Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
“Homem é tudo igual!”: relações de gênero e economia dos afetos no arquipélago de Cabo Verde, África
Andréa de Souza Lobo; Francisco Paolo Vieira Miguel
Andréa de Souza Lobo; Francisco Paolo Vieira Miguel
“Homem é tudo igual!”: relações de gênero e economia dos afetos no arquipélago de Cabo Verde, África
“Men are all the same!”: Gender relations and economy of affections in the archipelago of Cape Verde, Africa
Anuário Antropológico, vol. 45, núm. 1, pp. 192-212, 2020
Universidade de Brasília
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Pretendemos, neste artigo, abordar os processos de construção de masculinidades no arquipélago de Cabo Verde tomando como via de acesso as relações afetivas hétero e homossexuais. Partindo da afirmação que está no título, ouvida com frequência tanto por mulheres heterossexuais quanto por homens gays, buscaremos demonstrar como os caminhos pelos quais a masculinidade se constrói nesta sociedade coloca as relações afetivas em um limiar delicado e permeado por símbolos negativos quando expressas por essas mulheres heterossexuais e homens gays: do não público, do não romântico, do não íntimo e do quase exclusivamente sexual. A partir dos dados etnográficos aqui analisados, desenvolvemos dois argumentos centrais para pensar masculinidades: 1) que o modus operandus dos homens com os gays não passa somente pela noção de vergonha, mas por um ethosmasculino mais geral; 2) que não é suficiente pensar o papel do homem apenas como cônjuge, mas também como irmão e, principalmente, filho.

Palavras-chave:AfetoAfeto,MasculinidadeMasculinidade,LGBTLGBT,DádivaDádiva,ConjugalidadeConjugalidade,GêneroGênero,IntimidadeIntimidade,Cabo VerdeCabo Verde.

Abstract: In this article, we intend to approach the processes of construction of masculinities in the Cabo Verde archipelago taking as access route the heterosexual and homosexual affective relationships. Based on the statement in the title, often heard by both heterosexual women and gay men, we will seek to demonstrate how the ways in which masculinity is built in this society places affective relationships on a delicate threshold permeated by negative symbols when expressed by them, heterosexual women and gay men: non-public, non-romantic, non-intimate and almost exclusively sexual. From the ethnographic data analyzed here, we develop two central arguments for thinking masculinities: 1) that the modus operandus of men with gays is not about shame, but for a more general male ethos; 2) that it is not enough to think of the role of man only as an husband, but also as a brother and, especially, a son.

Keywords: Affection, Masculinity, LGBT, Gift, Conjugality, Genre, Intimacy, Cabo Verde.

Carátula del artículo

Artigos

“Homem é tudo igual!”: relações de gênero e economia dos afetos no arquipélago de Cabo Verde, África

“Men are all the same!”: Gender relations and economy of affections in the archipelago of Cape Verde, Africa

Andréa de Souza Lobo
Universidade de Brasília, Brasil
Francisco Paolo Vieira Miguel
Universidade de Brasília, Brasil
Anuário Antropológico, vol. 45, núm. 1, pp. 192-212, 2020
Universidade de Brasília
Introdução

Tendo como pano de fundo nossas pesquisas realizadas entre casais heterossexuais e homens gays no arquipélago de Cabo Verde[1], buscaremos: 1) analisar a economia dos afetos das relações heterossexuais a partir da percepção de que há íntima relação entre afeto e troca no contexto familiar, ou seja, é pelas tensões e interconexões entre afeto, desejo e trocas materiais que se constroem intimidade e, sobretudo, o sentimento de “ser família”, sendo o homem um ator que tensiona um sistema que tem por base a reciprocidade; 2) Nas relações homoeróticas, por sua vez, se a performance de gênero dos homens permanece semelhante àquela das relações heterossexuais, a impossibilidade tanto formal quanto prática de fazer cônjuges e família lança novos desafios para a análise. Tal tensão ganha outras proporções quando, às noções locais de conjugalidade, somam-se ideais românticas associadas a um dito “padrão europeu”, que coloca as coisas nos seguintes termos: quando contrastados a uma imagem idealizada dos “homens da Europa”, os cabo-verdianos “não servem”[2].

