Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
Contribuições para o ensino de teoria e história da sociologia: reflexões sobre o presente e propostas desde o Brasil
Layla Pedreira Carvalho; Klein Klein
Layla Pedreira Carvalho; Klein Klein
Contribuições para o ensino de teoria e história da sociologia: reflexões sobre o presente e propostas desde o Brasil
Contributions to the teaching on theory and history of sociology: reflections on the present and proposals from Brazil
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 11, núm. 27, pp. 103-132, 2023
Sociedade Brasileira de Sociologia
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

RESUMO: Neste artigo propomos refletir sobre a atual estrutura do ensino da sociologia e da teoria sociológica de instituições de ensino superior no Brasil em cursos de licenciatura e bacharelado em Ciências Sociais. Inicialmente, fazemos um breve balanço de alguns olhares sobre o debate acerca da história da sociologia, visando situar a nossa reflexão em uma perspectiva crítica à naturalização de um cânone sociológico e seus efeitos. Em seguida, apresentamos um panorama amostral acerca dos autores mais recorrentes nas disciplinas obrigatórias de teoria de cursos de graduação no Brasil, tendo por base os projetos pedagógicos e políticos de curso (PPC e PPP), buscando explorar o lugar da teoria sociológica e da história da sociologia no desenho dos cursos de graduação com conceito de curso três a cinco. Num terceiro momento trazemos, de maneira sintética, algumas considerações voltadas a contribuir para os embates em torno dos esforços de se repensar a história da sociologia tendo por base perspectivas oriundas do contexto periférico.

Palavras-chave: Teoria sociológica, ensino de sociologia, história da sociologia, perspectivas contra-hegemônicas, Brasil.

ABSTRACT: This article proposes to reflect on the current structure of teaching sociology and sociological theory in higher education institutions in Brazil in graduate courses in Social Sciences. First, we present a brief assessment of some perspectives on the debate about the history of sociology, aiming to situate our reflection in a critical perspective on the naturalization of a sociological canon and its effects. Then we present a sample overview of the most recurrent authors in the mandatory disciplines of theory in undergraduate courses in Brazil, based on the course's pedagogical and political projects (PPC and PPP), seeking to explore the place of sociological theory and history of sociology in undergraduate courses with good evaluation. In a third moment, we synthetically bring some considerations, aimed at contributing to the clashes around the efforts to rethink the history of sociology based on perspectives arising from a peripheral context.

Keywords: Sociological theory, teaching of sociology, history of sociology, counterhegemonic perspectives, Brazil.

Carátula del artículo

Dossiê

Contribuições para o ensino de teoria e história da sociologia: reflexões sobre o presente e propostas desde o Brasil

Contributions to the teaching on theory and history of sociology: reflections on the present and proposals from Brazil

Layla Pedreira Carvalho
Universidade de Brasília, Brasil
Klein Klein
Universidade de Brasília, Brasil
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 11, núm. 27, pp. 103-132, 2023
Sociedade Brasileira de Sociologia

Recepção: 30 Dezembro 2022

Aprovação: 10 Março 2023

Introdução1

Apesar de o debate em torno do ensino de teoria e de história da sociologia no Brasil ser mais antigo, na primeira década e meia do atual século se tem discutido menos, na comparação, as diferentes maneiras e os lugares centrais de autoras/es clássicos na formação de cientistas sociais na graduação, em que pese a extensão que o debate em torno do seu deslocamento alcançou dentro do campo de estudos de teoria. No mesmo período, ganhou força o subcampo do ensino de sociologia associado à sociologia no ensino médio (cf., entre outros, Moraes, 2003, 2011; Röwer, 2016). Como é possível notar, as mudanças ocorridas nos últimos anos também impactam a reflexão sobre o que ficou conhecido, aqui, por ensino de sociologia, como pode ser observado com base nos efeitos da legislação que envolve, sobretudo, a Lei 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e culturas afro-brasileira e africanas na educação básica (Oliveira, 2014).

O ponto de partida do nosso texto é que algumas das transformações ocorridas no Brasil, em especial nas últimas décadas do século XX e início do século XXI envolvendo todo um conjunto de reivindicações dos movimentos negros, se expressaram, entre outros aspectos, em propostas legislativas as quais, por sua vez, injetaram novo ânimo nas resistências e organizações iniciais, renovando e ampliando o seu alcance. Nesse sentido, ainda que houvesse experiências isoladas anteriores, como na UERJ, na UnB e na UNEB, foi a Lei nº 12.711/2012 que teve consequências de maior fôlego, ao instituir a obrigatoriedade de ações afirmativas para a população negra no Brasil no acesso à educação superior.

Hoje, pouco mais de dez anos após essa mudança legislativa, é possível constatar como o seu impacto foi muito além da alteração do corpo discente, com a ampliação do número de coletivos negros nas universidades e a demanda por novas formas de organização dos currículos e atividades de ensino, pesquisa e extensão (Almeida & Figueiredo, 2022). Stéphane Dufoix (2022) também aponta para esse movimento de politização dos currículos em contextos diversos, dando ênfase ao contexto sul-africano em que estudantes lideram o movimento intitulado Rhodes must fall, que defende a necessidade de retirada da estátua de Cecil Rhodes da Universidade de Capetown dado o seu papel na presença britânica no território sul-africano. É a isso que nos referimos quando falamos em resistências: os processos de produção de conhecimento foram, pouco a pouco, sendo afetados por essa diversificação e pluralização do corpo discente, algo que já vem sendo constatado em diferentes trabalhos (Bernardino-Costa & Borges, 2021; Almeida & Figueiredo, 2022). É no esteio desse movimento que apresentaremos algumas considerações sobre como repensar o cânone sociológico.

Conforme apontado por Maia (2017), dialogamos com a questão da releitura do significado do internacional, ou seja, da relação que se estabelece entre as referências da teoria gestadas em outros países, em particular nos EUA e na Europa. Isto é, ainda que sem dúvida haja assimetrias no que diz respeito à relação centro e periferia, e seja fundamental reconhecê-las, precisa-se distinguir isso do entendimento de que toda a circulação de conhecimento se dá de maneira unilateral, como se a periferia nunca se apropriasse criticamente das teorias formuladas no centro. É, igualmente, equivocado supor a impossibilidade de aquelas formulações terem incorporado contribuições oriundas desse contato.

Nesse sentido, Dufoix (2022) nota que a história da sociologia segue repetindo a perspectiva dos vitoriosos ou daqueles que a podem legitimamente narrar, apagando a multiplicidade de vozes e de lugares em que a Sociologia era produzida ao longo do final do século XIX e XX (bem como antes e depois disso), cada qual contribuindo com o seu grão de areia para a formação da disciplina. Assim, conforme detalharemos adiante, não buscamos romper com a presença de autoras(es) europeus e estadunidenses na formação das Ciências Sociais. Antes, tomando por base um balanço teórico-empírico, propomos novas chaves de leitura para a recepção e o diálogo críticos.

Nosso texto encontra-se dividido em três seções principais. Primeiramente, para situar a nossa visada, refletimos concisamente sobre o debate de história da sociologia. A seguir, apresentamos uma amostra dos autores mais recorrentes nas disciplinas obrigatórias de teoria de cursos de graduação no Brasil, tendo por base os projetos pedagógicos e políticos de curso (PPC e PPP), acompanhada duma interpretação envolvendo tal mapeamento. Num terceiro momento trazemos algumas considerações preliminares voltadas a contribuir para os embates em torno dos esforços de se repensar a história da e a formação em teoria sociológica, tendo por base perspectivas fundamentadas na nossa experiência e no diálogo com a literatura.

