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Condições e possibilidades da pesquisa em sociologia no Brasil
Mariana Barreto
Mariana Barreto
Condições e possibilidades da pesquisa em sociologia no Brasil
Conditions and possibilities of sociological research in Brazil
Condiciones y posibilidades de la investigación sociológica en Brasil
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 12, e-rbs.1038, 2024
Sociedade Brasileira de Sociologia
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Resumo: A intervenção de Roger Bastide no I Congresso Brasileiro de Sociologia traz uma síntese, agrupada em quatro tópicos, sobre os problemas mais urgentes implicados no desenvolvimento da pesquisa em sociologia no Brasil, naquele ano de 1954. Sua contribuição reflexiva tem o mérito, apesar das conhecidas assimetrias, de não perder de vista a inserção do Brasil num quadro comparativo ampliado. A atualidade dos entraves identificados, bem como das “contribuições práticas” para superá-los, fazem do paper de Bastide um documento a ser sempre lido e relido.

Palavras-chave: Roger Bastide, sociologia, cientistas, interesses e financiamentos de pesquisas.

Abstract: Roger Bastide’s intervention at the First Brazilian Congress of Sociology, in 1954, draws up a synthesis, grouped into four topics, on the most urgent problems involved in the development of sociological research in Brazil at that time. His reflexive contribution has the merit, despite the well-known asymmetries, of not losing sight of Brazil’s place in an expanded comparative framework. Its capacity to identify the obstacles of the time, as well as its “practical contributions” to overcome them, make Bastide’s paper a document that should always be read and re-read.

Keywords: Roger Bastide, sociology, scientists, interests and research funding.

Resumen: La intervención de Roger Bastide en el Primer Congreso Brasileño de Sociología, en 1954, elabora una síntesis, agrupada en cuatro temas, sobre los problemas más urgentes que implicaba, entonces, el desarrollo de la investigación sociológica en Brasil. Su contribución reflexiva tiene el mérito, pese a las conocidas asimetrías, de no perder de vista el lugar de Brasil en un marco comparativo ampliado. Su capacidad para identificar los obstáculos de la época, así como sus “contribuciones prácticas” para superarlos, hacen del trabajo de Bastide un documento que se tiene que leer y releer siempre.

Palabras clave: Roger Bastide, sociología, científicos, intereses y financiación de la investigación.

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Artigos

Condições e possibilidades da pesquisa em sociologia no Brasil

Conditions and possibilities of sociological research in Brazil

Condiciones y posibilidades de la investigación sociológica en Brasil

Mariana Barreto
Universidade Federal do Ceará, Brasil
Revista Brasileira de Sociologia, vol. 12, e-rbs.1038, 2024
Sociedade Brasileira de Sociologia

Recepción: 15 Junio 2024

Aprobación: 03 Julio 2024

A seção Futuros passados da Revista Brasileira de Sociologia consagra-se à publicação de artigos que contribuam para a compreensão da história e apontem para perspectivas futuras, da/na sociologia brasileira. Isto é, a seção se dispõe a divulgar produções situadas em um tempo anterior mas carregadas de andamentos futuros. Isso nos faz lembrar que nas línguas em que o Futuro anterior é um tempo verbal gramaticalmente estabelecido, a ideia de probabilidade acompanha seus usos linguísticos de modo enfático. Logo, as hipóteses que podem ajudar a construir são iluminadas pela anterioridade de um passado.

A continuidade da seção acontece com a intervenção de Roger Bastide (1898 - 1974) intitulada Os problemas da pesquisa sociológica no Brasil, quando da realização do I Congresso Brasileiro de Sociologia, promovido pela Sociedade Brasileira de Sociologia, entre 21 e 27 de Junho de 1954 na cidade de São Paulo. Diante disso, poderíamos nos perguntar: ele teria apresentado um cenário de desenvolvimento da pesquisa sociológica brasileira distinto daquele experimentado hoje? Certamente sim, 70 anos separam ontem e hoje. Porém, a curta mas densa reflexão levada a efeito pelo conferencista denota inquietações postas naquele momento e repostas em nosso presente e, tudo leva a crer, em nossos futuros próximos; como, por exemplo, a persistência das assimetrias regionais e seus desdobramentos, incidindo sobre a própria existência da ocupação dos sociólogos face à escassez de recursos financeiros, à privação material de meios para realizar-se.

Além disso, ontem como hoje, experimentamos com frequência em nosso ofício (dividido entre trabalhos em sala de aula, desenvolvimento de nossas pesquisas individuais ou coletivas, reuniões em nossos grupos de estudos, em nossos encargos burocráticos, no exercício de nossas responsabilidades institucionais etc.) ataques à sociologia. Colocados por Bastide noutros termos, como “descrédito da pesquisa”, eles evocam o quanto a sociologia foi e é potencialmente vulnerável às demandas sociais, marca de suas suscetibilidades estruturais constitutivas de sua autonomia sempre relativa (Duval, 2022, p.77).

O que Bastide nos coloca à sua maneira evidencia que nossos futuros anteriores e próximos se inscrevem numa evolução mais ampla e mais larga para a sociologia – a ciência “improvável” desde seu surgimento, como observa o sociólogo Johan Heilbron (2020, p. 63). As questões suscitadas podem não ser exatamente as mesmas, mas os multiformes obstáculos à realização da autonomia da sociologia tomam contornos em seu esforço comparativo. Se hoje nos debatemos com as razões de ser da sociologia e seus fundamentos – constrangidos muitas vezes pelos detratores da disciplina, pelas “ideologias científicas que inflacionam o mercado”, pela atenção às demandas sociais, pelo atendimento à “clientela profana”, pelas coações políticas, que sempre nos colocam, ao menor esforço de resistência, como não suficientemente úteis à sociedade (Duval, 2022, p. 77) –, a apresentação esquemática do autor, inserindo o Brasil em um quadro de práticas classificadas por ele como mundiais, só revigora a atualidade e eficácia de sua intervenção, na medida em que não deixa de apresentar sugestões práticas para o aprimoramento da pesquisa no Brasil. Sua síntese comparativa pode ser concebida nos seguintes termos:




Fonte: Bastide, 1955, p. 81-84.

Como mencionado, os quatro grupos de problemas elencados pelo sociólogo francês expressam a fragilidade estrutural da sociologia, quer seja em relação às demandas sociais e/ou às formas de financiamento. No entanto, Bastide chama à reflexão e ao debate questões próprias, internas a uma ciência que é naturalmente uma atividade social. Na busca por consolidar-se, fazer evoluir suas instituições numa vastidão territorial assentada em realidades regionais muito distintas (por isso mesmo efetivamente assimétricas) mas abrigadas em torno da construção de uma unidade, por que não pensar na fabricação de uma tradição nacional a partir de esforços coletivos?  Claro em suas “sugestões práticas”, suas questões são questões políticas, mais precisamente, pode-se afirmar que são questões de política científica (Heilbron, 2008).

Se as demandas sociais por serviços técnicos ou simbólicos se apresentavam e se apresentam, o estímulo prático para a realização do ofício do sociólogo não encontrou e nem parece que encontrará lugar nos espaços da heteronomia. A insistência do autor sobre a sistematização conceitual das pequenas realidades empíricas descritas pelas microssociologias, avançadas no período, parece não deixar dúvidas quanto a isso. O que aponta para outra caraterística intrínseca aos modos de regulação da pesquisa científica. A sistematização conceitual reclamada não é fruto de trocas generosas entre pesquisadores que trabalham orientados a um mesmo fim. Muito pelo contrário, é produto das lutas entre os pares, dos enfrentamentos para imposição de normas concorrentes (Duval, 2022, p. 79). Insinua-se o princípio da reflexividade como contenção possível à porosidade da sociologia em relação ao exterior.

À leitora e ao leitor, desejo boa leitura, esperando não ter cometido anacronismos nestas poucas linhas de apresentação. Desejo fortemente, que sua consulta a Os problemas da pesquisa sociológica no Brasil seja regular, que ela permaneça ainda por muitos anos, intervindo junto às análises ligeiras, aos conselhos e opiniões dos experts, aos desarranjos entre problemas sociais e problemas sociológicos, às profecias que tantas vezes ocupam os lugares das práticas de pesquisa em ciências sociais.

Os problemas da pesquisa sociológica no Brasil1
Roger Bastide

Insistimos o bastante sobre as dificuldades específicas que apresenta a pesquisa no Brasil – extensão do país, lacunas bibliográficas, lacunas de dados estatísticos sobre o passado, resistência dos pesquisados aos pesquisadores, individualismo dos cientistas brasileiros – para considerarmos útil voltar a elas mais uma vez. Sobretudo porque algumas dessas dificuldades se encontram em muitos outros países; porque algumas dentre elas estão em vias de desaparecer e porque no dia em que houver uma colaboração mais estreita entre estatísticos e sociólogos, estes últimos saberão como delimitar exatamente os grupos representativos dos diversos setores sociais – o Brasil não terá mais nada a invejar das outras nações. Gostaríamos, portanto, de examinar aqui somente para onde conduzir a pesquisa sociológica brasileira no conjunto da pesquisa mundial. Parece-me que podemos definir em bloco o estado atual da pesquisa sociológica no mundo, da seguinte maneira:

  1. 1. O interesse atribuído a tal ou tal objeto de pesquisa varia segundo os países e épocas, pois está sempre mais ou menos vinculado a um interesse prático. Isto é muito claro, por exemplo, nos EUA, onde as pesquisas em psicologia social passaram, de 1949 a 1953, de 116 a 61; aquelas sobre casamentos, de 77 a 46; aquelas de comunidade, de 46 a 25; e, mesmo, aquelas de sociologia industrial de 56 a 48; enquanto, ao contrário, as pesquisas sobre organização social cresceram de 10 para 36 e aquelas em antropologia de 12 para 21.
  2. 2. As pesquisas de campo tornaram-se mais dispendiosas. Elas não podem mais ser deixadas a cargo da boa vontade deste ou daquele indivíduo. Cada vez mais, elas são financiadas por instituições privadas ou públicas e elaboradas por comitês especializados. Devemos distinguir, deste ponto de vista, os países como os EUA, onde as pesquisas são subvencionadas por organismos variados e os países como a França, onde as pesquisas são centralizadas sob o controle do Estado, no Centre d’Études Sociologiques.
  3. 3. O problema que mais preocupa os sociólogos é aquele de vincular a sociologia teórica e a sociologia empírica. Elas se desenvolveram independentemente e é necessário, agora, encontrar um sistema de conceitos apto à sistematização tanto daquilo que já foi feito quanto daquilo que virá a ser descoberto. Até o presente este problema não foi resolvido; mesmo quando se tentou, como no último Congresso Internacional de Sociologia, fazer uma pesquisa mundial sobre a estratificação social, os resultados não foram comparáveis, em razão da ausência de uma regulamentação comum dos conceitos.
  4. 4. É em grande parte este sentimento de uma distância entre a sociologia teórica e a pesquisa existente nos EUA que conduziu, senão a um certo descrédito da pesquisa (em 1953, 641 pesquisas, contra 779 em 1949), pelo menos a uma tendência à microssociologia, ao estudo de pequenos grupos, sobre os quais podemos fazer experiências: em uma palavra, a substituição da sociologia dita empírica por uma sociologia dita experimental.

Em relação a estas quatro características, qual é a situação do Brasil?

  1. 1. É evidente que cada país tem o direito e o dever de escolher o tipo de pesquisa que lhe parece mais útil ou mais fecundo, dadas suas condições particulares. Na França, por exemplo, onde a industrialização deve recuperar a forte handicap da Guerra e onde a luta de classes é aguda, os estudos de sociologia industrial ou de morfologia social parecem dominar, enquanto no Brasil, país essencialmente agrícola, multiplicam-se os estudos de comunidade. Todavia, é preciso que eu faça aqui algumas observações: mesmo sendo necessário multiplicar os estudos de comunidades; mesmo sendo por vezes útil revisar o estudo já feito sobre uma comunidade, o fato é que, no Brasil, onde há tanto a descobrir, não se deve fazer estudos de comunidade em prol dos estudos de comunidade.2

    Penso, particularmente, na tentação de meus alunos da faculdade que são nomeados professores no interior e logo afirmam – “já que estou aqui, farei um estudo de comunidade” – enquanto o importante não é fazer um estudo a mais, mas saber se o lugar onde nos encontramos apresenta características específicas, alguma coisa de especial e inédita em relação às outras pesquisas já feitas. Só é necessário realizar um estudo de comunidade quando este estudo apresenta alguma coisa de especial ou de nova em relação aos precedentes, ou se utilizamos uma nova abordagem para a questão. Por outro lado, basta olhar para os 25 grupos de pesquisa definidos nos EUA para ver as lacunas da pesquisa brasileira; daí uma mudança necessária na política de bolsas. Os bolsistas deveriam ir não sempre às mesmas universidades, mas para onde sejam capazes de aprender novas técnicas e orientar-se para novos objetos de pesquisa.

  2. 2. A pesquisa, no Brasil, deve ser centralizada ou não? A vasta extensão territorial e o perigo da interferência da política na pesquisa conduzem a um sentimento de descentralização; mas, por outro lado, esta centralização se faz. Enquanto o Rio tem sua Fundação Getúlio Vargas, a Bahia sua Associação para o Progresso da Ciência, Recife seu Instituto Joaquim Nabuco, outros estados estão na sua dependência e alguns não têm absolutamente nada. Parece-nos que o interesse da Sociedade Brasileira de Sociologia seria o de trabalhar junto aos respectivos governos para a criação, em cada Estado, de um Centro de Pesquisa, com orçamento fixo da parte do Estado e, naturalmente, a possibilidade de subvenção por indivíduos ou instituições privadas.
  3. 3. Não nos cabe aqui retomar a discussão entre a sociologia teórica e a sociologia empírica. Falta-nos tempo para examinar este grave problema e gostaríamos de permanecer no âmbito das contribuições práticas, dizendo somente que seria talvez interessante, no próximo Congresso Brasileiro de Sociologia, inserir em seu programa esta questão do esclarecimento dos conceitos relativos à pesquisa.
  4. 4. A quarta característica da pesquisa sociológica de hoje coloca também um problema geral, aquele de saber se pode existir uma verdadeira experimentação em sociologia e, se sim, qual é seu valor heurístico e seus limites.

    Não podemos abordá-lo nesta curta comunicação, mas, do ponto de vista prático, o único em que estamos situados (aquele de aperfeiçoamento das condições da pesquisa no Brasil, em que a pesquisa empírica precisa ser impulsionada ao máximo), a sociologia dita experimental tem um valor pedagógico insubstituível. Ela ensina a lentidão, a paciência, a dificuldade do controle, a necessidade de abandonar as hipóteses de trabalho ao invés de as impor aos fatos – o que é a grande tentação da pesquisa puramente empírica –, ao mesmo tempo que familiariza os espíritos ao método indutivo. Portanto, ela é uma excelente propedêutica à pesquisa, mesmo de campo. É por isso que nós consideramos favoravelmente a criação de laboratórios de sociometria e de sociologia experimental em nossas Faculdades de Filosofia, onde trabalhariam os estudantes do quarto ano e da Especialização.

Material suplementario
Referências
Duval, Julien. (2022). À propos de l’autonomie de la sociologie. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, (243-244), 74 - 85.
Heilbron, Johan. (2020). La Sociologie Française. Sociogenèse d’une tradition nationale. (trad. Françoise Wirth). Paris : CNRS Éditions, 334p.
Heilbron, Johan. (2008). Qu’este-ce qu’une tradition nationale en sciences sociales? Revue d’Histoire des Sciences Humaines, (18), 3 - 16.
Ianni, Octavio. (1961). Estudo de comunidade e conhecimento científico. Revista de Antropologia, 9 (1-2), 109-119. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1961.110417
Oliveira, Nemuel da Silva, & Maio, Marcos Chor. (2011). Estudos de comunidade e ciências sociais no Brasil. Sociedade e Estado, 26 (3), 521-550. https://doi.org/10.1590/S0102-69922011000300006  
Sociedade Brasileira de Sociologia. (1955). Les problèmes de la recherche sociologique au Brésil. In: Anais do I Congresso Brasileiro de Sociologia. São Paulo, 21-27 junho, 1954. (p. 81-84). (Comissão de publicação: Antônio Cândido de Mello e Souza, Florestan Fernandes e Oracy Nogueira), SBS.
Notas
Notas
1 Intervenção de Roger Bastide no I Congresso Brasileiro de Sociologia, promovido pela Sociedade Brasileira de Sociologia, de 21 a 27 de junho de 1954, na cidade de São Paulo. Publicado em: [Tradução Mariana Barreto].
2 Para uma boa e pronta introdução à história dos estudos de comunidade no Brasil ver:  Oliveira e Maio (2011). E, para um excelente balanço crítico sobre o tema ver Ianni (1961). [Nota da tradutora].
Notas de autor

mariana.barreto@ufc.br




Fonte: Bastide, 1955, p. 81-84.
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