Ao afirmarem que “homem é tudo igual”, mulheres e gays parecem manifestar seu descontentamento com um modelo de masculinidade que permite aos homens viver relações poligâmicas (sem maiores repercussões de ordem moral), participar esporadicamente de uma lógica de reciprocidade local e se distanciar de um tipo de comportamento esperado em relações percebidas como ideais, ou seja, com apoio financeiro e afetivo mútuo, coabitação, cuidado com os filhos e algum “romantismo”. De formas ora distintas ora semelhantes, mulheres heterossexuais e homens gays cabo-verdianos apontam para a ausência do homem no âmbito doméstico e sua relutância em aderir a valores associados a um ideal de relação afetivo-conjugal.

Antes de prosseguir, faz-se necessário precisar alguns pontos. Primeiro, estamos de acordo com diversos estudos que vêm apontando acertadamente que as construções, tanto das masculinidades quanto das feminilidades, são processos complexos nos quais as relações entre mulheres ou entre homens - e não apenas aquelas entre os sexos - têm tanto ou mais a revelar sobre tais identidades de gênero e a constituição de pessoas no mundo. Neste artigo, todavia, não vamos abordar esse debate, uma vez que nossa questão inicial tem como ponto de partida as relações amorosas e/ou sexuais. O movimento que pretendemos realizar aqui é o de pensar para além da reciprocidade familiar atualizada prioritariamente pelas mulheres, ou seja, pensar como relações de troca e reciprocidade, tão essenciais ao universo familiar cabo-verdiano, atualizam-se nas relações afetivo-sexuais entre homens e mulheres e entre homens héteros e homens gays. Portanto, o universo do masculino constrói-se, em nossa narrativa, pelas reflexões delas e deles, pares sexuais destes homens, com o intuito de colocar em questão algumas figuras arquetípicas que surgem neste contexto.

Isto nos leva ao segundo ponto. Uma das figuras que vamos abordar aqui está expressa no próprio título deste capítulo. O homem cabo-verdiano que não é sério, que “não presta” e que “é tudo igual” é certamente um tipo genérico, uma figura muito difundida, comum às diferentes classes sociais e fixada nas representações de gênero que veiculam. Como demonstraremos nas páginas que seguem, a “falta de seriedade” associada ao homem cabo-verdiano pode assumir significados distintos, mas costuma estar associada à sua forte inclinação para a “natureza” ou para o “costume” (ou tradição) das relações múltiplas, para alguns, denominada poligamia informal. Finalmente, este tipo pode assumir facetas rudes, associadas ao não romantismo, mas também pode atingir extremos que chegam à violência física e/ou simbólica[3].

Por fim, é interessante chamar a atenção para a nossa proposta de abordar tais construções sobre o universo masculino através do olhar de seus pares sexuais e afetivos em relações hétero e homossexuais. Acreditamos que trazer a perspectiva dos gays não apenas complementa nossas imagens sobre o universo afetivo-sexual, mas amplia o debate para além de uma possível guerra entre os sexos (Castro, 2012). Salientamos, portanto, que nossa perspectiva não é de comparação, mas de complementaridade.

1. Trocas, afeto e família

Na introdução da coletânea Love in Africa, Jennifer Cole e Lynn Thomas (2009) chamam a atenção para a importância de colocar em contexto as análises sobre intimidade e amor, uma vez que as práticas de parentesco em constante mudança, as noções de gênero e as economias políticas estão intrinsecamente conectadas às formas como pensamos e construímos intimidades. Discursos contemporâneos, sentimentos e práticas de amor são produtos de processos históricos complexos e interseções (Cole; Thomas, 2009), e esses sempre devem ser observados por pesquisadores que se debruçam sobre o universo dos afetos e das relações íntimas.

A coletânea, em sua totalidade, responde a dois pontos importantes que permeiam a literatura africanista sobre família, parentesco e conjugalidades: a redução da intimidade africana ao sexo e a ideia de que emoções, intimidade e solidariedade familiar estariam (ou deveriam estar) em oposição aos intercâmbios econômicos, tratando-se de “mundos hostis” (Zelizer, 2005). Juntamente com outros estudiosos (Journet, 2005; Cole, 2005; Miller, 2010, Castro, 2012), os autores argumentam que, por mais que o senso comum ocidental oponha intimidades e trocas materiais, ambas estão profundamente conectadas em diversos cenários sociais, inclusive e sobretudo em contextos ocidentais.

