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Capitalismo de plataforma no contexto latino-americano: reconfigurações do trabalho e precariedade
Roberto Véras de Oliveira; Maria Aparecida Bridi
Roberto Véras de Oliveira; Maria Aparecida Bridi
Capitalismo de plataforma no contexto latino-americano: reconfigurações do trabalho e precariedade
Platform capitalism in Latin American context: work reconfigurations and precariousness
Capitalismo de plataforma en el contexto latinoamericano: reconfiguraciones del trabajo y precariedad
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 11, núm. 29, pp. 5-13, 2023
Sociedade Brasileira de Sociologia
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RESUMO: As reformas laborais ocorridas nas últimas décadas em vários países, no Norte e no Sul globais, armaram a cena e criaram o ambiente para a flexibilização do trabalho, abrindo uma avenida ao trabalho sem direitos. O capitalismo de plataforma emerge e navega nesse ambiente, não apenas se beneficiando mais diretamente de suas medidas de flexibilização de direitos, como também mais amplamente se apoiando nos argumentos que as informaram, com vistas à naturalização e justificação de seu modelo. A partir desses processos, proliferaram os estudos sobre o trabalho digital, no mundo, mas também no Brasil e na América Latina, envolvendo uma multiplicidade de abordagens e perspectivas teóricas. O dossiê que aqui apresentamos se justifica pela importância dos temas relativos ao “trabalho plataformizado” e às discussões sobre o futuro do trabalho e os desmanches da “sociedade salarial”.

Palavras-chave: Trabalho digital, flexibilização laboral, sociologia do trabalho, capitalismo de plataforma, uberização.

ABSTRACT: Labor reforms that have taken place in recent decades in several countries of the global North and global South, have set the stage and created the environment for work flexibility, opening an avenue for work without labor rights. Platform capitalism emerges and navigates this environment, not only benefiting more directly from its measures for rights flexibilization, but also more broadly relying on arguments that informed them aiming to naturalize and justify its model. Such processes have given rise to numerous studies on digital work worldwide, and particularly in Brazil and Latin America, involving a multiplicity of approaches and theoretical perspectives. The dossier we present here is justified by the importance of themes relating to “platform work” and to discussions about the future of work and the dismantling of the “wage-earning society”.

Keywords: Digital work, labor flexibility, sociology of work, platform capitalism, uberization.

RESUMEN: Las reformas laborales que han tenido lugar en las últimas décadas en varios países, en el Norte y el Sur globales, han sentado las bases y creado el entorno para la flexibilidad laboral, abriendo una vía para el trabajo sin derechos. El capitalismo de plataforma emerge y navega en este entorno, no sólo beneficiándose más directamente de sus medidas de flexibilización de derechos, sino también apoyándose más ampliamente en los argumentos que las sustentaron, con miras a naturalizar y justificar su modelo. A partir de estos procesos, proliferaron los estudios sobre el trabajo digital, en todo el mundo, pero también en Brasil y América Latina, involucrando una multiplicidad de enfoques y perspectivas teóricas. El dossier que presentamos aquí se justifica por la importancia de los temas relacionados con el “trabajo plataforma” y las discusiones sobre el futuro del trabajo y el desmantelamiento de la “sociedad salarial”.

Palabras clave: Trabajo digital, flexibilidad laboral, sociología del trabajo, capitalismo de plataforma, uberización.

Carátula del artículo

DOSSIÊ

Capitalismo de plataforma no contexto latino-americano: reconfigurações do trabalho e precariedade

Platform capitalism in Latin American context: work reconfigurations and precariousness

Capitalismo de plataforma en el contexto latinoamericano: reconfiguraciones del trabajo y precariedad

Roberto Véras de Oliveira
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Maria Aparecida Bridi
Universidade Federal do Paraná, Brasil
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 11, núm. 29, pp. 5-13, 2023
Sociedade Brasileira de Sociologia
Introdução

“Nem adeus, nem tchau ao trabalho”, concluem os estudiosos comprometidos com uma sociologia crítica sobre aquelas teorias que defendiam e decretavam o fim da centralidade do trabalho humano como produtor de riqueza e sua substituição pela centralidade do conhecimento. Passadas décadas desde o início daqueles debates levados a termo pelos autores da chamada “sociedade pós-industrial” em torno da substituição do trabalho humano pela máquina e das potencialidades emancipatórias da Revolução Informacional, o processo de informatização das empresas seguiu se intensificando cada vez mais, ocasionando transformações profundas nos modos de produzir e de trabalhar. Contudo, em vez da emancipação das agruras do trabalho desvalorizado, alienado, repetitivo, sem sentido, o que se assiste é a permanência  da exploração do trabalho pelo capital, mas a partir de novas modalidades de empresas e reconfigurações do trabalho humano, sob crescente papel das novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).

