. Desse modo, mesmo após um treinamento, cuja finalidade é “ajustar o olhar” sobre os candidatos, não surpreende que seus membros tenham percepções diferenciadas sobre relações raciais.
Não se trata apenas de reafirmar que a forma mais determinante de classificação racial brasileira é fundamentada na consideração de elementos cromáticos e fenotípicos, significando, portanto, que o brasileiro tende a elaborar uma régua de classificação que flui do branco para o preto, com vários níveis intermediários, e igualmente hierarquizados, de cor. Somente isso já bastaria para complexificar qualquer modelo de heteroidentificação que se pretenda objetivo. Mas, trata-se também de entender que qualquer avaliação fundamentada em cor ou em raça tem caráter relacional. Assim, conforme Teixeira e Beltrão (2008, p. 7),
Podemos, em princípio, distinguir pelo menos 5 níveis de classificação: i) a visão do indivíduo sobre si mesmo; ii) a visão do indivíduo sobre alguém próximo (um familiar, por exemplo); iii) a visão do indivíduo sobre um desconhecido, baseado tão somente na aparência deste último; iv) a visão de um indivíduo de como é percebido pela sociedade em geral e v) a descrição de como um indivíduo quer ser percebido num dado contexto.
No universo das políticas públicas, há consenso sobre o ciclo de etapas de uma política: elaboração, implementação, acompanhamento e avaliação. Quando traduzidas pela máquina pública, políticas de ação afirmativa, como toda política pública, devem ser acompanhadas e fiscalizadas. Uma equipe técnica cumpre a função de acompanhar e fiscalizar possíveis fraudes.
As ações afirmativas adotadas para a ampliação do acesso ao ensino superior público não são diferentes; antes de qualquer coisa, são fundamentalmente políticas públicas. Mas, quando se trata de acesso para pretos e pardos, qual seria essa equipe eminentemente técnica? Comissões de heteroidentificação, apesar de passarem por treinamento, apresentam inerentemente o impasse entre a objetividade da avaliação técnica e a subjetividade de serem nativos em um complexo campo de produção de sentidos sobre o pertencimento racial (de si e do outro).
Nesse sentido, como observamos ao longo deste artigo, temos duas faces das comissões. Uma, a de uma suposta objetividade, em que se criam mecanismos e instrumentos institucionais formais como cursos de formação, resoluções e guias. Outra, da subjetividade, pela qual perpassa a noção de identidade racial do outro. E, como desdobramento da tensão entre esses dois lados, estão as relações raciais brasileiras.
Convém ressaltar que várias negativas resultam em judicialização e que são inúmeras as imagens de jovens negros (pardos, de pele clara, mas ainda assim, negros) rejeitados nas comissões. Além disso, multiplicam-se as menções a possíveis análises distintas, a partir de propostas de entradas em cursos específicos. Todos são indícios de que a dimensão técnica que orienta a execução das comissões é sensível à dimensão objetiva do olhar classificatório.
Emergem, dessa dinâmica, várias perguntas que este trabalho não se propôs a responder, mas que devem ser tomadas como centrais para a reflexão sobre qualquer processo de heteroidentificação: não obstante os treinamentos realizados, integrantes brancos e negros terão a mesma leitura racial de um candidato? Os treinamentos oferecem o letramento racial necessário para uma avaliação racial de outra pessoa? Qual o impacto de elementos não‑raciais, como vestimenta e linguagem? Que impacto sobre as bancas exerce o conhecimento prévio sobre o curso pretendido: seriam os integrantes das comissões permeáveis à variação de classificação a partir de propostas diferentes de acesso – Medicina e Letras, por exemplo?
Em uma sala pequena, na qual interagem poucos agentes (ou atores), toda a complexidade de um sistema de classificação racial se evidencia e, por fim, apresenta uma revelação final: as políticas de ações afirmativas e as comissões de heteroidentificação não apenas dizem sobre o impasse objetividade versus subjetividade dos integrantes das comissões, tampouco sobre a categoria pardo, que permitiria maior passibilidade, ou afro‑conveniência; mas, sobretudo, abrem as feridas, ainda não cicatrizadas, do apaziguamento produzido em torno de nosso sistema de classificação racial. Em resumo: numa sala pequena, na iteração entre poucos atores, desfila um país que ainda precisa enfrentar sua própria narrativa sobre relações raciais.
Considerações Finais
Neste artigo, a partir do estudo de caso da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, procuramos refletir sobre as comissões de heteroidentificação no ensino superior que atuam no momento da matrícula dos estudantes. Denominadas de Comissão de Validação, essas buscam garantir a idoneidade do processo de autodeclaração racial dos sujeitos que aplicam às vagas das ações afirmativas.
Em adição, assinalamos que as comissões perpassam as dimensões das dinâmicas institucionais e das relações raciais brasileiras. Esses dois âmbitos carregam condições subjetivas e objetivas do processo de heteroidenficação. Se, por um lado, a instituição promove estruturas que consolidam e fundamentam as práticas de observação dos sujeitos, por outro, há a subjetividade empregada no processo de aferir o fenótipo dos indivíduos. As práticas institucionais nos parecem mais ligadas à questão das relações entre atores, em especial, como uma resposta caso haja um questionamento no âmbito do judiciário.
Nesse sentido, argumentamos que a reconstrução do processo de validação como ritual tornou possível perceber o quanto posições, sistemáticas de controle e de dominação submersas e investidas de intenções positivas são definidas e fortalecidas; o quanto modos de agir e de pensar sobre o mundo são enfatizados e naturalizados; como as hierarquias são endossadas em diversos momentos e níveis; como conflitos são absorvidos e solucionados através de “consensos operacionais” e, por fim, por que caminhos se reproduz o “não dito” ou o arbitrário que rege o funcionamento dos campos sociais e institucionais, assim como as relações de poder que os conformam.
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Notas
Autor notes
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