Obituários
Obituário: Claudio Esteva Fabregat
Claudio Esteva-Fabregat nasceu em Marselha, França, em 11 de novembro de 1918 e faleceu em Barcelona, no dia 1º de setembro de 2017. Em uma entrevista à Yaiza Santos, o mais importante antropólogo catalão explicou esse fato: “...meus pais foram visitar um irmão de minha mãe [em Marselha], e ela, então grávida, tinha calculado errado. Passou a quarentena comigo em Marselha e logo voltamos a Barcelona. Fui francês por quarenta dias!” (Santos, 2007).
Em 1998, diante do prédio da Prefeitura de Barcelona, contou-me: “estávamos todos aqui, deitados, quando alguém gritou ‘Avançar!’. Cerca de seiscentas pessoas morreram aqui”. Referia-se ao início da guerra civil espanhola, na qual participou lutando, na frente de Aragon, contra as tropas de Franco.
Com a vitória do ditador, fugiu para a França, atravessando os Alpes. Ficou internado no campo de concentração francês Saint-Cyprien até quando embarcou no navio Sinaia, o primeiro barco de refugiados espanhóis que chegou ao México. “No navio, pela primeira vez desfrutei a sensação de liberdade, e pude identificar a experiência da viagem, comparada com a guerra e o campo de concentração, como dias de repouso” (Santos, 2007).
Esteva Fabregat sempre enfatizou a importância do México em sua formação. Tinha pouco mais de 20 anos quando chegou ao estado mexicano de Veracruz. Entre as diversas atividades que desempenhou para a sua sobrevivência foi a de jogador de futebol. Foi na cidade do México que descobriu a Antropologia, na Escola Nacional de Antropologia e História, onde cursou de 1947 a 1955. Foi aluno de outro refugiado espanhol, Juan Comas (1900-1979), considerado o fundador da Antropologia Física mexicana. Segundo Roberto Cardoso de Oliveira – principal interlocutor brasileiro de Esteva-Fabregat –, a maior influência que Claudio recebeu como estudante “foi a de um professor visitante: Eric Fromm (1900-1980) cujos ensinamentos encaminharam fortemente os seus interesses para a área de cultura e personalidade, bastante prestigiosa nos anos 50, graças a autores como Sapir, Benedict, Mead, Linton, Kardiner e outros”. Na entrevista, acima citada (Santos, 2007), Esteva Fabregat considerou esses anos no México como apaixonantes, quando, “como aluno, não faltava a nenhuma aula, discutia com meus professores, cumpria os meus trabalhos e me reunia com meus colegas para discutir os conteúdos dos cursos”. Em função de sua amizade com Erich Fromm, passou utilizar do método da psicanálise cultural.
Em 1956, Claudio-Esteva Fabregat voltou para a Espanha. Na Universidade de Madri encarregou-se dos cursos de “Religiões Indígenas da América” e “Antropologia e Etnologia da América”. Em 1958, doutorou-se em História da América, pela Universidade de Madrid. Em 1965, foi nomeado diretor do Museu Nacional de Etnologia de Madrid.
Em 1968, finalmente, voltou a sua Catalunha, como Professor da Universidade de Barcelona e, em 1972, passou a chefiar o Departamento de Antropologia Cultural dessa Universidade. Foi, então, que fundou a revista Etnica. Em seu primeiro número (1971), publicou o artigo Algunos caracteres de sistema de propriedade “fang”, resultado de seu trabalho de campo realizado na Guiné Espanhola durante os meses de novembro de 1962 a fevereiro de 1963. Muitos de seus trabalhos foram publicados nesse periódico que circulou até o número 20, encerrando as atividades em 1984.
A sua relação com o Brasil inicia-se em 1990, quando convida Roberto Cardoso de Oliveira para participar de um seminário sobre identidade étnica na Universidade de Barcelona. Mais tarde, Cardoso de Oliveira passou um semestre como professor visitante, quando ampliou o seu diálogo com Fabregat sobre o tema – tão caro para ambos – a identidade social. Não resta dúvida de que essa discussão foi estimulada pela leitura de um texto fundamental de Fabregat: Estado, etnicidad y biculturalismo (Barcelona: Editora Peninsula, 1984). Trata-se de texto valioso para a compreensão da Catalunha, após a queda de Franco, e a promulgação do Estatuto da Catalunha, de 1979. Certamente, as discussões de ambos, na década de 1990-2000, são importantes para uma melhor compreensão da situação atual da Espanha, quando finalmente os catalães exigem um maior grau de autonomia, ou mesmo, de separação.
Em 2001, Roberto Cardoso de Oliveira convidou Esteva Fabregat para um semestre, como Professor Visitante no Departamento de Estudos América Latina e Caribe (DELA), sediado no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília. Foi uma oportunidade para reforçar os seus laços com o meio universitário brasileiro.
Tomo a liberdade de lembrar do meu relacionamento com o eminente colega. No final dos anos 80, a Fundação Mapfre, uma organização cultural espanhola, estava empenhada nas comemorações dos 500 anos da descoberta da América e resolveu publicar uma série de coleções de livros. Uma de suas coleções foi Índios das Américas (Fundação Mapfre). Fui convidado para escrever o livro Índios do Brasil (Laraia, 1993). Esteva Fabregat fazia parte da comissão editorial da Fundação. No final de 1991, por sua indicação, fui convidado para participar do Seminário “Antropologia na América Latina e Etnohistória em Sicília” na Universidade de Palermo. Na ocasião, ele presidiu a Comissão do Júri que outorgou o Prêmio Salomon-Piero-Marino, constituída por Juan Ocio (do Peru), Ricardo Lima (do México) e Roque Laraia (Brasil). Na década de 90 e na primeira de nosso século, tive a oportunidade de encontrá-lo em vários congressos e reuniões científicas. A edição equatoriana de meu livro Índios do Brasil foi uma iniciativa dele.
O legado de Fabregat é uma extensa bibliografia da qual gostaríamos de destacar La Coroa Española y el indio americano (1989), texto que faz parte de uma coleção que reúne dez importantes autores hispânicos sobre a relação da coroa espanhola e os povos da América.
Em 2001, Esteva Fabregat e sua esposa Berta Alcafitz voltaram a morar no México, dessa vez em Guadalajara, onde permaneceram por mais de uma década. Em 2017, o fundador da moderna antropologia espanhola faleceu em Barcelona, a capital da Catalunha que ele tanto amou.
Bibliografia de Claudio Esteva Fabregat
1965. Función y Funcionalismo em las Ciências Sociales. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas.
1972. Antropologia y Filosofia. Barcelona: Redondo Editor.
1975. Razas Humanas y Racismo. Barcelona: Sazlvast Editores.
1978. Cultura, Sociedad y Personalidad. Barcelona: Promoción Cultural/Anthropos.
1984. Antropologia Industriale. Barcelona: Editora Anthropos.
1984. Estado, Etnicidad y Biculturalismo. Barcelona: Editora Peninsula
1988. El Mestiçaje em Iberoamérica. Madrid: Editorial Alhambra.
1989. La Corona Española y el Indio Americano. 2 vols. Madrid: Associacion Francisco Lopes de Gômara.
1995. Introducción a loas Fuentes Etnográficas y la América Indigena. Madrid: Fundacion Mapfre América, Instituto Histórico Tavera.
1996. Ciência i Etnociència a l’Antropologia. Barcelona: Fundació Catalana per a la Recerca.
1998. Antropologia y Antropólogos. México: Conaculta/UNAM.
2004. La identidade catalana contemporânea. México: Fundo de Cultura Economica.