Enquanto, nos finais do século XX, cresceram aquelas ocupações de tecnologias da informação (TI), de produção, desenvolvimento e manutenção dos sistemas informacionais, com uma força de trabalho qualificada e, em sua maioria, protegida pela legislação trabalhista – caso dos desenvolvedores de software, analistas, gerências de projeto, entre outras (Lima & Bridi, 2019) –, ao lado de uma força de trabalho ainda mais expressiva voltada a tarefas repetitivas e com baixa exigência de qualificação – a exemplo do trabalho taylorizado nos call centers –, no século XXI, com a emergência das empresas de plataformas digitais, tidas como negócios “disruptivos” e modernos, dá-se uma nova forma de extração de trabalho humano em modalidades distintas: agora, trabalhadores não reconhecidos enquanto tal, mas como “empreendedores de si mesmos”, são os donos de parte dos instrumentos e meios trabalho – o carro, a bicicleta, a moto, os smartfones, a conexão à Internet – colocados à disposição das empresas. Essas empresas organizam e exploram o trabalho de uma vastidão de trabalhadores de uma nova forma. Afirmam-se como empresas de tecnologias prestadoras de um serviço no qual conectam usuários, clientes e empresas. Embora organizem a produção, façam a gestão da atividade, avaliem, ditem as regras, liguem e desliguem a força de trabalho a elas vinculadas, essas empresas não apenas negam o estatuto de trabalho e de subordinação que caracteriza essas atividades e a configuração de seus negócios, como também repassam parte significativa dos custos e riscos de seus negócios aos trabalhadores que a elas se vinculam por meio de um contrato de adesão.

Atento a essas mudanças e à atual fase de crescente dependência de infraestruturas informacionais, das tecnologias digitais e da extração e processamento de informações, Nick Srnicek (2017) denominou esses processos de “Capitalismo de Plataforma”, para se referir, principalmente, a uma das dimensões do mundo do trabalho contemporâneo caracterizada pelo espraiamento do trabalho plataformizado por diversos setores da economia, cujas condições e características desautorizam aquelas teses do “fim do trabalho”. Trata-se de um negócio cuja dinâmica toda é fundada na informalização e precarização das relações de trabalho (Véras de Oliveira, 2023).

Dada a similutude com o negócio da Uber, uma das maiores empresas globais de transporte privado de passageiros, essas modalidades de trabalho, que já vinham em franco crescimento e que foram aceleradas pela pandemia da Covid-19 em 2020, também passaram a ser denominadas de “trabalho uberizado”, a exemplo de Abílio (2019). Em países como o Brasil e outros da América Latina, essas novas modalidades de trabalho impactam o mercado de trabalho, reconfigurando ocupações tradicionais, tais como as dos antigos entregadores motociclistas, os  motoboys, que se viram pressionados pelas plataformas digitais a terem que a elas se vincular para se manterem no exercício de suas atividades. Apesar de sua heterogeneidade, o trabalho plataformizado tem, assim, como elementos estruturantes, sua condição de subordinação às plataformas digitais e o não reconhecimento, por parte delas, dos vínculos de emprego.

Considere-se, conforme analisa Bensusán (2020), que as tecnologias são postas a serviço das empresas, que as utilizam tendo como um dos objetivos precípuos a redução dos custos do trabalho, contribuindo para a destruição dos empregos tradicionais e/ou os reconfigurando. Contudo, não se pode atribuir o fenômeno da crescente informalização e precarização do trabalho às tecnologias em si. Tais processos resultam, de fato, de decisões empresariais e governamentais, em que se destaca o crescente afrouxamento dos dispositivos de regulação pública do trabalho.

 As reformas laborais ocorridas nas últimas décadas em vários países, no Norte e no Sul globais, armaram a cena e criaram o ambiente para a flexibilização do trabalho, abrindo uma avenida ao trabalho sem direitos. O capitalismo de plataforma emerge e navega nesse ambiente, não apenas se beneficiando mais diretamente de suas medidas de flexibilização de direitos, como também mais amplamente se apoiando nos argumentos que as informaram, com vistas à naturalização e justificação de seu modelo. Sob o discurso do empreendedorismo, da flexibilidade da jornada, da autonomia e suposta liberdade do trabalhador na gestão de seu trabalho etc., nos termos de Amorim, Cardoso e Bridi (2023), expressa, de fato, a radicalização dos processos de externalização, subcontratação, ou da terceirização (termo adotado no Brasil), que ganharam seu primeiro impulso nos anos 1990.

A partir desses processos, proliferaram os estudos sobre o trabalho digital, no mundo, mas também no Brasil e na América Latina, envolvendo uma multiplicidade de abordagens e perspectivas teóricas. Isso se pode constatar, por exemplo, por meio dos trabalhos apresentados nos congressos da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET), da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), da Associação Latino-americana de Estudos do Trabalho (ALAST), entre outros, assim como das teses e dissertações, das publicações em livros, capítulos de livros e artigos de revistas científicas. Esses estudos demonstram os esforços em apreender e explicar essas formas de trabalho anunciadas no plano do discurso hegemônico como “modernas”, “criativas” e “tecnológicas”, mas que, dada as condições de informalidade e precariedade em que se encontram, apresentam-se   muito próximas daquelas condições típicas do século XIX, tão amplamente denunciadas por uma literatura de matiz mais crítico. Nesse esforço, os pesquisadores, ao se debruçarem sobre as configurações desse trabalho, vêm trazendo contribuições relevantes para a desconstrução das narrativas naturalizantes e apologéticas desse novo momento do capitalismo.

O presente dossiê, denominado “Capitalismo de plataforma no contexto latino-americano: reconfigurações do trabalho e precariedade”, justifica-se pela importância dos temas relativos ao “trabalho plataformizado” e às discussões sobre o futuro do trabalho e sobre os desmanches da  “sociedade salarial”, entendida aqui como aquela dotada de regulação, pautada pela formalização do emprego e direitos do trabalho, estabelecidos pelo denominado “compromisso fordista” nos países centrais e pelo que dele se aproximou nos países periféricos. Ele reúne estudos de países latino-americanos, que permitem conhecer a extensão e difusão do mercado de plataformas digitais de trabalho, os tipos de trabalho a ela vinculados, as justificativas socialmente apresentadas, as condições de trabalho a que se encontram submetidos esses trabalhadores, as formas de subordinação do seu trabalho às empresas-plataformas, as remunerações reduzidas, os controles despóticos pelos algoritmos, dentre outras dimensões desse amplo e complexo fenômeno.

Para dar conta de uma parte dos temas e questões desse debate, o dossiê está composto de seis artigos, dispostos em uma ordem especifica, começando com o estado da arte dos estudos sobre o tema em países selecionados da América Latina, seguido de estudos empíricos e reflexões teóricas e analíticas sobre o trabalho e suas configurações no capitalismo de plataforma.

O primeiro artigo, “O estado da arte dos estudos sobre capitalismo de plataforma na América Latina”,de Maria Aparecida Bridi, Roberto Véras de Oliveira e Minor Mora Salas, apresenta um balanço dos estudos sobre o trabalho em plataformas digitais no México, Brasil, Argentina e Colômbia. Ao se debruçarem sobre a literatura já produzida sobre o tema em cada um desses países (não por acaso, são esses os que mais avançaram na disseminação de tais plataformas), os autores buscam dar relevo às particularidades de cada país e ao que há de comum entre eles.  Esse balanço permitiu ainda identificar a necessidade de pesquisas sobre o espraiamento de outros tipos de plataformas, nesse processo de avanço da chamada “economia digital”.

O segundo artigo, denominado “O trabalho de plataforma no Brasil e Argentina: uma visão comparada”, de Márcia de Paula Leite, Andrea Del Bono e Jacob Carlos Lima, destaca a expansão do trabalho por plataforma e a relação desse processo com as novas tecnologias. A partir da comparação entre Brasil e Argentina, o artigo analisa as condições gerais desse trabalho, especialmente de motoristas e entregadores por plataforma. Trata das condições de remuneração e acesso aos direitos nos dois países. Dá destaque para a importância das lutas desenvolvidas pelos trabalhadores em busca de melhorias das condições de trabalho e melhor remuneração, em ambos os casos, sempre de modo comparado.

O terceiro artigo, “Algoritmos y temporalidades sociales. Un análisis de las permanencias, transformaciones y reconfiguraciones del tiempo de trabajo en plataformas bajo demanda en Argentina”,de Andrea Delfino e Paulina Claussen, focam uma das dimensões centrais da relação capital-trabalho, o tempo de trabalho, que se constituiu historicamente como objeto de disputa pelo seu controle. As autoras analisam como as plataformas digitais usam e organizam o tempo dos trabalhadores que atuam sob demanda na Argentina, quanto à duração, distribuição e intensidade da jornada de trabalho, identificando a reintrodução de processos similares aos primórdios do capitalismo.

O quarto artigo, “El trabajo de las mujeres en plataformas de reparto a domicilio con y sin dependientes a su cargo”, de Carlos Alba Vega e Rosário Aparício,parte de uma análise das características sociodemográficas e socioeconômicas dos trabalhadores que operam por meio de plataformas digitais na cidade do México, denominados como “pessoas trabalhadoras em plataformas digitais”. Trazem os resultados de uma pesquisa probabilística com trabalhadores que atuam nas atividades de entrega de comidas e mercadorias. O estudo traz análises sobre perfil dos entrevistados (idade, estado civil, escolaridade), remuneração semanal, segurança, acidentes, violência e assédio sexual. Uma das ênfases recai sobre a identificação das desigualdades de gênero, sobretudo para as mulheres que se dividem em tempo de trabalho remunerado e não remunerado.

O quinto artigo, “Juventude e os sentidos do trabalho: experiências e perspectivas dos cicloentregadores plataformizados”, de Aline Suelen Pires e João Pedro Ferreira Perin, apresenta um estudo sobre os cicloentregadores – trabalhadores que utilizam a bicicleta para o trabalho de delivery na cidade de São Paulo. Analisa as dinâmicas do trabalho de entrega de mercadorias, as condições de trabalho, as percepções e as perspectivas e estratégias desses trabalhadores que, em sua maioria, são moradores da periferia e têm baixa qualificação. O artigo tem como recorte o tema da juventude, analisando as razões que levaram os jovens entregadores a se inserir nessa atividade, bem como os sentidos que atribuem ao seu trabalho.

Por último, no sexto artigo, com título “A ideologia do trabalho e o autogerenciamento subordinado nas empresas-plataforma de entrega de mercadoria”,Fellipe Coelho Lima, Isabel Keppler, Larissa Leocádio, Isabela Bezerra, Sofia Barbosa, Larissa de França e Maria Luísa Machado analisam os discursos das empresas-plataforma acerca dessa modalidade de negócio e as estratégias por elas utilizadas para a cooptação e convencimento dos trabalhadores. Consideram o discurso do autogerenciamento como ideologia de responsabilização dos trabalhadores, com destaque para a particularidade brasileira centrada na “autonomia”.

O presente dossiê trouxe indicações do atual acúmulo de conhecimentos especialmente empíricos, em países da América Latina, sobre as condições do trabalho controlado por plataformas digitais, o perfil dos trabalhadores, as particularidades dessas modalidades de trabalho na região, os déficits de investigações sobre o espraiamento do trabalho plataformizado em outros setores econômicos, para além do trabalho de transporte individual de passageiros e de entregadores. Apresenta convergências acerca da exploração do trabalho pelas empresas de plataformas e quanto à desproteção do trabalho. Traz abordagens específicas quanto às implicações dessas novas formas de trabalho no que se refere à juventude e às relações de gênero. Esperamos que contribua para o avanço das reflexões sobre o precário mundo do trabalho matizado pelas novas tecnologias e pelos déficits de direitos do trabalho.

Material suplementar
Referências
Abílio, Ludmila. (2019). Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Revista Psicoperspectivas: Individuo y Sociedad, 18 (3), 41-51.
Amorim, Henrique, Cardoso, Ana Cláudia M., & Bridi, Mariaa Aparecida. (2023). Industrial platform capitalism: outsourcings, syntheses and resistances. Work organisation, labour & globalisation, 17 (2), 27-46.
Bensusán, Graciela. (2020). The transformation of the Mexican Labour Regulation Model and its link to North American economic integration. ILO Working Paper 15. International Labour Oorganization.
Lima, Jacob Carlos, & Bridi, Maria Aparecida. (2019). Trabalho digital, emprego e flexibilização: a reforma trabalhista e o aprofundamento da precariedade. Caderno CRH, 32 (86), 325-325.
Srnicek, Nick. (2017). Platform Capitalism. Polity Press.
Véras de Oliveira, Roberto. (2023). Capitalismo de plataforma e processo de informalização no Brasil: pontos para debate. In: Cardoso, Adalberto, Santos, Fabiano, & Crivelli, Ericson. (Org.). Trabalho em transe: raízes e efeitos políticos das mudanças no mundo do trabalho no Brasil. Editora Contracorrente.
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