Sobre ensino(s), história(s) e canône(s)

Inicialmente situaremos a discussão em torno da história da sociologia e do estabelecimento do cânone. Raewyn Connell (1997, p. 1538-1541) indica o marco do processo de estabelecimento dos pais fundadores da sociologia a partir de Talcott Parsons. Ainda que seu olhar, complementado, entre outros, por Charles Wright Mills e Robert K. Merton, estivesse voltado preponderantemente a destacar uma forma de trabalho sociológico, na prática isso implicou, também, assentar uma história da disciplina.

Ainda, conforme observado por Enno Liedke Filho (2003), se há certo acúmulo do debate, ele parece estar voltado mais a se pensar o sentido da disciplina, isto é, os temas e as áreas de interesse,2 bem como a evolução da disciplina, propondo periodizações, porém deixando em segundo plano entender a dinâmica de sua estruturação. O próprio autor retorna ao tema dois anos depois, em extenso artigo (Liedke Filho, 2005) que se volta direta e detidamente à periodização e aos condicionantes de como a sociologia se organizou no Brasil, apontando duas grandes etapas e cinco períodos em que compara temas e ressalta o percurso dos principais intelectuais, autores, livros e obras, grandes escolas (sobretudo a Escola de Sociologia da USP), a evolução do número de cursos e a imbricada relação da sociologia com a organização sociopolítica brasileira. Liedke Filho nota que, no início do século XXI, a sociologia brasileira estava em busca duma nova identidade: havia deixado seu caráter macrossociológico e mergulhava na análise das especificidades dos agentes, em áreas e temáticas diversas. Para o autor, no entanto, a busca por entender qual a utilidade da sociologia e sua evolução no tempo, mais do que propriamente situar a contribuição nacional para além do território, é uma característica que se mantém. Entre os papéis que a sociologia desempenhou historicamente ele destaca:

instrumento de legitimação de dominação racial; instrumento de dominação de fração de classe; disciplina auxiliar do progressivismo pedagógico; instrumento de modernização societária; instrumento da libertação nacional; elemento de apoio aos esforços de democratização da sociedade brasileira

(Liedke Filho, 2005, p. 429).

Quando afirmamos, anteriormente, ser possível constatar a menor relevância ou centralidade de um debate efetivo sobre a história da sociologia no Brasil, nos referimos à preocupação compartilhada por João Maia (2012) ao refletir acerca das reputações intelectuais tendo como estudo de caso a trajetória intelectual, a recepção, a circulação de Guerreiro Ramos e os determinantes exteriores à própria obra que condicionaram o seu reconhecimento. Maia lembra que é a tríade de Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber que tende a compor a base da maioria dos cursos de Ciências Sociais no Brasil, e que isso se dá sem que haja uma indagação a respeito do motivo de estarem ali, de constituírem o que é conhecido como “os clássicos”, e essa mudança também precisa ser considerada como parte dos esforços de matizar o lugar desses autores.

Não me refiro aqui à “história da sociologia” como subcampo acadêmico, no qual são feitos numerosos trabalhos exatamente sobre o processo histórico de produção dos clássicos, mas, sim, ao modo naturalizado com que cursos de formação se organizam. Esta naturalização reflete-se no pouco questionamento que os cientistas sociais fazem a respeito da literatura tida como clássica

(Maia, 2012, p. 285, nota 2, aspas no original).

Isto é, em grande medida, está ausente a capilarização de reconstruir os ditames de o que – e por quais motivos – é reconhecido como teoria sociológica clássica, que se reflete no elevado consenso a respeito das bases fundantes da disciplina. Em suma, é como se houvesse uma espécie de história da sociologia implícita nos currículos e cursos de graduação em Ciências Sociais no Brasil.3 Aceitando-se o pressuposto de que há um conjunto – bastante limitado, diga-se de passagem – de autores que constituem a referência para quem busca fundamentar seus conhecimentos de teoria sociológica, isso embute o entendimento de como ela foi traçada, marginalizando a relevância da problematização crítica desses fundamentos.

Em seu balanço sobre o ensino de teoria sociológica, Rui Pires reconstrói parte dos embates entre as concepções de Robert Merton e a crítica de Jeffrey Alexander,4 em grande medida preocupado com a disputa da história versus a sistemática quando se trata de ensinar teoria. Assim, questiona o sentido de se apresentar os autores de modo esquemático e cronológico, entendendo que isso privilegia os cânones na forma duma concepção pouco instrumental e prática, em detrimento de enfatizar as possibilidades e os usos da teoria. Isso o leva à seguinte consideração:

ou seja, mesmo enquanto apresentação de um cânone, o ensino da teoria sociológica como narrativa histórica do pensamento social, teórico-filosófico, acaba, em boa medida, por ser ineficaz. Porém, é no plano instrumental que mais se fazem sentir os efeitos negativos da opção pedagógica predominante. No final da narrativa estudada, o que é possível aos alunos aprender de relevante no plano especificamente teórico? [...] Estudar teoria sociológica, nomeadamente nos primeiros anos de formação universitária, é, ou devia ser, aprender a reconhecer e a usar as várias caixas de ferramentas de que dispomos para conhecer e explicar a realidade social

(Pires, 2020, p. 15-16).

Quando avança o seu ponto de vista, Pires (2020, p. 16-20) argumenta que essa apresentação seria, necessariamente, cronológica e sem embates críticos, colocando esses autores como óticas excludentes. Isso se torna algo mais evidente quando ele distingue entre estudantes de graduação e pós-graduação, e a necessidade de na graduação recorrer a “textos de síntese”, à literatura secundária, enquanto reservar-se-ia ao momento mais avançado da pós-graduação o estudo dos clássicos nos textos originais.

Nosso entendimento é que até se pode manter a cronologia e o estudo por autores, porém adotando uma reflexão crítica sobre as teorias, mostrando de que maneira se provocam e enriquecem mutuamente. Entendemos ainda que é urgente deslocar os lugares de produção da teoria, no sentido de dar visibilidade e acessibilidade a debates propostos e levados adiante por autoras ainda desconhecidas, produzidos fora do eixo tradicionalmente reconhecido no Norte Global (Dufoix, 2022; Hamlin, Weiss & Brito, 2022), tensionando a geopolítica de produção da teoria. Da mesma maneira, é possível estudar textos originais ao início da graduação, apresentando-os criticamente, de modo a trazer a própria composição e consolidação do cânone como desafios reflexivos às e aos estudantes. Logo, o engessamento hoje posto, e que discutiremos mais detalhadamente adiante, reside no recorte muito limitado em termos de gênero, raça e origem que conforma o cânone atual.

Em outros termos, o nosso argumento nota ser fundamental reconhecer que, concretamente, no cotidiano do ensino da disciplina, são bastante raras as referências à história da sociologia, a qual se confunde com a teoria sociológica. Evidentemente, de modo algum isso implica a inexistência da história; antes, indica que ela se encontra expressa no modo como “a sociologia”, enquanto disciplina, e, nesse caso, de maneira mais específica, o cerne dela, a saber, a teoria ou os fundamentos da sociologia estão consolidados e concatenados.  Relembramos isso na medida em que consideramos necessário justapô-las e abordá-las, de modo paralelo e entrecruzado, pois se organizam a partir de variáveis semelhantes, o ensino da história da sociologia e o ensino da teoria sociológica.

Distanciamo-nos, portanto, da necessidade de pleitear um lugar, em termos de curricularização, para a história da sociologia. Antes, entendemos que se torna vital apontar e reconstruir a maneira como essa história estrutura e desemboca na concepção de teoria, e como ela marginalizou uma série de sujeitos ao longo de sua constituição. Já observamos no nosso cotidiano docente que, por vezes, a resposta refratária a outro olhar sobre o ensino e o cânone assume o tom de desqualificar esse debate como revisionista, isto é, a história da disciplina já existe. Opomo-nos a esse entendimento, uma vez que ele se mostra antissociológico: se está estabelecido que o conhecimento e a ciência também são socialmente estruturados, podendo tomar diferentes formas como a concepção construcionista, por meio de agências, na conceituação dos fatos sociais, etc., e que essa estruturação também configura uma luta por poder, é coerente com os pressupostos da disciplina que a disponibilidade de novos dados e a constatação de processos de subalternização e de invisibilização impliquem a abertura a compreender as dinâmicas dessas mudanças por quem pratica a ciência.