O caso aqui analisado, o das relações no âmbito familiar em Cabo Verde[4], parece ser mais um exemplo etnográfico que pode reforçar o argumento dos estudiosos aqui citados, pois reciprocidade e solidariedade são conceitos centrais para se compreenderem as relações familiares nesta sociedade. A troca recíproca de alimentos, bens, objetos e cuidados é um fator fundamental na construção da intimidade familiar. Tais relações são profundamente marcadas por laços sociais alimentados cotidianamente pela partilha e pelas trocas de coisas, valores e pessoas, e o sentimento de pertencimento está vinculado a um conjunto de referências comuns e à participação em uma comunidade de prática.

As relações familiares em Cabo Verde podem ser caracterizadas por um comprometimento mútuo, por contatos sociais regulares e por um fluxo intra e inter-doméstico de benefícios materiais e não materiais (Lobo, 2011, 2014, 2014b ; Defreyne, 2016). Tais elementos são importantes para a construção do sentimento de proximidade e atuam no fortalecimento de laços parentais pré-existentes. Os vínculos de consanguinidade não seriam, portanto, irrevogáveis, precisando ser atualizados cotidianamente por pequenos atos de partilha de objetos, alimentos e de cuidados.

Pensamos aqui nos termos sugeridos por Mauss (1974), no que diz respeito ao princípio da vinculação de pessoas e coisas nas trocas realizadas, ou seja, a partir do princípio da dádiva, no movimento de dar, receber e da obrigatoriedade ideal de retribuir. O mecanismo da troca na esfera familiar cabo-verdiana colocaria em evidência o modo pelo qual as pessoas se relacionam com aqueles considerados mais próximos: por meio dos bens (tangíveis ou intangíveis) trocados cotidianamente. Portanto, tal como desenvolvido no pensamento de Mauss ao tratar da dádiva, propomos pensar tais relações de troca como relações de aliança num sentido mais amplo.

De forma breve[5], podemos destacar a mobilidade como um fator transversal que é parte da dinâmica familiar em diversos níveis: há constante partilha de coisas, alimentos, mensagens entre as casas, sendo esta última uma unidade central fortemente associada à mulher e às crianças; o homem, em sua posição de um próximo distante, incorpora uma dimensão do movimento como tensão, dada a incerteza sobre seu retorno (físico, financeiro, afetivo); finalmente, a emigração de homens e também mulheres, tão fortemente associada ao universo cabo-verdiano, intensifica não só as idas e vindas de pessoas, mas também trocas variadas e intensas que acabam por (re)produzir esse universo familiar em fluxos, em trocas (Lobo, 2014b ; Defreyne, 2016; Laurent, 2016).

As unidades domésticas, transversalizadas por esses múltiplos fluxos, são centradas na figura da mãe-avó. Apesar de operarem um ideal patriarcal, em que o homem exerce autoridade sobre o destino dos filhos e sobre o percurso de vida da mulher, na prática, elas têm um importante papel social e econômico, uma vez que os arranjos afetivos que predominam estimulam a circulação dos homens por várias unidades domésticas ao longo da vida adulta. O que queremos dizer é que as relações afetivas entre homens e mulheres, ainda que com filhos, têm por característica, num primeiro momento, a não fixação deste casal em uma união conjugal considerada estável: com residência compartilhada, divisão de tarefas no cuidado com as crianças e nas despesas financeiras.

Além disso, é frequente que o homem tenha simultaneamente relações sexuais e afetivas múltiplas, com mais de uma parceira, relações que também podem gerar filhos. Por fim, cabe ressaltar que os sentidos dados à masculinidade passam pela distância relativa do homem do universo doméstico, especialmente nos cuidados com as crianças. Tudo isso opera no sentido de conferir centralidade às mulheres no interior das famílias, posição reforçada pelas redes femininas de solidariedade e reciprocidade que conectam, no espaço e no tempo, casas e gerações por meio da partilha e da circulação de coisas, valores e pessoas.

Paralelamente, assim como as relações de parentesco devem ser obtidas, negociadas e alimentadas, as vidas dos indivíduos e suas posições no contexto familiar são decorrentes de escolhas, negociações e formas de participação nas trocas cotidianas, não devendo ser entendidas como devires inevitáveis e preestabelecidos dentro do sistema (Lobo, 2013). Captar este universo como um quadro composto por diversas possibilidades, em que as trajetórias dos indivíduos são múltiplas e suas posições são conquistadas a partir dos percursos de vida, é central para entender os lugares de homens e mulheres em relações afetivas e sexuais neste contexto, fazendo jus à heterogenia de suas experiências.

2. Afetividades e sexualidades: um homem e muitas ausências

É nesse cenário de partilha e trocas recíprocas que o homem é percebido em um lugar de proximidade distante, porque produtor de uma intimidade que carece de elementos essenciais para que seja plena, quando descrita pelo prisma de nossos interlocutores, mulheres hétero e homens gays. Conforme explicitaremos, os discursos desses dois grupos sobre o tal “homem cabo-verdiano” são coincidentes tanto em sua negativação quanto em sua própria vulnerabilidade diante dele. Porém, é importante notar que os desdobramentos das relações afetivo-sexuais entre homens-mulheres e “homens”-“gays”[6] têm implicações radicalmente distintas não somente em suas vidas, mas também nas possibilidades de construção de intimidades que ultrapassem o sexo.

É na tentativa de dar conta desta complexidade que convidamos o leitor para adentrar este universo em que o tecer e o romper da intimidade são constantes.

Material suplementar
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
BORDONARO, L. Masculinidade, violência e espaço público: notas etnográficas sobre o Bairro Brasil da Praia (Cabo Verde). Tomo – Revista do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Universidade Federal de Sergipe (UFS), n. 21, p. 101-136, 2012.
BRAZ DIAS, J. Entre partidas e regressos: tecendo relações familiares em cabo verde. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2000.
BUTLER, J. Gender trouble: feminism and the subversion of identity. New York: Routledge, 1999.
CASTRO, Julie. “Les filles sont trop matérialistes”: tensions et soupçons dans les transactions sexuelles au Mali. In: FASSIN, D.; EIDELIMAN, J.-S. (Eds.). Économies morales contemporaines. Paris: La Découverte, 2012. p. 309–330.
COLE, J. Love, money, and economies of intimacy in Tamatave, Madagascar. In: COLE, J.; THOMAS, L. M. (Eds.). Love in Africa. Chicago: University of Chicago Press, p. 109–134, 2009.
CONNELL, R. W.; MESSERCHMIDT, M. Hegemonic masculinity: rethinking the concept. Gender & Society, n. 19, p. 829–895, 2005.
COUTO, C. Estratégias familiares de subsistências rurais em Santiago de Cabo Verde. Lisboa: Instituto da Cooperação Portuguesa, 2001. (Coleção Teses).
DEFRAYNE, E. Au rythme des tambor: ethnographie des mobilités des gens de Santo Antão (Cap-Vert, Belgique, Luxembourg). 333f. 2016. Thèse (Docteure en Sciences Politiques et Sociales: Anthropologie) – Faculté des Sciences Économiques, Sociales, Politiques et de Communication, Université Catholic de Louvain, OttigniesLouvain-la-Neuve, 2016.
DROTBOHM, H. Horizons of long-distance intimacies: reciprocity, contribution and disjuncture in Cape Verde. History of the Family, n. 14, p. 132–149, 2009.
FORTES, C. M t’studa p’m k ter vida k nha mãe tem. Género e Educação em Cabo Verde. Revista Ciências Sociais Unisinos, v. 49, n. 1, p. 80–89, 2013.
FORTES, C. “Casa sem homem é um navio à deriva”: Cabo Verde, a monoparentalidade e o sonho de uma família nuclear e patriarcal. Anuário Antropológico, v. 40, n. 2, p. 151-172, 2015.
FRY, P. Da hierarquia à igualdade: a construção histórica da homossexualidade no Brasil. In: FRY, P. Para inglês ver: identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 87–115.
GRASSI, M. Rabidantes: comércio espontâneo transnacional em Cabo Verde. Lisboa: ICS, 2003.
JOURNET, N. L’ argent en famille. Terrain, Anthropology & Sciences Humaines, n. 45, p. 5–12, 2005.
LAURENT, P.-J. Famílias sob influência de leis migratórias dos países de acolhida: comparação das migrações cabo-verdianas nos Estados Unidos e na Itália. In: LOBO, A.; BRAZ DIAS, J. (Orgs.). Mundos em circulação: perspectivas sobre Cabo Verde. Brasília; Praia: ABA Publicações; EDUni-CV; Letras Livres, 2016.
LIMA, R. Thugs: vítimas e/ou agentes da violência? Revista Direito e Cidadania, v. 30, p. 191-220, 2010. (Edição Especial: Política Social e Cidadania).
LIMA, R. Bairros desafiliados e delinquência juvenil: o caso do bairro da Achada Grande Trás, mimeo., 2012.
LOBO, A. Tão longe e tão perto. Emigração feminina e organização familiar: Boa Vista-Cabo Verde. In: GRASSI, M. I. Género e migrações cabo-verdianas. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2007.
LOBO, A. Making familiar organization in Cape Verde. Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology, v. 8, n.2, p. 196–219, 2011.
LOBO, A. Tão longe tão perto: famílias e “movimentos” na ilha da Boa Vista de Cabo Verde. Brasília: ABA Publicações, 2014a.
LOBO, A. “Just bring me a little letter”: the flow of things in Cape Verde transnational family relations. Etnográfica, v. 18, n. 3, p. 461–480, 2014b.
LOBO, A. Crianças em cena: sobre mobilidade infantil, família e fluxos migratórios em Cabo Verde. Revista Ciências Sociais Unisinos, v. 49, n. 1, p. 64–74, 2013.
MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: Sociologia e Antropologia. v. II. São Paulo: Edusp, 1974. [Edição original: 1923-24].
MASSART, G. Masculinités pour tous? Genre, pouvoir et gouvernmentalité au Cap-Vert. Le foyer dans la spirale de l’ouverture et du changement à Praia. Revue Lusotopie, v. XII, n. 1-2, p. 245–262, 2004.
MASSART, G. The aspirations and constraints of masculinity in the family trajectories of Cape Verdean men from Praia (1989-2009). Etnográfica, v. 17, n. 2, p. 293–316, 2013.
MIGUEL, F. “Levam má bô”: (homo)sexualidades entre os sampadjudus da Ilha de São Vicente de Cabo Verde. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade de Brasília, Brasília, 2014.
MIGUEL, F. Levam má bô: (homo)sexualidades masculinas em um arquipélago africano. Curitiba: Prismas, 2016.
MILLER, D. Stuff. Cambridge: Polity Press, 2010.
MIRANDA, J. M. V. Constituição de masculinidades num contexto de crise do pescado: uma abordagem etnográfica em Rincão, Santiago, Cabo Verde. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade de Cabo Verde, Praia, Cabo Verde, 2013.
MURRAY, S. O. Male homosexuality in Guatemala: possible insights and certain confusions from Sleeping with the Natives. In. Out in the Field. Chicago: University of Illinois Press, 1996. p. 236–260.
RATELE, K. Hegemonic African masculinities and men’s heterosexual lives: some uses for homophobia. African Studies Review, v. 57, n. 2, p. 115–130, 2014.
RODRIGUES, C. A Homoafectividade e as relações de género na Cidade da Praia. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade de Cabo Verde, Praia, Cabo Verde, 2010.
RODRIGUES, I. P. As mães e os seus filhos dentro da plasticidade parental: reconsiderando o patriarcado na teoria e na prática. In: GRASSI, M.; ÉVORA, I. Género e Migrações Cabo-Verdianas. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2007. p. 123–146.
SÁEZ, J.; CARRASCOSA, S. Por el culo: políticas anales. Madrid; Barcelona: Editorial Egales, 2011.
STEFANI, S. Thug life e ativismo social: construções de masculinidades de protesto nos bairros populares da Cidade da Praia (Cabo Verde). Novos Debates, v. 2, n. 1, p. 19–28, 2015.
SILVA, C. F.; VIEIRA, M. S. (Orgs.). Género e sociabilidades no interior de Santiago, Cabo Verde. Praia; Porto Alegre: Edições Uni-CV; Editora da UFRGS, 2016.
SILVA, C. F. A Rede Sol e a Lei Especial contra Violência Baseada no Gênero: processos institucionais e narrativas de mulheres e homens em situação de violências conjugais em Cabo Verde. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Federal de Santa Catarina, 2018.
TRAJANO FILHO, W. The conservative aspects of a centripetal diaspora: The case of the Cape Verdean Tabancas, Africa, v. 79, n. 4, p. 520–542, 2009.
UCHENDU, E. Masculinities in Contemporary Africa. Dakar: CODESRIA, 2008.
VALE DE ALMEIDA, M. A chave do armário: homossexualidade, casamento, família. Florianópolis: Editora da UFSC, 2010.
ZELIZER, V. Intimité et Économie. Terrain, Athropologie & Sciences Humaines, n. 45, p.13–28, 2005.
Notas
Notas
[1] As reflexões aqui sistematizadas são resultado do diálogo entre dois pesquisadores da sociedade cabo-verdiana. Andréa Lobo tem se debruçado sobre o entendimento das dinâmicas familiares em contextos de fluxos migratórios, de valores, discursos e objetos nos últimos 15 anos. Suas pesquisas refletem sobre as configurações das relações familiares em uma sociedade marcada pelo movimento como valor, a partir de uma perspectiva que busca resgatar a profundidade histórica dos valores familiares em diálogo. A etnografia dos significados e práticas em torno do casamento aqui esboçada é, portanto, resultado de dados oriundos de seus esforços de pesquisa. Já Francisco Miguel apresenta aqui dados e análises relativos à pesquisa de campo realizada no Mindelo, na Ilha de São Vicente, que resultou em sua dissertação de mestrado. A pesquisa etnográfica centrou-se na homossexualidade e na homossociabilidade masculinas e no recente movimento LGBT naquele país.
[2] Agradecemos aos/às editoras/as e pareceristas do Anuário Antropológico pelos preciosos comentários que enriqueceram o texto.
[3] Sobre a violência baseada no gênero em Cabo Verde, ver a excelente tese de Silva, 2018.
[4] Cabo Verde é um arquipélago localizado no Atlântico e inabitado quando descoberto pelos portugueses em 1460. Sua efetiva ocupação se deu tardiamente e no contexto do comércio negreiro do continente africano para a Europa e as Américas. Seu processo de formação social é, portanto, resultado do encontro entre portugueses e africanos, dando origem a uma sociedade crioula marcada pela heterogeneidade. O país é historicamente caracterizado como uma sociedade de diáspora, dada a sua especialização histórica em exportar gente para o resto do mundo por meio da emigração. É nesse contexto que se estrutura um tipo de organização familiar com uma aparente ambiguidade – essencialmente patriarcal, mas com fortes características de matricentralidade (Monteiro, 1997; Braz Dias, 2000; Couto, 2001; Drotbohm, 2009; Fortes, 2013; Lobo, 2014a).
[5] Chamamos a atenção para o fato de que estas são características gerais apresentadas aqui no sentido de fornecer um panorama, um “tipo”. Certamente, não é nossa intenção traçar características do que poderia ser uma “família cabo-verdiana”, pois esta só pode ser entendida no plural, uma vez que não é homogênea, devendo ser dada devida atenção a variáveis de classe social, capital social, sem falar nas importantes variações entre as ilhas. Para uma análise detalhada desse universo familiar a partir da Ilha da Boa Vista, ver Lobo, 2014.
[6] Como veremos adiante, “homens” e “gays” são categorias localmente distintas, ainda que de um ponto de vista analítico ou linguístico, a primeira possa englobar a segunda.
[7] A expressão em crioulo está relacionada a ter sexo, mas no sentido de aliviar o desejo.
[8] As interlocutoras de pesquisa nas quais se baseiam as reflexões aqui esboçadas são mulheres de diferentes gerações – jovens, adultas e em idade madura, sobretudo de classes populares. Os dados foram coletados sobretudo junto a mulheres da Ilha da Boa Vista, entre os anos 2004 e 2005, mas complementados com pesquisas mais recentes na cidade da Praia.
[9] Ter com é uma expressão local que pode equivaler a namoro ou até mesmo a uma relação mais duradoura, com filhos, implicando ou não coabitação. Quando tal relacionamento gera filhos, são utilizados os termos pai-de-filho ou mãe-de-filho para se referir ao companheiro ou companheira com quem se partilha a criança. Tais expressões são utilizadas referencialmente, ainda que a relação afetiva já tenha se dissolvido. O termo casamento só é utilizado quando este se configura legalmente, ou seja, no papel.
[10] Tal como salienta a antropóloga cabo-verdiana Celeste Fortes, em seu artigo intitulado “Casa sem homem é um navio à deriva”, esta não parece ser uma opção ambicionada neste universo (Fortes, 2015).
[11] Lembramos que não estamos argumentando a favor da fixidez dos pares sexuais ou afetivos. Mulheres e homens trocam ou podem trocar de parceiros ao longo da vida. Estamos aqui no universo de caracterização, por tais mulheres, do universo masculino e de sua relação com ele.
[12] Certamente, a brutalidade pode atingir níveis de violência física. Infelizmente, não são raros os relatos de mulheres vítimas de violência doméstica. Para mais detalhes, ver, dentre outros, Silva e Vieira, 2016.
[13] Alguns trabalhos sobre jovens em contextos africanos têm colocado questões semelhantes a esta. Para os interessados em respostas possíveis, ver Ratele (2014) e Uchendu (2008).
[14] Aqui, teremos como interlocutores homens jovens, de 25 a 35 anos, de classes popular e média, originários, em sua maioria, da Ilha de São Vicente.
[15] A identidade traveste diz respeito não somente a classificações por intensidades de masculinização/feminilização dos corpos, mas também reverbera posições de classe. No geral, porém, as travestes são aquelas que nasceram com órgãos genitais masculinos, são pessoas mais pobres que, ao desejarem ser mulher, mantêm seus corpos ao máximo feminilizados e que advogam, por vezes, esta identidade para si. A grafia distinta pretende marcar não somente uma distinção fonética da língua crioula em relação à língua portuguesa, mas também demarcar que a identidade traveste se diferencia culturalmente das travestis brasileiras, por nunca terem seus corpos transformados por próteses de silicone e por tratamentos hormonais, tecnologias nem sempre desejáveis, não disponíveis localmente e inviáveis do ponto de vista econômico para elas. Para conforto do leitor, daqui em diante aparecerá sem grifo.
[16] Mandar boca é agredir ou provocar verbalmente alguém. Um dos xingamentos mais agressivos dirigidos ao homossexuais é “paneleiro”. Para mais detalhes sobre a dinâmica dessa e de outras abordagens entre homens no contexto da Ilha de São Vicente, ver Miguel, 2016.
[17] Ao analisar os grupos thugs de Cabo Verde, o antropólogo Bordonaro também aposta na explicação de crise da masculinidade (Bordonaro, 2012, p. 132). Fazendo uma análise diacrônica das performances de gênero de cinco homens praienses, Massart parece seguir o mesmo caminho, apesar de negar o conceito de “crise” (Massart, 2013, p. 311), assim como Stefani (2015, p. 22).
[18] Entre esses mesmos grupos thugs, porém, essa lógica da violência masculina adjetivada de “africana” fica clara nos depoimentos dos interlocutores de Bordonaro (2012, p. 21). Ver também os estudos de Lima (2010, 2012).
[19] Segundo Ratele (2014, p. 116), o medo de ser percebido como gay faz com que alguns homens africanos exagerem todas as regras tradicionais de masculinidade, o que concorreria para explicar o surto de homofobia recente no continente (p. 118).
[20] E ele mesmo responde, afirmando que observou mudanças geracionais em relação ao gênero, em Cabo Verde, nas últimas décadas. Os homens, observa, estão um pouco mais preocupados com os filhos, mais carinhosos com os amigos e com as mulheres e até aceitando melhor a homossexualidade, algo antes “impensável” (Massart, 2013, p. 313). Mas é especialmente entre as mulheres que o autor percebe maiores transformações. As razões? Mudança nos discursos sobre direitos; maior igualdade e responsabilidade entre os casais, que ganharam visibilidade com a abertura local da mídia televisiva aos canais estrangeiros, principalmente brasileiros, portugueses e cabo-verdianos, muito assistidos pelas mulheres. Fora isso, a escolarização das mulheres, a abertura do comércio e a maior possibilidade da imigração feminina também foram fatores importantes na transformação dessas mulheres (Massart, 2013, p. 299, 307).
[21] Entrevista concedida à UNITEL: https://www.facebook.com/Uniteltmais/videos/1617960878245089/
[22] Fonte: http://www.rtc.cv/tcv/index.php?paginas=47&id_cod=59821 (00:14:42-00:15:03).
[23] Fonte: https://www.facebook.com/LBCaboVerde/posts/10156204521591874
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc