Artigos
O movimento dos povos originários indígenas no Brasil: história das lutas e confrontos no campo dos direitos
The indigenous peoples’ movement in Brazil: history of struggles and confrontations in the sphere of rights
El movimiento de los pueblos indígena en Brasil: historia de luchas y enfrentamientos en el ámbito |de los derechos
O movimento dos povos originários indígenas no Brasil: história das lutas e confrontos no campo dos direitos
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 12, e-rbs.986, 2024
Sociedade Brasileira de Sociologia
Recepción: 25 Enero 2024
Aprobación: 21 Febrero 2024
RESUMO: O artigo focaliza os povos originários indígenas do Brasil e as lutas pela sobrevivência em seus territórios e por sistemas de controle jurídico democráticos, que garantam direitos já previstos ou a se adquirir nas vias constitucionais. São analisados dois momentos da trajetória: a década de 1970 até 1988 – com seus atores, lutas, apoios e conquista de direitos na Carta Magna; e o período de 2020 a 2023, quando se retoma a questão do Marco Temporal no plano das políticas públicas para a demarcação das terras indígenas e os embates e pressões sobre os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. O artigo apresenta fatos e narrativas sobre a tensão constante entre os atos de resistência e os ataques às comunidades dos povos indígenas, e a busca de apoios institucionais. A questão teórica diz respeito ao papel que a identidade étnica-cultural adquire nos últimos anos na luta dos movimentos sociais dos povos originários. Trata-se de uma luta humanitária, com inúmeras frentes, visando resistir para existir. Destacam-se o reconhecimento de saberes milenares desses povos sobre o meio ambiente e a sua biodiversidade e o protagonismo de mulheres e jovens indígenas nas lutas dos movimentos.
Palavras-chave: Ativismo, povos originários indígenas, movimentos indígenas, lutas de resistência, jurisdição nas lutas indígenas.
ABSTRACT: The article focuses on Brazil’s indigenous peoples and their struggles for survival in their territories and for democratic legal control systems that guarantee rights already provided for or to be acquired through constitutional means. Two moments in their history are analyzed: the 1970s up to 1988 – with its actors, struggles, support and conquest of rights in the Magna Carta; and the period from 2020 to 2023, when the issue of the Time Frame in the sphere of public policies for demarcation of indigenous lands and the clashes and pressures on the Legislative, Judicial and Executive powers are resumed. The article presents facts and narratives about the constant tension between acts of resistance and attacks on indigenous communities and the search for institutional support. The theoretical question concerns the role that ethnic-cultural identity has acquired in recent years in the struggle of social movements of indigenous peoples. It is a humanitarian struggle, with numerous fronts, which aims to resist to exist. Highlights include the recognition of these peoples’ ancestral wisdom about the environment and its biodiversity, and the role of indigenous women and young people in the movements’ struggles.
Keywords: Activism, indigenous peoples, indigenous movements, resistance struggles, jurisdiction in indigenous struggles.
RESUMEN: El artículo se centra en los pueblos indígenas de Brasil y sus luchas por la supervivencia en sus territorios y por sistemas de control jurídico democráticos que garanticen los derechos ya previstos o por adquirir por vía constitucional. Se analizan dos momentos de su historia: la década de 1970 hasta 1988 – con sus actores, luchas, apoyos y conquistas de derechos en la Carta Magna; y el período de 2020 a 2023, cuando se retoma la cuestión del Marco Temporal en el ámbito de las políticas públicas de demarcación de tierras indígenas y los choques y presiones sobre los poderes Legislativo, Judicial y Ejecutivo. El artículo presenta hechos y narrativas sobre la tensión constante entre los actos de resistencia y ataques a las comunidades indígenas y la búsqueda de apoyo institucional. La cuestión teórica se refiere al papel que la identidad étnico-cultural ha adquirido en los últimos años en la lucha de los movimientos sociales de los pueblos indígenas. Se trata de una lucha humanitaria, con numerosos frentes, cuyo objetivo es resistir para existir. Se destacan el reconocimiento de los saberes ancestrales de estos pueblos sobre el medio ambiente y su biodiversidad, y el papel de las mujeres y los jóvenes indígenas en las luchas de los movimientos.
Palabras clave: Activismo, pueblos indígenas, movimientos indígenas, luchas de resistencia, jurisdicción en las luchas indígenas.
Introdução
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Censo Demográfico de 2022 revelou que o Brasil tem quase 1,7 milhão de indígenas, o equivalente a 0,83% da população total do país (203,1 milhões). Conforme o Censo, o número da população indígena foi de 1.693.535 pessoas, contingente encontrado tanto dentro quanto fora das localidades indígenas. Esse número é 88,8% maior do que o registrado no recenseamento de 2010, que foi de 896,9 mil pessoas. Os números geraram debates e explicações dos órgãos técnicos sobre diferenças nas metodologias de coleta dos dados. O ponto que nos interessa, neste momento, é registrar o grande número populacional deste grupo étnico, parte dos povos originários, que tem tido pouca visibilidade no estudo sobre as ações coletivas no Brasil no campo de estudos sobre os movimentos sociais. Existem 180 línguas1 indígenas faladas no país e 305 diferentes etnias. Em 1988, Roberto Cardoso de Oliveira alertou para a importância do movimento indígena e para o fato de este não ter recebido, até então, a mesma atenção dada pelos estudiosos aos ‘movimentos sociais’ da época (Cardoso de Oliveira, 1988, p. 27).
Sabe-se que o movimento dos povos indígenas é histórico, inicia-se com atos de resistência à chegada dos colonizadores à América (Ribeiro, 2004). Usualmente foi abordado nas Ciências Sociais como área de pesquisa da Antropologia (videCunha, 1987; Mindlin & Portela, 1989; Cardoso de Oliveira, 1988, 2006; e outros); e alguns estudos na Sociologia, como José de Souza Martins (1979). Visando contribuir para diminuir a lacuna apontada por Cardoso de Oliveira, em 1988, pesquisamos a temática dos povos indígenas nos encontros da Associação Nacional de Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) de 2022 e 2023, e no Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) de 2023, em grupos de pesquisa sobre Movimentos Sociais. Este artigo é uma síntese das pesquisas apresentadas nesses eventos, acrescidas de reflexões.
Como ponto de partida sobre o protagonismo do movimento dos indígenas na cena pública e para problematizá-lo buscando entender o caráter, a natureza e as diferenciações e singularidades desse movimento em relação aos demais que têm ocorrido historicamente no Brasil, realizamos um levantamento da literatura a respeito, especialmente teses e dissertações acadêmicas, e publicações advindas de representantes da própria comunidade dos indígenas. Os trabalhos encontrados localizam-se fundamentalmente no campo da antropologia e da história, sendo raros na ciência política e na sociologia. Várias dessas referências bibliográficas foram fundamentais para o resgate da memória das lutas dos indígenas nos períodos selecionados para análises neste artigo, possibilitando um diálogo com os estudos – como o movimento foi visto, problematizado e analisado por seus autores, e como podemos vê-lo atualmente.
O artigo seleciona dois momentos na trajetória das lutas dos indígenas, a saber: da década de 1970 a 1988 – com seus atores, lutas e apoios que levaram à conquista de direitos na Carta Magna; e o período de 2020 a 2023, quando é pautada a retomada da questão da demarcação das terras indígenas e do Marco Temporal no plano das políticas públicas, com embates e pressões sobre os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Ou seja, é feita a análise da luta dos povos originários indígenas para a garantia de direitos em dois momentos importantes da conjuntura sociopolítica brasileira – um na fase da ditadura militar e construção do principal instrumento jurídico do país: a Constituição Brasileira de 1988; o outro, no período de redemocratização, com muitas tensões e polarização política, de 2020 a 2023, quando o tema do Marco Temporal – a ser trabalhado adiante, é colocado no campo das disputas por direitos de terras e territórios dos indígenas. A escolha desses dois momentos tem no Marco Temporal uma ligação direta. Nos momentos selecionados, a luta pelos direitos dos indígenas levou ao protagonismo junto ao sistema judiciário, especialmente ao Superior Tribunal Federal (STF), em 2020, e a diversas articulações de associações dos indígenas com a sociedade civil organizada em ONGs e outras entidades associativas. Certamente há outros momentos nas lutas dos indígenas, mas para fins deste artigo selecionamos os dois momentos mencionados como os mais relevantes.
O artigo apresenta uma seleção de fatos e acontecimentos do movimento indígena no Brasil a partir da década de 1970 e faz um balanço da luta dos povos originários indígenas do país pela sobrevivência em seus territórios e pelo resgate, ou obtenção, de sistemas de controle jurídico democráticos, que garantam direitos previstos, ou a se adquirir, nas vias constitucionais. O tema dos territórios indígenas, observado via questões jurídicas de direitos, como a do Marco Temporal, é pesquisado segundo uma linha do tempo para analisar as ações dos indígenas enquanto um movimento social. No período de 2020 a 2023 apresentam-se fatos e narrativas sobre a tensão constante entre os atos de resistência e os ataques às comunidades dos povos indígenas, especialmente nas regiões da Amazônia e na Bahia, na gestão do ex-presidente Bolsonaro, no contexto de desdemocratização de instituições e de sujeitos coletivos. Após a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, em outubro de 2022, a questão dos povos originários ganha outro patamar na agenda nacional, com a criação de um ministério específico para a questão, o Ministério dos Povos Indígenas, em janeiro de 2023. Uma conquista que abriu uma nova etapa de lutas, tensões e reposicionamentos, nos marcos das disputas ‘palacianas’, e no debate internacional sobre meio ambiente, a Amazônia etc.
Aspectos teórico-metodológicos e de operacionalização da pesquisa sobre os povos indígenas
Destacamos dois aspectos teórico-metodológicos neste artigo: as teorias para interpretação e análise do movimento dos indígenas e a metodologia de operacionalização da pesquisa: coleta e o tratamento analítico dos dados.
Como ponto de partida, a questão teórica inicial é: podemos analisar as ações coletivas dos indígenas como movimento social? A resposta é sim e concordamos com Ascenso (2021, p. 51) que diz: “desde que ele [movimento] seja concebido como um conjunto de redes que inclui também não indígenas, ainda que com o horizonte expresso de construção de um protagonismo indígena”. Ao se considerar que eles constituem um movimento social, as teorias usuais sobre os movimentos sociais contemporâneos são adequadas para analisá-los? Destaco que duas das teorias que têm sido mais utilizadas nas últimas décadas em análises sobre os movimentos sociais, a Teoria do Processo Político e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais não foram formuladas para entender as ações dos povos indígenas, mas as categorias teóricas que elas criaram, como instrumentos de análise, podem ser adaptadas para o caso em tela, dos indígenas. Cito duas categorias – a noção de repertório (Tilly & Tarrow) e a de identidades coletivas (Melucci), por exemplo. As teorias sobre o Sul-Sul global, embora mais abrangentes e não teorias específicas sobre movimentos sociais, também devem ser lembradas, porque podem ser um bom ponto de partida para análises. Lembrando que as teorias sobre a decolonialidade (e outros nomes congêneres), abordando as relações entre os povos indígenas das Américas e os colonizadores europeus são muito antigas.
A questão do movimento dos indígenas (ou dos movimentos porque são inúmeros) insere-se num campo mais abrangente que diz respeito aos movimentos e às lutas identitárias, e ao novo papel que elas adquirem nas últimas décadas no Brasil, especialmente na luta dos povos originários, assim como ao protagonismo de lideranças indígenas no cenário. Adotamos a perspectiva teórica de Melucci (2001, p. 35) para a identidade como a “capacidade de se reconhecerem e serem reconhecidos como parte de uma mesma unidade social”. Falar de unidade social não significa falar de grupo homogêneo, ao contrário – os povos indígenas compõem-se de diferentes etnias e são diferenciados quanto a línguas, crenças, valores, costumes etc. Mas, quando se aglutinam em alguma luta – contra os madeireiros, garimpeiros ou outros, por exemplo – para pressionar o Estado para garantir ou obter direitos, eles formam uma identidade interétnica e configuram uma consciência interétnica (Ortolan, 2006). Para tal eles têm de criar laços e redes de vínculos heterogêneos com diferentes grupos agentes da sociedade civil e política do país. A construção do sujeito coletivo-movimento social indígena envolve estratégias de mediação não só entre repertórios diferentes, mas entre sistemas simbólicos (cosmológicos) diferentes. Por tudo isso, uma teoria dos movimentos sociais para a análise e maior visibilidade dos povos indígenas está ainda para ser construída e envolve não apenas o entendimento da cosmovisão dos indígenas, mas também a articulação desta cosmovisão no cenário da política onde ocorre a interação. Uma cosmopolítica, portanto, que envolve reconhecimento de uma ontologia de ser, fazer e saberes de grupos organizados em nações étnicas, aliando coletivos, associações etc., cujo sustentáculo é o primado da luta – a luta em defesa de seus modos de ser e fazer que dá força e coesão (ver Ferdinand, 2022). E essa luta tem em seu centro o direito à vida, construída na trajetória com autonomia, contra as práticas de devastação ecológica planetária, levadas à frente pela modernidade em nome do progresso e do desenvolvimento de forças produtivas. Olhar e analisar a realidade sob este prisma envolve olhar para os povos originários não como remanescentes ou sobreviventes de um passado, mas vê-los como grupos que estão em lutas coletivas, vivas, contra o capital devastador, lutas anticapitalistas atuais. Eles são “figuração do futuro” nos dizeres de Kroijer (2010). Envolve também deixar de lado as certezas preliminares, adotar as incertezas como plataforma epistêmica, sob uma realidade com profundas desigualdades e assimetrias (Moraes, 2023). Ou seja, olhar e analisar os grupos dos povos tradicionais a partir de outras categorias, incluindo seus saberes e conhecimentos como expressões do pensamento crítico, um pensamento que nos ajuda a entender possíveis transições civilizatórias, dos modelos ditos progressistas baseados no neoextrativismo desenvolvimentista, sendo o país o reino das commodities , para outras possibilidades de vidas dos seres (visíveis e invisíveis) (ver Escobar, 2016; Svampa, 2019; Stengeres, 2017).
Um outro registro importante é que as lutas identitárias envolvem questões de raça, etnia, orientação sexual, questões de gênero, além de identidades religiosas, assim como as deficiências físicas. Elas têm predominado em parte da sociedade ocidental, na academia, nas empresas, no campo das políticas públicas e nos partidos e movimentos políticos progressistas. O termo ‘identitarismo’ tornou-se corrente para denominar as lutas identitárias, que aglutinam grupos com características internas similares que passam a lutar, pressionar por seus direitos. O movimento dos povos indígenas tem várias das especificidades dos ‘identitários’, mas só podem ser analisados se forem colocados na perspectiva do geral, do universal, em que suas diferenças se destacam não apenas em relação ao não indígena, mas também em relação a outros movimentos identitários. Suas lutas centrais dizem respeito ao modo de viver – livres em aldeias, com seus costumes e ritos advindos da ancestralidade. O lugar e papel das mulheres têm grandes diferenças em relação às mulheres brancas, ocidentais. O mundo do trabalho moderno, suas formas de exploração e discriminações, está presente em suas lutas contra a instalação de usinas, madeireiras, extração de metais etc., não apenas porque invadem suas terras, mas também porque são retiradas suas fontes de viver – os peixes e os animais de caça desaparecem, a água torna-se poluída etc.
Em relação ao segundo aspecto, sobre a metodologia operacional utilizada no estudo, o período da década de 1970 até a Constituição de 1988 teve como fonte de dados publicações de indígenas e ativistas, entrevistas registradas em sites de entidades civis de apoio e defesa dos povos originários, além de teses, dissertações, artigos e livros sobre a temática dos indígenas. Para o período 2020-2023 a metodologia tem especificidades; ela foi tendo como fonte de dados a mídia escrita e on line , e sites de entidades civis, movimentos e coletivos, sobre a temática dos indígenas. Estes dados, após organizados, vieram a compor um ‘diário de acontecimentos’ que nos possibilita formular uma linha histórica do tempo com uma cronologia dos eventos e acontecimentos significativos das ações em foco, ressaltando que se entende por acontecimento, nos termos de Badiou (1995), aquilo que nos obriga a um novo modo de ser, imprevisível, novo; os acontecimentos podem demarcar novas possibilidades no horizonte político. Os acontecimentos são pontos relevantes, porque demarcam pontos de inflexão numa dada trajetória de fatos e eventos.
O método de investigação e análise resultou na construção de uma linha histórica do tempo segundo a sequência dos acontecimentos registrados no diário, articulando-os duplamente: primeiro, internamente – o registro em si com a trajetória de eventos e pertencimentos anteriores àquele do acontecimento. Em segundo lugar, contextualizando o acontecimento externamente, buscando o enquadramento dos repertórios ao posicionar aquele fato no contexto histórico no qual estava inserido, naquele momento, e articulando os projetos e cultura política daqueles atores em cena, com outros projetos e culturas políticas existentes. O resultado foi a construção de uma cronologia de eventos e acontecimentos que nos possibilita analisar o caráter e a natureza das ações desenvolvidas, assim como suas diferenciações e singularidades. Tarrow (2005) diz algo similar quando fala dos encaixes nos tempos internos e externos. Mas creio que é algo maior que um encaixe, porque este termo, ‘encaixe’, pode soar como algo mecânico. Há força político-organizacional de ambos os lados e é da articulação dessas forças que se pode vir a ter poder ou enfraquecimento. As lógicas da ação coletiva que esses momentos produzem são distintas; a interna tem o tempo e os territórios dos atores como fundamentais; a lógica da ação externa advém de uma multiplicidade de fatores, inclusive da burocracia estatal, com seus prazos e procedimentos. No caso dos indígenas, pode-se citar a repercussão interna e externa de suas denúncias. A participação de atores não indígenas, como ONGs, parlamentares, indivíduos ‘celebridades’ que assumiram publicamente a defesa dos indígenas, é parte constitutiva do processo de uma dada luta. O protagonismo indígena nessa resistência articulada se constrói em meio a esse processo de relações internas e externas.
O fato de olhar as ações dos sujeitos em cena em dupla perspectiva possibilita-nos apreender, no plano interno, as identidades e identificações, os vínculos, os compartilhamentos, na linha de Melucci (1980). Mas chamamos a atenção para o plano externo, as relações e toda exterioridade que este olhar comporta, indo na direção do que Diani e Bison (2010) chamam de coalizão. Registre-se que o conceito de movimento social formulado por Diani na década de 1990 nos auxilia. Ele os define como “redes de interação informal entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organizações, engajados em conflitos políticos e/ou culturais, com base em identidades coletivas partilhadas”. (Diani, 1992, p 3). Se atentarmos para os aspectos principais que ele assinala nas ações de um movimento, teremos indicadores de como apreender seus componentes, a saber: 1) redes informais de interação; 2) crenças compartilhadas e solidariedade; 3) uma ação coletiva em assuntos conflituosos; e 4) uma ação que se manifesta amplamente fora da esfera institucional e dos procedimentos rotineiros da vida social. Em outra publicação de Diani (2003), ele oferece suporte teórico mais detalhado sobre como se formam as redes interorganizacionais e suas repercussões no que se refere à construção de alianças, à troca de informações, ao compartilhamento de recursos e ao pertencimento múltiplo de membros.
Ou seja – quer sejam destacadas as formas das ações coletivas nos repertórios (protestos e outros) ou as características dos atores e ainda as propriedades estruturais do conflito presente nas demandas, a interação entre redes interpessoais e interorganizacionais ocorre, tanto no interior de um movimento como no exterior do mesmo, gerando muitas vezes um caráter de anti-institucionalidade, ou de compartilhamento institucional. No caso do movimento dos indígenas, estes fatos são marcantes. Pelo modo e visão de mundo que organizam suas vidas, configurando uma cosmovisão, o anti-institucionalismo é bem forte internamente. Mas, para atingirem seus objetivos de resistência e resiliência às investidas contra seus direitos – já adquiridos ou a alcançar ainda –, a questão da relação com as instituições públicas, com os poderes instituídos, particularmente o Poder Judiciário, é estratégica e crucial.
Para os indígenas não se trata de lutar apenas pela terra, em um dado seu território, mas lutar pela sua existência, sua cultura, sua civilização, seus lugares de ancestralidade, lugares onde foram enterrados seus entes, onde habitam os ‘deuses’ de suas crenças. Para muitas nações dos povos indígenas, a água é elemento muito importante, porque garante a vida num dado território. O tempo para eles é circular e holístico (Munduruku, 2012). Por isso denomino as lutas dos povos indígenas como “resistir para existir”. Os indígenas têm na terra e na floresta a base de sua existência e reprodução, eles buscam resistir para existirem, contra a expropriação e a violência, através da auto-organização em movimentos sociais que visam constituir uma nova territorialidade (Becker, 2013). A resistência pode acontecer de diversas formas. Resistir é um processo material, com indígenas lutando para retomar controle de suas terras. E é também é um processo social, através do diálogo e do apoio mútuo, em questões cotidianas ou questões que envolvem o campo jurídico, dos direitos.
Na análise dos dados a partir de fontes primárias advindas dos próprios indígenas, destaco o número de lideranças indígenas que transformaram suas experiências em potentes escritas e análises, tornando-se referencias internacionais na área, a exemplo de Davi Kopenawa (Kopenawa & Bruce, 2015); Ailton Krenak (2000, 2019, 2020ª, 2020b); Eliana Potiguara (2019); Marcos Terena (Terena & Feijó, 2002). Indígenas jovens adentraram à universidade, fizeram teses e dissertações e tornaram-se referencias e/ou lideranças políticas do movimento e de suas organizações, a exemplo de Munduruku (2012); Belfort Sales (2006); Deparis, (2007); além de teses de não indígenas como Ortolan (2006), Ascenso (2021) e outros. É interessante observar o número de estudos acadêmicos nas áreas do Direito (envolvendo questões de demarcações) e na área da educação (educação escolar indígena etc.), assim como o número de lideranças jovens indígenas que chegam aos bancos universitários nos últimos anos, também nas áreas do Direito e da Educação.
Antecedentes: a luta dos povos indígenas até a Constituição de 1988
A luta dos povos indígenas no Brasil, enquanto movimento social estruturado e com voz na cena pública, nos moldes que se apresenta na atualidade, estruturou-se após 1970; mas. do ponto de vista jurídico, ela tem mais de um século. Bicalho (2019) relembra-nos que o Código Civil de 1916 incluiu os indígenas no grupo de pessoas com “incapacidade civil relativa” e acrescenta: “os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do país” . Entretanto, a Constituição de 1988 questionou o sentido da tutela e reconheceu aos índios o direito de se organizarem e de conduzirem suas reivindicações de maneira direta, sem a intervenção do Estado, o que, na prática, tem sido conquistado gradualmente, com o Novo Código Civil – Lei no 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
Em 2013, Ailton Krenak, em entrevista para Sergio Cohn disse:
quando o Brasil descobriu que podia se destruir do ponto de vista ambiental, porque o Brasil vira um canteiro de Transamazônica, de Perimetral Norte [...]. Aquela imensa tragédia que estava anunciada para a cabeça dos índios em todos os cantos da bacia Amazônica provocou um despertar de índios que ainda estavam acendendo fogo com palito, girando vareta na mão, e índios que estavam fazendo curso universitário em Brasília, bolsa de estudos da Funai, ou que estavam com algum contato privilegiado com informação sobre os brancos, sobre os instrumentos dos brancos, governança e tudo. E eu me juntei com essa geração, a primeira geração de índios que estavam sendo expulsos das suas origens para uma espécie de convergência não programada de ideias. Foi isso que permitiu que um menino Xavante, outro Bororo, Guarani ou Kaingang, uns com alguma diferença de seis anos, dez anos um do outro, mas todos com experiências próximas, começassem a cerrar fileiras numa frente que a gente chamava de movimento indígena
(Krenak, 2015, p. 242-243).Bicalho (2019, p. 37) afirma que o processo histórico de surgimento, estruturação e organização do movimento indígena no Brasil foi marcado por cinco acontecimentos que delinearam o protagonismo indígena na luta por direitos específicos: as assembleias indígenas; o decreto de emancipação de 1978; a Assembleia Nacional Constituinte de 1987/Constituição de 1988; as comemorações dos 500 anos do Brasil; e o Abril Indígena/Acampamento Terra Livre, já no século XXI. Bicalho (2019, p. 145). prossegue:
entre os anos de 1978 e 1980, as lutas contra os projetos do regime militar de emancipação compulsória dos índios, e de definição de “critérios de identidade étnica” acabaram representando um marco histórico no processo de articulação entre o recém-formado movimento indígena e as forças progressistas de apoio à causa indígena.
Diante do exposto, pode-se notar que os interesses reais do governo militar na época, ao propor um projeto de emancipação, não era favorecer os indígenas, mas sim seus próprios anseios de desenvolvimento econômico a todo custo. Munduruku (2012, p. 195) destacou esta conclusão ao dizer que
O Movimento Indígena surge como uma resposta dos povos indígenas à lógica da destruição orquestrada pelo governo militar e que respondia a uma exigência do modelo econômico vigente, que tinha como base o desenvolvimento a todo custo. O enfrentamento que foi proposto passava por um sonho de autonomia, de autossustentabilidade, de autogoverno. E para que este sonho minimamente se conformasse, foi necessário o domínio dos instrumentais próprios do Ocidente, que foram trazidos, em grande maioria, pela escola e pelas instituições religiosas – aparelhos ideológicos do Estado - cada vez mais presentes nas aldeias indígenas brasileiras.
E completa, falando sobre o caráter educativo do Movimento Indígena brasileiro.
Talvez a maior contribuição que o Movimento Indígena ofereceu à sociedade brasileira foi a de revelar – e, portanto, denunciar – a existência da diversidade cultural e linguística. O que antes era visto apenas como uma presença genérica passou a ser encarado como um fato, obrigando a política oficial a reconhecer os diferentes povos como experiências coletivas e como frontalmente diferentes da concepção de unidade nacional
(Munduruku, 2012, p. 222).A luta dos povos indígenas na Constituição de 1988: atores e ênfase nos debates
Na Constituição de 1988, os direitos dos índios estão expressos em capítulos específicos (231 e 232, Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VIII, Dos Índios) com preceitos que asseguram o respeito à organização social, aos costumes, às línguas, crenças e tradições. Estes capítulos passaram a ser denominados ‘capítulos dos índios’ e os dispositivos constitucionais passaram a garantir, na lei, os direitos indígenas a suas culturas autóctones e suas terras, retirando-os da condição de tutelados para ser indígenas (Lacerda, 2008).
A fase pré-constituinte foi fundamental para a conquista de um capítulo específico na Constituição de 1988. Grupos de povos indígenas do Brasil acamparam em Brasília, foram ao Congresso e pressionaram, especialmente no auditório Nereu Ramos, onde realizavam até seus rituais culturais. A primeira proposta constitucional sobre os direitos indígenas foi construída basicamente pela UNI (União das Nações Indígenas) com o apoio da ABA (Associação Brasileira de Antropologia), Conage (Coordenação Nacional dos Geólogos), SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Cimi (Conselho Indigenista Missionário), Cedi (Centro Ecumênico de Documentação e Informação) e mais 11 organizações de apoio aos índios (Belleau, 2014). Tinham muitos aliados e apoiadores e a defesa de alguns parlamentares e representantes de suas organizações. Segundo José Carlos Saboia (deputado constituinte PMDB/MA), “a presença marcante e o discurso de Ailton Krenak na tribuna do Plenário da Constituinte criaram um espaço de ‘soberania’ do índio como interlocutor legítimo na transformação do Estado no Brasil. O índio tornou-se seu Constituinte.” (ISA, 2017). Ainda segundo Saboia, os capítulos referentes aos indígenas foram
aprovados com a condição básica de se negar o conceito de nação indígena defendido pelos índios, por várias instituições e constituintes que os apoiavam. O conceito de nação agredia a concepção dos órgãos de segurança nacional e os interesses estratégicos das grandes empresas mineradoras. Os constituintes decidiram que as terras ocupadas pelos índios se destinam a sua posse permanente, quer sejam demarcadas ou não
(ISA, 2017, entrevista com José Carlos Saboia).Fábio Feldmann (deputado constituinte PMDB/SP) apresenta-nos alguns elementos novos e diferentes sobre a participação dos indígenas na fase da elaboração da Constituição e os resultados alcançados. Diz ele:
O movimento indigenista se organizou muito bem para esse embate. Houve uma grande mobilização, uma grande organização, [..] A grande discussão era aculturados ou não aculturados, porque isso resolveria essa questão. O que eles diziam é o seguinte: o índio, no momento em que ele fica aculturado, alguma coisa absolutamente gelatinosa, ele perderia seus direitos enquanto indígena. Isso foi muito forte, foi defendido pelos militares. Era posição dos militares. É maluco você dizer o que é um índio aculturado. O índio que usa a roupa de branco é aculturado? O índio que usa computador? É uma forma muito maliciosa. Isso era para permitir constitucionalmente a retirada dos direitos indígenas. O entendimento de que as Terras Indígenas só poderiam ser demarcadas se estivessem ocupadas pelos índios na data da promulgação da Constituição não é um preceito constitucional, então?
(ISA, 2017, entrevista com Fábio Feldmann).O ex-deputado constituinte Luiz Carlos Seixas (PMDB/DF) acrescenta ao acervo de memórias resgatadas pelo ISA dois pontos que chamaram atenção.
O primeiro foi a necessidade de reconhecimento e demarcação de seus territórios. Essa era uma condição imprescindível e provocou, por sua própria complexidade, debates acirrados pois ameaçava interesses de madeireiros, mineradores, agricultores situados em Terra Indígena. A Constituição não estabeleceu propriedade indígena, mas reconheceu-lhes a posse, preservando os interesses da União de forma compatível com os interesses indígenas. O segundo aspecto que, de memória, guardo, foi a luta indígena pela preservação, valorização e reconhecimento de sua identidade. A ideologia dominante à época pensava na perspectiva de integração do indígena, de sua assimilação pela sociedade branca. Na Constituinte surgiu o orgulho indígena reivindicando seu reconhecimento. Daí, além da questão da terra, os indígenas lutaram e conseguiram o ensino em língua própria, o resgate educacional de sua história e a valorização efetiva de seus usos e costumes.
(ISA, 2017, entrevista com Luiz Carlos Seixas).Registra-se, novamente, o protagonismo das mulheres no período da Constituinte e elaboração da Constituição.
As primeiras pautas e reivindicações dos grupos organizados de mulheres diziam respeito à luta pela garantia de direitos básicos fundamentais, demandas como saúde, alimentação, educação e segurança. Dois exemplos dessa luta são, entre os anos de 1980 e 1990, o Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica (MPST) e o Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX).
(Milhomens & Gohn, 2023; Paiva, 2010).O movimento dos povos indígenas entre 2020-2022
A luta por direitos dos povos originários na década de 2020 coloca em evidência os interesses econômicos de agentes externos que se apropriam e exploram as áreas indígenas, são protegidos por alianças com grupos políticos com representação no Congresso Nacional – as tais bancadas BBB (Boi, Bala e Bíblia), nos dizeres da mídia. A questão é complexa e envolve inúmeros atores, interesses e problemas incluindo os garimpos ilegais, organizados em cooperativas e mecanizados (não mais o garimpo de indivíduos do passado, da “Serra Pelada”), as modernas mineradoras – voltadas para extração de cerca de 60 minerais, com destaque para o ouro; e os interesses do agronegócio e sua ‘fome’ pela contínua expansão e ocupação de terras, para criação de gado, cultivo da soja, milho etc. para exportação. Resulta a apropriação fundiária ilegal de terras indígenas. Lembrando ainda que as terras indígenas, especialmente na Amazônia, são fundamentais para conter o desmatamento. Em 2020 a pandemia fez aflorar também a desigualdade étnica e a falta de políticas ou atendimento emergencial aos povos indígenas no Brasil, especialmente nas terras indígenas isoladas, onde falta proteção sanitária. O poder judiciário foi acionado por movimentos e ONGs de apoio aos movimentos dos povos indígenas, após a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-APIB registrar, em julho de 2020, 19,7 mil casos de infectados e 590 óbitos pela Covid-19, em 31 terras de indígenas.
O Censo 2022 registrou que mais da metade da população indígena está localizada na Amazonia Legal, composta por 772 municípios de estados das regiões Norte, Nordeste (Maranhão) e Centro-Oeste (Mato Grosso). A região abrigava 867,9 mil indígenas, o equivalente a 51,2% do total no país (quase 1,7 milhão). Amazonas e Bahia concentram 42,5% do total dos indígenas, são também os maiores estados em termos de conflitos com os povos originários.
As queimadas na Amazonia deram visibilidade a vários povos indígenas que vivem na região assim como ao protagonismo de mulheres indígenas. No Alto do Rio Tapajós, no Pará, por exemplo, as mulheres estão na linha de frente da defesa do território de 2,7 milhões de hectares, onde vivem 13 mil indígenas. Donos de garimpos não indígenas invadiram e vandalizaram, em 25 de março de 2021, a sede da Associação das Mulheres Munduruku Wakoburun, em Jacareaganga, a 1.150 Km de Belém do Pará. Esta associação tem como uma de suas lideranças Alessandra Korap, que foi homenageada em 2020 com o Prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos, nos Estados Unidos. Pesquisa realizada por Lucas Milhomens (2018), orientada por mim, na região da Amazônia concluiu que existe hoje na Amazônia uma rede de movimentos sociais composta por atores locais, regionais, nacionais e internacionais responsáveis pela visibilidade e organicidade de lutas coletivas dessa região tão impactada pelos interesses do modelo capitalista (ver também artigo Milhomens e Gohn, 2018).
No mês de junho de 2021 ocorreram mobilizações de povos indígenas em atos em Brasília, que se transformaram em acampamentos, frente a julgamentos do Supremo Tribunal Federal sobre ações de reintegração de posse, no caso, de povos de Santa Catarina e, depois, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e outras. O que estava em pauta teve grande relevância para futuras demarcações, suspensas desde a posse de Jair Bolsonaro. O conflito girou em torno dos direitos fundiários dos povos originários. O que está em questão é o direito dos povos indígenas a suas terras originárias, anterior à constituição do próprio Estado brasileiro, direito já assegurado em legislações desde o período colonial (um alvará de 1º de abril de 1680, decorrente da Lei Imperial nº 601) e, na República, nas Constituições de 1934 e de 1988. Portanto um direito independente da demarcação, previsto na Constituição de 1988, que estipulava o prazo de cinco anos para a demarcação de todas as terras indígenas.
Ruralistas e defensores da ocupação de territórios indígenas passaram a pressionar para fazer valer o argumento da existência de um Marco Temporal, dado em 5 de outubro de 1988 pela Constituição. Alegam que os indígenas que não estavam em suas terras naquela data não teriam mais o direito sobre elas, ainda que elas possam ter pertencido a seus antepassados, com registros antropológicos certificados. Com isso, povos que foram expulsos e tiveram suas terras invadidas não teriam seus direitos restabelecidos, pois as invasões estariam legalizadas na versão da narrativa dos ruralistas e outros. Relatório divulgado em outubro de 2021 pelo CIMI- Conselho Indigenista Missionário, a respeito da situação dos povos indígenas em 2020, na pandemia, registrou que 832 das 1299 terras indígenas do Brasil, ou seja 64%, seguiam com pendências para sua regularização. Destas, 536 são reivindicadas pelos povos indígenas.
Paralelamente ao momento político de grande tensão criado pelo governo Bolsonaro, ao redor do 7 de setembro de 2021, a luta em defesa dos territórios dos povos indígenas transcorria nos tribunais e nas praças em Brasília. A APIB (Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil) mobilizou cerca de seis mil indígenas, reunindo representantes de 176 povos indígenas do Brasil que estavam acampados desde agosto de 2021 a dois quilômetros da Praça dos Três Poderes, no Acampamento Luta pela Vida, para pressionar o STF contra o Projeto de Lei 490 que institui um marco temporal para as terras indígenas. Segundo advogados (vários deles são indígenas que tiveram acesso ao ensino superior em cursos de Direito) e ONGs (nacionais e internacionais), trata-se de um direito originário, anterior à própria constituição do Estado brasileiro, direito independente da demarcação, conforme dito acima. Segundo o CIMI, há no Brasil 1298 terras indígenas. Dessas, 829 (63%) apresentam alguma pendência. A ‘teoria do Indigenato’ do direito originário e o conceito de terras tradicionalmente ocupadas (o conceito de tradicionalidade – forma como aquele grupo indígena se relaciona com dado território, independente de temporalidade) estão na própria Constituição de 1988. O vínculo territorial é muito forte, independentemente de o grupo ser mais fixo ou mais nômade (segundo suas diferentes culturas, pois os povos indígenas brasileiros não são homogêneos), em uma dada região territorial. Setores do governo do ex-Presidente Bolsonaro defendiam a interpretação de que, a partir de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição brasileira, a propriedade das terras é da União e os indígenas só podiam ter direito sobre terras que já estavam ocupadas até aquela data. Argumentava-se que, sem o marco temporal, não haverá agricultura no país. Estes conflitos criaram situações de insegurança nas quais diferentes grupos de indígenas recorreram ao STF, com a ajuda de ONGs, para assegurar seus direitos. Nessa conjuntura, após um ex-ministro ter ‘recomendado’ (em 2020) que deveria se ‘avançar a boiada’, a insegurança culminou com a indicação de um presidente da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) que não defendia os índios, ao contrário, atuava contra os indígenas, segundo brilhante exposição de Manuela Carneiro da Cunha, no 45º Encontro Nacional da Anpocs, em outubro de 2021. A autodeclaração como instrumento de posse levou à apropriação indevida de áreas dos indígenas por invasores das terras. O julgamento do Marco Temporal foi adiado em 2021 e o acampamento desmobilizado (retomaremos o caso ‘marco temporal’ quando da análise dos fatos em 2023). Registre-se ainda que a luta contra o marco temporal em 2021 teve, durante o período do acampamento em Brasília, o apoio de vários artistas e personalidades do mundo político-cultural e o apoio do movimento indígena norte-americano de resistência The Red Nation. Um de seus líderes é Nick Estes, da tribo Sioux que reúne índios das etnias Dakota e Iakota, do centro-oeste dos Estados Unidos, e é também professor da Universidade do Novo México, integrando a delegação da IP (Internacional Progressista). A IP pode ser considerada um movimento societário global e tem reunido, nos últimos anos, experiências de diferentes movimentos como o BLM (Black Lives Matter) e outros, formando articulações de apoio a várias lutas em diversas partes do globo. A IP conta com o apoio de personalidades do mundo artístico e cultural, como o filósofo camaronês Achile Mbembe, o ator Gael Garcia, a jornalista Naomi Klein, o senador americano Bernie Sanders, o guitarrista Tim Morello e outros.
Em 9 de março de 2022, em Brasília, ocorreu o Ato pela Terra convocado por artistas, em frente ao Congresso Nacional em protesto contra projetos de lei que desmontam a legislação ambiental, focalizando quatro pautas: terras indígenas, agrotóxicos, grilagem de terras e licenciamento ambiental. Do ato resultou um manifesto assinado por 232 organizações e movimentos socioambientais, que teve o apoio também da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil). O manifesto foi entregue ao Senado Federal, em sessão dos organizadores com o presidente da casa, Rodrigo Pacheco, e pedia: “que nenhuma proposta seja colocada em votação até que esteja alinhada com o que diz a ciência, com as demandas e necessidades das populações tradicionais e do campo e à luz da emergência climática que vivemos” (Caetano, artistas protestam..., 09/03/2022, p. B7). Registre-se, ainda em 2022, a grande frente de debates e exposição da situação dos povos indígenas feita por Sebastião Salgado, em São Paulo, com a monumental exposição de fotografias “Amazônia”, fruto de anos de trabalho do renomado fotógrafo brasileiro, residente atualmente na França. O Brasil deveria ter sido o local de abertura desta exposição mundial, mas, devido à Covid-19, ela foi adiada e apresentada antes em Londres, Paris e Roma. No Brasil, ela ocorreu na capital paulista, no SESC (Serviço Social do Comércio), unidade Pompéia, onde ocorreu, concomitantemente à mostra, um ciclo de debates, um ciclo de filmes de cineastas indígenas ou sobre questões de povos originários, e um concerto na Sala São Paulo, retomando composições de Villa Lobos e Philip Glass para a floresta amazônica. Todos os eventos comemoraram os 30 anos de homologação da terra indígena Yanomami – tema da mesa de abertura dos três eventos. As fotografias da exposição foram também publicadas em Caderno Especial da Folha de São Paulo. No passado, a fotógrafa Cláudia Adujar marcou história no Brasil com fotografias dos Yanomamis, suas lutas e lideranças como Davi Kapenawa; agora foi a vez de Salgado. Outras fotos publicadas na mídia sobre povos indígenas durante esse período de conflitos e pandemia emocionaram o país, a exemplo do índio Tawy Zoé, carregando seu pai Wahu Zoé nas costas, pela mata, durante seis horas para receber a primeira dose da vacina contra a Covid em um posto de saúde. O fato ocorreu em 2021, foi registrado pelo médico Eric Jennings, e compartilhada pela APIB (Serra, 07/01/2022). Em 2022, segundo o médico, não havia nenhum caso de Covid entre a etnia dos Zoé. A respeito da relação dos indígenas com o campo cultural, na atualidade destacam-se inúmeros coletivos culturais formados e autogeridos por indígenas e suas diferentes produções culturais (um grande tema para pesquisas).
Mas não apenas personalidades, celebridades e organizações internacionais apoiaram a luta dos povos originários no Brasil. As lideranças locais e o pool de entidades de apoio têm recorrido também a órgãos e normatizações internacionais tais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), considerado “o instrumento jurídico internacional mais importante de proteção dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais” (Suruí, 2022, 22 jul., p. A2). Txai Suruí, tornou-se mundialmente conhecida, durante a 26ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP-26), quando denunciou a violência contra os povos indígenas. Atualmente, é coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e do Movimento Juventude Indígena de Rondônia, colunista da Folha de São Paulo, e coprodutora do documentário Território2 sobre o povo uru-eu-wau-wau, de Rondônia, em 2021. Nos últimos anos Txai Suruí tornou-se uma das vozes mais respeitadas na geração de jovens ativistas indígenas e tem denunciado o ataque sistemático de desmonte dos direitos indígenas e seus territórios via Poder Legislativo, com o projeto de lei 490/2007, que acaba com a demarcação de terras indígenas, e o projeto de decreto legislativo 177/2021, que ataca diretamente a OIT 169 (ver Surui, 2022, 22 jul.). Registre-se, também, dentre as inúmeras novas lideranças indígenas mulheres, Alessandra Munduruku, do povo Munduruku que habita tradicionalmente a região do rio Tapajós, na região oeste do Pará. Em 2023, ela recebeu o prêmio Goldman Environmental nos Estados Unidos, considerado o mais importante para ativistas ambientais. Ela é a segunda mulher brasileira a receber o prêmio. Alessandra mobilizou os movimentos indígenas e conseguiu barrar a entrada de uma mineradora britânica chamada Anglo American que já tinha aprovação da Agência Nacional de Mineração (ANM) para explorar cobre em territórios indígenas do Mato Grosso e Pará. Esse movimento foi organizado por entidades que representam as populações indígenas: APIB do Brasil, COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e pela ONG Amazon Watch (ver Santos, 2023).
Em 2022, a questão dos indígenas volta às manchetes nacionais e internacionais via um crime – o assassinato de dois defensores dos povos originários da Amazônia: Bruno Pereira, indigenista e colaborador da Univaja (União dos Povos Indígenas), na Amazônia, e Dom Philips, jornalista inglês, em junho de 2022, repetindo-se o trágico destino de outras lideranças defensoras dos povos das florestas, como Chico Mendes (1988) e Wilson Pinheiro (1980), no Acre. O Vale do Javari é a terra indígena que concentra mais ‘povos isolados’ no mundo; são 19 em seus 8,5 milhões de hectares. Outra área da região, conhecida como Cabeça do Cachorro, na divisa com Colômbia e Venezuela, também é local de conflitos. Lá vivem 750 comunidades indígenas, de 23 etnias, em nove terras indígenas. A região está em luta em defesa de seus territórios, e suas organizações contestam na Justiça as atividades da ANM (Agência Nacional de Mineração), que promulgou requerimentos permitindo a exploração do ouro em terras do médio e alto rio Negro. É interessante observar que há conflitos de interpretação das leis também entre órgãos federais. A Justiça Federal no Amazonas determinou a invalidação de processos da ANM diante da ilegalidade de exploração de ouro e outros minérios em áreas de terras indígenas. A Constituição diz que uma lei deve prever as “condições específicas” para pesquisa e lavras nesses territórios, mas o Congresso nunca regulamentou. Há um vazio nos sistemas de controle dando margem para a ilegalidade. Somam-se a esse cenário as queimadas para ampliar área para criação de gado, e roubo da madeira. Mas não é só na região da Amazônia que ocorrem conflitos com os indígenas, noticiados pela imprensa e denunciados por organizações de defesa dos povos originários ou por comissões de direitos humanos ou pastorais. Entre 2018-2022 aumentaram os atos de violência contra os indígenas em várias outras regiões no Brasil, como aos Pataxós na Bahia. Áreas que estavam em processo de demarcação pelo governo federal tiveram seus processos paralisados, e suas populações indígenas postas sob ataques de homens armados, segundo denúncias feitas pela Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia. A omissão do Estado brasileiro, do poder público federal, transforma o que deveria ser um direito em um caso de polícia, com a Polícia Militar sendo acionada por caciques dos povos indígenas atingidos em busca de alguma proteção e inquéritos sobre mortes, incêndios criminosos, roubos etc. Relatório do CIMI (2022, p. 8) diz que, em 2021, o Brasil registrou 305 casos de invasão, exploração ilegal e danos a 226 terras indígenas, em 22 estados brasileiros. Um recorde, porque representa 180% em relação a 2018, data do relatório anterior, no início da gestão do governo federal de Bolsonaro. O relatório registra também 355 casos de violência contra indígenas, incluídos jovens e crianças, com assassinatos e estupros.
A luta dos indígenas no plano institucional: eleições, representações e novos espaços a partir de 2023
Em 2022, o processo eleitoral abarcou a participação de indígenas e chegou a ser noticiado até no exterior. O jornal inglês Guardian (Record number..., 2022, 29 ago.) publicou: “À medida que os ataques aos indígenas aumentaram sob Bolsonaro, 186 candidatos que se identificam como indígenas são registrados para participar da eleição. [...] A maioria deles está concorrendo a deputado estadual ou federal, e muitos estão entrando na política pela primeira vez”. Em 2018 foram 133 candidatos, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), houve, portanto, um crescimento de 40%, e percentual muito maior em relação a 2014, em que houve 85 candidaturas. Antes das eleições de 2022, o “Brasil elegeu apenas dois representantes indígenas para o congresso: Mário Juruna, do povo Xavante, em 1982, e Joênia Wapichana, do estado de Roraima, em 2018” (Record number..., 2022, 29 ago.). Lembrando também que Joênia foi a única representante dos indígenas na Câmara dos Deputados no Brasil, no período 2018-2022, eleita pelo Partido Rede de Roraima. Ela foi a segunda representação indígena na história do parlamento federal brasileiro; a outra foi, há 40 anos atrás, o cacique Mario Juruna, acima citado, eleito pelo PDT no Estado do Rio de Janeiro. Joênia foi a primeira mulher indígena a se tornar advogada no Brasil, em 1977 e, em 2011, obteve o título de Mestre pela Universidade do Arizona/USA. Foi também a primeira mulher indígena a fazer uma sustentação oral no Supremo Tribunal Federal, em 2008, em defesa da demarcação da Terra Indígena Raposa do Sol. É dela também o Projeto de Lei que alterou a nomenclatura do dia 19 de abril de Dia do Índio para Dia dos Povos Indígenas, sinônimo de povos originários (o projeto foi inicialmente vetado pelo Presidente Bolsonaro, mas depois o veto foi derrubado pelo Congresso, em sessão conjunta). Joênia não foi reeleita em 3 de outubro de 2022 devido às cláusulas relativas à proporção votos/partido – ela é do partido Rede RR e teve 11 mil votos. Joênia foi indicada em 2023 para dirigir a Funai no governo do Presidente Lula. Registrem-se ainda outras lideranças indígenas: Sonia Guajajara, originária da região nordeste do país, que já foi candidata a vice-presidente da República em 2018, pelo Psol/SP, e coordenadora da APIB, eleita para o cargo na Câmara Federal em 2022 e escolhida, em 2023, como ministra do novo ministério criado, o Ministério dos Povos Indígenas; Célia Xakriaba (Psol/MG). Sonia e Célia, do campo progressista, venceram com agenda antibolsonarista, que inclui o combate ao garimpo ilegal, a preservação da cultura dos indígenas e contra a tese do marco temporal de 1988. No campo progressista foram eleitos também, em outubro de 2022, mais três parlamentares que se autodeclaram indígenas. São eles: Wellington Dias (PT/PI) ao Senado, e Paulo Guedes (MG) e Juliana Cardoso (PT/SP) para a Câmara Federal. Registre-se, contudo, que, não só os progressistas conquistaram vagas nas casas do parlamento brasileiro. Os conservadores também elegeram como deputada federal a indígena Silvia Waiãpi, pelo PL (Partido Liberal), e Hamilton Mourão (Republicanos), vice-presidente da República 1918-2022, que nas eleições de outubro de 2022 se inscreveu como indígena. Mourão foi eleito para o Senado pelo Rio Grande do Sul.
O retorno do Marco Temporal em 2023
O Marco Temporal foi novamente pautado na Câmara Federal em maio de 2023 e passou a ser objeto de grande disputa entre diferentes alas daquele espaço legislativo. O projeto foi colocado para votação, em regime de urgência, Não detalharei aqui toda a trama que está por detrás da ‘urgência’ (o velho jogo político do toma lá dá cá), a luta política entre conservadores (especialmente a Frente Parlamentar da Agropecuária) e progressistas (frente de apoio ao governo Lula); o momento em que tudo isso ocorreu, no qual havia a necessidade e urgência de votar e aprovar outras medidas provisórias que estavam com tempo para se esgotar, como a que fez a reformulação da gestão federal e criou inúmeros novos ministérios; e a estratégia de votar na Câmara o tema antes do dia 7 de junho, marcado pelo STF para julgar o mesmo tema. Às vésperas da votação, a Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, fez um apelo em redes sociais, organizações e canais de apoio aos movimentos sociais, para a assinatura de um abaixo assinado contra o projeto.
O Projeto foi votado no dia 30 de maio de 2023 e aprovado por 283 votos a favor, 155 contra e uma abstenção. Uma vitória da bancada ruralista e derrota dos indígenas, ambientalistas e do próprio governo federal. O texto seguiu para o Senado, dando início a uma outra longa jornada de lutas. No dia da votação houve manifestações de indígenas em várias regiões no Brasil com destaque para a que ocorreu perto de São Paulo, com indígenas da aldeia Guarani ocupando a Rodovia dos Bandeirantes (uma das principais de acesso à capital paulista). Houve conflitos, bombas de gás jogadas pela polícia etc.
Segundo o entendimento da APIB, em reportagem publicada na Folha de São Paulo assinada por Thiago Resende e Julia Chaib Azevedo, o projeto:
também autoriza qualquer pessoa a questionar procedimentos demarcatórios em todas as fases do processo (inclusive os territórios já homologados), flexibiliza a política indigenista do não contato com os povos indígenas em situação de isolamento voluntário e reformula conceitos constitucionais da política indigenista.
Já o ISA (Instituto Socioambiental) afirma, na mesma entrevista a Resende e Azevedo, que a proposta é “uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil” e “poderá inviabilizar demarcações de terras indígenas”. Em síntese, a trajetória do movimento dos povos indígenas, no plano institucional, no segundo semestre de 2023, pode ser resumida nas seguintes etapas:
O Supremo Tribunal Federal pautou para 6 de junho de 2023 o exame da matéria, interrompida desde 2021 por um pedido de vista de um dos ministros. Na realidade, o tema retornou às discussões só em setembro de 2023.
Em 21 de setembro o STF derrubou a tese do Marco Temporal, declarando-se pela inconstitucionalidade da matéria.
Em 27 de outubro, o Senado aprovou o Projeto do Marco Temporal, em votação relâmpago, em regime de urgência, cinco horas depois de ter passado por discussão na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), na qual obteve placar de 16 x 10.
A votação final no plenário do Senado foi de 53 votos a favor e 21 contra.
O novo texto aprovado, além da tese do Marco Temporal, também cria dispositivos que flexibilizam a exploração de recursos naturais e a realização de empreendimentos dentro de terras indígenas.
Em 20 de outubro de 2023, o Presidente Lula assina o texto com 34 trechos vetados, inclusive o principal ponto, o Marco Temporal para demarcação das terras indígenas, foi retirado. Com isso, pela legislação vigente, o projeto seguiu para nova votação na Câmara.
Em 14 de dezembro de 2023 o texto foi analisado e votado na Câmara Federal e os vetos do Presidente Lula, inclusive o que institui a tese do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas, foi derrubado. Dessa forma os trechos vetados pelo Presidente foram novamente incorporados à Lei 14.701/23. A votação contra o veto do Presidente foi de 321 votos de deputados na Cãmara e de 53 no Senado. A votação a favor da permanência dos vetos do Presidente foi de 137 deputados e 19 senadores. A sessão foi acompanhada com protestos do movimento dos indígenas, do lado de fora da Câmara Federal. A imprensa foi impedida de entrar no plenário da Câmara. A votação ocorreu dois dias após o fim da CPOP28 (Conferência do Clima da ONU) ocorrida em Dubai, com a presença de inúmeros dirigentes e autoridades de diversos países, inclusive o Brasil, com o Presidente Lula, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, Marina da Silva, do Meio Ambiente etc.
A judicialização continuou. Do lado dos povos indígenas, novas pressões para que o STF mantenha o entendimento de setembro de 2023, e volte a derrubar o Marco. As pressões no sentido de o STF tratar a questão por via de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) têm sido debatidas pelos apoiadores das causas dos indígenas, sob o ponto de vista jurídico, porque a PEC poderia ser vista como inconstitucional por se tratar de um direito considerado fundamental pela Constituição, que não pode ser limitado porque tem características de cláusula pétrea – é uma garantia de existência para esses povos.
Observa-se, na trajetória de luta ao redor do tema do Marco Temporal, diferentes visões e projetos políticos e de vida em sociedade. O modelo desenvolvido pelos governos progressistas, a partir da Constituição de 1988, pautou os indígenas e seus direitos, incluiu a questão dos territórios como um direito, deixando em aberto as demarcações e incluindo áreas dos povos originários nos marcos de áreas de preservação. Mas, como o modelo desenvolvimentista neoliberal se alicerça na expansão do capital, na promoção de frentes de geração de emprego e renda, em políticas distributivas etc., as áreas dos territórios dos indígenas tornam-se fonte de cobiça e ocupação ilegal. A década de 2020 caracteriza-se como era das crises climáticas, desastres ambientais e debates sobre carbonos, busca de fontes de energia que substituam o petróleo como força motriz, fontes verdes, renováveis etc. Isso provoca uma reviravolta nas lutas dos povos indígenas, colocando-os como sujeitos e não apenas vítimas do modelo existente – como sujeitos relevantes para a solução dos problemas. Por isso a questão do Marco Temporal não envolve apenas uma luta por direitos da ancestralidade, mas uma luta que atinge conflitos da atualidade, contra o modelo neoliberal de acumulação e expansão do capital. Não se trata apenas de uma luta pela sobrevivência de formas de vida passada e da memória de antepassados, mas de uma luta de “figuração do futuro”, como foi citado antes. Ou seja, uma luta contra as formas de realização do capital na atualidade, mas também uma luta por um novo modelo de vida e vivência em harmonia entre todos os seres vivos, visíveis e invisíveis, como dito antes. Uma cosmopolítica de relação entre todos os seres humanos e todo o restante não humano. Uma luta que define identidades coletivas não na teoria, mas na sua prática de vivência e existência cotidiana, seus ecossistemas. Coloca-se a possibilidade de redefinir a política que caminha para o desastre, o ‘fim do mundo’, para um cenário de esperança. Tudo isso graças às lutas e resistências daqueles que têm sobrevivido à devastação, ao domínio e à subjugação.
A luta dos povos indígenas não se dá apenas para conquistar direitos, mas também para efetivar direitos já conquistados, mas de difícil efetivação tais como o registro de nascimento de seus filhos. O direito à autoidentificação e autodeclaração dos povos indígenas encontra-se consolidado no ordenamento jurídico brasileiro, seja na Constituição Federal ou nos tratados internacionais internalizados no Brasil, embora ainda ocorra resistência na efetivação desses direitos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) dispõem da Resolução Conjunta nº 3, de abril de 2012, para regulamentar o assento de nascimento de indígenas no Brasil, embora necessite de atualização, conforme demanda do CIMI.
Além das inúmeras dificuldades sofridas pelos indígenas na luta pelo território e pela sobrevivência, eles também enfrentam outras tantas para o registro civil de seus filhos recém-nascidos no Brasil. Alguns cartórios de registro recusam o nome escolhido pelos genitores ou exigem a apresentação do Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (Rani) para comprovação da origem indígena da pessoa (Gomes, Modesto & Nascimento, 2023, 6 nov.).
Considerações Finais
O movimento dos povos indígenas, na atual conjuntura brasileira, tem desempenhado papel relevante no cenário das lutas de resistência. Lutam para existir, resistem para existir. Nos últimos anos, com o desmatamento recorde na Amazônia e em outras partes do Brasil, os indígenas ganharam projeção na mídia, porque também são alvos desses desmatamentos em seus territórios, envolvendo também a questão do meio ambiente. A Amazônia entra em foco – os interesses econômicos na região, o garimpo ilegal, a extração da madeira e do ouro etc. Apreende-se na atuação das lideranças indígenas uma abordagem holística, em que os indivíduos que compõem o movimento, a ação etc. são considerados tão importantes quanto o problema demandado porque eles são parte constitutiva dele. Sem a água eles não sobrevivem, a água contaminada acaba com a pesca e retira seu alimento básico, o desmatamento intoxica, afugenta animais da caça, invade seus territórios de vivência e sobrevivência. Com isso, associações e lideranças indígenas, nacionais e regionais, com apoios de ONGs e lideranças políticas e da sociedade civil, têm tido a capacidade de buscar providências judiciais no país – junto aos Ministérios Públicos estaduais e no STF, assim como no TPI (Tribunal Penal Internacional). E aqui chegamos ao ponto destacado como um dos objetivos deste artigo – as lutas pela sobrevivência nos territórios dos povos indígenas e por sistemas de controles jurídicos democráticos, que garantam direitos já previstos ou a se adquirir, por vias constitucionais. A importância dos controles democráticos para implantar ou restaurar direitos, e como isso ocorre é um processo em que há uma historicidade, como afirma Touraine (1973). O que no passado era visto como ‘problema de índio’ passa a ser um problema para a sobrevivência dos humanos, dos animais e do meio ambiente geral. Sem mobilização, pressão e ações, frutos de um ativismo engajado, com múltiplos apoios na sociedade, a questão dos povos originários fica confinada aos locais onde ocorre e aos arquivos dos registros criminais. Loureiro (2002) nos alerta que os povos originários não foram tratados como atores sociais importantes nos processos de mudança gerados pela modernização. Como consequência, suas formas de vida e trabalho foram desestruturadas por um modelo de desenvolvimento socioeconômico que não usufrui do saber acumulado das comunidades tradicionais da região em relação ao uso dos recursos naturais da floresta (ver Cunha, 2024). Disso se extrai uma lição – a de que a produção do conhecimento precisa envolver os saberes dos povos originários, quilombolas, pequenos agricultores, segmentos populares nas cidades etc. Sistemas de controles democráticos devem ser construídos de forma dialógica, envolvendo aprendizagens mútuas; os saberes dos povos originários têm de ser valorizados e incorporados nos sistemas de regulação social. Sem eles, a injustiça e a barbárie avançam. Os povos indígenas norteiam-se por paradigmas solidários e harmoniosos com o meio ambiente, com bases fincadas em formas próprias de organização social, respeitam as relações com a natureza, o que contribui para a proteção e aumento da biodiversidade. Os indígenas têm na terra e na floresta a base de sua existência e reprodução, eles buscam resistir contra a expropriação e a violência, para existirem, através da organização em movimentos sociopolíticos e coletivos diferenciados, embasados em outras concepções de mundo, de vida, de espaço, tempo e de territorialidade. A água não é para eles apenas um recurso, é algo muito maior, ela dá origem a vida, é um elemento vital, fundante. São sujeitos coletivos fundamentais – como bem denominou Krenak no dia em que foi escolhido como membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2023.
A luta dos indígenas é uma luta planetária e humanitária, com inúmeras frentes, visando resistir para existir, abrangendo um campo de pesquisa em inúmeras áreas das ciências humanas, assim como outras áreas do conhecimento. Os movimentos dos indígenas buscam apoios institucionais públicos e de organizações não governamentais, especialmente contra interesses econômicos que visam dizimar grupos e nações indígenas. Retomamos aqui as premissas de Diani e Bison (2010), adotadas no referencial teórico deste texto, ao falarem de uma coalisão de interesses e que um movimento se constituiu como “redes de interação informal entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organização, engajadas em conflitos políticos e/ou culturais, com base em uma identidade coletiva partilhada” (Diani, 1992, p 3). Neste artigo demonstra-se que foi preciso constituir uma coalizão de forças de apoio às lutas dos povos indígenas, especialmente alianças identitárias deles, muitas vezes via suas lideranças, com organizações da sociedade civil que, juntas, acionam os poderes públicos, especialmente o judiciário, como no caso do Marco Temporal. A relação com as instituições públicas, com os poderes instituídos, particularmente o Poder Judiciário, tem sido estratégica e crucial.
Os movimentos dos indígenas formam uma identidade interétnica e configuram uma consciência interétnica. O conflito é a base que move os povos indígenas na luta por seus direitos; o conflito político/cultural existe não apenas entre os indígenas e os interesses econômicos de invasores e outros, e seus representantes nas casas legislativas do país, mas no interior do próprio movimento dos indígenas, porque ele não é homogêneo, como já foi dito antes, e não é um movimento, são muitos e plurais, com histórias, trajetórias, valores e costumes culturais e religiosos diversos. Eles formam uma coalizão identitária quando lutam por seus direitos, já conquistados e não cumpridos (demarcação de terras) ou ameaçados (Marco Temporal), ou a conquistar (especialmente parte da saúde e sanitarismo), incluindo nesta coalizão diferentes atores nacionais e internacionais, de forma a constituir uma rede, atuando pontualmente e com temporalidade variável, em função do objeto da luta em tela., numa sociedade baseada em redes de informação e de comunicação (Castells & Calderon, 2021). Conforme assinalamos no início deste artigo, a interação entre redes interpessoais e interorganizacionais ocorre tanto no interior do movimento dos indígenas como externamente ao mesmo, gerando muitas vezes um caráter de anti-institucionalidade – quando se unem entre si, como na APIB ou na COIAB, já citadas, ou com redes internacionais como The Red Nation ou a Internacional Progressista, movimento societário global – ou de compartilhamento institucional – quando se aliam a representantes eleitos nas câmaras legislativas para a defesa de seus interesses. Nos movimentos dos indígenas, as repercussões das redes interorganizacionais – tratadas por Diani (2003) no que se refere à construção de alianças, à troca de informações, ao compartilhamento de recursos e ao pertencimento múltiplo de membros – se altera conforme o contexto e a conjuntura política do país.
Ao longo do artigo registramos a atuação de várias mulheres indígenas em ações coletivas, especialmente nos movimentos e no papel de lideranças dos indígenas participando do processo político de representação em órgãos e cargos públicos. Um grande tema para aprofundamento e pesquisa futura específica.
Encerramos este artigo no início de 2024, no momento, com a derrota dos indígenas brasileiros na questão do Marco Temporal; mas, como já foi dito, trata-se de um processo. Há muito a acontecer, como recorrer novamente ao STF – que em 2023 derrubou a tese do Marco Temporal, declarando-se pela inconstitucionalidade da matéria; lutar por novo projeto de lei etc. Há outras questões graves em cena, como o aumento de mortes de indígenas na terra dos Yanomami, conflitos de terras em várias partes do Brasil, situações sanitárias e de saúde entre os povos indígenas, que necessitam de respostas e ações urgentes do poder público. Isso tudo leva a uma nova etapa e agenda de pesquisa, com várias indagações que podemos sintetizar em uma questão preliminar: o que está mudando e quais os principais impactos para os povos indígenas no Brasil, a partir de 2023, com a criação de um Ministério dos Povos Originários Indígenas e como os movimentos indígenas estão atuando e reestruturando suas ações coletivas nesse cenário?
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Notas