O exercício reflexivo que buscamos é trazer apontamentos direcionados à história da sociologia que se expressam na concepção de teoria e, mais especificamente, no modo como ela é ensinada nos cursos de graduação, no Brasil. Destacaremos, portanto, como isso se dá atualmente, a fim de sugerir maneiras de desnaturalizá-las com lentes críticas, para estabelecer diálogos e retrabalhar esse movimento inicial de crítica abaixo delineado.

Um retrato do ensino da teoria sociológica em universidades e institutos federais

Quais são as condições que preparamos para a reflexão sobre a teoria sociológica nos nossos cursos de graduação? Em que medida caminhamos nos fazeres cotidianos do ensino da sociologia nas universidades públicas e na pesquisa para uma possibilidade de mudança do debate hegemônico da modernidade ou de uma nova proposição ontoformativa da produção da teoria (Rosa, 2022)? O processo de modificação do corpo discente das universidades públicas tem andado pari passu a um processo de dessenhorização dos currículos como propõem Bernardino-Costa e Borges (2021, 2022)?

Em artigo de 2015, Márcio Oliveira aponta alguns dos debates em torno do ensino da teoria sociológica no ensino superior brasileiro. Oliveira destaca os embates sobre o excesso de teoria na formação dos cursos de Ciências Sociais e a exiguidade do debate sobre o método, o que é corroborado em sua análise sobre os fluxos curriculares e ementas. Com base em dados de oito universidades de diferentes regiões,5 Oliveira nota que 75% do início do processo formativo de estudantes de cursos de Ciências Sociais é ocupado por disciplinas teóricas e que “além de ser bastante acadêmica como um todo, e teórica nos semestres iniciais, a formação não é necessariamente plural ou atualizada” (Oliveira, 2015, p. 101). Almeida e Figueiredo (2022) constataram que, em que pese o avanço da presença negra em uma universidade interiorizada e cujo objetivo tem sido de deslocamento dos paradigmas de ensino, pesquisa e extensão, os PPCs dos cursos apontam um engessamento de autores indicados e obras lidas, sem maior aproximação dos debates afrocentrados ou descoloniais que movimentam o cotidiano da relação entre docentes e discentes.

Somando-nos ao esforço de contribuir no entendimento crítico da atual organização do ensino da sociologia e da teoria sociológica nas instituições de ensino superior e buscando explorar o desenho dos cursos de graduação atualmente oferecidos, apresentaremos uma análise da estrutura das disciplinas de teoria em alguns cursos em funcionamento. A busca inicial dos cursos foi feita por meio de consulta ao Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior, Cadastro e-MEC.6 No site, buscamos por cursos de graduação em Ciências Sociais; ativos; gratuitos, de forma a encontrar instituições públicas federais; presenciais; tanto bacharelados quanto licenciaturas; e que tenham sido avaliados com conceito de curso de 3 a 5, o que indica a aprovação do curso pelo MEC.7 A pesquisa retornou 67 cursos disponíveis no país. Desses, foram retirados os cursos de Antropologia e do bacharelado em Ciências Sociais da Universidade de Brasília, na medida em que o percurso formativo é comum entre estudantes dos cursos de bacharelado e licenciatura em Sociologia, já presentes no corpus. Iniciamos a pesquisa com 65 cursos, distribuídos em todo o território nacional (há instituições em 22 estados e no Distrito Federal), com predominância da região Sudeste, como aponta o Gráfico 1:


Gráfico 1
Número de cursos por habilitação, segundo Grandes Regiões

O momento seguinte da pesquisa foi a busca dos PPCs e PPPs nos sítios institucionais.8 Os PPCs e PPPs são documentos públicos que contam com, entre outras, informações sobre o histórico, a estrutura de funcionamento do curso, o perfil dos egressos e suas possibilidades de atuação profissional, o percurso formativo com disciplinas e previsão de ementas. Como se trata de documento cuja divulgação na internet é um dos critérios de avaliação dos cursos, entendemos que a busca no site das universidades seria o suficiente para coletar os documentos existentes. Usamos os canais oficiais das universidades, dos departamentos ou institutos para acessarmos esses documentos. Dos 65 cursos pesquisados, 52 possuem PPCs ou PPPs públicos e acessíveis, o que indica a tendência de maior publicização de informações sobre os cursos.

A busca pelos PPCs e PPPs tinha como interesse analisar a estrutura do ensino em teoria sociológica em termos de disciplinas e indicações bibliográficas. Para tanto, era necessário que os documentos possuíssem um ementário em que houvesse a indicação de caminhos a serem trilhados por docentes e discentes na organização das disciplinas. A busca pelos ementários apontou um número menor de resultados. Apenas 34 cursos de 22 instituições possuem ementário com indicações bibliográficas, com predominância de disponibilidade por parte das licenciaturas (Tabela 1).

Tabela 1
Número de cursos por presença de ementário no PPC, segundo habilitação

Fonte: Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior. Cadastro e-MEC. Elaboração própria.

A maioria dos ementários disponíveis e analisados foram produzidos a partir de 2010 (Tabela 2), o que poderia indicar a possibilidade de maior conexão com os debates sobre a demanda de deslocamento do cânone, a necessidade de inclusão de autoras/es de diversas origens e experiências, o que, como veremos mais adiante, não se verificou. É fato que os PPCs e os PPPs têm limitações9 e não correspondem estritamente àquilo que é ensinado e debatido nas salas de aula, mas a adequação dos planos de curso aos PPCs é também um item avaliado pelo MEC nas suas visitas regulares aos cursos, o que ressalta o imperativo de tais documentos no percurso formativo de estudantes. Além disso, esses documentos são aliados importantes na forma como docentes estruturam seus cursos e acessam indicações de literatura para pensar as disciplinas, sendo então importantes para entendermos como refletimos institucionalmente sobre as Ciências Sociais no ensino superior e o quanto identificamos mudanças em torno da descrição sobre quem compõe o cânone e a história da sociologia.

Tabela 2
Número de cursos por presença de ementário no PPC, segundo ano do PPC

Fonte: Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior. Cadastro e-MEC. Elaboração própria.

A busca pelos ementários mudou a distribuição dos cursos analisados10 havendo um número menor de cursos da região Sudeste, com destaque para a presença de cursos no Centro-Oeste (Tabela 3). Essa distribuição aponta que há nos documentos analisados uma representação diversa de cursos de universidades e institutos federais em funcionamento no país, o que indica que estamos lidando com a interpretação mais recente do que os departamentos e seus Núcleos Docentes Estruturantes (NDEs) têm pensado sobre o curso de Ciências Sociais e o ensino da Sociologia.

Tabela 3
Número de cursos por presença de ementário no PPC, segundo região

Fonte: Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior. Cadastro e-MEC. Elaboração própria.

Em seguida, os PPCs e PPPs foram lidos e classificados11. A classificação considerou como variáveis: a disciplina teórica, a autoria dos textos indicados (até três autores) e o título dos textos indicados. Para a escolha das disciplinas a serem analisadas, optamos pelas disciplinas de núcleo comum e obrigatórias com ênfase na abordagem teórica. Tal escolha baseia-se na expectativa de que se trata de disciplinas cursadas pelo total de discentes egressas/os, o que poderia indicar a base mínima de formação imaginada e desejada pelas coordenações de curso e NDEs. Nesse processo de mapeamento foram classificadas 122 disciplinas e 747 livros indicados como referências.


Gráfico 2
Distribuição das disciplinas teóricas segundo classificação
Fonte: PPCs e PPPs das universidades analisadas. Elaboração própria.

No que tange às disciplinas, tal como aponta Oliveira (2015), há uma concentração das disciplinas teóricas nos primeiros quatro semestres de formação dos estudantes, em que os cursos mais comumente ministrados são Sociologia I, II e III, com variações, em geral pequenas, na nomenclatura e conteúdo das ementas (Tabela 4). A nomenclatura usada atesta que a referência à ideia da história da sociologia é ausente nas disciplinas oferecidas. Quando analisadas em grandes categorias, as disciplinas de teoria dividem-se entre aquilo que se convencionou chamar de Sociologia Clássica e Contemporânea, sendo o critério temporal o recorte para a separação das disciplinas e de suas ementas. Usando essas classificações amplas, 48% das disciplinas analisadas poderiam ser enquadradas (com base na autoria indicada para o curso) como disciplinas de Sociologia Clássica; 29% como Sociologia Contemporânea e 21% como Sociologia Brasileira (Gráfico 2). Apenas a disciplina Tradição e contemporaneidade do pensamento sociológico, do bacharelado da UFJF, tem uma estrutura que foge a essa classificação ao misturar autores tidos como clássicos e contemporâneos. O curso que mais oferece disciplinas teóricas obrigatórias é o bacharelado da UFMA, que conta com seis disciplinas teóricas (Sociologia I a VI). As quatro primeiras são voltadas ao estudo de Comte, Marx, Durkheim e Weber. As duas últimas a autores da contemporaneidade, como Wright Mills, Benjamin, Bourdieu e Elias. Em nenhuma dessas seis disciplinas são abordados autores ou debates da sociologia brasileira e não há disciplinas obrigatórias voltadas para a reflexão sobre o Brasil.

Tabela 4
Frequência de disciplinas por nome, segundo classificação

Fonte: PPCs e PPPs das universidades analisadas. Elaboração própria.

A análise dos autores mais indicados ressalta a centralidade da tríade de clássicos apontada fartamente pela literatura e da qual falamos anteriormente. Em ordem do número de citações, Marx, Weber e Durkheim constituem os três principais nomes (Tabela 5) e As regras do método sociológico, Economia e sociedade e O capital (Tabela 6) os textos mais indicados desses autores quando se reflete sobre os anos iniciais de formação da Sociologia. Digna de nota também é a presença de As etapas do método sociológico, de Raymond Aron, como a sétima obra mais indicada. Nessa obra, publicada pela primeira vez em 1967 na França (e traduzida em 1982 para o português), Aron revisita autores europeus do cânone e reconstrói os eventos históricos que permearam a produção social no estabelecimento da sociologia, reafirmando a importância da modernidade no estabelecimento da ciência social ao final do século XIX. A presença deste livro como referência reforça o lugar de uma narrativa em torno do cânone e a pouca abertura para outras perspectivas da história da sociologia.

Na sequência, identifica-se Bourdieu, Giddens e Elias como uma espécie de “tríade canônica da contemporaneidade”, em certa medida reforçando e alinhando as origens e as bases da produção contemporânea em moldes semelhantes aos que orientaram o assentamento do cânone fundador: autores masculinos, brancos e europeus. Destacamos isso a fim de se perceber como, mesmo após a consolidação da produção e dos cursos de sociologia no Brasil, manteve-se a tendência à extroversão (Bringel & Domingues, 2015). Conforme também fora argumentado por João Maia (2012), a invisibilização da perspectiva crítica desenhada por Alberto Guerreiro Ramos talvez figure entre as mais surpreendentes, na medida em que estava institucionalmente inserido e produziu uma obra reconhecida.

Tabela 5
20 Autores mais indicados, segundo habilitação

Fonte: PPCs e PPPs das instituições. Elaboração própria.

Entre os vinte autores mais indicados nos PPCs a falta da diversidade de raça, gênero e origem era esperada, mas a completa ausência de autoras e de autoras/es não-brancos, além do quase completo predomínio de autores europeus e estadunidenses, nos parece séria e digna de maior reflexão: o que dificulta que se movam as estruturas dos currículos, na medida em que está cada vez mais evidente, por meio de publicações diversas, a produção e a relevância da produção de cientistas diversos em grupos sociais?

A única autora que aparece citada repetidamente é Marialice Foracchi (ela é o 23º nome mais citado no cômputo geral dos cursos) que, junto com José de Souza Martins, publicou Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia, em 1977. O livro pode ser entendido como um manual com indicação de leituras sobre os autores tidos como clássicos, o que manteria o livro como uma forma de acesso aos mesmos textos e autores. Quando considerados apenas os cursos de bacharelado, o nome de Foracchi é o vigésimo mais citado; nas licenciaturas, o 31º. Apesar de sua contribuição referente aos debates em torno da juventude e das gerações (Augusto, 2005), este é o único texto de Foracchi que é lembrado. José de Souza Martins tem outros textos incluídos nas indicações, na UFSC, na disciplina de Teoria Sociológica III: Florestan. Sociologia e Consciência Social no Brasil (1998) e A sociabilidade do homem simples. Cotidiano e história na modernidade anômala (2008). Outras mulheres indicadas nos PPCs são: Bárbara Freitag (em texto sobre a teoria crítica), Gláucia Villas Boas (uma recuperação do contexto de produção dos intelectuais brasileiros da década de 1950) e Lucia Aragão (em texto sobre Habermas).

Desse modo, ainda que encontremos mulheres entre as referências de disciplinas que compõem o núcleo da formação em sociologia, elas ocupam um lugar muito específico. De um lado, são unicamente brasileiras e, de outro, acabam desempenhando um papel em certa medida subalterno, ao figurarem enquanto comentadoras ou restritas às disciplinas mais específicas de Sociologia Brasileira (ou equivalentes). Se em parte os homens – aqui, em particular, Sergio Buarque, Gilberto Freyre e Florestan Fernandes – encontram maior ressonância entre as referências das disciplinas, também estão pouco presentes nas obrigatórias de teoria, em certa medida relegados ao debate local, isto é, sem estarem alçados à condição de contribuintes para a teoria e história da sociologia em sentido mais amplo.

Tabela 6
15 Livros mais indicados nas ementas de PPCs e PPPs

1 Indicações em documentos de bacharelado.2 Indicações em documentos de licenciatura.3 Indicações em documentos que tratam de bacharelado e licenciatura conjuntamente. Fonte: PPCs e PPPs das universidades. Elaboração própria.

A estrutura dos cursos de graduação e a inexistência de perspectivas alternativas para o ensino da teoria sociológica indicam que há ainda um longo percurso a percorrer no que diz respeito a se repensar o eurocentrismo na formação em ciências sociais no Brasil. O trabalho de percorrer os projetos de curso buscou confirmar que, apesar da expansão das universidades e de haver uma literatura acumulada a respeito do debate envolvendo o quão estreito é o arcabouço de autores considerados clássicos, efetivamente os cursos de teoria continuam se orientando quase que exclusivamente por essas fontes.

Nossos dados sobre os PPCs dos cursos de graduação reforçam as conclusões recentes presentes em variados textos que constatam a centralidade do cânone tradicionalmente estabelecido, urgindo ações que permitam novos olhares para perspectivas diversas de teoria.  A ausência de diversidade em termos de gênero, raça e origem dos autores trabalhados para além dos nomes tradicionais nos cursos de graduação reforça as conclusões apontadas por Oliveira (2015), ampliando o escopo dos cursos analisados; coaduna-se com a proposta de Rosa (2022) de voltar o olhar à ontoformatividade na relação teoria e pesquisa; aponta dados empíricos para as reflexões de Hamlin, Weiss e Brito (2022) sobre a necessidade de espaços polifônicos de estudo e produção de teoria sociológica; e Dufoix (2022) sobre a necessidade de ampliação dos percursos de narração da história da sociologia.

