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REDES E MOVIMENTOS SOCIAIS PROJETANDO O FUTURO
NETWORKS AND SOCIAL MOVEMENTS PROJECTING THE FUTURE
RÉSEAUX ET MOUVEMENTS SOCIAUX PROJETANT L’AVENIR
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 1, núm. 1, pp. 205-233, 2013
Sociedade Brasileira de Sociologia

Artigos


Recepção: 1 Fevereiro 2013

Aprovação: 1 Abril 2013

DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.29

RESUMO: Este artigo tem dois objetivos principais: inicialmente, discutir como surgiram e se desenvolveram na sociologia e nas ciências humanas brasileiras estudos sobre movimentos sociais através das abordagens das redes sociais e quais seus principais encaminhamentos teóricos; em segundo lugar, desenvolver uma proposta teórico-metodológica para a análise dos movimentos sociais contemporâneos, especialmente situados no Sul global e, em particular na América Latina. Para tanto remeteu-se às contribuições dos estudos descoloniais e das redes sociais, examinando como esses podem se complementar, cooperando mutuamente para a construção de novas sínteses ou modelos interpretativos das diversas modalidades do ativismo contemporâneo.

Palavras-Chave: Redes, Movimentos Sociais, Interpretação, Ativismo.

ABSTRACT: This article has five main objectives: firstly to discuss how studies of social movements emerged and developed in Brazilian sociology and human sciences through analyses of social networks and what the main theoretical advances have been; secondly to develop a theoretical-methodological proposal for the analysis of contemporary social movements, especially those situated in the global South and in particular Latin America. In the process the article refers to contributions from studies of decolonization and from social networks, examining how these can complement each other, cooperating mutually towards the construction of new syntheses or interpretative models of the diverse modalities of contemporary activism.

Keywords: Networks, Social Movements, Interpretation, Activism.

RÉSUMÉ: Cet article a deux objectifs principaux : tout d’abord, traiter la manière dont ont surgi et se sont développées en sociologie et dans les sciences humaines brésiliennes, les études sur les mouvements sociaux à partir des approches en termes de réseaux sociaux et quels en sont leurs principaux cheminements théoriques. Ensuite, développer une proposition théorico-méthodologique pour l’analyse des mouvements sociaux contemporains, principalement ceux situés dans le Sud global et en particulier en Amérique latine. Pour cela, nous présentons les études de la décolonisation et des réseaux sociaux, en examinant comment ils peuvent se compléter et coopérer mutuellement à la construction de nouvelles synthèses ou modèles interprétatifs des diverses modalités du militantisme contemporain.

Mots-clés: Mouvements sociaux, Interprétation, Activisme.

Os estudos sociológicos sobre os diversos movimentos sociais no Brasil, desde seus primórdios, tiveram trajetórias bastante especializadas, cada uma apontando particularidades de seus objetos de estudo. Assim, temos sociologias para os movimentos messiânicos, camponeses, operários, sindicais, urbanos, rurais, gênero, raça e etnias, geracionais, juventude, ecológicos, religiosos, culturais, saúde, educação, contra a violência e pela paz, pela democracia e vários outros desdobramentos em sub-temáticas.1 Vários dossiês temáticos também têm divulgado essas trajetórias analíticas.

Porém, esses enfoques temáticos no século passado tiveram, frequentemente, alguns encontros na escolha das abordagens teóricas, com destaque, inicialmente, para o marxismo (e os vários pós e neomarxismos),2 após, a teoria dos novos movimentos sociais,3 as abordagens institucionalistas4 e, mais recentemente, as análises numa perspectiva das redes sociais. Essa última vem a ser examinada no presente texto.

O estudo dos movimentos sociais numa perspectiva ou metodologia de análise de redes, na sociologia elou nas ciências sociais brasileira, começou a ter algum destaque na literatura apenas nas últimas décadas do século XX, ocasião em que passa também a ser utilizada no discurso político de atores dos próprios movimentos sociais. É nessa direção que trabalhamos na elaboração do primeiro livro nesse assunto no Brasil (Scherer-Warren, 1993)5, que buscou retratar novas formas de organização da sociedade civil. Observou-se que na prática e na teoria ocorria, naquele momento, uma transição da valorização política, ideológica e interpretativa das organizações de base (grassroots organizations), tanto por parte dos movimentos populares, de seus mediadores e intérpretes, rumo ao desenvolvimento de um discurso sobre a relevância política das articulações, intercâmbios e formação de redes temáticas e organizacionais (network organizations) (Scherer-Warren, 1993, p. 9) mais amplas, seja nos planos regionais e nacionais, como no nível transnacional.

Lavalle et al. (2004, p. 44) observaram que justamente nesse período havia um refluxo dos estudos dos movimentos:

Por exemplo, se considerados todos os números publicados nas décadas de 1980 e 1990 das revistas Dados, Novos Estudos, Lua Nova, Revista Brasileira de Ciências Sociais (RBCS) e Boletim de Informações Bibliográficas (BIB), a produção voltada para a análise dos movimentos sociais cai pela metade entre o primeiro e o segundo período, passando de 20 para 10 artigos (p. 44-5).6

Registraram, porém, que novos desafios analíticos surgiam, pois havia modificações relevantes nas formas de organização da sociedade civil:

Na busca dos movimentos, a pesquisa deparou-se com outro tipo de ator de recente criação, também caracterizado por sua notável centralidade e capacidade de interlocução no campo dos atores da sociedade civil: as articuladoras...7 Por certo, se trata de inovação institucional das mais relevantes, pois mostra a capacidade da sociedade civil para orientar o processo da sua diferenciação interna de modo a incrementar os alcances da coordenação de ações de representação de interesses no seu seio (Lavalle et al., 2004, p. 53).

Detalhando essa nova abordagem, Acioli (2007) destaca que a análise dos movimentos sociais no Brasil, a partir de uma perspectiva de suas organizações em rede, compreendia três usos para a categoria redes sociais: metafórico, analítico e tecnológico:

A abordagem metafórica estaria voltada à filosofia de rede ou ainda a uma aproximação conceitual; uma analítica centrada na metodologia de análise de redes, e, uma tecnológica, cuja preocupação está voltada para as redes de conexões, para as possibilidades que se colocam em às interações possíveis na sociedade através de redes eletrônicas, de informações, interorganizacionais

(p. 1).

Em relação a essas abordagens, a autora busca exemplos de sua ocorrência em estudos de pesquisadores diversos. Para a abordagem metafórica, inicialmente associada a estudos antropológicos, coloca que “A ideia que permeia a metáfora de redes, é a de indivíduos em sociedade, ligados por laços sociais, os quais podem ser reforçados ou entrarem em conflito entre si” (Acioli, ibid, p. 3).

Já para o estudo da emancipação cidadã através do trabalho teórico, a partir de um olhar sobre a prática política e na forma de constituição dos atores sociais em sujeitos críticos, Misoczky (2009) afirma que a abordagem metafórica de rede pode auxiliar na formulação de um saber crítico, a partir do seguinte procedimento discursivo e interpretativo:

Um caminho para a libertação da noção de redes é, portanto, o retorno à metáfora, recurso discursivo que possibilita a revelação de multiplicidades, deslocamentos e rupturas. [...] Para que a noção de redes possa ser usada de modo coerente quando os objetos de estudos forem movimentos sociais de contestação à reprodução dos ordenamentos do sistema do capital é preciso que ela própria seja libertada das amarras das abordagens teóricas produzidas por esses mesmos ordenamentos e para sua perpetuação

(p. 1175).

Recorrendo a Milton Santos, Aciole acrescenta, ainda, que as redes teriam um movimento dialético de oposições, confronto e alianças – incluindo os sistemas de poder. Seriam virtuais e reais; técnica e sociais; as vezes estáveis, mas também dinâmicas; incluindo em si mesmas um movimento social de dinâmicas ao mesmo tempo locais e globais e integrando e desintegrando territórios. (p. 7) Portanto, Santos já nos apresenta um modelo interpretativo que busca passar das metáforas a uma metodologia de análise do movimento de organização dos espaços e de construção de territórios que são sempre mediados pelo poder.

Sobre a abordagem analítica, Aciole (2007, p. 7) recorre a um de nossos trabalhos (Scherer-Warren, 1993, p. 10), onde é afirmado que “a análise em termos de redes de movimentos implica buscar as formas de articulação entre o local e o global, entre o particular e o universal, entre o uno e o diverso, nas interconexões das identidades dos atores com o pluralismo”8 . Aqui merece ser acrescentado que para a análise dos movimentos sociais em rede a sociologia, numa perspectiva mais interdisciplinar, pode se valer de pelo menos uma triple dimensão analítica (vide, dentre outros, Scherer-Warren, 2005a, b, 2012a, b):

  • a espacialidade .com territorialidades de novos tipos, virtuais e presenciais e as conexões entre ambas), ou conforme coloca Machado (2007, p. 279): “... nas relações sociais mediadas por computadores, os conflitos e processos de mudança reverberam e se difundem nas redes telemáticas até alcançar o cotidiano das pessoas e ‘conquistar’ suas mentes.” Isso permite não apenas a visibilidade mediática dos atores coletivos, mas a construção de ideários e propostas políticas trans-organizacionais e trans-locais).

  • a temporalidade .com comunicação em rede em tempo real, mas que permite a conexão e diálogo de tempos sociais distintos, com resgate de elementos culturais tradicionais e que facilita uma releitura associada a críticas pós elou anticoloniais ou pós e/ou antiteorias da modernidade). A ‘tradição’, o ‘presente’ e o ‘futuro’ nos movimentos sociais podem e estão sendo traduzidos frequentemente num ideário comum de mudança social, mas revisto, reatualizado, ritualizado e politizado, conforme examinaremos mais adiante).

  • a sociabilidade (que através de redes, especialmente as de caráter político, permite conectar vários tipos de relações e vínculos sociais, dos mais primários aos secundários, com elos fortes ou fracos, do cotidiano à esfera pública9. Do ponto de vista dos movimentos sociais, a organização em redes permite a reafirmação de formas de sociabilidades históricas, de criação de novas formas de sociabilidades trans-identitárias – por exemplo, articulando discursivamente as opressões de classe, raça e gênero e outras – para a construção de utopias emancipatórias, na cultura e na política).

Gohn, com ampla produção na área dos movimentos sociais, recentemente (2008 e 2010) incluiu a temática das redes em suas considerações analíticas: “Rede e mobilização social são duas categorias de destaque que compõem o novo dicionário sociopolítico. Elas têm sido utilizadas pelos analistas, por lideranças de movimentos sociais e pelos formuladores das políticas...” (2008, p. 452), mas reconhece também seu uso como um novo instrumento de análise dos movimentos sociais e das respectivas formas de atuação na esfera pública:

Nas ciências sociais, o uso de redes sociais também é antigo, embora tenha sido revigorado nos últimos tempos como instrumento de análise e articulação de políticas sociais (Fontes, 2006; Lavalle et al., 2006; Marques, 2003, 2007) ou redes de mobilizações e movimentos sociais na sociologia, tais como em Villasante (2002) e Scherer-Warren, (1993, 1999, 2007).

(Gohn, 2010, p. 33).

Por fim, o uso tecnológico é considerado, por Acioli (2007), como um dos mais discutidos atualmente e nesse campo inclui o “núcleo de tecnologias da informação - redes de informações, redes de conexões ou redes temáticas, redes interorganizacionais, ou seja, grupos que utilizam o termo rede no sentido de meio de acesso a informações” (p. 8).

A ênfase na análise do uso instrumental das novas tecnologias pela sociedade em geral e, em particular, pelos movimentos sociais é uma das que mais tem se destacado na literatura científica no campo das humanidades. Machado (2007, p. 278-9) contribui nessa direção:

Vários atores sociais surgem e se formam apoiados em redes e sub‑redes menores, espécies de células “dormentes”, que podem ser ativadas a qualquer momento, segundo uma lógica relacionada a elementos identitários, valores e ideologias. Trata-se de um jogo em que as múltiplas identidades sociais, interesses e ideias se articulam e se combinam com grande dinamismo em torno de objetivos e fins específicos e determinados... Com o aumento do uso das tecnologias de informação e comunicação, tais repertórios são cada vez maiores. Experiências, modelos sociais, valores e signos são cada vez mais difundidos, confrontados e compartilhados, criando um amplo horizonte de transformação simbólica e social.

Moura e Silva (2008, p. 51) também observam a possibilidade que essas tecnologias oferecem para o uso de novos instrumentos metodológicos para a análise da atuação de atores sociais no campo da participação político-institucional:

o campo de estudos sobre sociedade civil e, mais especificamente, sobre as entre os atores sociais e o campo político-institucional ainda apresenta uma ampla agenda de investigação empírica e elaboração teórico-metodológica a ser desenvolvida. É como contribuição para esse desenvolvimento, que possibilite um avanço dos futuros estudos a partir do significativo acúmulo de conhecimento já produzido até o momento, que a abordagem das redes, seja por meio do conceito de redes de políticas, seja por meio da metodologia de análise de sociais, parece apresentar-se como instrumento útil e fértil para os pesquisadores brasileiros.

O uso instrumental da categoria de redes sociais é muito recorrente nos estudos empíricos das ciências sociais, especialmente tendo em vista a análise do potencial político dessas novas formas de mobilização. Nessa direção, Rigitano (2003, p. 8), com base num estudo empírico, acrescenta que o ciberativismo contribui para o desenvolvimento e empoderamento de um novo tipo de ativismo:

A apropriação das novas tecnologias, como a Intemet, por essas organizações em rede faz surgir uma nova forma de ativismo: o ciberativismo. As possibilidades que surgem com essa emergência do ativismo digital são inúmeras. A partir da atuação de indivíduos e grupos em rede e na Rede, é possível ampliar as reivindicações; difundindo informações e discussões em busca de apoio para uma causa; organizando e mobilizando para ações on-line e off-line; invadindo páginas de “inimigos” e congestionando servidores. Pelo exemplo na organização e atuação do Centro de Mídia Independente (objeto de análise da autora) é possível identificar que a Internet se constitui uma peça-chave para o novo ativismo.

Ainda sobre esse tipo de ativismo, Carvalho e Paes e Silva (2012), com referência à Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), destacam como a categoria redes sociais, além de operar como um relevante instrumento teórico para os movimentos sociais, possui um sentido instrumental e prático nas redes atuais, implicando numa nova forma de organização das lutas, conforme relato abaixo:

A RBJA e os movimentos que dela participam estariam inseridos na produção de uma alternativa à globalização neoliberal através da luta contra a exclusão e a discriminação que empreendem em diferentes localidades do país, a nível nacional e internacional, levando a que temáticas como território, identidade, práticas culturais etc. sejam abordadas e desenvolvidas a várias escalas e sob diferentes perspectivas

(p. 1).

Portanto,

as redes constituem-se não somente em um importante instrumento teórico, mas em uma forma de articulação que viabiliza e fomenta o descentramento das lutas, a horizontalidade e a multiplicidade, bem como a contingência da diversidade, sem se descuidar dos limites enfrentados por toda forma de organização social. A RBJA é uma estrutura predominantemente marcada pela horizontalidade, pela não hierarquização e pela ausência de uma centralidade organizacional, privilegiando o pluralismo e a diversidade das culturas

(Carvalho & Paes e Silva, 2012, p. 1).

Nessa mesma direção, deve ainda ser destacada a eficácia em termos de mobilização pública via listas virtuais para uma advocacia em relação a demandas mais universais, como no exemplo abaixo:

A entidade internacional Avaaz, organização não-governamental que realiza campanhas em diversos países, entregou no Palácio do Planalto nesta quinta-feira um abaixo-assinado com 1,9 milhão de assinaturas, coletadas no mundo todo, pedindo à presidente Dilma Rousseff que vete o projeto de lei do Código Florestal. O documento foi entregue pelo diretor de campanhas da Avaaz, Pedro Abramovay, aos ministros Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Gilberto Carvalho

(Secrtaria-Geral da Presidência) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente). (Demétrio Weber, maio de 2012).10 (citação da página web está na nota de rodapé n. 10)

Sem esgotar o assunto, esses são alguns dos passos trilhados até o momento para a análise e prática dos movimentos sociais a partir de uma perspectiva das redes sociais, no Brasil. A seguir, examinaremos alguns desafios para os estudos futuros sobre as redes de movimentos sociais no mundo contemporâneo.

Olhando para o futuro: os novos desafios para a análise das redes de movimentos sociais

Se na era em que predominaram os estudos temáticos de movimentos sociais específicos, conforme ressaltamos no início deste texto, houve a recorrência a certos paradigmas teóricos bastante reconhecidos e hegemônicos na sociologia ocidental para o estudo dos movimentos sociais – os quais transitaram do marxismo aos neo e pós marxismos e pós estruturalismos, das teorias da subjetividade e simbólicas às teorias dos novos movimentos sociais, das teorias da mobilização de recursos e das oportunidades políticas de participação às várias teorias sobre a participação institucional dos movimentos sociais ou outros atores da sociedade civil,11 diversamente, as teorias das redes para a análise dos movimentos sociais se concentraram em boa medida no esclarecimento conceitual da categoria rede social, ou na definição de instrumentos metodológicos para a análise empírica das redes, na linha do que foi debatido no item acima.

Em estudos anteriores, especialmente os mais recentes,12 tenho me dedicado a pensar sobre a possibilidade de um caminho teórico-metodológico para a interpretação do agir dos movimentos sociais a partir do Sul global e, mais especificamente, a partir do caso brasileir013 . Para enfrentar o desafio teórico mencionado, retomarei algumas dessas ideias, tentando revê-las, atualizá-las e avançar nessa jornada, não de forma solitária, mas apoiada especialmente na literatura crítica do Sul latino-americano sobre o tema.

Iniciarei revendo alguns pressupostos da “redução sociológica”, de Guerreiro Ramos (1996), precursor dos estudos pós-coloniais na América Latina,14 que poderão contribuir para a construção de um pensamento social descolonizador e emancipatório:

“A redução sociológica é um processo de conhecimento e uma atitude metódica, que busca dar conta dos significados mais profundos da realidade social... invertê-los com o fim de fazer do conhecimento uma ferramenta para a emancipação social.” (Filgueiras, 2012, p. 353).15

Nessa direção, uma sociologia dos movimentos sociais deveria subverter os conhecimentos colonizados acríticos que reproduziram por séculos o sistema de dominação econômica, política e cultural na América Latina, avaliando o enredamento desses subsistemas na reprodução social.

“A realidade social é dotada de sentido, e são suas conexões de sentido que estabelecem as significações sociais... [trata-se de] absorver essas valorações com o objetivo de compreender melhor os vínculos que os fenômenos sociais guardam entre si.” (Filgueiras, ibid, p. 354).

Trata-se de buscar nas formações identitárias dos movimentos em redes – particularmente a partir de suas leituras das condições de classe, de gênero e raciais/étnicas, que representam significações fundantes do sistema das desigualdades sociais na América Latina a possibilidade de estabelecer cadeias de equivalência (cf. Laclau, 2006 e 2011) entre seus discursos emancipatórios particularizados, na direção da construção formações trans-identitárias e de ideários transversais. 16

  • “O mundo que conhecemos e em que agimos é o âmbito em que os indivíduos e os objetos se encontram numa infinita e complicada trama de referências... A atividade interpretativa proporcionada pela sociologia deve dar conta de uma noção de mundo em que os objetos do conhecimento não estão dissociados do sujeito que procura interpretá-los”. (Filgueiras, ibid, p. 354).

  • Nessa direção, a sociologia dos movimentos sociais deveria avaliar criticamente a construção de um pensamento social hegemônico na América Latina, e no Brasil em particular, e sua relação ou não com os vários saberes subalternos existentes e que foram contestatórios e de resistência aos sistemas de dominação.

  • “Ramos estipula que o objeto de estudo não pode estar desligado de seu contexto... sobretudo pela cultura, a qual estabelece o conteúdo de sentido... ela [a sociologia] é uma ciência que se insere nos suportes coletivos da realidade social.” (Filgueiras, ibid, p. 354).

  • Portanto, a perspectiva de análise da cultura, e das dimensões simbólicas e da construção das subjetividades coletivamente construídas, conforme tratadas pelas “teorias dos novos movimentos sociais”, deveriam ser revisitadas, mas agora a partir de uma perspectiva descolonizadora.

  • “O trabalho do sociólogo é inserido na sociedade em que ele vive... e a sociologia só é possível em uma sociedade que assuma sua autoconsciência como processo coletivo.” (Filgueiras, ibid, p.354).

  • Poderíamos, aqui, acrescentar a importância de ser definido a que “autoconsciência coletiva” o sociólogo está se referenciando, a dos saberes hegemônicos tradicionais ou a saberes libertários que operam em nome da igualdade, da diversidade e da justiça social.

  • “A redução sociológica não se opõe à transplantação de conceitos e categorias [universais] fundamentais ao conhecimento sociológico, mas exige que eles sejam submetidos a critérios de seletividade. Conceitos e categorias importados devem ser reinterpretados pela cultura nacional, de forma a adequá-los ao seu conteúdo de sentido.” (Filgueiras, ibid, p. 354).

  • Cabe, portanto, promover uma sociologia que não deixe de dialogar com o Ocidente (Norte Global), mas que promova cada vez mais o diálogo Sul-Sul e que, sobretudo, reescreva as histórias de suas civilizações através de saberes descolonizados e que resgate os saberes dos movimentos emancipatórios.

  • “A atitude redutora precisa ser justificada e baseada em esforços elaborados de reflexão, mostrando as razões pelas quais se fundamenta. A redução sociológica é, antes de tudo, um método para o conhecimento do social, que deve ser auto-referido à cultura que o cerca”. (Filgueiras, ibid, p. 355).

  • Enfim, o legado de Ramos inspira a construção de uma sociologia dos movimentos sociais reflexiva, que busque uma reflexão descolonizada, um pensamento autônomo, mas comprometido com processos culturais e políticos emancipatórios, representativos de minorias em situações históricas de subalternidade. Nessa direção, passaremos a desenvolver um marco interpretativo, sempre provisório, para a análise das redes de movimentos sociais que se inspire e dialogue com as abordagens pós, neo e/ou descoloniais.

As perguntas de partida para a elaboração de uma proposta de investigação sobre os movimentos sociais no contexto atual de suas relações com outros atores da sociedade nacional (no caso tendo como referência privilegiada o Brasil), nas relações Sul-Sul (centrando-se na América Latina) e nas relações Sul-Norte globais (especialmente no ocidente), giram em torno das seguintes dimensões analíticas:

  1. 1. Como examinar e avaliar o contexto histórico em que os movimentos contemporâneos estão inseridos, e de como se referenciam ao passado, presente e futuro de suas experiências de vida e reagem elou fazem a leitura dessas várias temporalidades?
  2. 2. Como as reações movimentalistas se transformam em representações discursivas identitárias e como nas interações políticas intermovimentos articulam discursivamente essas representações, criando identidades transversais e formando redes de movimentos?
  3. 3. Como as redes de movimento articulam demandas e ideário de mudanças (materiais, simbólicos e de empoderamento), construindo novos projetos societários e de projeções para o futuro da sociedade?
  4. 4. A partir dessas relações transidentitárias e pluriorganizacionais, o que é ser movimento social hoje e quais as dimensões analíticas a serem contempladas na investigação?

Em relação à primeira questão – o contexto histórico dos movimentos sociais – os estudos pós-coloniais são uma ferramenta relevante, na medida em que fazem a crítica da colonização do saber ocidental, na academia e nas culturas subalternas. Essa crítica vem sendo elaborada por um conjunto considerável de pesquisadores, tanto do Sul como do Norte globais, recaindo em variados aspectos da remanescência de formas de poder neocolonial nos diversos territórios do mundo globalizado, especialmente na América Latina, ilustrando-se com alguns exemplos emblemáticos:

  • O da existência de um sistema-mundo, entendido como sistema histórico que, segundo Wallerstein (2007), é uma rede integrada de processos econômicos, políticos e culturais, mas que não deveria ser reduzido a um universalismo único (no caso o europeu), e sim numa troca dialética que permite universalizar valores particulares e particularizar valores universais (entre diferentes territórios nacionais) numa espécie de “rede de universalismo universais”.

  • Ou seja, como “colonialidade do poder”, que Quijano (2005) define como um processo histórico,17 em que a construção da nação e, sobretudo, do Estado-nação foi conceitualizada contra a maioria da população (índios, negros e mestiços), e cujo poder ainda exerce seu domínio, na maior parte da América Latina, contra a democracia, a cidadania, a nação... e cuja perspectiva de conhecimento opera como um espelho que distorce o que reflete, como foi a imposição de uma ideologia de “democracia racial” que mascarou a verdadeira discriminação e a dominação colonial sobre os negros, como no Brasil, na Colômbia e na Venezuela.

  • Ou ressaltando uma episteme para a mudança, como a ideia de transmodernidade, que, segundo Dussel (2005), deve ser a negação do mito da modernidade ocidental e a descoberta de sua face oculta, a partir de um outro olhar: o mundo periférico colonial, o índio sacrificado, a mulher oprimida, a criança e a cultura popular alienadas etc.

  • Ou, ainda, como “pensamento crítico de fronteira”, que, para Mignolo (2003), é a resposta epistêmica do subalterno enquanto retórica emancipatória da modernidade. Mais recentemente, seu livro The Darker Side of Western Modernity (2011), foi descrito como uma obra em que Mignolo “explains that decoloniality requires delinking from the colonial matrix of power underlying Western modernity to imagine and build global futures in which human beings and the natural world are no longer exploited in the relentless quest for wealth accumulation”.18

  • Ou por meio da relevante síntese, que contempla esses autores e pensamentos descolonizadores (cf. acima), feita por Grosfoguel (2008 e 2012), a qual propõe uma nova episteme, conceitos e linguagem que permitam “explicar o complexo enredamento das hierarquias de gênero, raciais, sexuais e de classe existentes no interior dos processos geopolíticos, geoculturais e geoeconômicos do sistema-mundo colonial/moderno...” (2008, p. 131);

  • Seja, enfim, através de inúmeros outros autores do Norte e do Sul Global, críticos do legado colonia119 e também por meio de grupos subalternos e de seus movimentos emancipatórios.20

Do ponto de vista de uma política emancipatória dos atores coletivos e movimentos sociais, vale à pena acrescentar alguns exemplos que podem ser referenciados a pensamentos e epistemologias descoloniais propostas por Grosfoguel (2008 e 2012), que o autor denominou de “cumplicidade subversiva”: estas estratégias políticas não ocidentalistas vêm sendo praticadas por diferentes movimentos sociais e sujeitos subalternos mundo afora, como os movimentos sociais porto-riquenhos, martiniquenses, indígenas, afro-americanos, afro-caribenhos, afro-brasileiros, islamitas feministas, zapatistas, as mães da Praça de Maio, os ocupa-fábricas e os piqueteiros na Argentina, entre outros sujeitos localizados no lado subalterno da diferença colonial. (2012, p. 352).

Grosfoguel cita ainda, como exemplo paradigmático de uma estratégia de “cumplicidade subversiva” de um pensamento descolonizador, a atuação de Martin Luther King, quando esse tomou o discurso hegemônico da “igualdade” e o ressignificou, estendendo-o a territórios inconcebíveis para o pensamento eurocêntrico (como estender a igualdade a sujeitos negros, latinos e indígenas nos Estados Unidos). Outro exemplo de descolonização seria os neozapatistas, quando tomam o discurso da “democracia” e o ressignificam a partir das tradições indígenas locais com a noção de ‘mandar obedecendo’ ou ‘somos todos iguais porque somos todos diferentes’... “O pensamento descolonial seria uma subversão interna do lado subordinado da diferença colonial Teríamos que nos abrir ao diálogo inter-epistêmico e conceber o projeto da esquerda como transmoderno, descolonial com sentidos pluriversos...” (2012, p. 355). Para uma transgressão a esse pensamento e episteme, o autor, em palestra (Berlim, 2011), faz a crítica à tradição “fundamentalista eurocêntrica” das ciências sociais, as quais construíram um pretenso universalismo a partir do particularismo da visão do sexo masculino, de cor branca, europeu, produtor de uma episteme racista e sexista, denominada por autores do pós-colonialismo de “West and the Rest21 (o “Ocidente e o Resto” do mundo).

Sobre esse ponto, Sergio Costa (2006b, p. 121), acrescenta:

A desconstrução da dicotomia Rest/West (é) a releitura pós-colonial da história moderna, busca reinserir, reinscrever o colonizado na modernidade, não como o outro do Ocidente, sinônimo do atraso, do tradicional, da falta, mas como parte constitutiva essencial daquilo que foi construído, discursivamente, como moderno. Isso implica desconstruir a história hegemônica da modernidade, evidenciando as relações materiais e simbólicas entre o “Ocidente” e o “resto” do mundo, de sorte a mostrar que tais termos correspondem a construções mentais sem correspondência empírica imediata.

Esse é o projeto perseguido pelo historiador indiano da Universidade de Chicago, Dipesh Chakrabarty.

Catherine Walsh (apudOliveira & Candau, 2010, p. 7), inspirando-se em Frantz Fanon (1983), irá relacionar colonialismo à “não-existência” do sujeito subalternizado, em outras palavras, “negar ao outro todos os atributos de humanidade, e obrigar as pessoas que ele domina a perguntar-se: em realidade quem eu sou?” (Fanon apud Walsh, 2005, p. 22). Portanto, a colonialidade referencia-se e consolida-se no poder, no saber e no ser,22 e essas são dimensões relevantes para pensarmos os movimentos sociais através de uma epistemologia descolonial e uma metodologia de análise de redes, conforme veremos a seguir.

Em relação à segunda questão – sobre a transformação dos discursos identitários em identidades transversais nas redes de movimentos – buscaremos examinar como se dão as articulações discursivas que permitem criar “cadeias de equivalência” (Laclau, 2011) entre subalternidades identitárias de classe, raça/etnia, gênero etc., originalmente construídas de forma distintas e referenciadas em materialidades e simbologias também diferenciadas.

Ernesto Laclau (2006 e 2011), referindo-se a possibilidades de políticas emancipatórias no mundo contemporâneo, prevê que demandas distintas, ainda que referidas a particularidades de diferentes segmentos sociais, podem construir em comum um discurso mais amplo de contestação ou enfrentamento ao sistema, na medida em que “elas passam a estabelecer entre si uma relação de equivalência” a qual, ao desenvolver propostas mais amplas e duradouras em torno de um ator coletivo, pode estabelecer uma cadeia de equivalência ou uma “razão populista23 (Ibid, 2006, p. 23). Por sua vez, grupos coletivos de ativistas que vivenciam diversos tipos de exclusão elou subalternidade (de gênero, étnica, econômica ou outra), ao construírem um discurso emancipatório articulado em torno de uma contestação em comum a um regime social considerado com opressor e/o excludente ao conjunto de suas identidades, poderão vir a formar uma rede de movimento social.

A pesquisa de Marilise Reis (2011) nos ajuda a exemplificar os pressupostos aqui mencionados. Trata-se de uma pesquisa que deu origem à sua tese de doutoramento, sobre a Rede de Mulheres Afro-Latino-Americanas, Afro-Caribenhas e da Diáspora (RMAAD).24 Dentre outros, a autora (2011, p. 108) destaca, em primeiro lugar, a existência da dinâmica da construção de identidades transversais numa situação de uma rede de redes multi-organizacionais diversificadas:

Esses movimentos, ao extrapolarem fronteiras simbólicas e territoriais, vêm constituindo, na América Latina e no Caribe, identificações múltiplas por meio de uma “afrodiasporicidade” que se configuraria, não em torno de estruturas identitárias fixas, rígidas e territorializadas, mas em modelos discursivos e de ação política baseados em estruturas de identificações múltiplas, fronteiriças e desterritorializadas.

Como vem se constituindo esse movimento em rede, diferenciando-se de estratégias movimentalistas tradicionais, transitando de políticas uni-identitárias para políticas com articulações discursivas de uma maior diversidade (raça, gênero, classe, geracional)? A autora observa que, se no passado o “movimento esteve baseado em categorias como etnicidade e identidade, quase sempre exclusivistas, masculinas e localizadas territorialmente, no momento atual, aponta para formas de organização pautadas em identificações híbridas e em formas discursivas múltiplas, muito mais simbólicas e dispersas em rede” (Reis, 2011, p. 124). A seguir acrescenta que a inserção da participação juvenil e o caráter transnacional da rede são outros fenômenos crescentes na América Latina:

Na articulação para o combate ao racismo, a Rede destaca as alianças estratégicas com outros movimentos sociais, a implementação do Plano de Ação de Durban e o aumento da participação da juventude no movimento de mulheres negras. (p. 114) No que tange a dinâmica transnacional que compõe a RMAAD, esta está caracterizada primeiramente pelas múltiplas conexões que constituem se nesse território, e depois, pelos objetivos, perspectivas e princípios que dão base para o desenvolvimento das ações políticas da rede em rede.

(p. 116)

Conclui, enfim, que é o distanciamento dos essencialismos e exclusivismos de identidade e a tomada de consciência dessa experiência comum, ou seja, essas revivescências, que apontam para o surgimento do diálogo dessa Rede com a abordagem pós-colonial e que ajuda a compor a sua contra narrativa e a sua estética diaspórica. (2011, p.118).

Isso nos remete à nossa terceira questão – como as redes de movimento articulam demandas e ideário de mudanças (materiais, simbólicos e de empoderamento), construindo novos projetos societários e de projeções para o futuro da sociedade? Uma dessas possibilidades pode ser observada na combinação do diálogo estratégico construído através de redes movimentalistas pluriorganizacionais apoiados numa episteme e em narrativas descolonizadoras. No exemplo da RMAAD, Reis (2011, p. 119) observou que:

Ao retomar-revisar-deslocar, a contra narrativa da diáspora da RMAAD se insere na perspectiva crítica das obras portadoras de um discurso de caráter pós-colonial, porque propõe que façamos uma releitura da colonização, concebendo-a como parte de um processo transnacional e transcultural global o que implica, como consequência, reescrever as anteriores grandes narrativas, próprias do período colonial, tendo como lócus enunciativo a situação de diáspora vivenciada pelas populações africanas.

Mas como fazer a transição de epistemes, até a pouco hegemônicas na leitura sobre e pelos movimentos sociais (teorias de classe, uni-identitárias etc.), para uma teoria que articule a diversidade discursiva de movimentos sociais em rede? De acordo com as propostas políticas descolonizadoras apresentadas acima, essa emancipação discursiva deverá ser feita a partir da desconstrução de epistemes eurocentradas hegemônicas e na compreensão de contra narrativas críticas de redes emancipatórias. Um dos grandes desafios é de como articular os conhecimentos e saberes acadêmicos com os saberes populares advindo dos movimentos sociais. Boaventura Santos (2008) propõe a “ecologia de saberes” como forma de aproximação desses dois campos, que pode ser tratada através de dois recursos: o trabalho de tradução intercultural, que pode ser feito através de “sinais, símbolos, conjunturas, enigmas, pistas, perguntas, paradoxos, ambiguidades etc. (2008, p. 29); e a artesania das práticas, que ocorre quando lutas contra a discriminação conduzem a uma ecologia de saberes produzidos por diferentes movimentos sociais: feministas, antirracistas, de orientação sexual, de direitos humanos, indígenas, afrodescendentes etc., e efetua a passagem de uma política de movimentos sociais para uma política de intermovimentos sociais (2008 p. 30-31), em outra palavras, a uma política de rede de movimentos.25

Nessa direção, Mohanty (apudMatos, 2010, p. 77) propõe uma política feminista trans ou intercultural que se esforçasse por construir as conexões entre o feminismo acadêmico e as organizações políticas anticapitalistas e poscoloniais. Já para Marlise Matos (op. cit, 2010), uma teoria crítico-emancipatória feminista deveria ser pensada em torno dos eixos estruturantes da justiça social (a igualdade e a diferença), com “uma renovada ênfase em fronteiras interseccionais, transversais e transdisciplinares entre gênero, raça, sexualidade, classe e geração (no jargão de Fraser: nas transfronteiras) (e) com a necessidade de transversalização do conhecimento e a transversalidade na demanda por direitos (humanos) e justiça social” (Ibid, p. 86-7).

Em pesquisa sobre fóruns e redes interorganizacionais da sociedade civil (Scherer-Warren, 2012b), constatou-se que há aspectos substantivos marcantes, decorrentes da experiência de vida dos atores, que são frequentemente lembrados e retomados nas articulações discursivas que vão gradativamente configurando e dando significados políticos compartilhados nas redes de movimentos sociais. Dentre esses se destacam três dimensões que animam os protestos, a definição das demandas e os ideários ou utopias emancipatórias: a da vida material, a simbólica e do empoderamento político.

Os movimentos sociais, ao atuarem na forma de redes interorganizacionais através da troca de saberes, vão formando relações de equivalência discursiva (Laclau, 2011), os quais, mesmo face à sua diversidade e diferenças, elaboram pontos de encontro para seus projetos de mudança social, assim sendo:26

Primeiro, em relação às condições materiais de existência, com base na desigualdade, pobreza, segregação espacial, qualidade de vida etc., as singularidades dos diversos movimentos passam a ser lidas a partir de processos histórico-estruturais de exclusão e de desigualdade mais amplos, como ocorre com as leituras pós ou neocoloniais,27 ou através de críticas descolonizadoras (Martins, 2012), e, desta forma, vão construindo um discurso compartilhado ou uma ecologia dos saberes, configurando novas formas de ser movimento.

Segundo, as articulações discursivas nas redes também permitem a construção de nexos entre as condições materiais estruturantes de uma sociedade e a leitura das condições simbólicas na reprodução social (discriminações, estigmas, desvalorização pessoal e coletiva etc.), ressignificando-as politicamente e produzindo novas subjetividades e ideários emancipatórios através dos sujeitos dessas ações.

Por exemplo, em nossa na pesquisa,28 constatou-se que as mulheres indígenas e negras inicialmente desenvolveram uma crítica ao sistema em relação às suas singularidades na opressão, porém, a partir do encontro nas redes de movimentos, perceberam equivalências em torno de suas origens identitárias coloniais e dos respectivos mecanismos de exclusão social, passando assim a formar uma cadeia de significados políticos, que denominaram de “aliança de parentesco”29 entre as mulheres negras e indígenas, em outras palavras, um pacto histórico referente a um mesmo legado colonial ou, conforme Grosfoguel (2008), uma “cumplicidade subversiva”. Essa aliança ou cumplicidade após se estendeu a uma rede mais ampla, a Articulação das Mulheres Brasileiras (AMB).30

Terceiro, sobre as condições políticas de exclusão (subcidadania, despoderamento, precariedade na participação política etc.), o tripé – ações sobre as condições materiais estruturantes dos processos de exclusão social e cultural, sobre a necessidade de se trabalhar para mudanças nas mentalidades e simbologias e sobre a urgência em se ter organizações políticas mais inclusivas sem deixar de serem politicamente críticas –, observou-se que nos discursos e nas práticas dos fóruns e redes pesquisados estão sendo estabelecidas relações de equivalência entre as três dimensões citadas acima e que os discursos emancipatórios compartilhados geram emblemas para uma democratização dos processos de inserção da sociedade civil nas políticas de Estado, tais como: autonomia política dos sujeitos em relação à participação institucional, democratização da esfera pública e participação representativa dos movimentos, promoção dos direitos humanos não observados e criação de novos direitos que incidem em transformações na vida material, cultural e da inclusão através da participação na política institucional.

Quanto à última questão – o que é ser movimento social hoje? – iniciaremos lembrando que, na sociedade contemporânea, da informação, os formatos organizacionais das ações coletivas também desempenham um papel decisivo para as articulações discursivas dos movimentos sociais, isto é, a existência de um formato de organização em redes31 deve ser tratada também como uma prática política, exemplificando: como uma pré-condição para que o movimento possa desenvolver uma cadeia de equivalência de múltiplos projetos particularizados. Portanto, a rede movimentalista caracteriza-se por seu significado político, o que nos permite teoricamente tratá-la como um “frame” organizacional,32 ou seja, ela contém uma lógica de movimento que se expressa em:

  • O que é “ser’ um movimento em rede? Define-se hoje por seu caráter multi-identitário, incluindo frequentemente sujeitos de sub-redes ou, pelo menos, o reconhecimento das demandas e/ ou simbologias de organizações feministas, grupos étnicos e antirracistas, classistas, geracionais, pacifistas, ecologistas, da economia solidária etc. e de redes pluriorganizacionais, incluindo as organizações populares de base, como associações civis e movimentos locais; as entidades mediadoras, como os fóruns da sociedade civil, ONGs, centros de educação popular; e práticas mobilizatórias públicas mais amplas, como os protestos, passeatas, manifestações, e as novas formas de mobilizações através das redes virtuais etc. É a articulação discursiva dessas sub-redes numa proposta emancipatória mais ampla e minimamente integrada em torno de ideários comuns para a mudança o que vem a constituir uma rede de movimento social propriamente dito, no mundo contemporâneo.

  • Como se constitui o seu “saber” enquanto movimento em rede? O “saber” se constitui através das articulações discursivas transversais dos diversos elos que compõem a rede, cuja dialógica na diversidade permite a construção de novas dimensões cognitivas, tais como a desfundamentalização de particularismos elou a criação de universalismos sempre abertos à sua reconstituição; o descentramento das identidades fechadas, criando ideários multi ou pluri-identitários; transitando de essencialismos ao interculturalismo ou transculturalismo e promovendo relações dialógicas para a produção de práxis movimentalistas emancipatórias e descolonizadas, conforme já examinado acima.

  • Como se constrói o “empoderamento” através das redes? As estratégias que contribuem para o empoderamento organizacional vinculam-se aos tipos de práticas articulatórias que as relações e as dinâmicas da atuação de redes possibilitam, tais como: articular discursivamente as redes presenciais (organizações e movimentos territorializados) com as redes virtuais (Facebook, Twitter, e-mails etc.), o que permite potencializar a visibilidade de suas demandas; articular indivíduos (simpatizantes) e o coletivo (militantes), ampliando a base de apoio ao movimento; enredar o local, o nacional e o global, podendo produzir um efeito bumerangue (Keck & Sikkink, 1998), que é a possibilidade de organizações locais acionarem redes transnacionais, se fortalecendo para após negociar com os poderes nacionais; aproximar sujeitos (militantes e intelectuais) do Sul e do Norte globais, que visam articular e promover saberes e projetos para um futuro emancipatório e descolonizado, enfim, dando visibilidade aos sujeitos invisíveis.

Por fim, poderíamos perguntar se não será na aposta em uma articulação e diálogo de diversos saberes, entre redes sociais que se complementam – as quais vão de sujeitos e movimentos sociais de lutas emancipatórias à contribuição de mediadores e intérpretes desses saberes, dentre os quais poderemos incluir o sociológico, que um futuro quiçá mais igualitário, com maior respeito às diferenças e com mais justiça social, poderá ser construído.

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Notas

1 Uma síntese de algumas dessas abordagens temáticas pode ser encontrada em Gohn, Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no Brasil contemporâneo, 2010.
2 Em estudos anteriores, detalhei algumas dessas abordagens, vide especialmente Movimentos sociais: um ensaio de interpretação sociológica, Ed da UFSC, 1983, 1a. ed. e Redes de movimentos sociais, Ed. Loyola, 1993, 1a. ed.
4 O enfoque no “institucionalismo” brasileiro, diferentemente da respectiva abordagem americana nos movimentos sociais, tem um legado histórico de reflexões críticas e emancipatórias, o qual de acordo com Pereira, 2007, a partir da década de 50, tem como representantes desse pensamento vários intelectuais brasileiros, como P. Freire, A. Teixeira, D. Ribeiro, M. Gadotti, D. Saviani, M. Tragtenberg e C. Brandão. Um resgate detalhado dessas contribuições merece ser feito no campo das teorias dos movimentos sociais.
5 Em 2011, foi publicada a 5a. Edição do Livro Redes de Movimentos Sociais, pela Edições Loyola.
6 Lavalle et al. acrescentam que: “Pesquisadores comprometidos de longa data com a temática dos movimentos sociais continuaram com suas agendas de pesquisa, ver, por exemplo: Scherer- Warren, Ilse. Redes de movimentos sociais. Scherer-Warren, Ilse. ‘Movimentos sociais em cena: e as teorias, por onde andam?’ Contudo, os movimentos sociais saíram de cena do debate sociológico mais amplo” (p. 44)
7 Articuladoras não raro são rotuladas como ONGs, mas a diferenciação entre ambos os tipos de ator não apenas é pertinente em termos sociológicos, como também empiricamente sustentável mediante a análise de atributos simples ou de medidas próprias à análise de redes. Exemplos de articuladoras incluídas na amostra são: Abong – Associação Brasileira de ONGs; Rebraf – Rede Brasileira de Entidades Assistenciais Filantrópicas; Rede Nacional Feminista de Saúde de Direitos Sexuais e Reprodutivos; Cooperapic – Cooperativa de Associações de Promoção à Cidadania. (p. 46).
8 Voltaremos a essas formulações no decorrer desse texto.
9 Para um detalhamento dessa perspectiva de análise das redes sociais, vide o livro de Fontes, 2012, em que o autor alerta que não interessa à análise de redes o comportamento individual, mas como indivíduos interagem com outros se posicionando numa estrutura reticular (p. 188).
11 Para uma síntese dessas trajetórias teóricas no Ocidente e sua penetração no Brasil, vide o livro de Gohn, Teoria dos movimentos sociais, 1997.
12 Vide essa trajetória de esforço teórico, especialmente em meus livros: Redes de movimentos sociais, 1993; Cidadania sem fronteiras, 1999; Redes emancipatórias, 2012b e três textos recentes: “Para uma abordagem pós-colonial e emancipatória dos movimentos sociais”, 2011a; “Redes de movimiento y territorios: las mediaciones entre lo global y lo local”, 2012a e “Redes e incidência nas políticas públicas: entre as singularidades e as universalidades”, 2012c.
13 Trata-se de abordagens preliminares, sobre as quais pretendo continuar a elaboração, especialmente através da colaboração e dos debates no Núcleo de Pesquisa de Movimentos Sociais (NPMS/UFSC).
14 Tomaremos por base a síntese analítica construída na “Resenha temática: Guerreiro Ramos, a redução sociológica e o imaginário pós-colonial”, por: Fernando de Barros Filgueiras, 2012.
16 Vide desdobramentos dessa reflexão em Scherer-Warren, 2012c. Voltaremos a essa questão, mais adiante.
17 Cf. Grosfoguel (2012, p. 347), “o colonialismo global seria um período de colonialidade do poder ou de relações sociais coloniais sem administradores coloniais. . e as condições histórico-sociais de possibilidade dos últimos 50 anos (1945-2002) de colonialidade global são os 450 anos de colonialismo global (1492-1945)”.
19 Para destacar algumas publicações de ampla divulgação: Franz Fanon, 1952 e 1961; Stuart Hall, 2003; Paul Gilroy; Boaventura de Souza Santos, 2006; Carlos Moore, 2007, Sergio Costa, 2006a e 2006b, Paulo Henrique Martins, 2012 e várias coletâneas como as organizadas por Castro-Gomez et al., 1998; Epistemologias do Sul (Revista Crítica de Ciências Sociais), 2008; Revista Estudos de Sociologia, , dentre outras.
20 A análise sobre alguns desses movimentos pode ser encontrada em Carlos Gadea, 2004; Breno Bringel, 2010, Marilise Reis 2010; Marlise Matos, 2010; Domitila Cayres, 2012; Scherer-Warren, 2011a e 2012b; dentre outros.
21 Para uma análise a respeito, vide Sérgio Costa, “Deprovincializing” sociology: the post colonial contribution”, Rev. Bras. Ci. Soc. Vol.3, São Paulo 2007.
22 Conforme Oliveira e Candau, 2010, p. 9, esses são conceitos centrais dentro do projeto decolonialidade, de investigação do grupo “Modernidade/Colonialidade”, do qual Walsh faz parte, juntamente com vários dos autores acima citados.
23 No sentido de ser “povo”.
24 Conforme Reis (2011, p. 113), “em 1992, foi constituída a Rede de Mulheres Afrolatino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora, mesmo dia em que foi criado o dia Internacional da Mulher Afro-latino-americana e Afro-caribenha. Essa rede reúne organizações de 25 países da América Latina e Caribe e nasceu para atuar contra o racismo, a discriminação, a homofobia, a lesbofobia e contra todas as formas de exclusão.
25 Para uma definição detalhada e extensiva da categoria “rede de movimentos sociais”, consultar Scherer-Warren, 2012b.
26 Sobre essa parte vide maiores desdobramentos em Scherer-Warren, 2012b e 2012c.
27 Vide outros desdobramentos em Martins & Scherer-Warren, 2011.
28 Projeto AMFES (As múltiplas faces da exclusão social), UFSC/CNPq, que deu origem ao livro de Scherer-Warren, 2012b, o qual inclui pesquisa empírica que serve de apoia às teorizações aqui apresentadas.
29 Vide maiores detalhes sobre resultados políticos dessa aliança em Scherer-Warren, 2008, 2012b.
30 Outros detalhes sobre esse desdobramento de identificação no interior da AMB encontram-se em Scherer-Warren, 2012b.
31 Para uma análise detalhada sobre a organização dos movimentos sociais em redes no Brasil, ver Scherer-Warren, 2012a e 2012b.
32 Podemos concluir que o frame organizacional vai além de seu caráter operacional, ele “refere-se genericamente a forma pela qual os atores coletivos organizam e expressam os significados da ação coletiva” (cf. Prudencio, 2011).


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