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Impactos do contexto da Covid-19 na dimensão onírica: uma análise exploratória a partir da sociologia dos sonhos
Impacts of the Covid-19 context on the oneiric dimension: an exploratory analysis from the sociology of dreams
Impactos del contexto de la Covid-19 en la dimensión onírica: un análisis exploratorio desde la sociología de los sueños
Impactos do contexto da Covid-19 na dimensão onírica: uma análise exploratória a partir da sociologia dos sonhos
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 12, e-rbs.952, 2024
Sociedade Brasileira de Sociologia
Recepción: 06 Febrero 2023
Aprobación: 12 Junio 2024
Resumo: Este artigo procura, fundamentalmente, cumprir dois objetivos articulados: a) apresentar uma tipologia acerca dos estudos sociológicos dos sonhos, uma área relativamente escanteada no interior da sociologia, que possui variada abordagem desde os seus primórdios; e, em seguida, b) posicionar a realização de um estudo quantitativo frente a tal classificação, o qual objetivou investigar possíveis relações entre um conjunto de pertencimentos sociais durante a pandemia da Covid-19 no Brasil e a dimensão onírica. Os resultados encontrados pela análise apontam para uma associação significativa entre a atribuição de sentimentos negativos aos sonhos e pessoas de menor renda; também demonstram que tais sentimentos estão ligeiramente relacionados ao gênero feminino e aos jovens.
Palavras-chave: Sociologia dos sonhos, vida onírica, pandemia, Covid-19, contexto pandêmico.
Abstract: This article seeks, fundamentally, to fulfill two connected objectives: a) to present a typology regarding the sociological studies of dreams, a relatively neglected area within sociology, which has had a varied approach since its beginnings; and then, b) to position within such classification a quantitative study aimed at investigating possible relationships between a set of social belonging during the Covid-19 pandemic in Brazil, and the oneiric dimension. The analysis’ findings point to a significant association between the attribution of negative feelings to dreams and people with lower income; they also demonstrate that such feelings are slightly related to the female gender and young people.
Keywords: Sociology of dreams, dream life, pandemic, Covid-19, pandemic context.
Resumen: Este artículo busca, fundamentalmente, cumplir dos objetivos vinculados: a) presentar una tipología sobre los estudios sociológicos de los sueños, un área relativamente descuidada dentro de la sociología, que ha tenido un abordaje variado desde sus inicios; y luego b) posicionar frente a dicha clasificación un estudio cuantitativo que tuvo como objetivo investigar posibles relaciones entre un conjunto de pertenencias sociales durante la pandemia de Covid-19 en Brasil y la dimensión onírica. Los resultados encontrados por el análisis apuntan a una asociación significativa entre la atribución de sentimientos negativos a los sueños y las personas con menores ingresos, también demuestra que dichos sentimientos están ligeramente relacionados con el género femenino y los jóvenes.
Palabras clave: Sociología de los sueños, vida onírica, pandemia, Covid-19, contexto pandémico.
Introdução
Os primeiros casos da Covid-19 foram registrados em dezembro de 2019, na China, e, a partir daí, a doença infecciosa se espalhou rapidamente, tornando-se uma crise global cujos efeitos não se restringiram ao âmbito sanitário e à saúde pública, atingindo também as esferas da política, da economia e da cultura (Birman, 2020). A interrupção da vida cotidiana ordinária, o impedimento da mobilidade das pessoas e a ruptura dolorosa sobre o comportamento social produziram um clima geral de preocupação e temor, acompanhado de consequências objetivas e subjetivas da pandemia. Nesse contexto, variadas investigações estabeleceram a dimensão onírica, objeto este pouco explorado pela Sociologia, enquanto temática de estudo (Barrett, 2020a; 2020b; Iorio et al., 2020; MacKay & DeCicco, 2020; Schredl & Bulkeley, 2020; Guerrero-Gomez et al., 2021; Solomonova et al., 2021; Margherita & Caffieri, 2022).
Embora tal objeto se encontre, em certa medida, marginalizado na pesquisa sociológica, ele possui um potencial relevante para o campo. Considerando-se que as experiências individuais são atravessadas pelos pertencimentos sociais que incidem sobre as emoções e afetos e se precipitam sobre os conteúdos oníricos, não havendo uma ruptura radical entre a vida da vigília e a sonial, é plausível elaborar uma agenda de investigação sobre as raízes sociais do sonho (Ullman, 1960; 2001) mediante uma ótica sociológica que objetive investigar o impacto do contexto social na subjetividade dos pensamentos oníricos (Bastide, 2003). Ora, a sociologia que rastreou e evidenciou o peso das condições objetivas de existência na produção de um determinado gosto cultural (Bourdieu, 2017) avizinha-se àquela que oferece uma perspectiva capaz de perceber as continuidades e relações existentes entre as estruturas sociais da vida diurna e a complexidade da vida onírica (Bastide, 2003; Duvignaud et al., 1979; Lahire, 2021).
Destarte, propõe-se com este artigo um empreendimento investigativo que transita entre dois níveis: no primeiro, de plano teórico, busca-se desenvolver, discutir e estabelecer uma tipologia das concepções a respeito de uma sociologia dos sonhos, tanto para delimitar e tensionar este subcampo da Sociologia quanto para posicionar, teoricamente, o presente estudo. No segundo, de plano empírico, objetiva-se investigar a dimensão dos sonhos na realidade pandêmica no Brasil meridional a partir de uma pesquisa survey que objetivou compreender a relação entre as características individuais, as condições materiais dos indivíduos e a vida onírica mediante uma amostra exploratória. Portanto, neste artigo, são apresentados os resultados iniciais de uma análise descritiva embasada em alguns cruzamentos simples.
Pretende-se a continuidade deste trabalho por meio de futuras publicações que explorem análises multivariadas e colaborem com outros avanços. Doravante, a exposição deste estudo divide-se em cinco estruturas argumentativas interligadas: a primeira introduz a discussão explicitamente mais teórica sobre a sociologia dos sonhos; na segunda discorre-se a respeito de alguns dos desdobramentos da pandemia no Brasil; na terceira demarca-se o desenho e a abordagem teórico-metodológicos da pesquisa empírica; na quarta apresenta-se o perfil da amostra, estabelece-se os resultados encontrados, bem como sua discussão; por último, na quinta, são postuladas as considerações finais.
Sociologias dos sonhos: uma breve apresentação
De acordo com Montague Ullman (2001), os sonhos contêm referentes sociais que representam metaforicamente a forma como certas questões sociais agem sobre nossas vidas. As metáforas que compõem e são expressas pelo imaginário onírico, ainda segundo Ullman (2001), são fundamentalmente sociais em sua origem, pois fazem parte de um repertório cultural que é social e historicamente constituído, disponibilizando aos sonhadores um vasto acervo de imagens; os sonhos, além disso, articulam a vida individual à social, dizendo-nos algo sobre os problemas não resolvidos da sociedade, ao mesmo tempo entrelaçado aos problemas não solucionados do próprio sonhador, engatando, assim, a vida social à pessoal (Ullman, 2001; Martins, 1996).
Este enlace entre as dimensões individual e social da vida, bem como o conteúdo social dos sonhos, já havia preocupado Gabriel Tarde, um autor que se tornará referência central nos estudos sociológicos. Quase três décadas antes da publicação do seminal A interpretação dos sonhos, de Freud, Tarde, entre 1870 e 1872, escreve e lança o pioneiro livro Sur le sommeil. Ou plutôt sur le rêves, no qual toma pela primeira vez os seus próprios sonhos como objeto de reflexão científica e, a partir deles, tenta compreender suas preocupações sexuais e amorosas, bem como o impacto da Guerra Franco-Prussiana em sua vida.
Desde Tarde, por razões que não cabem discutir aqui, os sonhos como objeto de pesquisa foram empurrados para a periferia do campo sociológico, sendo retomados apenas tangencial ou ocasionalmente. Ao longo da história da sociologia dos sonhos podemos observar como as abordagens desenvolvidas permitem elaborar, ao nosso ver, uma certa tipologia de tais estudos que, a seguir, apresentamos.
Nos arredores da sociologia dos sonhos
Dois sociólogos que abordaram os sonhos algo marginalmente, desenvolvendo uma sociologia que se manteve na periferia de uma sociologia dos sonhos propriamente dita, foram Maurice Halbwachs (1923) e Alfred Schutz (2003).
O primeiro, mais preocupado em pesquisar a memória como fato/fenômeno social, aborda os sonhos e suas imagens-lembrança perguntando(-se) se consistem numa espécie de reconstrução de nossa memória. Segundo ele (1923), numa posição contrária à de Freud, nós somos incapazes de reviver nosso passado durante o sonho, pois estes se limitam a implementar imagens que têm a aparência de lembranças sob o estado de fragmentos, de porções deslocadas de cenas realmente vividas, de locais de fato visitados, de pessoas que realmente se conheceu, que se introduzem no mundo onírico.
Os sonhos, na maioria das vezes, escreve Halbwachs (1923), são demasiadamente inexatos ou incompletos para que se possa extrair deles algum sentido. Noutros casos, supõe-se que, entre o acontecimento e o sonho, o “espírito” (ou a consciência) atuou e trabalhou sobre as memórias e, por tê-las evocado uma ou várias vezes, as transformou em imagens. Halbwachs (1923) promove a separação entre a consciência e a inconsciência, entre o estado de vigília e o sonho, cabendo à consciência e à vigília a evocação das memórias. A lembrança só pode ocorrer depois do sono, ao despertar-se, porque sobre um conjunto de imagens confusas atua a consciência e, daí sim, a memória é ativada. Em nossa leitura, em Halbwachs, os sonhos oferecem a matéria bruta sobre a qual atua o espírito e, só então, é que as imagens vão de fato compor a memória.
Outro autor que permanece um tanto às margens de uma sociologia dos sonhos é Alfred Schutz (2003), mais interessado em compreender a dotação de sentido realizada em nossas vidas cotidianas. Em síntese, para Schultz: i) o mundo dos sonhos, como um dos tipos possíveis de realidades múltiplas, apresenta um estilo cognoscitivo peculiar; ii) todas as experiências no mundo onírico são, em respeito a tal estilo cognoscitivo, coerentes em si mesmas e compatíveis umas com as outras; iii) o mundo onírico possui, assim, um sotaque de realidade próprio, específico; iv) a coerência e a compatibilidade de experiência em relação ao estilo cognoscitivo peculiar subsiste exclusivamente no interior dos limites daquele “âmbito particular de sentido”; v) o mundo onírico apresenta uma tensão específica da consciência, logo, uma atenção à vida que lhe é própria; vi) se há uma tensão específica, há igualmente uma forma específica de experiência e uma forma específica de socialidade; vii) o mundo dos sonhos representa uma modificação do mundo do executar cotidiano, que é o da vigília, e se estabelece como um tipo de arquétipo em relação a todos os outros “âmbitos finitos de sentido”. As volições, os projetos e os propósitos reais podem ser encontrados nos sonhos, mas não se originam neles mesmos, em outras palavras, o mundo do executar, ou ao menos fragmentos dele, são conservados nos sonhos como lembranças e retenções, e, mais ainda, no sonho aparece como compatível aquilo que no mundo da vigília revela-se como incompatível e vice-versa.
A sociologia fenomenológica de Schutz está ancorada numa filosofia da consciência, a qual preconiza que o ponto de partida da reflexão do sujeito é sua condição presente a partir da experiência vivida; é seu estar no mundo, o seu ser-aí, a condição da consciência. Logo, tal como Halbwachs, Schutz não deixa de atribuir certa preponderância do mundo da vigília sobre o mundo onírico e, talvez por isso, ambos os autores não tenham conseguido desenvolver uma sociologia dos sonhos propriamente dita, mas se limitaram às suas margens, apenas tangenciando-a.
Uma sociologia stricto sensu dos sonhos
O caso que utilizamos aqui para exemplificar o que vem a ser uma proposta de sociologia estritamente sociológica dos sonhos, com o perdão da redundância, vem do Brasil: na condução de uma pesquisa coletiva sobre os sonhos, com dados coletados entre sonhadores dos estratos superiores das classes médias da cidade de São Paulo, a mais rica do território brasileiro, o prof. José de Souza Martins (1996), professor aposentado e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), instruiu seus alunos a não recorrerem a qualquer literatura psicanalítica, basicamente por dois motivos: um, não se deixar levar pela orientação psicanalítica e utilizá-la, inclusive de modo indevido; e, em segundo lugar, para respeitar e desenvolver a estratégia metodológica adotada, a saber, deixar que o sonhador produzisse legitimamente a própria chave de interpretação de seus sonhos.
Ou seja, o próprio sonhador produz um conhecimento de primeira instância sobre seus sonhos – ainda que a memória do sonho seja uma memória restrita daquilo que foi sonhado. O trabalho do sociólogo, neste caso, é o de conhecer esse conhecimento, situando tal sociologia no âmbito de uma sociologia do conhecimento do senso comum, que mobiliza, em sua interpretação, um conjunto de representações coletivas.
Para Martins (1996), os sonhos correspondem a documentos sobre o estado do relacionamento social entre nós e nós mesmos e entre nós e a alteridade que mediatiza nossa transformação em seres sociais. Para ele, os sonhos não se restringem a meras repetições deformadas do que ocorre na vigília, mas constituem “resíduos insubmissos da racionalidade” (1996, p. 16), ou seja, o sonho consiste na mediação das experiências sociais concretas do vivido; nesse sentido, é possível pensar a diferenciação dos sonhos em associação com a diferenciação social dos sonhadores.
O sonho, portanto, não deixa de ser uma maneira de conhecer o vivido, uma forma de consciência daquilo que justamente durante a vigília se tem dificuldade de (re)conhecer. É como se por meio do sonho se revelasse a verdade que não se permite chegar à consciência. O sonho se apresentaria como uma forma de consciência crítica com o poder de libertar os indivíduos de uma condição de extrema alienação e subordinação impostas pelo capitalismo contemporâneo.
Uma sociologia dos sonhos em diálogo com a Psicanálise
Se, por um lado, José de Souza Martins propõe uma sociologia dos sonhos que evita qualquer contato com a Psicanálise, Roger Bastide (2003), por outro, adota caminho inverso e procura incorporar, na medida do possível, as contribuições da psicanálise freudiana.
Bastide começa a se dedicar aos sonhos a partir de uma pesquisa sobre as relações raciais, em São Paulo, em 1950, nela dedicando-se, entre outros temas e problemas, aos estudos dos sonhos dos negros. Para ele, um estudo dedicado às histórias de vida não pareceria completo se não se debruçasse sobre os fragmentos da vida noturna, pois a vida integral da humanidade se constitui a partir do enlaçamento entre o dia e a noite. Já aí notamos uma primeira aproximação com Freud: Bastide notara que havia mais continuidade que ruptura entre as preocupações do estado de vigília e as da pessoa adormecida, e o “social” como que se ocultava naquilo que poderíamos tomar como subjetividade.
Para Bastide (2003), a separação drástica que se opera entre sonho e vigília nas sociedades ocidentais é tributária de outra separação artificial empreendida pelo racionalismo ocidental entre “natureza” e “cultura”: é como se o reino dos sonhos pertencesse à nossa natureza e, portanto, “precisa” ser domada e empurrada para o silêncio; e a “cultura”, que em tese é o que nos define, determina nossa humanidade. Segundo o autor, os sonhos fazem parte da natureza e da cultura concomitantemente, situando-se na encruzilhada entre elas. Tanto é que os símbolos que povoam os cenários oníricos são fornecidos por uma espécie de estoque ou repertório cultural de velhas magias, antigas mitologias, cultos, tradições, folclore etc., que, alerta Bastide, imaginávamos mortos há algum tempo.
O sonho, nesse sentido, seria o recurso a materiais coletivos, aos símbolos que significam nossas experiências sociais. É como se no interior dos sonhos pudéssemos descobrir (e analisar) os quadros sociais de nossa imaginação, individual e social ao mesmo tempo. Do mesmo modo, o inconsciente e a vida afetiva não estão apartados do entorno social, ao contrário, são fortemente influenciados pelos dados sociais. Duas observações cabem a esse respeito: i) Bastide acompanha a psicanálise freudiana ao recusar-se a separar radicalmente a vida noturna do mundo da vigília; ao contrário, procura reconectar o mundo da vigília, que é, fundamentalmente, o mundo do trabalho, ao onírico; ii) a vida afetiva é elemento estruturante de nossas vidas – aqui, mais uma vez, notam-se ecos freudianos.
Se Bastide acredita que o sonho consiste nesse reino misterioso que oculta nossos desejos e até nosso passado humano mais distante, então, parece claro que o sociólogo comunga algo do método psicanalítico freudiano, uma vez que a interpretação psicanalítica não se limita ao conteúdo manifesto dos sonhos, mas cavouca seu conteúdo latente. Acessar essas profundezas que remetem a eras passadas ou o repertório de símbolos que mobilizamos para encontrar um sentido possível para o material onírico – e para a vida diurna – exige, afirma Bastide, empreender uma rigorosa pesquisa das relações dos sonhos com os meios sociais. O sonho se inscreve tanto nos quadros de uma certa civilização quanto nos quadros de certo sistema social: se Freud personaliza e individualiza o sonho, cabe à sociologia ressocializá-lo, assevera o sociólogo francês.
Uma sociologia com e contra a psicanálise
Duvignaud e sua equipe (1979) procuram, com sua pesquisa, segundo eles mesmos, o que o trabalho do sonho esconde e que não se reduz ao desejo. Duvignaud et al. Reconhecem uma dívida em relação a Freud, pois admitem que os sonhos ocultam algo e, ao mesmo tempo, procuram oferecer uma superação porque demonstram que aquilo que é ocultado não se reduz ao desejo sexual. Além da sexualidade, a morte, o trabalho e a violência atuam sobre a vida cotidiana e encontram no sonho expressão, e os sonhadores, os modos de lidar e solucionar os conflitos que assolam tal vida. É como se nos sonhos, afirmam os autores, ocorresse igualmente a socialização dos indivíduos, no sentido de que não há uma recusa da vida social, ainda que os sonhos manifestem uma revolta contra essa vida.
Em sua ampla pesquisa, tratam não apenas de indivíduos da burguesia ou pequena burguesia, como os analisados por Freud, mas de pessoas de vários estratos profissionais – consequentemente, de várias pertenças socioeconômicas – e mergulham na trivialidade cotidiana, procurando oferecer uma interpretação sociológica dos sonhos mais abrangente e inclusiva, atenta a um leque variado de experiências sociais. Os autores esclarecem que não querem, com isso, estabelecer uma relação mecânica entre classes de sonhos e classes sociais, mas, como já se disse aqui, estabelecer correlações entre diversas experiências noturnas e as inserções distintas dos homens e das mulheres em suas práticas sociais cotidianas, triviais, principalmente em suas profissões e formas de trabalhar. A proposta é descobrir a “intencionalidade” dos sonhos ou, em termos mais sociológicos, seu caráter objetivado, i.e., os pesquisadores esforçam-se por objetivar experiências subjetivas para revelar o caráter também social de tais experiências – no caso, a vida onírica.
As comparações e as correlações estabelecidas entre as situações sociais e os sonhos demonstram que a experiência noturna não é homogênea, tampouco universal – como faz supor a interpretação freudiana dos sonhos. Os autores apontam os limites da clínica psicanalítica, que, segundo eles, tende a isolar o indivíduo, separá-lo do contato com outros pessoas. A pesquisa sociológica de Duvignaud et al. (1979) mostra que a vida comum, compartilhada, existe também nos sonhos.
Bastante influenciado por Halbwachs, Bastide e Duvignaud, o sociólogo francês Bernard Lahire desenvolve, ao nosso ver, a sociologia dos sonhos mais bem fundamentada, num diálogo crítico com a psicanálise freudiana que não a nega completamente, mas demarca enfaticamente a posição e as contribuições da sociologia em tal campo de estudos. Lahire (2021) argumenta que os sonhos constituem um fenômeno individual e íntimo e, ao mesmo tempo, intrinsicamente social, uma vez que o mundo onírico é socialmente estruturado. Tanto é assim, argumenta o autor, que nos sonhos nos encontramos e reencontramos com pessoas que compartilham nossa vida social, do presente e do passado. Eles nos fazem reviver/rememorar experiências e situações sociais que não compreendemos totalmente, forçando-nos a ver o que fazemos em nossa vida cotidiana e sobre o qual não temos consciência.
Os sonhos, para Lahire, não consistem apenas na expressão dos desejos insatisfeitos, como em Freud, mas correspondem principalmente ao esforço por resolver os problemas que nos assolam em nossa vida de vigília. Tais problemas são particulares de cada indivíduo, mas também próprios a toda uma categoria de pessoas (como, por exemplo, as categorias profissionais estudadas por Duvignaud e sua equipe), pois estão relacionados às estruturas de nossa vida social.
Os sonhos, na interpretação sociológica de Lahire (2020, 2021), dramatizam, exageram os momentos de desconforto, vergonha, medo e humilhação que vivemos quando acordados numa teia ampla e complexa de interações sociais, permitindo que nos defrontemos mais uma vez com esses momentos e lidemos com eles, atribuindo-lhes significado e oferecendo a oportunidade de exercer algum controle sobre tais momentos traumáticos, de tornarmo-nos seus senhores e não seus escravos. Nesse sentido, arremata Lahire (2021), não há qualquer censura que deforme os pensamentos oníricos e os devolva às trevas, ocultando-os, como imaginava Freud. Em sentido inverso, os sonhos estabelecem uma forma de consciência sobre a vida cotidiana que, quando acordados, paradoxalmente não possuímos.
Um panorama do cenário pandêmico do Brasil
Entre o início do ano de 2020 e o final do ano de 2022 o Brasil somou 36.331 milhões de casos confirmados de Covid-19, com um total de 693.853 mil mortes ocasionadas pela infecção (Brasil, 2024). Apenas no primeiro ano da pandemia o país contabilizou mais vítimas do que 89,3% dos outros 178 países que possuíam dados registrados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ainda dentro desta amostragem, ao considerar a composição demográfica, o Brasil obteve a 10ª maior taxa bruta de mortalidade por 100 mil habitantes (Ipea, 2022.).
A amplitude da crise sanitária no Brasil foi um reflexo da maneira como o país enfrentou a situação: não abordar tais circunstâncias como prioridade e a falta de coordenação política do governo federal na aplicação de políticas públicas eficazes causaram o aumento de casos e de óbitos ocasionados pela doença (Soares & Menezes, 2021). Se ações não farmacológicas tivessem sido adotadas visando a redução da transmissão da Covid-19, juntamente com a preparação e qualificação do sistema de saúde para o seu enfrentamento, cerca de 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas entre março de 2020 e março de 2021 (Idec/Oxfam Brasil, 2021).
Enquanto isso, o até então presidente, Jair Bolsonaro, justificava suas ações diante o quadro pandêmico embasando-se na exploração de controvérsias públicas sobre a ciência, questionando as recomendações da OMS sobre a contenção da doença (Duarte & Benetti, 2022). Diante do incentivo do próprio governo, à época, ao não cumprimento das medidas de isolamento social, da disseminação de fake news e da minimização da gravidade da Covid-19, percebe-se uma estratégia biopolítica de gestão da crise sanitária, a qual fortaleceu a lógica neoliberal que expunha a população ao adoecimento e à morte (Caponi et al., 2021).
Diante disso, diversos estudos, de diferentes momentos da pandemia, permitem identificar as múltiplas facetas desta “necropolítica” (Caponi et al., 2021, p. 97) gerida pelo governo brasileiro. Como é o caso de Bega e Souza (2021), que evidenciam a presença de desigualdades intraurbanas dentre os municípios de alto Produto Interno Bruto e Índice de Desenvolvimento Humano, nos quais a infecção atingia em maior número as regiões mais pobres. Já a pesquisa de Faria et al. (2022), sobre a mortalidade entre crianças e adolescentes, verifica a desigualdade na distribuição de óbitos por Covid-19 entre os territórios brasileiros e os grupos etários e de raça/cor.
Em um mesmo sentido, Baqui et al. (2020) também apontam para a variável “raça” enquanto fator de risco, a partir da observação de que pessoas pardas e negras internadas, em decorrência da infecção, apresentavam maior chance de mortalidade, ao mesmo tempo que os indivíduos ocupantes dos piores status socioeconômicos, em situação de vulnerabilidade social, registravam os maiores índices de letalidade nos primeiros 100 dias da pandemia (Santos et al., 2022). Segundo Santos et al. (2023), em 2020, a taxa de mortalidade por Covid-19 nos estados brasileiros foi maior entre pessoas não brancas, com exceção do Distrito Federal, mas, no geral, o referido grupo soma um percentual acima do esperado.
Além dos milhares de infectados e mortos por consequência da crise sanitária e da gestão bio/necropolítica do governo, o país acompanhou o crescimento das desigualdades e vulnerabilidades inerentes ao seu tecido social, as quais se intensificavam desde o período anterior ao advento pandêmico (Bógus & Magalhães, 2022) e que, neste contexto, vieram a atingir índices como o de 125,2 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar, havendo 33,1 milhões de pessoas sem o que comer (Rede Penssan, 2022). Isto posto, entende-se que o cenário pandêmico brasileiro evidenciou, ainda mais, o impacto objetivo das condições de existência na realidade dos sujeitos. É por via desta perspectiva, e baseando-se na literatura sobre o vínculo de continuidade entre a vida diurna e a onírica, que este estudo estabelece, enquanto objeto sociológico, a problematização concernente à extensão e ao impacto do contexto social da Covid-19 na subjetividade dos indivíduos.
A elaboração de uma sociologia dos sonhos no Brasil meridional
Doravante, tendo como base este panorama delimitado das possíveis vertentes de sociologias dos sonhos a se explorar, posicionamos a investigação empírica realizada neste estudo na fronteira do que poderíamos classificar como uma abordagem estritamente sociológica, ou seja, sem qualquer tipo de diálogo com a Psicanálise. Diante disto, importa sinalizar que o tema sobre sonhos e sociedade e, mais recentemente, sua relação com a pandemia, é ainda uma agenda de pesquisa em consolidação e por isso ainda não há parâmetros populacionais que pudessem delinear um desenho amostral probabilístico, sobretudo para a realidade brasileira. Ademais, por ocasião da pandemia de Covid-19 e pela necessidade de isolamento social, foi necessário que a coleta de dados se desse de forma virtual.
No entanto, diferentemente do que ocorre em outras regiões do globo, as pesquisas online no Brasil precisam lidar com o fato de que o acesso estável à internet e a inclusão digital ainda não alcançaram alta massificação, principalmente em regiões não centrais e entre classes de renda baixa, criando, de partida, um viés amostral. Diante desses condicionantes e por limitações operacionais, foi pensada uma amostra exploratória, majoritariamente composta por estudantes universitários da região meridional do Brasil. Foi divulgado por canais e redes digitais um questionário ainda não validado com 39 perguntas, via Google Forms, entre os meses de agosto de 2021 e de janeiro de 2022.
O instrumento de pesquisa foi elaborado, principalmente, a partir de dois eixos interconectados: 1) a formulação de questões pautadas em pesquisas realizadas no exterior, que identificaram alguns tipos de sonhos recorrentes, sentimentos associados aos sonhos e possíveis elementos contextuais ligados aos mesmos; 2) e a incorporação de perspectivas teóricas, nas perguntas, que destacavam a importância dos sentimentos na descrição da produção onírica e da influência do ambiente cotidiano, como, por exemplo, as obras de Duvignaud et al., Bastide e Lahire. Por conseguinte, antes da aplicação do survey, executou-se uma rodagem teste do instrumento, mediante a técnica de snowball sampling.
O instrumento de coleta utilizado é de natureza exploratória e, portanto, não validado. Foi formulado considerando os debates de âmbito internacional, objetivando possíveis comparações dos resultados obtidos com investigações semelhantes; assim, procurou-se coletar informações sobre: atributos individuais, condições socioeconômicas, relatos de sonhos e sentimentos durante a pandemia no Brasil. Alcançou-se um total de 611 respondentes. A apresentação dos resultados é principalmente descritiva, mas avançou-se na análise por meio de alguns cruzamentos simples e/ou análises bivariadas.
Uma análise exploratória do cenário pandêmico
O público respondente desta pesquisa se caracteriza social e majoritariamente como um público universitário. Há uma predominância de respondentes do sexo feminino, 68,4%; em relação ao masculino, 30,1%; e outros, 1,5%. Constitui-se sobretudo de pessoas jovens, sendo 54% dessas da faixa de 14 a 29 anos. Em geral, pessoas preponderantemente brancas, correspondendo a 78,6% da amostra. Essas características coincidem em muito com o perfil universitário brasileiro, sobretudo do sul do país, composto por uma maioria de pessoas jovens, brancas e com um maior percentual de mulheres, conforme pode ser observado no Censo da Educação Superior do Brasil (Inep, 2022).
Além disso, outros indicadores socioeconômicos confirmam essa característica. Quanto à religião, temos um total de 45,8% que afirmam ser agnósticos ou ateus, o que se distancia em muito da característica populacional brasileira, majoritariamente religiosa e confessional. Há também uma predominância de pessoas que ao menos chegaram ao ensino superior (88,5%), enquanto a taxa líquida de escolarização atual do Brasil de pessoas de 18 a 24 anos no ensino superior é de 25,5% (Inep, 2020).
Nossa amostra também apresenta condições de renda acima da média populacional brasileira: apenas 7% dos respondentes apresentam renda familiar de até um salário-mínimo; 17,2% de um a dois salários-mínimos; 25,5% de dois a quatro salários-mínimos; enquanto 50,2% afirmam ganhar mais de quatro salários-mínimos. Segundo dados da Pnad, o rendimento médio da população brasileira, em 2019,1 posicionou-se majoritariamente entre dois e três salários-mínimos (Ipea, 2022). Por fim, temos uma quase maioria de pessoas que se afirmam como estudantes (46,3%) em relação ao status socioprofissional, seguidos por profissionais e servidores públicos (23,7%) e profissionais liberais (20,6%), entre outros.
Essas características convergem para um público que, em sua maioria, relata terem disposto de condições minimamente adequadas para enfrentar os reveses impostos pela pandemia, uma vez que apenas 11,9% declararam condições precárias ou inadequadas em termos de condições sociais durante a pandemia. No mundo todo, o isolamento social convergiu para uma abrupta redução das atividades coletivas e do trabalho presencial. Em nossa amostra, o conjunto principal das atividades fora de casa está relacionado a atividades essenciais como compras de itens básicos e saída por necessidade de saúde e/ou trabalho, seguido de visitas a pessoas próximas e atividades ao ar livre, conforme pode ser observado no Gráfico 1.
Em relação aos sonhos, perguntou-se tanto sobre o seu número de ocorrências quanto sobre se tais sonhos estavam relacionados ao contexto da pandemia – dados apresentados na Tabela 1.
Apesar de não absolutamente preponderante, há um percentual considerável de pessoas da amostra relatando mais sonhos e em algum nível relacionados ao contexto da pandemia. O que dialoga, em certo ponto, com o panorama tocante aos estudos da temática realizados por Margherita e Caffieri (2022), que apontam para fatores como uma maior intensidade da vida onírica durante o confinamento e o surgimento do cenário dos denominados sonhos pandêmicos. Diante do exposto, nosso instrumento de pesquisa também explorou os sonhos relacionados às situações específicas ante o referido cenário.
Baseando-se na obra de Barrett (2020a), foi questionado se os respondentes haviam tido sonhos relacionados ao uso de máscaras, ao processo de vacinação, sobre possibilidade de contrair Covid-19, sobre hospitalização, sobre sonhos relacionados à morte de familiares, sonhos relacionados a desastres naturais e monstros – dados organizados na Tabela 2.
Destacam-se os sonhos relacionados ao uso de máscara, desastres naturais e sobre eventual morte de familiares e/ou conhecidos. Os dois primeiros comportaram-se como uma constante no quadro dos sonhos pandêmicos, cenários que inicialmente foram identificados por Barrett (2020a) e que se demonstraram fortemente presentes em nossa amostra. Por conseguinte, considerando a contribuição de Guo e Shen (2021), foi perguntado sobre os hábitos de consumo informacional a partir de uma questão sobre consumo de jornais e noticiários. O que evidenciou que nossa amostra, possivelmente pelo recorte econômico e educacional, tem predominantes hábitos de acompanhar noticiários, inclusive sobre o então contexto pandêmico, conforme pode ser observado na Tabela 3.
A produção de Guo e Shen (2021) identificou uma relação significativa entre a exposição do sujeito à mídia e a frequência de sonhos tidos como ameaçadores. Todavia, nos cruzamentos realizados nesta pesquisa entre a variável de consumo informacional e as relacionadas aos sonhos pandêmicos frequentes, não foi possível identificar nenhum padrão relacional; assim, não foi verificada nenhuma relação positiva ou negativa entre as variáveis.
Para avançar no estudo dos impactos do contexto da Covid-19 na dimensão investigada, mobilizamos o fator dos sentimentos associados aos sonhos. Sabe-se, desde Freud (2019), que há um vínculo importante entre os sentimentos envolvidos na produção onírica e o significado que é possível desvendar mediante o trabalho de interpretação. Embora não se tenha aprofundado o conteúdo psicanalítico, o vínculo entre sentimentos/emoções e a instância onírica foi considerado como uma questão a ser explorada. Principalmente, ao verificarmos evidências como as expostas por Guerrero-Gomez et al. (2021), de que, no decorrer da quarentena, as reações emocionais subjetivas mostravam maior correlação com os sonhos do que o sofrimento objetivo. Ou as de Conte et al. (2022), apontando que o aumento da emocionalidade negativa do sonho, durante os bloqueios totais ou parciais impostos pela quarentena, afetava diretamente a qualidade do sono. Adiante, constata-se, no Gráfico 2, os sentimentos negativos majoritariamente relatados pelos participantes de nossa pesquisa ao serem perguntados sobre seus sonhos durante a pandemia, a saber: ansiedade, angústia e desconforto.
De forma geral, o público respondente apresenta um importante relato que reflete certa influência da pandemia sobre seus sonhos, tanto em termos de quantidade quanto em relação a aspectos específicos e sentimentos acionados pelo complexo e difícil cenário pandêmico. De antemão, pode-se perceber que a pandemia e todas as suas situações e consequências puderam provocar, em certa medida, alterações na rotina de sonhos de nossos respondentes. No entanto, buscou-se também a existência de algum nível relacional de tais relatos e sentimentos com as características socioeconômicas dos sujeitos, visando compreender, em certa medida, os efeitos que as condições sociais de existência exercem sobre o domínio da produção onírica (Duvignaud et al., 1979; Bastide, 2002; Lahire, 2020, 2021).
Apesar de se tratar de uma amostra com vantagens socioeconômicas em relação ao contingente populacional brasileiro, buscou-se executar análises bivariadas entre os níveis de relatos, tipos de sentimentos com atributos socioindividuais (gênero, idade e cor/raça) e outras condições (escolaridade e renda). De forma geral, os dados apresentam relação estatisticamente significativa apenas entre gênero, idade, escolaridade e renda tanto com o número de relatos de sonhos como com alguns grupos de sentimentos relacionados aos sonhos. Mulheres, pessoas mais jovens, de menor renda e escolaridade tendem a apresentar mais relatos de sonhos relacionados à pandemia em geral e com maior prevalência de alguns sentimentos negativos, principalmente os sentimentos de desconforto, tristeza, medo e raiva. A seguir, apresenta-se uma série de cruzamentos que indicam esse quadro relacional.
Quando cruzadas as variáveis gênero por existência de sonhos relacionados à pandemia, conforme dados apresentados na Tabela 4, percebe-se uma proporção maior de mulheres, 77,4% contra 22,6% entre os que indicaram haver sonhado com algo relacionado à pandemia de Covid-19. Entre as mulheres, 66,0% delas indicaram ter sonhado com algo relacionado à pandemia contra 42,9% entre os homens.
Cruzadas as variáveis idade (em faixas) e relato de sonhos relacionados ao uso ou não uso de máscaras e à vacinação, percebe-se que uma proporção maior de pessoas mais jovens afirma ter tido tais sonhos: 48,6% dos que afirmaram ter sonhado com o uso ou não uso de máscaras têm até 24 anos; 29;1% até 34 anos e 30,2% com 35 anos ou mais. Em relação à vacinação, 33,6% dos que têm até 24 anos afirmaram que sonharam a respeito; 25,2% daqueles com até 34 anos e 26,5% com 35 anos ou mais, conforme os dados apresentados na Tabela 5.
Quando cruzados alguns tipos de sonhos perturbadores com renda (em faixas de salário-mínimo), observa-se também uma maior proporção, em geral, das pessoas de menor renda a apresentar esse tipo de relato. Para os três tipos de sonhos, a maior proporção dos que relatam não ter tido tais sonhos é a dos que têm renda maior que quatro salários-mínimos, 55,8%; 56,0% e 54,7%, respectivamente, conforme ordem apresentada na Tabela 6.
Essa mesma evidência é percebida pelo cruzamento da renda com o relato de sentimentos negativos relacionados aos sonhos recentes. Para os quatro sentimentos aqui elencados, desconforto, medo, tristeza e raiva, as maiores proporções dos que afirmam não terem tido sonhos relacionados a tais sentimentos são justamente daqueles que possuem renda superior a quatro salários-mínimos, 55,8%, 55,0%, 52.7% e 51,8%, respectivamente, conforme se apresenta na Tabela 7.
Por conseguinte, quando analisada a relação entre os relatos de sentimentos positivos relacionados aos sonhos por gênero e escolaridade, percebe-se que os homens, proporcionalmente, relatam mais sentimentos positivos, 14,1% contra 6,2% quando considerados dois sentimentos positivos somados. Entre os que não relataram nenhum sentimento positivo, 76,6% eram mulheres e apenas 23,4% homens, conforme dados apresentados na Tabela 7.
Entre os que não possuem ensino superior, 11,4% relataram ter tido ao menos dois sentimentos positivos relacionados aos sonhos contra 6,4% daqueles com ensino superior, entretanto, entre os que não relataram nenhum sentimento positivo, 44,6% não possuem ensino superior e 55,4% possuem, conforme dados da Tabela 8. Essa divergência pode ser compreendida pela possibilidade de colinearidade entre escolaridade e gênero, já que a amostra apresenta alta correlação entre tais descritores, principalmente por causa da predominância de mulheres com ensino superior.
Identifica-se que os resultados aqui apresentados acompanham, em parte, alguns dos estudos da literatura internacional sobre a temática. A forte incidência de sentimentos e efeitos negativos associados aos sonhos das mulheres em oposição ao sonho dos indivíduos do sexo masculino é uma constante nas pesquisas da dimensão onírica durante a pandemia (Barrett, 2020b; Iorio et al., 2020; Schredl & Bulkeley, 2020). O artigo de Barret (2020b), realizado com uma amostragem de diversos países, trabalha com a hipótese de que alguns fatores, como as mulheres realizarem mais trabalhos de cuidado não remunerado do que os homens, influenciam esse resultado. Em vista do identificado, ponderamos ser possível que este maior impacto esteja também articulado a uma posição social da mulher na sociedade, frequentemente subalternizada (Beauvoir, 1970; Davis, 2016; Federici, 2019), assim reforçando a necessidade de uma análise contextual para avançar no conhecimento dos fatos motivadores dessas consequências.
Ademais, Schredl e Bulkeley (2020) constatam que, no caso dos Estados Unidos, indivíduos afetados fortemente pela pandemia demonstravam efeitos mais significativos nos sonhos, porém, chama a atenção que os sujeitos com níveis mais altos de educação também mostrem este revés, o que se contrapõe à evidência encontrada na realidade do Brasil meridional, a qual aponta para um maior impacto em pessoas de menor escolaridade. Vale refletir que MacKay e DeCicco (2020) sugerem que a preocupação diurna com a Covid-19 pode vir a afetar as imagens oníricas do sujeito; ao mesmo tempo, Solomonova et al. (2021) apontam que a frequência de pesadelos e sonhos sobre a pandemia se associam a indivíduos com níveis mais elevados de estresse. Desse modo, ventilamos a ideia de que a diferença entre os resultados de Schredl e Bulkeley (2020) e os encontrados na realidade brasileira possa estar associada a um impacto diferente da categoria “classe social” (Bourdieu, 2017), principalmente ao considerarmos os indicadores que evidenciam o risco sofrido por pessoas em situação de vulnerabilidade social diante da situação pandêmica brasileira.
Destarte, aponta-se que, talvez por uma certa homogeneidade da amostra de nossa pesquisa, assim como pela limitação da técnica do cruzamento simples e Qui-quadrado, não seja possível verificar uma relação entre os atributos socioindividuais e as condições socioeconômicas de forma nítida, tanto em relação ao nível de relatos de sonhos relacionados à pandemia quanto aos tipos de sentimentos acionados pelos sonhos. Apresentou-se aqui alguns resultados parciais que indicam haver alguma relação importante, mas ainda em caráter exploratório.
No entanto, foi possível perceber uma consistência entre sentimentos negativos e renda, em especial maiores relatos dos sentimentos de desconforto, medo, tristeza e raiva entre pessoas de menor renda. Os dados também mostram que tais sentimentos estão ligeiramente relacionados ao gênero feminino e às pessoas mais novas. Dessa forma, permite-se refletir que há um recorte relacional entre gênero, idade e, principalmente, renda, variáveis que se articulam aos sonhos associados aos sentimentos negativos, indicando a pertinência de uma análise social da vida onírica.
Embora esta pesquisa apresente um caráter exploratório, ainda assim os seus achados corroboram pesquisas anteriores e fornecem elementos para a elaboração teórica mais consistente de uma sociologia dos sonhos. Tal como em Duvignaud et al. (1979), Martins (1996) e Bastide (2003), esta investigação também apresentou uma certa relação entre os sonhos e a diferença social dos sonhadores, demonstrando, inclusive, uma associação consistente entre pessoas de menor renda e a expressão de sentimentos negativos em seus sonhos, a corroborar, pois, os nexos entre as condições materiais de existência e a vida subjetiva – e se as situações sociais são múltiplas, então as experiências noturnas tampouco são homogêneas e universais.
Uma sociologia dos cenários e paisagens oníricas é capaz de mostrar o caráter objetivado dos sonhos (Duvignaud et al., 1979), i.e., a pesquisa sociológica prova que é possível objetivar as experiências subjetivas para revelar o caráter social de tais experiências ou, mais simplesmente, o ponto de que há mais continuidade do que ruptura entre as preocupações das pessoas durante o estado de vigília e quando adormecidas, com o social ao mesmo tempo se ocultando e se revelando naquilo que se poderia imaginar como algo pertencente puramente ao domínio da subjetividade.
O presente estudo destaca, ainda, a presença de sonhos ameaçadores, como, por exemplo, desastres naturais e a eventual morte de familiares e amigos entre os sonhadores situados em contexto pandêmico, observando-se, portanto, como já se disse aqui, emoções negativas em suas experiências oníricas. Nesse sentido, os sonhos não deixaram de revelar o desencontro entre suas experiências individuais, pessoais, e o absurdo da vida social cotidiana assolada pela pandemia. Os achados empíricos desta investigação sugerem que os sonhos constituem sintoma e reação a tal dilaceração do indivíduo, pois revelam uma experiência social fundamental e cotidianamente traumática. Ou seja, é possível articular ou talvez desdobrar uma sociologia dos traumas a partir de uma sociologia dos sonhos.
Se, por um lado, estudos no campo da psicanálise atestam o caráter traumático dos sonhos pandêmicos (Birman, 2020; Mezan, 2021; Ribeiro & Carvalho, 2021), por outro, nosso trabalho, fincado fundamentalmente em solo sociológico, não custa enfatizar, demonstra igualmente como os sonhos durante a Covid-19 mostraram-se traumáticos, mas não num sentido psicanalítico. Trata-se, no fundo, de um trauma sociocultural, nos termos propostos por Alexander (2004, 2012) e Smelser (2004). Para estes autores, o trauma sociocultural ocorre quando membros de uma coletividade sentem que estão sujeitos a um evento tão terrível que deixa marcas indeléveis em sua consciência de grupo e memória coletiva, afetando sua identidade futura de modo irrevogável.
Contudo, alertam Alexander (2004, 2012) e Smelser (2004), um evento não é intrínseca e ontologicamente traumático, a despeito de seu caráter brutal, mas depende de como as populações afetadas representam e significam tal acontecimento mediante seu repertório cultural. A atribuição de sentido revela como valores morais considerados sagrados por determinada coletividade foram profanados, como os vínculos sociais daquele grupo foram afetados e como sua história foi alterada por certo evento do ponto de vista daquela comunidade e, por isso, é considerado por ela traumático. Os sonhos relacionados ao uso de máscaras, catástrofes naturais e morte de familiares e conhecidos sugerem, ao nosso ver, o temor e a angústia dos indivíduos quanto à possível desagregação dos vínculos sociais, insinuando haver um conteúdo onírico latente para além do medo das consequências associadas à contaminação e ao adoecimento. A representação da máscara nos sonhos, por exemplo, um item que se tornou pauta central do debate sociopolítico no Brasil, demonstra que a vida onírica desvela experiências sociais profundamente afetadas durante a pandemia da Covid-19.
Considerações finais
O presente estudo propôs um empreendimento investigativo que transitou entre dois níveis. Um em plano teórico, discutindo e desenvolvendo as acepções sobre uma sociologia dos sonhos, e outro em plano empírico, a partir da aplicação de um survey com uma amostra exploratória no contexto pandêmico do Brasil meridional, definindo a primeira etapa de nossa pesquisa. Futuramente, num segundo momento, nos dedicaremos à descrição e à interpretação sociológica dos sonhos pandêmicos coletados em diálogo crítico com a perspectiva psicanalítica, incorporando descobertas, achados e categorias, mas também apontando seus limites, atualizando-a a partir das ciências sociais, demarcando o lugar da sociologia dos sonhos e assinalando sua contribuição para a elaboração de um conhecimento interdisciplinar e holístico a respeito do mundo onírico. Portanto, a sequência de nossa pesquisa nos conduzirá a uma outra postura teórica e metodológica, que é aperfeiçoar uma sociologia dos sonhos com e contra a Psicanálise.
No plano empírico deste trabalho foi possível observar, de modo geral, uma certa semelhança entre os resultados encontrados pelas pesquisas sobre a temática e os verificados no contexto da pandemia brasileira. É possível que a evidência mais interessante apresentada por esta investigação seja a relação significativa entre a atribuição de sentimentos negativos aos sonhos e pessoas de menor renda, ainda mais quando essas são do gênero feminino e/ou mais jovens. Nesse sentido, nossa pesquisa corrobora estudos clássicos da sociologia dos sonhos que já apontavam a correlação entre condições materiais de existência e vida subjetiva, particularmente a onírica (Duvignaud et al., 1979; Bastide, 2002; Lahire, 2020, 2021).
Como visto, o cenário pandêmico brasileiro acirrou as desigualdades sociais existentes, impactando diretamente a experiência do sujeito com a Covid-19, que vitimou em maior número os indivíduos em posição de maior vulnerabilidade social. Nesse sentido, o resultado demonstra, em parte, a extensão do impacto das condições de existência social na subjetividade individual. Deste modo, revelando mais um desencadeamento do fenômeno social ocasionado pela pandemia da Covid-19 e reforçando os postulados das perspectivas teóricas que apontam para o vínculo de continuidade entre a vida diurna e a onírica (Freud, 2019; Duvignaud et al., 1979; Bastide, 2003; Lahire, 2021). Importa ressaltar a impossibilidade de generalização dos resultados empíricos encontrados – isto decorre da homogeneidade sociodemográfica do perfil dos respondentes, associada à estratégia de coleta de dados. Todavia, conforme discutido no corpo do artigo, a generalização não era o objetivo do trabalho, dada a construção de um desenho metodológico de caráter exploratório.
Nossa compreensão é que em pesquisas futuras seja possível aprofundar estes achados e possíveis contextos relacionais em direção a uma explicação socialmente fundamentada dos sonhos, explorando com maior rigor, desta maneira, variáveis que se demonstram significativas para a pesquisa sociológica, como a posição da mulher na sociedade e o impacto da categoria “classe social”. À guisa de conclusão, entende-se que além das já tradicionais variáveis relacionadas aos campos da psicologia e neurociência, insta-se pela pertinência de uma compreensão sociológica deste acontecimento aparentemente individual e psicobiológico que é o pensamento onírico, com o objetivo de investigar e desemaranhar as raízes sociais do sonho (Ullman, 1960; 2001) por meio de uma abordagem que considere a importância das condições sociais de existência, almejando compreender a continuidade e o impacto das estruturas sociais na dimensão da produção onírica, bem como compreender as experiências traumáticas produzidas diante do risco da desintegração dessas mesmas estruturas.
Agradecimentos
Este artigo foi elaborado em meio às discussões coletivas desenvolvidas no âmbito do Grupo Estudos em Cultura, Comunicação e Arte (GECCA-Sul) e, por isso, os autores agradecem a colaboração de cada integrante do Grupo na construção desta pesquisa e no debate sobre sociologia dos sonhos no Brasil. Também agradecemos aos(às) pareceristas do artigo, cujos comentários e sugestões foram fundamentais para o aprimoramento deste texto.
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Notas
Notas de autor
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