Deslocando o cânone: novos olhares para autores clássicos

Como argumentado ao início, e – em parte – confirmado por meio da análise dos projetos de curso e fluxos curriculares, a formação em teoria é central no percurso formativo     das Ciências Sociais na maioria das instituições de educação superior brasileiras, sem que isso implique a discussão e, sobretudo, problematização da história da sociologia. Essa concepção e tradição sociológica, arraigada nos cursos de Ciências Sociais, no Brasil, é caracterizada pela reputação de olhares europeus e estadunidenses. Assim, o esforço de deslocar o cânone, particularmente de modo não-eurocêntrico, pode percorrer frentes distintas.

De um lado, David Parker sugere: “Uma alternativa à ortodoxia é narrar como o cânone da sociologia efetivamente foi constituído” (Parker, 1997, p. 126).12 Ou seja, o esforço reflexivo sobre essa constituição deve compor a abordagem de autores e textos, a fim de situar as suas origens. Complementando esse olhar, Élida Liedke, em artigo de 2007, esboça algumas diretrizes para se repensar o ensino da teoria sociológica. A preocupação dela, naquele momento, circunda tanto o lugar dos clássicos e de autoras(es) quanto, também, as diferentes propostas analíticas e suas nomenclaturas. Trata, ainda, das temáticas que estiveram historicamente em lugar secundarizado, como ela salienta em relação ao gênero. O esforço de tornar a sociologia mais polifônica a partir da incorporação de mais vozes femininas recebeu, recentemente, outro aporte relevante, em que as autoras mapeiam essas ausências e trazem um amplo desenho interpretativo acerca de seus fundamentos e de como caminhar para contrabalanceá-las (Hamlin, Weiss & Brito, 2022).

Syed Farid Alatas e Vineeta Sinha (2017), ao delinearem a sua proposta de releitura do cânone, notam que, mesmo em contextos fora da Europa e dos EUA, como em países nos continentes africano e asiático, o que é apresentado como teoria sociológica segue os mesmos moldes do centro. Apontam, ainda, duas principais limitações a respeito do modo como se ensina a teoria sociológica. A primeira é a ausência de autores não-ocidentais (non-Western), a segunda, a falta de contextualização acerca do lugar dessas abordagens clássicas.

Ainda que seja verdade que o esclarecimento europeu, a transição do feudalismo ao capitalismo, a democratização da Europa e por daí em diante formam o contexto relevante no qual se pode compreender a emergência da teoria sociológica, o contexto da expansão colonial europeia e o eurocentrismo são igualmente relevantes tanto para euroamericanos quanto para asiáticos e africanos. Trazer ao debate o colonialismo é um exemplo de como a teoria sociológica clássica pode ser mais contextualizada de acordo com o pano-de-fundo histórico de estudantes

(Alatas & Sinha, 2017, p. 4).

Stéphane Dufoix (2022) aprofunda as reflexões de Alatas e Sinha ao indicar que trazem apenas Ibn Khaldûn fora do eixo ocidental, ignorando trabalhos de autoras/es da Ásia e da América Latina. Dufoix apoia-se em diferentes manuais e livros de sociologia produzidos até meados do século XX para indicar uma história que engloba contribuições desde Japão, China, Venezuela e Argentina. Os autores elencam estratégias que vêm sendo construídas na forma como lidar com o cânone, que vão desde a sua reafirmação ao seu abandono, passando por aquela que Dufoix considera a mais relevante: a de historicizar o que produziu obras e autores canônicos.

Na sua tese acerca das literaturas negra e periférica no Brasil, Mário Medeiros destaca a relevância do que denomina uma sociologia da lacuna: “A que se deve, então, esse procedimento contumaz da crítica que, no limite, produz a invisibilidade e a diluição? A que serve a lacuna?” (Medeiros, 2011, p. 214). Entendemos que o deslocamento exitoso do cânone também demanda repisar essa questão, voltando o olhar à história da sociologia, em geral, e seus efeitos sobre o ensino da teoria, em particular. Isso pois o deslocamento do cânone, em nossa acepção, compreende dois movimentos: de um lado, suprir algumas dessas lacunas, batalhar contra a invisibilização e a marginalização de certas autoras e certos autores e de temas; de outro, pensar maneiras diferentes de abordar a própria dinâmica do ensino de teoria sociológica e, portanto, também de discussão da história da sociologia.

Considerando esses diferentes entendimentos acerca dos condicionantes da produção teórica, apontaremos, aqui, dois possíveis caminhos a serem trilhados. O primeiro toma por base as reflexões de Raewyn Connell (1997, p. 1512-1523; 2012) e de Patricia Hill Collins a respeito de como se estrutura o lugar de certos temas e da própria teoria. Connell recupera como os temas de raça e gênero estiveram presentes nos debates da virada dos séculos XIX para o XX, tendo sido invisibilizados a posteriori na construção da história e da teoria. Collins, por sua vez, enfatiza outra faceta desse processo:

A teoria racial há muito tempo ocupa uma posição peculiar no conhecimento ocidental. Apesar do uso onipresente de raça nas ciências sociais empíricas, um certo número de intelectuais argumenta que raça e racismo não foram propriamente levados em conta nas preocupações teóricas da teoria social ocidental. No entanto, a aparente ausência de análise racial na teoria social, inclusive nas teorias sociais críticas, não significa que as teorias sociais ocidentais careçam de uma análise racial. A teorização racial opera não só por meio do que está presente em determinado discurso, mas também por meio do que está ausente

(Collins, 2022, p. 133-134 - itálico no original).

Caberia, portanto, iniciar com a indagação a respeito da ausência de determinados temas para, em seguida, inverter essa lógica e trazer textos menos trabalhados dos atuais clássicos para abordar certas questões. Assim, por exemplo, pode-se refletir sobre a relação acrítica entre as citações do termo raça e escravidão que estão presentes n’O Capital de Marx, ou o fato de se privilegiar as discussões de Simmel acerca do dinheiro e das cidades e deixar-se de lado suas reflexões sobre o feminino.

Desse modo, a reflexão elaborada por Bannerji (2005) apresenta um caminho para que, ao teorizar o social, sejam problematizadas as formulações e concepções envolvendo a relação entre o pensamento de Marx, suas bases teóricas, e o processo de ‘socialização’ da raça. Isto é, sem abrir mão de enfatizar o aspecto mais recorrente da teoria de Marx, atentando ao concreto, à preocupação com a transformação, e observar as formações sociais, ela articula esse olhar com o lugar da raça, em particular a sua construção social.13 Levar a sério, portanto, a leitura do conceito de capital como um conjunto de práticas sociais, considerando tanto as implicações propriamente teóricas quanto aquelas de caráter político, fundamenta o lugar que a categoria raça precisaria assumir nessa abordagem.

Por sua vez, Boatcă (2013) discute as tensões do debate racial decorrentes das posturas sociológicas e políticas do nacionalismo de Max Weber, que ora indicam a sua exclusão dos clássicos da Sociologia, ora ressaltam o racismo que marca a sua análise da situação dos trabalhadores rurais poloneses ao contexto dos negros nos EUA. Em que pese o diálogo entre Du Bois e Weber e a reação deste último às alegações de Alfred Ploetz sobre a inferioridade biológica das raças, Boatcă expõe que o argumento do determinismo biológico teria sido substituído, em Weber, pelo determinismo cultural. Este movimento permitiu a naturalização do lugar socialmente inferior ocupado por poloneses e negros como decorrente de experiências históricas, valores e tradições, que não repercutiam da mesma maneira a experiência de europeus. A autora aponta que, ao concordar com Du Bois sobre a importância da linha de cor como o problema do século XX, Weber provavelmente não tinha em mente as mesmas preocupações do intelectual estadunidense. Tais controvérsias indicam que, desde o ponto de vista germânico, a questão da raça em suas múltiplas facetas estava presente nos trabalhos de Weber e poderia ganhar maior amplitude no momento de sua apresentação nos cursos de teoria.

