DOSSIÊ
Reparações infraestruturais: reconcebendo a justiça restaurativa no Haiti e em Porto Rico
Infrastructural reparations: Reimagining reparative justice in Haiti and Puerto Rico
Reparações infraestruturais: reconcebendo a justiça restaurativa no Haiti e em Porto Rico
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 11, núm. 28, pp. 148-178, 2023
Sociedade Brasileira de Sociologia
Recepção: 07 Agosto 2023
Aprovação: 20 Agosto 2023
RESUMO: Infraestruturas têm uma capacidade inerentemente desigual de conectar e de prover algumas pessoas de determinados bens e fluxos de informação, enquanto priva de direitos e desumaniza outras através dos próprios processos de (des)conexão de elementos da condição urbana. As injustiças infraestruturais moldam as épocas, os horizontes de tempo e os ciclos de vida. Há uma falta de sincronia entre os horizontes de tempo de durabilidade, materialidade, engenharia e financeirização de infraestruturas e os das necessidades imediatas das pessoas e comunidades viventes – mas também há necessidade de um horizonte de tempo mais longo, que reconheça a demanda por reparações históricas, para além das necessidades imediatas. A justiça restaurativa infraestrutural exige a eliminação da violência de determinações infraestruturais que há muito tempo sustentam a supremacia branca, desumanizando negros, pardos e indígenas, assim como outras pessoas de cor. Aqueles sem acesso ao direito de reivindicar que o Estado forneça o básico para a vida devem ir além da restauração ou do reparo, buscando, em vez disso, reparações infraestruturais e justiça restaurativa como condições materiais para viver. Este ensaio reflete sobre algumas das táticas de reparações flexíveis, provisórias e infraestruturais que surgiram no Haiti e em Porto Rico, onde os sistemas de infraestrutura pública falharam drasticamente. No Haiti, as táticas de apropriação envolveram comunidades (e gangues) que se ligaram a sistemas fraturados onde há pouca provisão estatal. Em Porto Rico, o desastre levou organizações de base a pedirem uma recuperação justa, mas também empreendedores de blockchain a aproveitarem oportunidades offshore para escapar do estado. Ambos os casos demonstram a precariedade, o poder, as oportunidades e os riscos ocultos nos sistemas descentralizados face a sistemas infraestruturais fragmentados.
Palavras-chave: Cidadania infraestrutural, colonialidade, racialização, Caribe, blockchain.
ABSTRACT: Infrastructure has an inherently uneven capacity to connect and to provide for some people certain goods and particular flows of information, while at the same time disenfranchising and dehumanizing other people through the very processes of (dis)connecting elements of the urban condition. Infrastructural injustices shape times, time horizons and life cycles. There is a lack of synchronicity in the time horizons of durability, materiality, engineering and financialization of infrastructure versus the immediate needs of living people and communities – but there is also need for a longer time horizon that acknowledges the demand for historical reparations in addition to immediate needs. Reparative infrastructural justice insists on overturning the violence of the infrastructural dispositions that have long upheld White supremacy by dehumanizing Black, Brown and Indigenous people, and other people of colour. Those with no claims upon the state to provide the basics of life must go beyond repair or maintenance, to seek instead infrastructural reparations and reparative justice as material conditions for living in the wake of the racialized infrastructural colour line built upon histories of slavery, colonialism and climate disaster. This text reflects on some of the tactics of flexible, provisional, infrastructural reparations that have emerged in Haiti and Puerto Rico, where public infrastructure systems have drastically failed. In Haiti tactics of appropriation involved communities (and gangs) patching into fractured systems where there is little state provision. In Puerto Rico, disaster led to grassroots organizations calling for just recovery, but also blockchain entrepreneurs taking advantage of offshore opportunities to escape the state. Both cases demonstrate the precarity, power, opportunities and dangers hidden within decentralized systems in the face of splintered infrastructural systems.
Keywords: Infrastructural citizenship, coloniality, racialization, Caribbean, blockchain.
Introdução1
Cidadania infraestrutural – a ideia de que existe uma relação política entre as pessoas e as infraestruturas que definem suas vidas e que, por sua vez, são definidas por aquelas – é elemento fundamental de investigação nos estudos contemporâneos em infraestrutura (Lemanski, 2019, 2020). Para alguns grupos, a promessa de cidadania infraestrutural como uma demanda cotidiana perante o Estado é muito mais precária do que para outros: não apenas seu acesso à infraestrutura é incerto, mas também a promessa subjacente de um Estado funcional e de acesso à cidadania seguem pendentes. Especialmente para aqueles que vivem no rasto da escravidão, a violência e a negação de suas sequelas exigem mais do que reparações infraestruturais para capacitar uma “negritude viva” dentro do “projeto inacabado de emancipação” (Sharpe, 2016, p. 2, 5). Este texto, no entanto, colocará em primeiro plano as reparações infraestruturais, na forma que Sharpe define como “um trabalho de despertar”, como uma espécie de “conceber de outra forma” e insistir tenazmente (Sharpe, 2016, p. 17-19, grifo original). Repensar reparações infraestruturais expõe a questão da violência antinegritude que subjaz às “universalidades estabelecidas pelo Atlântico Norte” (Trouillot, 2021, p. 142) para cidadão, Estado, ser humano, que determinam quem tem o direito de viver e quem será deixado a morrer. Em outras palavras, na medida em que a supremacia e a colonialidade brancas exploram e descartam os corpos negros como infraestrutura para a autorreprodução branca, os ideais manifestos de Estado, cidadania e cidadania infraestrutural devem, por sua vez, ser escancarados como ficções analíticas por meio de constantes projetos de justiça restaurativa infraestrutural.
Infraestruturas têm uma capacidade inerentemente desigual de conectar e de prover algumas pessoas de determinados bens e fluxos de informação, enquanto priva de direitos e desumaniza outras através dos próprios processos de (des)conexão de elementos da condição urbana (incluindo a urbanização que se estende para além das cidades e abrange ilhas offshore, como as do Caribe). Tais (des)conexões são objeto de várias táticas, não apenas de restauração, mas de reparações infraestruturais, que extrapolam a esfera universal dos Estados e da cidadania. A justiça restaurativa infraestrutural exige a eliminação da violência de determinações infraestruturais que há muito tempo sustentam a supremacia branca, desumanizando negros, pardos e indígenas, assim como outras pessoas de cor. Os estudos existentes sobre cidadania infraestrutural têm se concentrado em infraestrutura física, como oleodutos (Appel, 2019), sistemas hídricos (De Coss-Corzo, 2021) e redes de energia (Tormos-Aponte et al., 2021), bem como no árduo trabalho reprodutivo de cuidado, de reprodução social e das “infraestruturas humanas” (people as infrastructure) (Simone, 2004). Projeto, governança, promessa e falhas de infraestrutura são todos determinados por – e determinantes das – relações sociais de poder e agência política (Anand et al, 2018). No entanto, além dessas lutas políticas por restauração da infraestrutura falida, procuro reconhecer uma política radical de reparações infraestruturais, que concebe a infraestrutura de um modo diferente ao alterar ou apropriar-se de (des)conexões infraestruturais.
Como argumentaram Anand (2015, 2017), Gandy (2008, 2014) e outros, as cidades do Sul global são locais de modernidade fraturada, onde a infraestrutura, os riscos e as doenças são distribuídos de maneira díspar e onde as desigualdades racial e de classe implicam acesso desigual à provisão de água, saneamento, redes de energia e de comunicação. Há uma evidente colonialidade da infraestrutura desigual que reproduz a “linha de cor” global, como W.E.B. Du Bois a chamou, ou seja, “a relação entre as raças de homens mais claros e mais escuros na Ásia e na África, nas Américas e nas ilhas do mar” (Du Bois, 1903/2021, p. 25). A linha de cor também é um abismo infraestrutural que separa os descendentes de colonos brancos dos regimes escravagistas daqueles “condenados da terra” (Fanon, 1990) que foram submetidos ao sistema de escravidão e que agora habitam as “periferias” “subdesenvolvidas” do Sul global, bem como os guetos, subúrbios, prisões e centros de detenção de migrantes do Norte global (Wynter, 2003). A grande infraestrutura global fornece petróleo, água, gás e energia aos espaços privilegiados e bairros de elite do Norte global, às sedes do poder colonial, às metrópoles imperiais, ao centro da economia mundial e às “cidades habitáveis” e subúrbios preferidos da gentrificação branca. Simultaneamente, os mesmos sistemas de provisão de infraestrutura extraem, poluem e encurtam a vida nas periferias globais e nos espaços racializados dos desprivilegiados: as periferias colonizadas, “dependentes”, “subdesenvolvidas” (Rodney, 1972/2018) e as zonas industriais abandonadas, áreas de risco e zonas de sacrifício, impostas a bairros negros, pardos e indígenas. Esses dois sistemas estão entrelaçados e são mutuamente constitutivos. Portanto, não podemos falar de infraestrutura nas cidades da América do Norte sem considerar suas “sombras globais” (Ferguson, 2006) – sombras que também podem estar mais perto de casa, na expropriação racializada que criva os espaços de acumulação de zonas de extração e descarte. Nas Américas AlterNativas, “modernas de outro modo”, onde as “universalidades do Atlântico Norte” não se aplicam (Trouillot, 2021, p. 142), o estudo da cidadania infraestrutural fica incompleto se não tratar da colonialidade da cidadania e das populações racializadas relegadas a uma cidadania de segunda classe ou à não cidadania e que mantêm uma relação diferente com a cidadania infraestrutural. Aqueles sem acesso ao direito de reivindicar que o Estado forneça o básico para a vida – “sem Estado ou nação para nos proteger, sem cidadania a ser respeitada” (Sharpe, 2016, p. 22) – devem ir além da restauração ou do reparo, buscando, em vez disso, reparações infraestruturais e justiça restaurativa como condições materiais para viver.
Além das contribuições de pensadores negros radicais, como Du Bois, Rodney e Trouillot, e de teóricos da reparação infraestrutural no Sul global, como Anand, Gandy, Simone e de Coss-Corzo, minha abordagem se baseia em teorias de “infraestruturação” como uma prática ativa, juntamente com abordagens materialistas da mídia, que enfatizam as geografias materiais e as disposições de poder incorporadas nas infraestruturas de comunicação (Star, 1999; Parks & Schwoch, 2012; Parks, 2014). Entendo infraestrutura, conforme Heather Horst (2013, p. 151), como “um processo dinâmico que é simultaneamente feito e desfeito” e, poderíamos acrescentar, que simultaneamente conecta e desconecta vários usuários. Portanto, infraestruturar implica uma luta diária para remendar conexões perdidas ou apropriar-se criativamente daquela que está disponível (de Souza e Silva et al., 2011). Essa infraestruturação ocorre tanto como estratégia dos poderosos para construir futuros infraestruturais quanto como intervenções táticas “da base”, especialmente dentro das estruturas da colonialidade e do capitalismo racial. Em termos mais amplos, porém, esses processos ativos também envolvem a passagem por múltiplos tipos de infraestrutura. Mais do que um estudo de um ou outro sistema – por exemplo, água ou eletricidade isoladamente –, procuro apresentar seus entrelaçamentos mútuos, bem como o da infraestrutura física com a digital, a comunicacional, a financeira e as infraestruturas sociais de reprodução, política e migração.
Além da reparação: conceituando as reparações infraestruturais
Neste tópico, reflito sobre algumas das táticas de reparações infraestruturais flexíveis e temporárias que surgiram no Caribe, valendo-me de minhas pesquisas sobre Haiti e Porto Rico pós-escravidão e colonialismo e posteriormente aos desastres climáticos. Meus estudos sobre movimentos democráticos populares históricos e reivindicações públicas na Jamaica e no Haiti no século XIX (Sheller, 2000, 2012) sensibilizaram-me para a política subalterna de contestação a regimes de cidadania excludente no Caribe pós-escravidão. Da mesma forma, um trabalho mais amplo sobre as histórias das relações de extração dos EUA com a região do Caribe (Sheller, 2003, 2014) demonstra a exploração da terra e do povo caribenho em benefício do Norte global. Embora Jamaica, Haiti, Porto Rico, República Dominicana e Cuba tenham experimentado formas muito diferentes de (des)conectividade e incorporação ao sistema internacional, padrões diferentes de urbanização e formas variadas de construir e governar sistemas infraestruturais, em todos esses países houve lutas por reconstrução radical e reparações para remediar a colonialidade arraigada e a negação da cidadania, inclusive da cidadania infraestrutural.
O espaço de infraestrutura é uma forma ativa de organizar as capacidades de vida (e morte). Sistemas físicos de água, esgoto e energia, juntamente com sistemas de comunicação, tais como rede de cabos submarinos, torres de telefonia celular, transmissão via satélite e internet móvel, formam o que Keller Easterling chama de espaço de infraestrutura. Easterling (2016, p. 73) descreve o “caráter político do espaço de infraestrutura” com base em “formas de poder casuais, dissimuladas ou persistentes” que se camuflam em suas camadas (ver Parks & Starosielski, 2015; Starosielski, 2015). A (des)conectividade desigual é uma forma importante que esse poder assume e que gera esforços criativos de apropriação. O espaço da infraestrutura não é um mero pano de fundo, mas assume formas ativas, conforme argumenta Easterling, através da organização de componentes em mecanismos dinâmicos. A (des)conexão é um processo continuamente ativo, uma atividade de conexão e desconexão simultâneas que ocorre na ativação de disposições em qualquer espaço de infraestrutura. A racialização, sugiro, é uma disposição de (des)conectividade infraestrutural que constitui uma das bases da supremacia branca, fundada no genocídio indígena, na escravidão transatlântica e na extração (neo)colonial.
Uma infraestrutura incompleta e falha é um lembrete constante das temporalidades desiguais de construção, manutenção e reparo infraestruturais, que estão sempre embutidas nas relações coloniais e nas economias globais racializadas que marcam cada vez mais profundamente as linhas de vida e morte no Antropoceno. O capítulo de Nikhil Anand sobre abastecimento de água e sistemas hidráulicos públicos de Mumbai no livro The Promise of Infrastructure (Anand et al., 2018), por exemplo, mostra como a cidadania é alcançada de forma transacional e infraestrutural, uma vez que as pessoas marginalizadas exigem acesso à água. Tormos-Aponte e colegas (2021) mostram como a restauração pós-desastre das redes elétricas em Porto Rico após o furacão Maria foi impulsionada pelo clientelismo e por afiliações políticas, e não pela necessidade. Patrick Bigger e Nate Millington (2023) mostram como as previsões de novas infraestruturas são um jogo de poder que diz respeito a quem projeta os futuros: quem espera e por quem? As injustiças infraestruturais moldam as épocas, os horizontes de tempo e os ciclos de vida. Há uma falta de sincronia entre os horizontes de tempo de durabilidade, materialidade, engenharia e financeirização de infraestruturas e os das necessidades imediatas das pessoas e comunidades viventes – mas também há necessidade de um horizonte de tempo mais longo, que reconheça a demanda por reparações históricas, para além das necessidades imediatas.
Estudos recentes sobre infraestrutura têm destacado práticas de manutenção e reparo, que podem ser consideradas em termos da feitura de um trabalho de retalhos (patchwork). Em um estudo sobre trabalhadores do sistema de abastecimento de água da Cidade do México, Alejandro de Coss-Corzo desenvolve o conceito de obra de retalhos: “Defino obra de retalhos como uma prática de restauração, viabilizada pela experiência adquirida [...] e pelo conhecimento prático dos trabalhadores [...] como uma lógica de reparo, adaptativa e improvisada; e como uma forma sociomaterial, relacionada tanto à materialidade da infraestrutura quanto às relações que são viabilizadas por meio dela” (de Coss-Corzo, 2021, p. 238).
Destacando a “improvisação, adaptação e incrementalismo” (de Coss-Corzo, 2021, p. 239) nas práticas de reparação, ele argumenta que a obra de retalhos é uma lógica de adaptação infraestrutural que possibilita a resiliência da modernidade urbana em contextos de austeridade e mudanças sociomateriais. De Coss-Corzo mostra que as práticas de restauração “são sempre políticas, emaranhadas com a manutenção de relações de poder e desigualdade em diferentes escalas e entre diferentes atores, incluindo o Estado, bairros informais, fornecedores privados e especialistas internacionais” (de Coss-Corzo, 2021, p. 243). Mas e se a infraestrutura urbana “moderna” ainda não existir? E se não houver uma agência estatal para se envolver na restauração, se as parcerias público-privadas fracassarem e os especialistas internacionais não ajudarem?
O que chamarei de patching, por outro lado, não é uma questão de restauração da infraestrutura existente, mas sim uma ação de atrair, roubar ou “conectar-se a” uma infraestrutura parcial à qual uma comunidade ainda não está conectada, ao mesmo tempo juntando um Estado que não está funcionando e formas de cidadania que não existem. Unir retalhos é uma forma de apropriação que também pode se cruzar com formas de violência urbana e extorsão; a infraestrutura, nesse sentido, pode não ter conserto, o que leva a esforços para remendar, roubar ou improvisar formas autônomas de sustentar a vida. Nesses lugares, e entre as pessoas mais sujeitas à negligência e à desconexão da infraestrutura (e do Estado), a necessidade suscita meios alternativos de criação de infraestrutura a partir de baixo: aproveitar os meios de conexão, remendar os sistemas de provisão, apropriar-se das ferramentas de poder infraestrutural, seja apelando para o Estado ou escapando ao seu controle.
A construção e a manutenção da infraestrutura requerem reparos físicos contínuos, especialmente após os constantes desastres naturais que se tornaram tão comuns com a mudança climática causada pelo homem, que alguns chamam de Antropoceno, mas também nos desastres mais lentos do abandono e dos “territórios tóxicos de degradação urbana” causados pelo desenvolvimento (Wacquant, 2016, p. 1077; ver também Auyero, 2012; Auyero & Swistun, 2009). Como coloca AbdouMaliq Simone em seu agora clássico ensaio sobre Joanesburgo, na África do Sul, isso envolve não apenas a infraestrutura física, mas também a infraestrutura humana como uma plataforma de práticas.
As cidades africanas são caracterizadas por interseções incessantemente flexíveis, móveis e temporárias de residentes que operam sem noções claramente delineadas de como a cidade deve ser habitada e usada. Essas interseções, especialmente nas últimas duas décadas, dependeram da capacidade dos residentes de se envolverem em combinações complexas de objetos, espaços, pessoas e práticas. Essas conjunções se tornam uma infraestrutura – uma plataforma que proporciona e reproduz a vida na cidade.
(Simone, 2004, p. 407-8)Com base nessa noção de combinações complexas de objetos, espaços, pessoas e práticas, emprego o termo “reparações” de forma polivalente, incluindo as histórias de exclusão racializada e negligência infraestrutural – na verdade, negação do acesso à vida – que exigem uma justiça restaurativa mais explícita. Isso inclui desde as reparações pela escravidão até a demanda por reparações climáticas por parte de pequenos estados insulares que contribuíram menos para as emissões de gases de efeito estufa, mas que sofrem as piores consequências das mudanças climáticas. Assim, reparações infraestruturais concernem não apenas o imediatismo das necessidades cotidianas de sobrevivência, mas também a organização da vida de forma diferente na esteira do desprezo histórico. As reparações infraestruturais podem envolver objetos e sistemas físicos, mas também reorganizar (ou mobilizar) diversos espaços, relações e práticas de forma reparadora.
Nas seções a seguir, concentro-me em dois momentos e táticas de reparações infraestruturais – no sentido dado por De Certeau (1984), também retomado por Simone (2004) – em cidades caribenhas que passaram por períodos de desastres naturais, conflitos políticos e estados de emergência: Porto Príncipe, Haiti, após o terremoto de 2010 e a turbulência política contínua desde então; e San Juan, Porto Rico, que passou pelo desastre repentino do furacão Maria em 2017 e pelos desastres lentos e contínuos da colonialidade, dívida pública e austeridade. As cidades caribenhas têm laços profundos com o Norte global – na verdade, foram fundamentais para a urbanização do Norte (Sheller, 2003, 2014) – e, eu diria, não podem ser pensadas ou teorizadas sem considerar-se as infraestruturas globais de (des)conectividade. Essas incluem infraestruturas físicas de rotas marítimas, espaço aéreo, combustível fóssil e infraestruturas de comunicação, como cabos submarinos e satélites (todos sujeitos, em última instância, ao poder militar dos EUA no Caribe), bem como infraestruturas financeiras cruciais e software para conectividade com a Internet, utilizado para “offshoring” de vários tipos de serviços baseados em dados, como o setor bancário offshore, call centers ou serviços baseados na Internet (Freeman, 2000; Lewis, 2020).
Primeiro, usando o exemplo da restauração infraestrutural física no Haiti pós-terremoto, mostrarei como o trabalho improvisado de juntar retalhos da infraestrutura (de água, energia e comunicação) sempre esteve presente, mas se tornou cada vez mais uma necessidade diante do colapso da infraestrutura e do desaparecimento do Estado após o choque do terremoto de 2010. Unir os retalhos da infraestrutura tornou-se um meio de lidar com essa situação inviável de um Estado ausente, violência impune, insegurança sem-fim e aumento do custo de vida que, em 2021, culminaram no assassinato do Presidente Jovenel Moïse e na crise constitucional (Katz, 2013; Beckett, 2019; Johnston, 2022) que resultou num colapso infraestrutural que perdura até hoje. Em seguida, com base em meu trabalho anterior sobre a “infraestrutura de ilhas imaginadas” (Sheller, 2009a, 2009b), considerarei como o surgimento de “criptogeografias” no Caribe (Simpson, 2021; Simpson & Sheller, 2022) alavanca Porto Rico para a criptoexperimentação libertária com novas infraestruturas financeiras e políticas baseadas na tecnologia blockchain. Busco mostrar como as conexões entre infraestrutura física e digital, estados e territórios reais e imaginários, soberania e não soberania sugerem caminhos para nossos imaginários teóricos sobre infraestrutura superarem os discursos liberais de cidadania universal e as narrativas progressistas (mas fracassadas) de inclusão e restauração humanitária, e, em vez disso, avançar em direção a práticas cruciais de reparação radical e justiça restaurativa.
Juntando os retalhos da vida pós-terremoto em Porto Príncipe, Haiti
A infraestrutura é, ao mesmo tempo, uma necessidade para a reprodução social da vida cotidiana e uma instituição essencial implicada na exploração e na expropriação constitutivas do capitalismo racial global. Em Porto Príncipe – cidade haitiana que recebeu o nome de seu porto colonial e daqueles que o controlavam, com uma população de pelo menos 2,8 milhões de pessoas –, a infraestrutura pública de provisão de água, energia, transporte e comunicação atende apenas uma parte da população. Autoabastecimento e táticas comunitárias de acesso a esses sistemas essenciais para a vida foram intensificados pelo impacto devastador do terremoto de 2010 e pela subsequente epidemia de cólera, e também pelo evidente fracasso da promessa internacional de reconstrução pós-terremoto, “Build back Better”, que nunca foi cumprida (Katz, 2013; Beckett, 2019; Sheller, 2020). Atualmente, uma crise política engendrou um colapso completo da infraestrutura urbana, que foi sitiada por gangues armadas.
A violência estrutural da urbanização haitiana já fora profundamente configurada pela ocupação americana de 1915-34, pela posterior ditadura de Duvalier, pela supressão dos movimentos democráticos e pela imposição de políticas neoliberais de ajuste estrutural que deslocaram as comunidades rurais e impulsionaram a rápida urbanização e o crescimento descontrolado de Porto Príncipe desde a década de 1980 (Arthur & Dash, 1999). Isso fez com que a população que habitava barracos improvisados, sem acesso a serviços públicos, ficasse especialmente vulnerável ao terremoto, bem como às frequentes inundações, furacões e secas. Quando o terremoto de 2010 destruiu inúmeros reservatórios comunitários de água, única fonte hídrica dessas comunidades, e as pessoas foram deslocadas para acampamentos temporários, a água teve de ser transportada por caminhão e distribuída por organizações humanitárias. Essas, muitas vezes, dependiam de mulheres e crianças para fazer o trabalho de distribuí-la (ver Figura 1).

Antes do terremoto, muitas comunidades no Haiti careciam (e ainda carecem) de abastecimento de água encanada (e de esgoto sanitário). A maioria comprava água potável em sachês plásticos ou baldes, ou recorria à purificação com água sanitária no ponto de uso. Os bairros de classe média em Porto-Príncipe eram atendidos pela agência pública Camep [Centrale Autonome Métropolitaine d'Eau Potable] e, mais tarde, formaram parcerias público-privadas que a forneciam mediante medição por hidrômetro em associação com a agência nacional de água Dinepa [Direction Nationale de l'Eau Potable et de l'Assainissement]. Os bairros mais pobres organizaram os Komite Dlo (comitês de água) que trabalhavam com a Dinepa e com organizações não governamentais (ONGs) para construir e manter tubulações ou quiosques comunitários de água. Esses comitês cobravam taxas dos usuários, transferindo parte para a autoridade pública de água e mantendo parte para a manutenção do sistema, para o próprio comitê ou, em alguns casos, para projetos comunitários (Sheller et al., 2013). Na ausência de um Estado eficaz, no entanto, esses arranjos controlados pela comunidade podem adquirir feições de extorsão intimidatória por parte de gangues que, em alguns bairros, assumiram as funções de policiamento. Assim, unir os retalhos da promessa de infraestrutura vale-se daquilo que Chelsey Kivland (2020) chama de “soberania das ruas” do “estado improvisado no Haiti urbano”.
A mais recente crise de reprodução da sociedade civil e da cidadania infraestrutural no Haiti é marcada por sucessivas crises políticas, ensekirite [insegurança] urbana e sequestros desenfreados que culminaram no assassinato do presidente Jovenel Moïse em julho de 2021, seguido dos obscuros debates em curso sobre a legitimidade do atual governo, liderado pelo primeiro-ministro Ariel Henry (Johnston, 2022). Atualmente, algumas áreas têm acesso à rede elétrica, mas o serviço é irregular e, mesmo em bairros de classe média ou de melhor situação econômica, muitas residências precisam recorrer a geradores a diesel para obter eletricidade. Os bairros “informais” mais pobres tentam obter acesso a transformadores conectados a subestações locais, ramificando-os, então, em várias ligações elétricas ilegais, o que geralmente resulta em sobrecargas de energia e incêndios (Kivland, 2020). Trata-se de um sistema de energia feito de remendos, em constante colapso, e que também requer uma ampla infraestrutura para o uso de lâmpadas de querosene e a produção e distribuição de carvão para cozinhar. O diesel para geradores e veículos também tem sido fonte constante de conflitos políticos e preços altos, especialmente após o fim do acordo da Petrocaribe com a Venezuela, que levou à escassez de combustível, ao aumento dos preços, a investigações de corrupção no governo e protestos de rua em massa em 2019. O bloqueio do fornecimento de combustível por gangues armadas em 2022 provocou apelos por intervenção estrangeira.
O que vem a ser restauração infraestrutural num tal contexto? Nos anos que se seguiram ao terremoto de 2010, a resposta local e internacional infelizmente consolidou o uso, por parte do governo e das ONGs internacionais, de infraestruturas de logística e comunicação de acesso parcial privilegiado pós-desastre, em vez de apoiar a construção de uma ampla infraestrutura pública (Sheller, 2013, 2019). As bases da ONU das chamadas forças de “manutenção da paz”, por exemplo, construíram suas próprias torres de comunicação via satélite altamente seguras e que não estavam conectadas localmente (ver Figura 2). Enquanto as equipes de resgate militares e humanitárias vinham de vários países trazendo o máximo possível de infraestrutura temporária portátil, o esforço de reconstrução não conseguiu fazer nenhuma diferença na restauração da infraestrutura para os moradores dos bairros informais de Porto Príncipe, que sofreram com a falta de moradia e viram poucas melhorias na infraestrutura pública de água, energia ou comunicações (Katz, 2013; Sheller, 2020). Assim, as infraestruturas pós-terremoto de tentativa de conexão e restauração implicaram simultaneamente desconexão, frustração política e desalento generalizado (Beckett, 2019).

Quando as infraestruturas de transporte e comunicação existentes são afetadas por um desastre, as pessoas geralmente se esforçam para reconectar-se, seja reconstruindo estradas, consertando condutos ou instalando linhas de energia ou antenas telefônicas; mas a instalação de novas infraestruturas após um colapso também pode levar ao que Graham e Marvin (2001) chamam de “desvio” e “fragmentação”, um processo em que alguns grupos ou regiões são conectados em detrimento e às custas de outros. Infraestruturas de conexão funcionam como geografias implícitas de desconexão que geralmente reforçam as exclusões estruturais e iniquidades racializadas existentes. Esse foi o caso do Haiti pós-terremoto, onde a reconstrução da infraestrutura nunca pôde ser separada da competição acirrada por quaisquer conexões com o Estado local, ONGs, agentes de ajuda estrangeira e “soberanos de rua”, todos os quais poderiam oferecer diferentes possibilidades de conexão de infraestrutura, mas sempre de forma fragmentada e incompleta.
Além disso, as infraestruturas de comunicação e as tecnologias de localização também estão inseridas em – na verdade, são a base de – mecanismos globais irregulares de poder que têm efeitos mais ou menos democratizantes, dependendo de como são operados. A conexão digital também exige infraestrutura física, como telefones celulares, antenas telefônicas, satélites, Wi-Fi, cabos subterrâneos, telefones e eletricidade; infraestrutura institucional, como uma rede de provedores de serviços, regulamentações governamentais, códigos legais e protocolos de engenharia; e infraestrutura social, como alfabetização, habilidades matemáticas e conhecimento técnico. As intervenções emergenciais que se seguiram ao terremoto trouxeram novos tipos de conectividade física (como sistemas de comunicação móvel via satélite) que esquivaram a infraestrutura pública nacional (como a empresa pública nacional de telecomunicações do Haiti, que foi privatizada e vendida a uma empresa vietnamita) e só estenderam a conectividade àqueles com poder, que tinham acesso a uma infraestrutura institucional e social privilegiada. O uso de infraestruturas de comunicação temporárias para responder a desastres só funciona se houver comunidades organizadas para se apropriar da tecnologia e adaptá-la às suas necessidades de forma que possa ser estendida para uma provisão de longo prazo. Acesso infraestrutural requer unir física, institucional e socialmente locais conectados onde as pessoas e as comunidades possam manter acesso contínuo a sistemas de energia, água e comunicação. Isso requer não apenas a reparação ou a manutenção da conectividade comunitária, mas também justiça restaurativa para superar as exclusões históricas.
Kivland (2020) descreve como os jovens do bairro informal de Bel-Air, em Porto Príncipe, organizam-se num contexto de “soberania das ruas”, tentando substituir o Estado e levar a infraestrutura necessária para seus bairros. Sem a provisão estatal de infraestrutura pública, esses grupos não se autodenominam gangues mas baz [base], empregando um termo de infraestrutura para sua própria formação. Os baz tentaram convocar o Estado e aproveitar seus poderes, negociando com candidatos políticos por seus votos ou com ONGs para proporcionarem força de trabalho e legitimidade de base para seus projetos comunitários. No entanto, o colapso do Estado e a conexão deste com grupos armados (conhecidos como chimè, ou espias) também trouxeram ondas de conflito, incluindo violência armada, estupros e sequestros em bairros pobres (que acabaram se estendendo a bairros de classe média e sequestro de estrangeiros). As ONGs que operam provisão gratuita de água ou instalam transformadores elétricos em bairros sem energia também estão produzindo sistemas destinados ao fracasso, a menos que criem também infraestrutura humana e social.
Alguns líderes de gangues se tornaram políticos, aproveitando a cidadania infraestrutural para reivindicar liderança política. A gangue “G9 e Família”, controlada pelo ex-policial Jimmy Chérizier, conhecido como “Barbecue”, era aliada do partido governista PHTK [Parti Haïtien Tèt Kale], contra os baz de Bel-Air, que eram alinhados ao partido Lavalas. O G9 e Família praticava várias formas de extorsão, exigindo pagamentos de vendedores ambulantes e de motoristas de transporte público, bem como através de sequestros. Eles assumiram o controle das forças policiais locais e de serviços públicos, como fornecimento de eletricidade e água, exigindo pagamentos. O controle dessa infraestrutura tornou-se uma forma fundamental de manobra política para legitimar-se e mobilizar uma “base” política. Embora envolvido em inúmeras execuções extrajudiciais (incluindo o infame Massacre de La Saline, que matou pelo menos 71 pessoas), Chérizier começou a se apresentar como líder revolucionário de um movimento político popular que lutava pelos pobres e marginalizados, fazendo discursos públicos e liderando marchas após o assassinato, em julho de 2021, de seu aliado, o Presidente Jovenel Moïse (Insight Crime, 2022). O Estado efetivamente desapareceu no Haiti (Beckett, 2019), mas a demanda por reparações infraestruturais continua.
Essas constelações dinâmicas de política infraestrutural podem ser imaginadas como remendos de conectividade em zonas de desconectividade. Mas os remendos infraestruturais têm seus perigos, especialmente quando se baseiam em ameaças e atos de violência da baz. Na ausência de provisão estatal e diante das falhas da ajuda transnacional, a democratização da infraestrutura exige especial atenção às capacidades já demonstradas pelas comunidades para uma possível conexão, mas também consciência das infraestruturas mais amplas de violência estatal em que as comunidades pobres estão enredadas, incluindo a cumplicidade do Estado com o comércio ilícito transnacional de armas e drogas, que operam seus próprios canais clandestinos (e marítimos) de infraestrutura na América Central e no Caribe, com o Haiti servindo como um dos principais elos da cadeia. Proteger e expandir formas dispersas da insurgente “conectividade da base” exige que perguntemos como as apropriações locais da infraestrutura podem ser construídas de forma a fortalecer a autonomia e a agência dos atores locais, permitindo a reparação da mizè (miséria) cotidiana sem reforçar o uso e o abuso da coerção armada. De qualquer forma, é evidente que as anti-infraestruturas improvisadas da soberania das ruas não são uma falha: elas são uma faceta de futuros infraestruturais conquistados por meio da violência.
Enquanto a estratégia de juntar retalhos sugere a configuração de recursos infraestruturais a partir da base por parte de desamparados aguerridos em contextos violentos, outra tática relacionada se apropria de reparações infraestruturais por meio da prática de golpes. Jovan Scott Lewis (2020) mostrou como os “golpistas” de Montego Bay, na Jamaica, aproveitaram-se da infraestrutura física e humana dos call centers como oportunidade de virar o jogo contra a acumulação de capital global. Eles tiraram proveito da conectividade avançada para canalizar dinheiro de norte-americanos para seus próprios bolsos. Se remendar é encontrar soluções alternativas para acessar infraestruturas das quais se está desconectado (costurando infraestruturas alternativas improvisadas e tirando proveito de alianças com elites por meio da força), aplicar um golpe é explorar a boa conectividade infraestrutural para reverter o fluxo de bens/serviços/dinheiro de volta para o próprio local. Com base nos insights de Lewis sobre esse tipo de justiça restaurativa, na próxima seção, abordarei a chegada de investidores em criptomoedas em Porto Rico como outro possível terreno para reparações infraestruturais. Em que medida os novos arranjos do espaço da infraestrutura digital podem proporcionar a expansão das capacidades daqueles que não são os cidadãos infraestruturais protegidos do Estado imaginado?
Criptografando utopias libertárias em San Juan, Porto Rico
Após a destruição causada pelos furacões Irma e Maria, em 2017, um grupo de investidores em criptomoedas desembarcou em San Juan, Porto Rico, com pretensões de restaurar a economia e a ilha devastada. Em contraste com a infraestruturação a partir de baixo, essas iniciativas vieram de fora da região e não estão associadas à justiça restaurativa. No entanto, elas sugerem uma extensão das táticas de pirataria e escape do sistema Estado-nação, que há muito tempo atraem caribenhos. As criptoutopias brincam com as histórias caribenhas de marronage (quilombos) e pirataria, que se aproveitam dos espaços intersticiais das ilhas para explorar novas possibilidades. Aqui, concentro-me em outra tática de reparação infraestrutural relacionada ao surgimento de “criptogeografias” (Simpson, 2021) no Caribe, construídas com base no blockchain e que aproveitam o simbolismo das ilhas tropicais offshore como locais de liberdade, experimentação e evasão do Estado.
Embora as disparidades digitais tenham atraído muita atenção crítica, mais recentemente a crescente “dataficação” da sociedade e da cultura algorítmica distingue as “desigualdades digitais tradicionais”, ou disparidade digital – acesso, uso, resultado – das “novas desigualdades digitais” (conhecimento, banco de dados, tratamento) que estão produzindo uma “disparidade algorítmica” (Ragnedda, 2020, p. 93-4). Os sistemas de dados estão envolvidos na produção de “código/espaço” (Kitchin & Dodge, 2011; Kitchin et al., 2018) de maneira a reforçar e reproduzir as injustiças de mobilidade (Sheller, 2018). As abordagens sobre equidade de dados destacam que os projetos de infraestrutura e a tomada de decisões estão intrinsecamente ligados a dados, algoritmos e, cada vez mais, à inteligência artificial (IA), com muitos resultados injustos. Os destinos turísticos ativados por software e a arquitetura de luxo em ilhas particulares no Caribe, por exemplo, aproveitam as tecnologias cibernéticas para apoiar a mobilidade e a acessibilidade dos turistas, enquanto marginalizam os não cidadãos, como os migrantes haitianos que trabalham em economias dependentes do turismo em todo o Caribe (Sheller, 2009a).
Ao remodelar as formas de mobilidade, propriedade, soberania e cidadania, essa infraestrutura turística apoiada por software também alavanca o poder militar dos EUA para controlar o Caribe (Sheller, 2021). Os estudos de infraestrutura, portanto, precisam combinar pesquisas anteriores sobre urbanismo fragmentado (Graham & Marvin, 2001) e código/espaço (Kitchin & Dodge, 2011) com as novas geografias transnacionais de turismo, militarismo, capital financeiro, territorialidade offshore e fantasias de evasão extraterritorial, que se tornaram tão proeminentes nas novas configurações emergentes de infraestrutura cibernética da Web3, blockchain e “criptoilhas”.
Poucos estudos sobre código/espaço previram a chegada das criptomoedas baseadas em blockchain, tokens não fungíveis (NFTs) e seu potencial de ruptura radical dos modelos existentes não apenas de finanças e bancos, mas também de Estados, cidades, cidadania e pertencimento. A chegada das tecnologias de blockchain conduz a um nível totalmente novo as questões de agência, autonomia e democracia levantadas nos estudos de infraestrutura, estudos de software e estudos de mobilidade. Se a conectividade infraestrutural tradicional se referia a redes públicas centralizadas de conectividade, esses sistemas sempre estiveram em tensão com a descentralização e a provisão local. Graham e Marvin (2001) observaram a fragmentação do que outrora foram aspirações de infraestruturas públicas nacionais em espaços de infraestrutura privilegiada para as elites; por outro lado, nas cidades do Sul global a descentralização foi, em geral, a norma, com ausência de infraestruturas públicas centralizadas para tratamento de água, eletricidade ou comunicação. Isso tornou esses locais especialmente suscetíveis à infiltração de agentes de “finanças descentralizadas” (defi).
O que fica implícito nas reparações infraestruturais não é tanto o colapso e a reparação de sistemas outrora centralizados de fornecimento e controle de infraestrutura, mas sim, como já descrito, as oportunidades de improvisar novas conexões infraestruturais invadindo as existentes. Não se trata propriamente de desmembrar o que já existe, mas sim de fractalizar e redistribuir as possibilidades infraestruturais emergentes. Esse tipo de inventividade está relacionado às “tecnologias políticas criativas” para infraestruturação que Simone descreve para o contexto de Jacarta, onde “a infraestrutura exerce uma força, não apenas nos materiais e nas energias que disponibiliza, mas também na forma como atrai as pessoas, as envolve, une e expande suas capacidades” (Simone, 2013, p. 243). Que forças e energias estão se fundindo em torno das capacidades dos criptoimaginários gerados pelas tecnologias de blockchain e suas tecnologias políticas criativas concebidas?
Os liberais, muitos dos quais na ala direita do espectro político, também aproveitaram o declínio do poder centralizado e do pertencimento político, adotando a ideia de “sociedades startup” que fogem às formas existentes de regulamentação estatal e financeira e criam suas próprias práticas de infraestruturação horizontal, na forma de “organizações autônomas dispersas”, como uma espécie de universo paralelo construído com base na tecnologia blockchain emergente. Esse rompimento implícito com o monopólio estatal sobre a territorialidade e o direito contratual pode ter um alto custo para a esfera pública e para os cidadãos, mas também pode oferecer novas potencialidades infraestruturais para os habitantes excluídos das zonas offshore de colonialidade e exclusão racializada. Alguns teóricos da infraestrutura, como Dominic Boyer (em Anand et al., 2018), defendem uma infraestrutura revolucionária que constrói um futuro de desenvolvimento local e formas descentralizadas de poder e pertencimento político. Muitos defensores da energia verde, por exemplo, defendem microrredes comunitárias distribuídas capazes de manejar várias entradas de energia renovável. Essas ideias de descentralização inspiraram algumas das afirmações feitas por investidores de criptomoedas em Porto Rico; no entanto, resta saber se essas infraestruturas rizomáticas trarão necessariamente um futuro mais sustentável e justo.
Isabelle Simpson explorou como se configura o imaginário das sociedades startup tanto pelas próprias tecnologias de blockchain quanto pelos discursos de descentralização, redes de pares e governança “sem monopólio” usados por desenvolvedores e entusiastas de criptomoedas para descrever e promover essas tecnologias (Simpson, 2021). Juntas, exploramos como as ilhas, tanto naturais quanto criadas pelo homem, tornaram-se locais privilegiados para a experimentação de tais empreendimentos, que “muitas vezes dependem de tecnologias como blockchain e criptomoedas para levantar capital, experimentar novos modelos de governança, atrair investidores e empreendedores e persuadir governos com promessas de inovação regulatória revolucionária e oportunidades de negócios lucrativos” (Simpson & Sheller, 2022). A promessa das sociedades startup baseadas em blockchain é que elas podem libertar seus participantes de Estados, bancos e sistemas burocráticos autoritários, inclusive cidadania nacional e controle de fronteiras. Elas oferecem uma suposta tela em branco, na qual as pessoas podem criar mecanismos de confiança mediados digitalmente por transações criptografadas e seguras mantidas no registro permanente do blockchain. No entanto, o local preferido para essas sociedades startup tem dado asas à ideia de fuga para uma ilha paradisíaca tropical e, na verdade, também envolve “fuga” para ilhas reais no Caribe.
Várias dessas sociedades startup foram atraídas por jurisdições insulares offshore onde há pouca ou nenhuma tributação – incluindo Porto Rico – e pouca regulamentação governamental, o que lhes permite fazer experiências com defi ao mesmo tempo que resistem à regulamentação estatal.
Argumentamos (Simpson & Sheller, 2022) que “as ilhas são particularmente atraentes para os proponentes de sociedades startup precisamente porque sua intersticialidade imaginada [...] permite a esses aspirantes a construtores de cidades e empreendedores políticos explorar o espaço e os imaginários insulares para ‘sair’ e se posicionar estrategicamente como ‘fora’ do alcance do Estado, mas ainda com vantagens dentro da economia global”. Simpson (em Hagen & Diener, 2022; Simpson, 2021) desenvolve o conceito de “criptogeografias” para descrever esses espaços híbridos projetados que possibilitam escapar ao Estado e um caminho (supostamente) “extrapolítico” (Thiel, 2009). Além disso, a visão criptoutopiana afirma que as microtransações em blockchain permitirão novas formas de infraestrutura, através das quais serviços como água, eletricidade ou dados podem ser comprados em pequenas quantidades, atendendo tanto a pequenos consumidores e bairros informais quanto à elite.
Após a dizimação de várias ilhas do Caribe pelos furacões Irma e Maria, no outono de 2017, líderes de tecnologia, negócios e inovação estrangeiros apresentaram ideias para reinventar Porto Rico como uma criptoutopia. Uma dessas iniciativas, primeiro chamada de Puertopia, mas rebatizada como Sol, consistia em um grupo de investidores em criptomoedas liderado por Brock Pierce, ex-ator infantil, atualmente investidor em criptomoedas e que foi candidato independente à presidência dos EUA em 2020. Eles propunham usar a “infraestrutura de blockchain” para restaurar o desenvolvimento urbano em Porto Rico após o furacão Maria (Bowles, 2018; Watlington, 2019). Dezenas de investidores em criptomoedas, atraídos pela isenção de impostos federais sobre renda pessoal e ganhos de capital em Porto Rico, mudaram-se e transferiram seus negócios para a ilha (Bowles, 2018; Klein, 2018). O grupo alugou um hotel quatro estrelas chamado Monastery e, em março de 2018, realizou uma conferência de cúpula sobre blockchain chamada Puerto Crypto.
Porto Rico pós-desastre, onde a rede de energia havia entrado em colapso e levaria anos para ser recuperada, oferecia oportunidades promissoras para a criação de criptogeografias intersticiais. Em maio de 2018, a Startup Societies Foundation também realizou sua cúpula anual na George Mason University, na Virgínia, sob o tema “Rebuild Puerto Rico” (Reconstruir Porto Rico) e realizou um hackathon convocando “investidores, desenvolvedores de blockchain, formuladores de políticas, empresas de infraestrutura verde, incorporadoras imobiliárias, ONGs, acadêmicos, especialistas em Zona Econômica Especial e startups de tecnologia para formar um consórcio de reconstrução de Porto Rico como cidade startup sustentável” (McKinney, 2022). Isso ocorreu no exato momento em que os porto-riquenhos não só estavam se recuperando do furacão Maria, mas também lutavam contra as medidas de austeridade associadas à legislação Promesa (Puerto Rico Oversight, Management, and Economic Stability Act), que forçou cortes na educação, nas pensões e na saúde, além da reestruturação da concessionária pública de eletricidade, conhecida como Prepa. Ao se valer da situação de emergência, esse tipo de “capitalismo do desastre” (Klein, 2018) reflete a “acumulação por adaptação” altamente desigual (Dawson, 2017, p. 65) que se enraíza após os desastres naturais. Nesse caso, podendo se alimentar continuamente de investimentos criptocapitalistas especulativos e da desapropriação lucrativa de terras, deslocando os porto-riquenhos por meio de uma espécie de gentrificação de desastres (Marcos & Mazzei, 2022).
Como explica o antropólogo porto-riquenho Yarimar Bonilla (2018), a Lei 20/22, originalmente aprovada em 2012 e posteriormente modificada, permitiu que investidores ricos que passassem metade do ano em Porto Rico se beneficiassem de “isenções de impostos federais e locais, imposto sobre ganhos de capital e impostos sobre renda passiva até o ano de 2035”. Isso provou ser altamente atraente:
Originalmente concebida para atrair financistas ricos, a lei acabou atraindo empreendedores do ramo de tecnologia, entusiastas das criptomoedas, nômades digitais e sonegadores de impostos que escolhem seus países de residência com base em incentivos econômicos, liberdade regulatória e “oportunidades de valor”, em vez de laços culturais ou políticos. O status de Porto Rico como um território não incorporado dos EUA é adequado para esses empreendedores sem vínculos. Como não é uma nação nem um estado dos EUA, permite que os recém-chegados mantenham sua cidadania americana enquanto se beneficiam das ambiguidades legais do status territorial
(Bonilla, 2018).Porto Rico pós-Maria oferece um contexto ideal para a experimentação de fantasias tecnológicas e ciberlibertárias de evasão – como uma nova infraestrutura sem Estado – em parte devido ao seu pesado endividamento e ao colapso da infraestrutura (não muito diferente do Haiti, embora posicionado de forma distinta por ser um território dos EUA que poderia atrair investimentos de capital). Deliberadamente estruturada como um espaço financeiro e político intersticial em que tanto a criptosecessão quanto a criptogovernação eram possíveis, a ilha era especialmente vulnerável à infiltração – outro tipo de remendo nesse momento de recuperação emergencial.
Os puertopianos poderiam praticamente “deixar” os EUA e suas regulamentações fiscais, mantendo a cidadania americana e apresentando-se não como colonizadores estrangeiros, mas como criptocapitalistas benevolentes e defensores do desenvolvimento tecnológico, que vêm em socorro de seus compatriotas. Como Bonilla e Klein explicam, os criptoinvestidores poderiam dizer a si mesmos:
É aqui que precisamos estar, pois podemos operar em uma estrutura ambígua. Dada a relação colonial de Porto Rico com os EUA, nem toda a legislação federal se aplica. E não apenas isso, mas podemos de fato definir os termos e criar precedentes – precedentes legislativos – de como o blockchain e o Bitcoin e todos esses tipos de novas tecnologias serão aplicados.
(Bonilla & Klein, 2018)Assim, a infraestrutura financeira do paraíso fiscal offshore, juntamente com o colapso da infraestrutura de provisão pública de energia, água e comunicações, criou as condições ideais para a experimentação libertária de novas formas de infraestruturação descentralizada e não estatal. No entanto, para os porto-riquenhos, elas não eram tão ideais assim.
Como argumenta Keller Easterling (2016, p. 73), isso revela os tipos de disposições que estão “camufladas nas dobras do espaço da infraestrutura”, moldando seu caráter político por meio de efeitos multiplicadores. A indeterminação do espaço extraestatal insular como paraíso fiscal, Zona Econômica Especial e soberania comprometida favoreceu os puertopianos a acumular capital e comprar imóveis de luxo em San Juan, no exato momento em que o setor público porto-riquenho era retalhado e o povo de Porto Rico era forçado por um comitê de supervisão, nomeado pelo Congresso, a pagar a dívida ilegítima contraída pelo Estado (Klein, 2018). Como um crítico argumenta: “[e]mbora não haja barreiras físicas cercando a criptoutopia em San Juan, há barreiras e portais digitais que impedem a entrada de qualquer pessoa, a menos que ela seja um ‘investidor credenciado’ de alto patrimônio líquido... e que esteja dentro do ‘espaço blockchain’” (Crandall, 2019, p. 286). Dessa forma, em vez de fornecer infraestrutura, no sentido de prestação pública, a criptogeografia cria uma anti-infraestrutura que promete retirar a infraestrutura da esfera política, mas que, potencialmente, deixa a maioria da população fora do novo espaço emergente do blockchain.
Em meio à ruína e na ausência de qualquer tipo de reparação infraestrutural que de fato proporcionasse financiamento público para água ou eletricidade à população porto-riquenha, a Puertopia rapidamente se tornou um modelo para outras sociedades startup e criptosecessionistas, como a Honduras Próspera Inc., um projeto controverso de cidade experimental lançado em 2017 por um grupo de investidores de risco americanos e empresas de tecnologia na ilha turística de Roatán, em Honduras. A “Honduras Próspera é descrita como uma ‘plataforma’ – tanto um espaço quanto uma interface política e econômica projetada para facilitar o desenvolvimento econômico, atrair investimentos e incentivar o empreendedorismo” (Simpson & Sheller, 2022). Essas novas “plataformas” servem como infraestruturas para experimentos de organização não estatal e urbanização intersticial, dentro e fora do controle do poder estatal. Por exemplo, o jovem presidente de El Salvador, Nayib Bukele, fez com que seu país fosse o primeiro a declarar o Bitcoin como moeda de curso legal nacional e, em seguida, anunciou planos para construir a primeira “Cidade Bitcoin” livre de impostos do mundo, apoiada por títulos Bitcoin e alimentada por energia geotérmica vulcânica (Renteria, 2021).
Resta saber se essas criptoinfraestruturas fortalecerão reparações infraestruturais horizontais ou reproduzirão o poder oculto em suas dobras. Os criptoempreendedores infraestruturais do Caribe conseguirão aproveitar o blockchain para juntar os retalhos das criptogeografias de infraestruturas reparadoras, ou a ausência do Estado provocará mais insegurança e violência por parte daqueles que os haitianos chamam de baz? Se essas criptogeografias poderão algum dia apoiar a resistência infraestrutural e a criatividade negras em um terreno hostil, formando um novo tipo de “terreno endiabrado”" (McKittrick, 2006) de justiça reparadora, permanece uma questão em aberto.
Conclusão
Os processos de reconstrução pós-desastre nas Grandes Antilhas demonstraram a obstinação da colonialidade do poder, suas bases cinepolíticas e a luta por futuros alternativos para infraestrutura (Sheller, 2018, 2020). As táticas de remendar, burlar e criptografar são, cada uma, exemplos de formas mais amplas de reconstruir ativamente os futuros infraestruturais por meio de inovações experimentais de urbanização insular, embora ainda erguidas sobre as ruínas do capitalismo racial e do colonialismo. Apesar de imaginadas como periferias urbanas em ilhas offshore, as cidades caribenhas estão estreitamente ligadas aos processos de infraestruturação desigual do Norte global, enredados na supremacia branca e na antinegritude. Surgindo como espaços intersticiais de negociação, apropriação e contestação, especialmente após desastres e emergências, os futuros infraestruturais improvisados já estão tomando forma nas dobras e fora do alcance do Estado soberano e à margem dos domínios da cidadania. Habitando essas cidades híbridas nas margens do sistema internacional desgastado dos estados-nação modernos, existindo sem as cidadanias idealizadas do acesso à infraestrutura, as populações marginalizadas de todo o Caribe precisam tomar as rédeas das reparações infraestruturais para sua sobrevivência cotidiana e reconstrução de sua vida em ruínas.
Assim como os maroons fugitivos e os piratas do Caribe desestruturaram as atividades fluidas das plantations e do sistema transatlântico da escravidão, todo sistema infraestrutural apresenta pontos fracos. Os quilombolas fugiram para o interior das ilhas montanhosas ou para as planícies pantanosas da costa, enquanto os piratas continuaram a se movimentar, navegando por enseadas isoladas e se escondendo em ilhas remotas, como a Île de la Tortue, na costa noroeste do Haiti. Tanto os quilombolas quanto os piratas invadiam os espaços de circulação mais estruturados que sustentavam a economia escravista das plantations e se apoderavam dos bens e das pessoas cuja mão de obra era necessária. Essa era também uma espécie de justiça restaurativa, mas que o sistema dominante não tolerava. Forçados a assinar tratados, deportados para lugares remotos ou caçados até a extinção, não havia espaço para esses experimentos libertários/liberacionistas no centro da infraestrutura capitalista colonial-racial de plantações baseadas na escravidão, frotas de navegação fortemente armadas e comércio global extrativista. Haverá espaço para esses experimentos hoje?
Argumentei que as atuais práticas caribenhas de reparação infraestrutural vão além de simples conceitos de reparação, na medida em que também viram o jogo contra o Norte global e o capital global ao se apropriarem, infiltrarem-se e beneficiarem-se das lacunas infraestruturais, motivadas por reivindicações políticas de justiça restaurativa. Esses mesmos atores e espaços urbanos insulares agora estão prestes a se apoderar de geografias criptografadas para uma infraestruturação disruptiva que é distribuída horizontalmente no blockchain, mas as dinâmicas da violência e da insegurança são maus augúrios. Ao abrir nossa imaginação para significados mais amplos de infraestrutura restaurativa, espero ter sugerido algumas vias pelas quais as reparações podem ser obtidas por meio da infraestruturação a partir das bases, a qual se vale de agência criativa, da infraestrutura social, e da infraestrutura digital tanto quanto da física para promover suas reivindicações. Mas isso também tem seus riscos.
O que paira sobre tudo isso é a negação contínua do acesso à infraestrutura – e à própria vida – para as populações do Caribe africano e de outros países caribenhos em tempos de crise climática planetária e emergência de saúde global: parados na fronteira, interceptados no mar, desnacionalizados e deportados, apesar da devastação causada por furacões, terremotos ou pandemias. No entanto, aqueles que têm insistido tenazmente em viver não serão eliminados tão facilmente. As táticas caribenhas de criatividade infraestrutural persistem na esteira do capitalismo racial global, com suas dívidas impagáveis, embargos e economias extrativistas. Remendar e burlar são práticas incessantes e, provavelmente, em breve serão seguidas pela criptografia a partir das bases, uma vez que essas práticas infraestruturais de justiça restaurativa permitem que as pessoas chèch lavi (busquem a vida) em meio às ruínas do Estado que nunca as quis, nunca se preocupou com elas e nunca lhes proveu infraestrutura. A justiça infraestrutural restaurativa, ironicamente, pode exigir o fim dos imaginários universais de cidadania infraestrutural do Atlântico Norte, por meio da dissolução das estruturas existentes de conectividade exclusiva, em vez de sua reparação e manutenção. À medida que o centro se desgasta, as margens podem prevalecer.
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Notas
Autor notes