Em paralelo e de maneira complementar, entendemos que ampliar o cânone pode, neste momento, mostrar-se uma iniciativa bastante frutífera, na medida em que isso implica sua pluralização. Assim, o acúmulo de esforços (Morris, 2015; Burawoy, 2021) recentes em torno de recuperar e situar a teoria de Du Bois,14 por exemplo, proporciona uma alternativa para ampliar as referências e as temáticas.

Colocado em outros termos: sugerimos que as ausências – ou, para retornar à proposta de Medeiros, as lacunas – presentes na reflexão e na prática sociológicas, em termos dos marcadores sociais das e dos autoras/es que foram invisibilizadas/os ou até mesmo sofreram apagamentos, devem ser lidas, sociologicamente, como articuladas com a invisibilização e/ou o apagamento de certos conceitos, categorias e temas, que podem ser mobilizados para ler o estabelecimento da sociologia, bem como seus desdobramentos contemporâneos em termos da produção sociológica.

Esse processo pode ser entendido, em linhas gerais, como composto por dois momentos principais, e são eles que orientaram a nossa proposta interpretativa avançada sinteticamente ao longo dessas páginas. Primeiramente, tal leitura considera que a ausência da autoria negra e da autoria feminina no cânone é, em parte, consequência do lugar dominado que, historicamente, essas pessoas ocuparam na produção de conhecimento, fenômeno esse que extrapola a sociologia enquanto disciplina, abarcando também diversas outras áreas do conhecimento. Temos plena consciência de que estamos deixando de abarcar o quão multifacetadas são as categorias e a realidade dos marcadores sociais de raça e de gênero, porém consideramos que, para essa primeira aproximação, colocá-la nesses termos gerais seria suficiente, mesmo registrando sua incompletude.

Em segundo lugar, a constatação e percepção dessas ausências e lacunas, em tempos (relativamente) mais recentes se mostra, ao menos no Brasil, fruto de uma transformação mais ampla das universidades, como indicado ao início. Ou seja, a maior pluralidade do que constitui um espaço privilegiado – em vários sentidos – de produção de conhecimento é o resultado de pressões e mobilizações as mais diversas que, por sua vez, tiveram como resultado novo processo de diversificação, que agora afeta mais diretamente a concepção de conhecimento. Dito de outro modo: se inicialmente estamos falando do efeito de termos mais corpos não-brancos na universidade, que a princípio se mostra de maneira visível no cotidiano do caminhar pelos campi das universidades federais que implementaram as ações afirmativas, esse movimento inicial promoveu outro tipo de mudança. Essa afetou as reflexões sobre os sujeitos de produção de conhecimento e as agendas de pesquisa, novamente extrapolando as ciências sociais, mas que, no âmbito da sociologia, se fez e faz sentir, entre outros, no questionamento acerca da origem e composição do cânone teórico e da história da disciplina.

Logo, pensar em termos de novos olhares para autores clássicos nos parece o eixo mais profícuo no que diz respeito a mudanças imediatas, e exigirá outro trabalho de médio prazo, estimulado pelos debates das assimetrias e desigualdades que moldaram a história da sociologia.15 A provocação de observar seja a ausência de certos temas/problemas, seja o fato de que, mesmo ao estarem presentes, foram invisibilizados nesse percurso histórico, constitui um pontapé inicial. Optamos, então, por delinear esse olhar de reinterpretação enfocando as categorias de raça e de gênero nos clássicos, também no esteio do que sugerem, entre outros, Sujata Patel e colaboradoras/es (2010), José Itzigsohn e Karida Brown (2020), Verônica Daflon e Bila Sorj (2021) e Celso Castro (2022).

Em texto recente, Marcelo Rosa reflete sobre a questão da ontoformatividade no que diz respeito à relação entre teoria e pesquisa. Quando trata especificamente da proposta de indigenização da sociologia, de Akinsola Akiwowo, constata que “apesar dos limites geopolíticos de sua época, sua intenção era pensar como a indigenização da sociologia geral poderia contribuir globalmente para a ampliação da disciplina, desafiando os princípios geopolíticos estabelecidos, que interditam a produção de teoria com outras bases ontológicas” (Rosa, 2022, p. 898-899). Sua leitura contribui ao sustentar de que maneira o olhar proposto por nós também busca redefinir o campo de disputa em torno de o que torna os autores clássicos. O deslocamento dos critérios de legitimação e identificação dessas teorias apresenta, assim, um convite a abrir portas para a ampliação do conjunto de autorias.

Concretamente, isso implica identificar, apontar e elaborar as lacunas, no intuito de sustentar, de uma perspectiva sociológica, a que interesses atendem e, igualmente, quais relações de assimetria e poder expressam. Consideramos, ainda, que essa empreitada permite      fundamentar, de maneira palpável e ilustrativa, os debates em torno da objetividade do conhecimento, que, tão caros a alguns dos clássicos, frequentemente são lidas na chave de travestir a realidade da produção científica como neutra, correndo-se o risco de tomá-la como isolada das disputas e conflitos que caracterizam o cotidiano social.

Considerações finais: (re)pensando o fazer sociológico

O nosso artigo se debruçou sobre a maneira de abordar a teoria sociológica, tendo por base olhares que aproximam um recorte envolvendo o ensino de história da sociologia e de teoria sociológica. Haja vista algumas provocações e reflexões acerca do tema, apresentamos um primeiro balanço teórico-prático da maneira como o debate está colocado, sobretudo no Brasil, a fim de trazer subsídios para a relevância de um olhar não-eurocêntrico. Tal qual buscamos sustentar anteriormente, enxergamos a necessidade de repensar o cânone e de como ensiná-lo – isto é, deslocar os olhares e ele voltados – enquanto iniciativas complementares. Demos, assim, alguns passos em direção a possíveis (re)leituras não-eurocêntricas de autores que expressam perspectivas eurocêntricas. Trata-se de postura sociologicamente reflexiva, na medida em que indaga e questiona a conformação do cânone estabelecido.

Dialogamos com outras miradas que buscam rearticular a história da sociologia, como indicado em textos de Maia, Élida Liedke, Rosa, Dufoix e Parker. Se Connell (2019) alerta para o risco do erro de substituir o cânone, recaindo no equívoco do desenho consolidado, isto é, manter uma concepção estreita e engessada da disciplina, atrelada a um conjunto bastante limitado de autores, reiteramos a importância de combinar estratégias diferentes. As ideias avançadas acima, bem como as de outras/os autoras/es, devem ser pensadas de maneira complementar, para que, voltando a Alatas e Sinha, seja possível reconhecer que

a tapeçaria de contribuições para o pensamento social e a teorização é multifacetada; uma história complexa, sinérgica e pulsante da disciplina emergiria no reconhecimento das diversas entradas de pensadores de diferentes contextos culturais

(Alatas & Sinha, 2017, p. 15).

Como é sabido (Beigel, 2010; Ruvituso, 2020), a produção de teorias excede em muito o contexto europeu-estadunidense, e a sua dinâmica de circulação nunca teve caráter de mão única. Na prática, no entanto, via de regra, o reconhecimento e a legitimação das abordagens tendem a reproduzir dinâmicas de colonização e imperialismo, sendo responsáveis por ativamente produzirem ausências e lacunas. Colocar no cerne da teoria e prática intelectuais um olhar antirracista (Oliveira, 2014; Bernardino-Costa; Borges, 2021) constitui, por si só, uma maneira de contrabalancear e resistir ao eurocentrismo reinante no cânone da teoria e na história da sociologia. Esse exercício estimula pensar a relevância/necessidade/centralidade de abordar criticamente as perspectivas lidas, independentemente de serem o cânone estabelecido ou as novas contribuições para a imaginação e o fazer sociológicos. O ensino de sociologia, tanto na graduação quanto na pós-graduação, é um espaço fundamental para a multiplicação de novas leituras e possibilidades de produção e reapropriação crítica das teorias. Para tanto é importante que os currículos proponham, de maneira sistemática e disseminada, uma ruptura da sociologia das lacunas rumo a uma sociologia que problematize, desde sua concepção inicial, os diferenciais de poder de enunciação das teorias que se pautam, entre outros, em marcadores de raça, gênero e origem. Um possível caminho para isso é que se desloque o ensino da teoria sociológica e da história da sociologia do seu caráter hagiográfico e se pense em grandes temas que estruturam a disciplina e são tratados de maneira transversal por diferentes autoras e autores em dado período histórico. Essa, sem dúvida, se mostra como uma agenda a avançar.

Material suplementar
Referências
Alatas, Syed F., & Sinha, Vineeta. (2017). Introduction: eurocentrism, androcentrism and sociological theory. In S. Alatas & V. Sinha, Sociological Theory Beyond the Canon (pp. 1-17). Palgrave McMillan.
Alexander, Jeffrey C. (1999). A importância dos clássicos. In A. Giddens & J. H. Turner (org.), Teoria social hoje (pp. 23-89). Unesp.
Allen, Amy. (2022). Slavery, work, and History: Du Bois’s Black Marxism. Emancipations: A Journal of Critical Social Analysis, 1(2), https://scholarsjunction.msstate.edu/emancipations/vol1/iss2/2/
Almeida, Weder B. de, & Figueiredo, Angela. (2022). Ações afirmativas e ciências sociais na UFRB: tensões e transformações na produção do conhecimento. Revista Brasileira de Sociologia, 10(26), 17-40. https://doi.org/10.20336/rbs.904
Augusto, Maria Helena O. (2005). Retomada de um legado: Marialice Foracchi e a sociologia da juventude. Tempo Social, 17(2), 11-33. https://doi.org/10.1590/S0103-20702005000200002
Bannerji, Himani. (2005). Building from Marx: reflections on class and race. Social Justice, 32(4-102), 144-160. https://www.jstor.org/stable/29768341
Beigel, Fernanda. (2010). Dependency analysis: the creation of new social theory in Latin America. In S. Patel (org.), The ISA Handbook of Diverse Sociological Traditions (pp. 189-200). Sage.
Bernardino-Costa, Joaze, & Borges, Antonádia. (2021). Um projeto decolonial antirracista: ações afirmativas na pós-graduação da Universidade de Brasília. Educação e Sociedade, 42, e253119. https://doi.org/10.1590/ES.253119
Bringel, Breno, & Domingues, José Maurício. (2015). Teoria social, extroversão e autonomia: mpasses e horizontes da sociologia (semi)periférica contemporânea. Caderno CRH, 28(73), 59-76. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792015000100005
Boatcă, Manuela. (2013), “From the standpoint of Germanism”: a postcolonial critique of Weber's theory of race and ethnicity. In J. Go (ed.), Postcolonial Sociology (Political Power and Social Theory, Vol. 24, pp. 55-80), Emerald Publishing. https://doi.org/10.1108/S0198-8719(2013)0000024009
Borges, Antonádia, & Bernardino-Costa, Joaze. (2022). Dessenhorizar a universidade: 10 anos da lei 12.711, ação afirmativa e outras experiências. Mana, 28(3), e2830400. https://doi.org/10.1590/1678-49442022v28n3a0400
Burawoy, Michael. (2021). Why is classical theory classical? Theorizing the canon and canonizing Du Bois. Journal of Classical Sociology, 21(3-4), 1-15. https://doi.org/10.1177/1468795X21103
Castro, Celso. (2022). Além do cânone: para ampliar e diversificar as ciências sociais. Editora FGV.
Collins, Patricia H. (2022). Bem mais que ideias. A interseccionalidade como teoria social crítica. Boitempo.
Connell, Raewyn W. (1997). Why is classical theory classical?. American Journal of Sociology, 102(6), 1511-1557. http://www.jstor.org/stable/10.1086/231125
Connell, Raewyn. (2019). Canons and colonies: the global trajectory of sociology. Estudos Históricos, 32(67), 349-367, 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S2178-14942019000200002
Connell, Raewyn. (2012). A iminente revolução na teoria social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 27(80), 9-20. https://doi.org/10.1590/S0102-69092012000300001
Daflon, Veronica, & Sorj, Bila. (2021). Clássicas do pensamento social: mulheres e feminismos no século XIX. Record.
Dufoix, Stéphane. (2022). A larger grain of sense. Tornando visível o pensamento sociológico não-ocidental primevo. Sociedade e Estado, 37(3), 861-884. https://doi.org/10.1590/s0102-6992-202237030005
Hamlin, Cynthia L., Weiss, Raquel A, & Brito, Simone M. (2022). Por uma sociologia polifônica: introduzindo vozes femininas no cânone sociológico. Sociologias, 24(61), 26-59. http://doi.org/10.1590/18070337-125407-PT
Itzigsohn, José, & Brown, Karida L. (2020). The Sociology of W. E. B. Du Bois: racialized modernity and the global color line. New York University Press.
Liedke, Élida R. (2007). Breves indicações para o ensino de teoria sociológica hoje. Sociologias, 9(17), 266-278. https://doi.org/10.1590/S1517-45222007000100011
Liedke Filho, Enno D. (2005). A Sociologia no Brasil: história, teorias e desafios. Sociologias, 8(17), 376-437. https://doi.org/10.1590/S1517-45222005000200014
Liedke Filho, Enno D. (2003). Sociologia Brasileira: tendências institucionais e epistemológico-teóricas contemporâneas. Sociologias, 4(9), 216-245. https://doi.org/10.1590/S1517-45222003000100008
Maia, João Marcelo E. (2017). História da sociologia como campo de pesquisa e algumas tendências recentes do pensamento social brasileiro. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 24(1), 111-128. https://doi.org/10.1590/S0104-59702017000100003
Maia, João Marcelo E. (2015). Os sentidos da tradição: um estudo de caso no pensamento social brasileiro. Sociologia & Antropologia, 5(2), 535-551. https://doi.org/10.1590/2238-38752015v529
Maia, João Marcelo E. (2012). Reputações à brasileira: o caso de Guerreiro Ramos. Sociologia & Antropologia, 2(4), 265-291. https://doi.org/10.1590/2238-38752012v2412
Medeiros da Silva, Mário. (2011). A descoberta do insólito: literatura negra e literatura periférica no Brasil (1960-2000) [Tese de Doutorado em Sociologia, Universidade Estadual de Campinas]. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2011.794262
Moraes, Amaury. (2011). Ensino de Sociologia: periodização e campanha pela obrigatoriedade. Cadernos Cedes, 31(85), 359-382. https://doi.org/10.1590/S0101-32622011000300004
Moraes, Amaury. (2003). Licenciatura em ciências sociais e ensino de sociologia: entre o balanço e o relato. Tempo Social, 15(1), 5-20. https://doi.org/10.1590/S0103-20702003000100001
Morris, Aldon. (2015). The scholar denied: W. E. B. Du Bois and the birth of modern sociology. University of California.
Oliveira, Luiz F. de. (2014). Educação antirracista: tensões e desafios para o ensino de sociologia. Educação & Realidade, 39(1), 81-98. https://www.scielo.br/j/edreal/a/fBVxRfkk5pqpzxLqr5RcNxp/
Oliveira, Márcio de. (2015). O ensino da teoria sociológica em alguns cursos de Ciências Sociais de universidades públicas brasileiras. Política & Sociedade, 14(31), 87-113. http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2015v14n31p87
Parker, David. (1997). Viewpoint: why bother with Durkheim? Teaching sociology in the 1990s. The Sociological Review, 45(1), 122-146. https://dx.doi.org/10.1111/1467-954X.00057
Patel, Sujata. (2010). The ISA handbook of diverse sociological traditions. SAGE Publications.
Pires, Rui P. (2020). O ensino da teoria sociológica. Sociologia on line, (23), 11-30. https://doi.org/10.30553/sociologiaonline.2020.23.1
Ratts, Alex. (2022). Lélia Gonzalez e seu lugar na antropologia brasileira: “cumé que fica?”. Mana, 28(3), 1-34. http://doi.org/10.1590/1678-49442022v28n3a0202
Rios, Flavia & Klein, Stefan. (2022). Lélia Gonzalez: uma teórica crítica do social. Sociedade e Estado, 37(3), 809-833. https://doi.org/10.1590/s0102-6992-202237030003
Rosa, Marcelo C. (2022). Por uma ética da ontoformatividade: reflexões e proposições sobre a relação ontológica entre teoria e pesquisa na sociologia contemporânea do Sul Global. Sociedade e Estado, 37(3), 885-906. https://doi.org/10.1590/s0102-6992-202237030006
Röwer, Joana Elisa. (2016). Estado da arte: dez anos de Grupos de Trabalho (GTs) sobre ensino de Sociologia no Congresso Brasileiro de Sociologia (2005-2015). Civitas, 16(3), e126-e147. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2016.3.24754
Ruvituso, Clara. (2020). From the South to the North. The circulation of Latin American dependency theories in the Federal Republic of Germany. Current Sociology, 68(1), 22-40.
Notas
Notas
1 As autoras agradecem aos dois pareceres recebidos, que foram fundamentais a fim de aprimorar elementos vitais do nosso argumento.
2 Assim, por exemplo, o texto de Maia (2015) sobre a obra de Élide Rugai Bastos mapeia o entrelaçamento de sua produção e contribui, marcadamente, para a ampliação dessa leitura dos sentidos, inserindo um estudo de caso numa reflexão mais ampla sobre a história da sociologia no Brasil.
3 Connell (1997), Syed F. Alatas e Vineeta Sinha (2017) e Stéphane Dufoix (2022) destacam como esse mesmo cânone está presente e é reproduzido numa miríade de países.
4 Opondo-se ao entendimento mertoniano que toma a ciência natural como empírica, a particulariza e, a partir disso, justifica a necessidade de superar os clássicos, Alexander advoga a sua importância com base em diversos aspectos. Destacamos o seguinte: “Os cientistas sociais, imersos em fórmulas clássicas e disciplinados pelo que tomam por seu legado, não conseguem perceber que são eles mesmos, com suas intenções e interesses teóricos, que transformam textos em clássicos e dão a cada um destes seu significado atual” (Alexander, 1999, p. 55).
5 As universidades da amostra foram: Universidade de São Paulo (USP); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade de Brasília (UnB); Universidade Federal do Ceará (UFC); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade Federal do Paraná (UFPR).
6 Disponível em: https://emec.mec.gov.br/.
7 Entre as instituições listadas pela pesquisa na e-MEC, 42 (aproximadamente 65%) receberam nota 4. O conceito de curso é considerado um conceito permanente sobre os cursos, formado como resultado de visitas de avaliadoras/es do MEC que confirma o conceito preliminar de curso. Ambos os conceitos analisam os cursos em diversos aspectos tais como: estrutura física de oferta dos cursos, formação do corpo docente, desempenho de estudantes egressos no Enade. Entre os cursos da nossa amostra, as avaliações aconteceram entre 2006 e 2019.
8 Os sítios institucionais foram visitados entre 1º e 10 de dezembro de 2022. O sítio da UFF não estava funcionando no período da coleta. O sítio da UFSM possuía o PPC da licenciatura, mas apenas trechos do bacharelado. A UFRR disponibiliza seu ementário, no entanto, o documento disponível não possui as ementas das disciplinas de teoria previstas.
9 Há regras quanto ao número, tipo e disponibilidade de obras nas bibliotecas institucionais, regras que nem sempre são respeitadas, mas que tendem a limitar os textos indicados.
10 Ao final foram analisados os documentos das seguintes universidades e institutos federais: UFGD, UFBA, UFRR, UFT, Univasf, IFT-GO (Anápolis e Formosa), IFPR, UnB, UFFS, UFAL, UFCG, UFCAT (que é um campus da UFG na cidade de Catalão), UFJF, UFMT, UFPE, UFSC, UFSM, Unifesp, Unifap, Unirio, UFMA, UFPA e UFRB.
11 Os textos foram classificados no software NVivo e seu cruzamento foi realizado no Excel.
12 Entendemos que o contexto mudou em relação a quando Parker estava escrevendo. Ainda que ele defendesse a relevância de ampliar e/ou rever a concepção do cânone, naquele momento ainda constava: “O traço marcante desses afirmações é apenas o quanto elas são ironicamente verdadeiras. A sociologia não foi transformada pelo feminismo ou pelos estudos étnicos e culturais; antes, essas correntes de pensamento continuaram fora [outside] do cerne da disciplina, que teimosamente se recusa a trazê-las para o seu padrão de trabalho. O desafio do ensino de sociologia rumo a um novo século é recorrer a essas novas fontes de inspiração para redefinir verdadeiramente o centro da sociologia” (Parker, 1997, p. 134, tradução nossa). Consideramos que, atualmente, a sociologia já foi transformada por essas e outras perspectivas, e o desafio agora é pensar mais concretamente como incorporar essa mudança ao ensino da história e da teoria.
13 Desse modo, afirma: “Se quiséssemos alargar ‘classe’ para uma categoria sociológica, fazendo com que ela fosse válida para todo um conjunto de relações sociais, significando práticas e organizações, ela não poderia ser articulada, no âmbito de formações socio-históricas específicas como as nossas, sem ‘raça’” (Bannerji, 2005, p. 150-151, aspas no original).
14 Abordando o que denomina o “marxismo negro” (Black Marxism) de DuBois, Amy Allen (2022) também permite refletir criticamente sobre as relações entre um autor fundamental, mas invisibilizado, e o modo de apropriação do arcabouço teórico de Marx.
15 É certo que isso não exclui a relevância e a necessidade de se repensar a própria concepção da disciplina. No contexto do Brasil, pode-se destacar, por exemplo, a atenção recente que vem sendo conferida à produção social crítica de Lélia Gonzalez (cf. entre outros, Ratts, 2022; Rios & Klein, 2022).
Autor notes
Professora no Departamento de Sociologia na Universidade de Brasília, doutora em Ciência Política pela USP, integrante da Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas. layla.carvalho@unb.br
Professor no Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (SOL/UnB). Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Bolsista Produtividade do CNPq. sfk@unb.br

Gráfico 1
Número de cursos por habilitação, segundo Grandes Regiões
Tabela 1
Número de cursos por presença de ementário no PPC, segundo habilitação

Fonte: Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior. Cadastro e-MEC. Elaboração própria.
Tabela 2
Número de cursos por presença de ementário no PPC, segundo ano do PPC

Fonte: Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior. Cadastro e-MEC. Elaboração própria.
Tabela 3
Número de cursos por presença de ementário no PPC, segundo região

Fonte: Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior. Cadastro e-MEC. Elaboração própria.

Gráfico 2
Distribuição das disciplinas teóricas segundo classificação
Fonte: PPCs e PPPs das universidades analisadas. Elaboração própria.
Tabela 4
Frequência de disciplinas por nome, segundo classificação

Fonte: PPCs e PPPs das universidades analisadas. Elaboração própria.
Tabela 5
20 Autores mais indicados, segundo habilitação

Fonte: PPCs e PPPs das instituições. Elaboração própria.
Tabela 6
15 Livros mais indicados nas ementas de PPCs e PPPs

1 Indicações em documentos de bacharelado.2 Indicações em documentos de licenciatura.3 Indicações em documentos que tratam de bacharelado e licenciatura conjuntamente. Fonte: PPCs e PPPs das universidades. Elaboração própria.
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc