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Do mundo das mulheres à etnografia das instituições. Um traçado em retrospectiva
From the world of women to the ethnography of institutions. A retrospective trace
Anuário Antropológico, vol. 47, núm. 2, pp. 11-35, 2022
Universidade de Brasília

PPGAS/UnB – 50 anos



Recepción: 05 Agosto 2021

Aprobación: 23 Mayo 2022

DOI: https://doi.org/10.4000/aa.9679

Resumo: Este artigo recupera o percurso profissional de sua autora e busca alinhavar, em torno do fio condutor da moralidade e dos valores na política, desdobramentos teóricos e metodológicos relevantes para o debate antropológico contemporâneo. Desta perspectiva, apresenta as investigações realizadas e suas conexões com publicações, cursos ministrados e orientações na graduação e pós-graduação, grupos e laboratórios de pesquisa, bem como redes nacionais e internacionais com as quais se articularam (e articulam). Como o título já sugere, parte de estudos sobre o movimento feminista, seguindo-se investigações em contextos institucionais diversos com a inclusão de instâncias de políticas de governo que se constituíram sob o princípio da cidadania participativa.

Palavras-chave: Valores, Congresso Nacional, Cidadania Participativa, Saúde Indígena, Etnografia das Instituições.

Abstract: This article reconstructs the professional journey of its author and, taking morality and values in politics as its guiding thread, seeks to trace various theoretical and methodological developments relevant to contemporary anthropological debate. From this perspective, it presents the investigations undertaken during her career and their connections to publications, courses and supervisions at undergraduate and postgraduate level, research groups and laboratories, as well as national and international networks with which these were (and are) articulated. As the title suggests, it sets out from studies of the feminist movement, followed by investigations in diverse institutional contexts with the inclusion of government policy forums set up under the principle of participatory citizenship.

Keywords: values, national congress, participatory citizenship, indigenous health, ethnography of institutions.

Certa vez li que a noção de projeto buscaria expressar o encontro da vontade com o processo (Pecaut 1990) e lembro que achei muito interessante por permitir inserir o indivíduo, com suas intenções e desejos, num movimento maior que lhe escapa diretamente, mas sobre o qual (se) precipita e pretende influir. Diferente de um sonho ou fantasia (Schutz 1967), o projeto implica preparo, planejamento e ações no mundo, com certa feliz navegação em um campo de possibilidades com espaços e ritmos complexos.

O memorial – origem deste artigo[1] - seria, em alguma medida, o oposto de um projeto: em vez de prospeção e antecipação de um futuro, implica a direção contrária. Uma espécie de, parafraseando Campos (1994), lanterna na popa em busca de atribuir sentido no passado ao que nem sempre guarda nexos de causalidade, mas sim de fortuidade. Ciente desta tensão, escolhi como subtítulo a qualificação de “um traçado”. Afinal, um traçado é sempre contingente, uma espécie de rascunho tracejado em meio a outros possíveis; sugere, ainda, deslocamentos incertos, desvios de rota, tentativas de vida, como se fossem esboços desenhados aos quais o sujeito confere novas formas ao longo do tempo.

É nesta zona de permeabilidade entre o indivíduo e o processo, a causalidade e o imponderável e, por fim, entre uma trajetória singular e um caminho socialmente compartilhado que procuro inscrever este artigo com ênfase nas reflexões que julgo contribuírem para a antropologia – enquanto campo teórico-metodológico e em seus desdobramentos institucionais.

Tomando como referência o fio condutor da moralidade e dos valores na política, neste artigo abordarei a pesquisa sobre movimento feminista como um estilo de vida, realizada no Rio de Janeiro em final dos anos 1980. Num segundo momento, apresento minha entrada no Congresso Nacional que, coincidindo com a CPMI sobre o Orçamento, focalizou a categoria regimental “decoro parlamentar” acionada nos processos de cassação de mandato (1949-1994). O diálogo entre essa categoria, os escritos de Weber e a literatura sobre honra mediterrânea levaram-me a propor, naquele contexto, a honra como uma hierarquia de valores distintiva da vida política. A seguir contextualizo a proposição da linha de pesquisa “antropologia política da saúde” e seus principais desdobramentos nas reflexões sobre a relação entre políticas de governo e a produção do nojo nas ações em saúde e saneamento; e as investigações sobre o exercício da participação social dos indígenas, seus limites e possibilidades, nas políticas de saúde que lhes são específicas. Por fim, trago ponderações e apontamentos sobre a consolidação das investigações em contextos institucionais que deram origem ao Laboratório Etnografia das Instituições e das Práticas de Poder (LEIPP, DAN, UnB), no qual várias investigações têm sido desenvolvidas, e as reflexões sobre as especificidades metodológicas de realizar pesquisa nesses contextos que puderam se adensar, articulando-se em rede na Associação Latino-Americana de Antropologia (ALA)[2].

Começando pelo começo…

Desde o início de meu percurso intelectual ainda na faculdade de História na PUC-RJ, a história das mentalidades e a leitura de Max Weber numa disciplina sobre o tempo[3] me chamaram atenção, num momento em que o marxismo dominava as discussões. A preocupação com a dimensão moral e com a esfera dos valores na política que marcou toda a minha produção, vista em retrospectiva, parecia aí já se insinuar. Contudo, a dificuldade de fazer projeções de sobrevivência em uma carreira de investigação nos anos 1980 fez-me enveredar pela licenciatura, adiando a transformação desse interesse em projeto de pesquisa – o que se deu com o mestrado no Museu Nacional. Nesse momento, a antropologia entrou e veio lentamente a tomar conta da minha vida. Lá se vão mais de trinta anos…

No Museu integrei o projeto Estudo Comparativo de Estilos de Vida Metropolitanos, coordenado por Gilberto Velho, no qual desenvolvi a dissertação de mestrado sobre movimento feminista como modo de vida (Teixeira C. C., 1991). As indagações que orientaram a investigação, a meu ver, guardam ainda hoje certo frescor. Avalio assim porque, nos últimos anos, o feminismo se renovou com muitas jovens se afirmando como tal, um cenário muito diferente daquele que estudei no início dos anos 1990. No momento atual, não seria mais principalmente um olhar para trás de integrantes de uma rede feminista (Fórum Feminista do Rio de Janeiro) que em sua maioria tinham mais de 40 anos, mas de jovens envolvidas com a possibilidade de redimensionar projetos e sonhos, dificuldades e limites, mais ou menos compartilhados.

Foi justamente a apreensão dos limites expressos por algumas das mulheres do Forum que me levou a perguntar: Qual o peso relativo dessa experiência na maneira como interpretam o mundo e nele se inserem, na forma como se conduzem em sua vida cotidiana: lazer, trabalhos, amizades, amores? Se por um lado, tal pergunta parece não trazer nenhuma novidade porque é conhecido e assumido que para o ideário feminista o pessoal é político; por outro, uma investigação acurada revelou o quanto tal ideário pode ser totalizador e homogeneizante ao olharmos o vetor contrário: o político traduzido para a vida pessoal sob o valor da “coerência”.

A maior parte das articulações feministas eram, quando da minha investigação, exclusivamente composta por mulheres: fóruns, associações, reuniões e oficinas, encontros nacionais e internacionais, articulações suprapartidárias (para candidatas mulheres), articulações internas a partidos políticos (só de mulheres) etc.[4]. Ser mulher e engajada na luta das mulheres parecia ser condição necessária e suficiente para se considerar e ser considerada feminista. Tal compreensão do campo, contudo, se mostrou precária quando uma mulher que trabalhava com mulheres vítimas de violência e frequentava o Fórum disse não ser feminista e tampouco ter simpatia pelas feministas. O clássico “como assim?” dos antropólogos aflorou! Depois de certa relutância, ela aceitou conversar comigo; e a compreensão dessa aparente contradição foi central para a construção do feminismo como um “mundo das mulheres”.

As declarações acerca da sua forma de encarar, política e afetivamente, as mulheres revelaram suas diferenças com relação às “feministas". Havia optado politicamente pelas mulheres, mas não fizera o mesmo no que se refere ao conjunto de suas relações sociais. Muito pelo contrário

, achava mais difícil lidar com as mulheres porque, em suas palavras, “essa educação que a gente recebe, tão perversa, faz com que as mulheres fiquem competitivas entre si” (Teixeira C. C., 1991, p. 127). De modo que, não participava da rede de sociabilidade composta predominantemente por mulheres entre as feministas do Fórum (como festas, viagens e encontros em bares) e também politicamente delas discordava. Em sua visão a militância feminista deveria ser uma luta conjunta de homens e mulheres, se opondo, assim, ao princípio de exclusão masculina que relegava aos homens o papel de aliados táticos.[5] Dessa forma, percebi que havia uma experiência fundamental na pertença ao feminismo da qual ela se excluía: a adesão a um mundo de mulheres. A especificidade desse "mundo de mulheres" residiria no fato de requerer o privilégio do “feminino” nas múltiplas relações vividas cotidianamente: relações de trabalho, família, lazer, amizades e, para algumas, amores. Consistiria, portanto, numa opção, num “gosto“ pelas mulheres a se traduzir na construção de relações de proximidade, identidade e solidariedade femininas como as relações legítimas entre mulheres e, mais, como as relações a serem buscadas nos diferentes níveis da realidade concreta.

No cerne dessa visão de mundo, encontrei forte ênfase na perspectiva de que as interações sociais são fundamentalmente escolhidas. Contudo, ao falarem dos homens, ouvi ponderações acerca das maiores dificuldades de com eles se relacionarem, indicando que o “mundo de mulheres” em que viviam não seria apenas fruto do exercício de uma vontade individual ou coletiva, mas também consequência de um distanciamento, por vezes, indesejado. De tal maneira que esse “mundo” extrapolava a associação política e podia assumir uma dimensão dramática na vida de algumas que, como a maioria das participantes do Fórum, não tinham orientação afetivo-sexual para mulheres. Uma impossibilidade relacional e afetiva que assim se expressou nas palavras de uma das entrevistadas: “Eu quero um país com homens sensíveis, pô será que a gente não consegue? (…) Outro dia a… estava dizendo: será que o destino do feminismo é a nossa solidão? Eu acho isso cruel demais! Eu não posso dar isso para minha filha, para minha neta, solidão como opção!” (Teixeira C. C. 1992).

As fronteiras simbólicas desse estilo de vida se delineavam, assim, por certo tom emocional expresso em afinidade moral interna e contraste com a sociedade englobante identificada como masculina (Becker 1977, Geertz 1978, Velho 1986). O debate antropológico e feminista sobre gênero se complexificou desde então[6], mas na minha trajetória foi o lugar e a produção das emoções e dos valores ou moralidades na vida política que frutificou em outros universos empíricos. Sobretudo, deu origem a uma linha de investigação na qual vários estudantes desenvolveram suas pesquisas de graduação e pós-graduação no Departamento de Antropologia. Foram reflexões criativas sobre “mulheres que amam demais” (Alves 2002), a poluição das águas pela morte (Davison 2006), o artista como ator político (Teixeira L. G. 2006), dor e sofrimento na luta de familiares contra a violência policial (Lima 2006), a simbologia do riso como terapia (Zupiroli 2008), os manejos do sofrimento em um ex-leprosário (Faria 2009), a organização de vítimas de violência em Cauca (Oviedo Orsina 2014) e a produção de afetos como meio de resolução de conflito no Judiciário (Cunha 2020).

Ainda no âmbito dessa pesquisa sobre movimento feminista, observei que o elogio do indivíduo moderno (Dumont 1985), em sua autonomia e diferenciação (Simmel 1971), trouxe outros impasses para a tradução da bandeira feminista em uma forma de organização para a ação política. Buscando, por um lado, levar às últimas consequências a máxima democrática de que todas têm igual direito à palavra, o Fórum rejeitava qualquer hierarquia na sua organização formal (coordenadoras, diretoras etc.). As relações de poder se expressavam, no entanto, em uma combinação sutil de prestígio adquirido pelo caminho percorrido no feminismo (com destaque para as mais antigas, jocosamente denominadas “fósseis”) e pela capacidade de expressão argumentativa, ou seja, o domínio da palavra. Por outro lado, empenhadas em promover a igualdade na diferença, mas rejeitando o conflito e as formas tradicionais de sua resolução por decisão da maioria, postulavam que qualquer deliberação havia que ser tomada por consenso e, ainda, as deliberações poderiam ser questionadas por alguma das participantes que (ausente da reunião em que o posicionamento fora decidido) viesse a discordar quando de seu retorno. Assim, parecia predominar certa paralisia de pragmática política que era agravada ainda mais na medida em que essas mulheres também recusavam a alienação inerente à democracia representativa, ou seja, a delegação ao representante (Bourdieu 1989). Seu sucesso, portanto, residia na capacidade em conformar novas subjetividades femininas comprometidas com esses valores, mais do que em organização para a luta – embora também em alguns momentos lograssem fazê-lo. Afinal, esta foi a minha interpretação, buscavam conciliar o que parecia ser inconciliável: construir uma coletividade forte a partir de individualidades diferenciadas e igualmente fortes (Simmel 1971), rejeitando simultaneamente a hierarquia e o conflito como forma de encaminhar a celebrada diversidade – efeitos do cultivo do individualismo, da diversidade, da igualdade e da solidariedade (Teixeira C. C. 1992).

No momento em que realizei esta pesquisa, não existiam estudos com tal perspectiva[7] e, considerando breve levantamento bibliográfico recente, avalio que, se os há, ainda hoje são poucos[8]. Tal contribuição para o campo de estudos sobre feminismos só foi possível, sem dúvida, pelo encontro entre um preparo antropológico particular (em fenomenologia do mundo social, interacionismo simbólico, indivíduo e sociedade, relações entre gêneros, releitura bourdieusiana de Marx e Weber) com a oportunidade de pesquisa propiciada pela minha trajetória anterior marcada por certos interesses e redes sociais. O diálogo específico com os estudos antropológicos da política se aprofundaria no doutorado, num movimento de ir e vir que traria outra rentabilidade aos referenciais anteriores a partir do novo campo em que me inseri: o Congresso Nacional.

Valores e política institucional moderna: do “decoro parlamentar” à “participação social”

No mesmo ano em que me mudei para Brasília, em 1991, fiz a seleção e fui aprovada no doutorado no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília. Cheguei à capital decidida a pesquisar o Congresso Nacional, já que estaria tão próxima e tinha tão pouca familiaridade com esse mundo central à recente democracia que se instaurara em nosso país[9].

Em meu primeiro projeto de pesquisa recuperei a conexão “gênero e política” e ganhei uma bolsa da Fundação Carlos Chagas para investigar a chamada “bancada feminina” na Câmara dos Deputados. Se esta foi uma oportunidade de explorar um universo de investigação cuja complexidade se anunciava muito distinta da pesquisa anterior no mestrado, por outro revelou-se pouco rentável analiticamente. A articulação de deputadas federais fora muito ativa no processo constituinte e ficara conhecida como “lobby do batom”, mas no início dos anos 1990 era politicamente inexpressiva.

O caminho foi, então, adotar um recorte amplo e aguardar o que o campo me reservaria, em especial, considerando a escassez de estudos antropológicos sobre este universo: havia apenas uma dissertação de antropologia sobre a Câmara do Deputados naquela ocasião (Costa M. C. 1980). O exercício da representação parlamentar nas comissões permanentes da Câmara pareceu-me um guarda-chuva interessante para a construção de uma etnografia de sua vida institucional. Nessa oportunidade, já me beneficiava de discussões que viriam a dar origem ao Núcleo de Antropologia da Política em 1997 – em especial sobre rituais. O NuAP foi ambiente profícuo para trocas de experiência de pesquisa, compartilhamento de hipóteses interpretativas e, portanto, de grande aprendizado para todos que integravam essa rede que se articulava sob a coordenação de Moacir Palmeira (MN, UFRJ), Mariza Peirano (UnB) e César Barreira (UFC)[10].

Nesse percurso, o campo reservava outra surpresa, obrigando-me a novamente redefinir o problema de investigação. Em 1993, ano em que mergulhava no dia a dia das comissões permanentes, foi instalada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar denúncias de irregularidade na Comissão do Orçamento – conhecida como “CPI do Orçamento”. Essa CPI invadiu todos os espaços da Câmara, esvaziando-os de suas atividades rotineiras ao concentrar a atenção dentro e fora da instituição, com a quebra de 395 sigilos bancários, 267 sigilos fiscais, 43 sigilos telefônicos, com a tomada de 79 depoimentos em 111 reuniões e concluindo em 1994 com a proposta de cassação de mandato de 18 parlamentares por incompatibilidade com o decoro parlamentar e o envio de vários dossiês para que a Receita Federal e o Ministério Público dessem continuidade às investigações. Passei, então, a criar condições internas à instituição para acompanhar os trabalhos dos processos deflagrados pela CPI do Orçamento porque, se a princípio eu não estava interessada em eventos parlamentares midiáticos ou em corrupção, os parlamentares estavam e restava-me segui-los.

A categoria regimental “decoro parlamentar” em ação nos diferentes depoimentos e processos em curso trouxe à tona a dimensão dos valores na política institucional deste mundo político, de forma instigante. O decoro era afirmado por diferentes políticos a partir de uma relação considerada central não às instituições modernas, mas às sociedades tradicionais na literatura das ciências sociais: a dinâmica honra-vergonha (Pitt-Rivers, Friendship and authority 1971, Pitt-Rivers 1977, Peristiany 1971). A compreensão da política nos termos de esfera de valor proposta por Weber tornou possível elaborar uma noção moderna de honra e pensar a ação política como ação interessada que não pode ser reduzida aos interesses de classe ou status – como o senso comum da sociedade e de parte dos cientistas sociais preconizam.

Comecei por considerar, acompanhando esse arguto intérprete do mundo ocidental moderno que foi Weber, que a existência da política enquanto esfera de valor em si, dotada de lógica própria e de critérios de conduta específicos é um fenômeno histórico recente. Faz parte de uma era que se instaurou com o “desencanto do mundo”, com a quebra do monopólio religioso na atribuição de significado à vida humana e a constituição de um pluralismo de valores quando a religião se torna um e não mais . valor último da vida. E o mais importante: a política logrou se consolidar como esfera de valor em si, através de um longo processo de expropriação dos instrumentos de poder “privados”; o que terminou por transformá-la em atividade institucional permanente de poucos: os políticos profissionais (Weber 1974, 112).

Nesse processo, os políticos se constituíram como tal ao lograrem ser reconhecidos como personificação de uma coletividade historicamente definida cujos membros os instituíram como líderes ou representantes e, portanto, portadores de autoridade. Justamente nesta distância estrutural e conexão necessária entre políticos profissionais e ocasionais residiria a possibilidade da constituição de uma honra que não se confunde com a noção moderna de dignidade. Se a dignidade moderna remete à existência de uma qualidade humana essencial (Humanidade, com maiúscula), a honra encontra o significado da realidade humana em sua singularidade e individualidade histórica (humanidades, no plural). A condição de pertencer – e não o individualismo moderno – mostrou-se, assim, intrínseca à vida política moderna. Um pertencer que, no contexto de redemocratização recente do início dos anos 1990, não admitia o elogio de relações de desigualdade ou exclusão hierárquica que, frequentemente, qualificam a dinâmica da honra e vergonha nas sociedades tradicionais[11].

O manejo do decoro parlamentar nos processos de perda de mandato agregou a essa reflexão que tal pertença implicaria em uma hierarquia de valores a orientar a totalidade das práticas, definindo assim o que pode ou não ser feito nos diferentes contextos de sua vida, pois o político profissional estaria permanentemente no desempenho dessa função, não tendo direito à separação entre vida privada e exercício do mandato. Desta perspectiva foi que interpretei a figura do decoro parlamentar como um instituto original da política brasileira que permite lidar de forma positiva com a continuidade entre as diferentes inserções sociais do político[12]. Ao institucionalizar a honra como critério distintivo da política, a noção de decoro incorporou a vida pública e a vida privada, regulamentando-as, ignorou a segmentação de papéis sociais, integrando-os por englobamento à política e, desse modo, o decoro afirmou a autonomia da política em face do ambiente normativo abrangente. Afinal, a “personalidade política”, em elaboração ainda inspirada em Weber, seria indissociável da totalidade a que pertence e perante a qual responde; um tipo de pertencimento que articula responsabilidade individual qualificada à identificação entre indivíduo e grupo social, produzindo a diversidade de políticos profissionais. Desta perspectiva, o decoro consistiria na representação e no discurso sobre o domínio privado dotados de legitimidade na esfera política; pois, neste caso específico, não se tratou de banir as relações pessoais da esfera pública – como o senso comum do combate à corrupção propõe ou supõe – mas, antes, de reincorporá-las e normatizá-las de modo distinto.

A investigação dos diferentes processos de cassação de mandato por incompatibilidade com o decoro parlamentar deu-me o caminho da comparação que orientou essas reflexões. Pude observar como foram em vão as tentativas de alegar não estar no exercício de mandato de Barreto Pinto (1949), a solicitação feita por Jabes Rabelo de suspensão de sua imunidade parlamentar para ser julgado no STF (1993), a retórica impessoal e legalista de Ibsen Pinheiro (1994) e também que o único processado a não perder o mandato foi aquele (Ricardo Fiúza, 1994) que encarnou em sua defesa o desempenho que a honra estipula. De modo que os mecanismos de produção da honra mudaram (a imprensa substituiu como corte de reputações as relações face a face das sociedades tradicionais), também os valores centrais agora eram outros (tendo sido a celebração da hierarquia e da distinção deslocada pelos ideais democráticos), mas permanecem a ênfase na imagem e na sua comunicabilidade, o elogio do predomínio das relações entre pessoas, da totalidade sobre o indivíduo, do reconhecimento do sujeito em sua integralidade na produção da personalidade e da vida política. Pode-se observar que, diferentemente da política feminista estudada anteriormente, aqui estamos no mundo dos rituais democráticos em que a expressão adequada dos valores é decisiva e não a subjetividade ou as intenções dos atores.

Além da pesquisa de campo no Congresso, meu doutorado foi marcado por apresentações dos seus resultados parciais em eventos científicos nos quais pude contar com contribuições inestimáveis de colegas, publicações de artigos que viriam posteriormente a contribuir para a escrita da tese (Teixeira C. C. 1996, 1996a), bem como pela atuação como professora substituta no Departamento de Antropologia da UnB durante o ano de 1995 e o verão de 1996. Em ambas as experiências, o fazer antropológico se revelava bastante colaborativo e longe das imagens do investigador solitário. Ainda continuaria pesquisando e publicando sobre decoro parlamentar, honra e relações de pertença na política por mais alguns anos (Teixeira C. C. 1998, 1999, 1999a, 2000a, 2002, 2004c, 2004a, 2004b, 2006), mantendo uma linha de pesquisa da qual resultaram e resultam várias orientações que em muito têm contribuído para a compreensão desse complexo universo da vida política em diferentes aspectos e momentos históricos: assessoria parlamentar (Santos 2004), relações entre Legislativo e Executivo na flexibilização da CLT (Clemente 2004), estratégias parlamentares para a lei orçamentária (Ferreira e Cruz 2008), o debate legislativo sobre o estatuto do desarmamento (Reis R. M. 2008), o aborto à luz dos direitos reprodutivos (Castro e Silva 2009) e a lei de biossegurança (Cesarino 2006), reflexões sobre conflito e carisma na política (Costa P. T. 2002), sobre a CPI da FUNAI e do INCRA (Dalla Costa 2019). Contudo, o início dos anos 2000 reservava outros desafios de investigação.

Poucos anos após ter ingressado, em dezembro de 1997, como professora adjunta no DAN/UnB, a perda de um querido colega repercutiu em minha trajetória de investigadora. Martin Novión faleceu em início de 2003 (Teixeira C. C. 2004), provocando um sentimento de nostalgia do ainda por viver e deixando repentinamente acéfala a equipe de antropologia de um projeto interdisciplinar de investigação sobre os impactos das ações de saneamento na saúde. Esse projeto era integrado por quatro equipes de duas universidades: Antropologia e Engenharia Civil (UnB) e Epidemiologia e Economia da Saúde (UFBA), além da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Nesse contexto, fui convidada pelo colega Ricardo Bernardes (ENC/UnB), que coordenava a equipe de Engenharia (com quem já tivera uma colaboração em pesquisa), para assumir a coordenação da equipe de Antropologia. Uma antropologia política da saúde começava a se desenhar e renderia muitos frutos.

Sob esse guarda-chuva desenvolvi inicialmente pesquisas sobre percepção e uso da água em comunidades rurais no sertão do Cariri cearense e no Maranhão, em uma experiência de pesquisa em equipe que marcaria minha trajetória para sempre. Carla Andrade, Jacques Novión, Luiz Cláudio Moraes e Anna Davison fizeram parte desta jornada. O tema da água se faria presente também em outra pesquisa interdisciplinar, mas agora dentro da própria UnB. Era o ano de 2005 e a reitoria, preocupada com o comprometimento de cerca de 30% de seu orçamento com pagamento de água e luz, resolveu criar uma comissão, coordenada pelo professor André Luiz Aquere (ENC/UnB), para investigar a situação, que também apostou na interface da engenharia com a antropologia para melhor compreender o problema do consumo da água no campus Darcy Ribeiro. Foi uma investigação que envolveu alunos de graduação das Ciências Sociais (doze) e da Engenharia Civil (nove) em equipes misturadas; e o local privilegiado para realizar as observações sobre o uso da água foram alguns banheiros do ICC, da FT e do Restaurante Universitário – observações tanto das condições materiais quanto das condutas nos banheiros[13]. As pesquisas sobre a água renderiam ainda participação em uma missão exploratória em Bissau (Guiné Bissau) a convite de Wilson Trajano Filho (DAN/UnB), que originou um seminário internacional sobre a água; e mais tarde a organização de um dossiê no Anuário Antropológico em parceria com Maria Manuel Quintela (ESEL; ICS/UL) (Teixeira e Quintela 2011). A criação do Laboratório de Antropologia, Saúde e Saneamento em 2004 (LASS/DAN/UnB) tornou-se espaço privilegiado de articulação de pesquisas e pesquisadores em diferentes momentos de sua formação para realização de seminários de pesquisa, publicações e para captação de recursos e estabelecimento de contatos interinstitucionais[14].

Dessas experiências, algumas reflexões se desdobraram e foram se consolidando, sendo a mais inovadora a relativa à produção política do nojo. Na investigação no Cariri do Ceará, o nojo se expressou pelos usos indevidos da água do açude que abastecia o sistema de água tratada do município, o que, articulado com o forte gosto de cloro a ela atribuído, engendrou o não uso desta água para beber e cozinhar – contrariando o que as políticas de saúde preconizam (Teixeira, Davison e Moura 2011). Na pesquisa dos banheiros da UnB, o nojo se manifestava a partir do desgaste das condições materiais aliado à desconfiança quanto ao uso feito pelos demais frequentadores dos banheiros, gerando atitudes que degradavam ainda mais as instalações num círculo vicioso: descargas acionadas com os pés, portas das cabines quando abertas também o eram com os pés, evitação de tocar as torneiras levando a não lavar as mãos. A questão, portanto, não era de desperdício mas de baixo consumo de água em função de classificações de “sujo” e “limpo” que não guardavam relação direta com os critérios sanitários, mas sim com as possibilidades de preservação dos limites do corpo e da própria individualidade naquele ambiente (Teixeira e Dias da Silva 2011). Assim como na comunidade do interior do Ceará, aqui as percepções dos chamados “usuários” não coincidiam com os padrões prescritos pelas políticas de governo: lá os critérios de potabilidade, cá os de higienização e de consumo. Tal investimento me permitiu, assim, considerar a dimensão valorativa e moral da política em sua capilaridade cotidiana, nas variadas conexões entre a ordem sociocultural e a ordem biológica vistas a partir das pessoas que em geral são o “público-alvo” das políticas.

Se a cotidianidade revelou-se o espaço e o tempo por excelência das construções e reelaborações, verbais e não verbais, dos significados que possibilitam e orientam as interações entre os diferentes sujeitos, os princípios e as estruturas que dão vida à administração pública ao longo do tempo, em suas continuidades e rupturas, mostraram-se fundamentais à compreensão dos conflitos e negociações que envolvem os diferentes sujeitos em interação quando as políticas de governo se desdobram no modo de vida. Assim, a simultaneidade das investigações na vida cotidiana e nos meandros das instituições administrativas foi, em um primeiro momento, estabelecida por meio da investigação do museu institucional e dos manuais da Funasa – fundação à época responsável pelas ações em saneamento e saúde dos povos indígenas (Teixeira C. C. 2008). E, posteriormente, por meio do acompanhamento das reuniões da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena de assessoria ao Conselho Nacional de Saúde (CISI/CNS). A ação política aqui se desdobra para além dos políticos profissionais, expressando-se em tecnologias de governo (Foucault 2008) e na administração como dominação cotidiana (Weber 1994).

A entrada especificamente nas políticas de saúde e saneamento indígena deu-se por meio das pesquisas com e sobre a Funasa que haviam se iniciado em 2002, mas também pela minha trajetória na Associação Brasileira de Antropologia. Na ABA fui tesoureira geral (2000-2002) e secretária geral (2004-2006), tendo nesta gestão também iniciado minha atuação como representante da ABA na CISI/CNS, onde estive nesta condição até 2008 e entre 2012 e 2014 – nos anos de 2008 a 2012 lá permaneci como especialista convidada. Nesse período busquei conciliar minha atuação institucional na CISI com reflexões sobre aquele espaço político. Expressando uma postura que marcou meu percurso como investigadora, sempre procurei conectar minhas pesquisas com o que, no jargão universitário, é chamado de “atividade de extensão”: atividades abertas ao público em geral, minicursos extramuros da universidade, apresentações em eventos ligados à formulação de políticas (universitária e de governo) e junto a movimentos sociais.

Inicialmente, as reflexões sobre nojo e repulsa nas políticas de saúde e saneamento se articulariam com o manejo político da diversidade cultural que se fez mais visível no contexto indígena e me levariam a buscar suas raízes históricas, mais uma vez elegendo a comparação diacrônica como o eixo privilegiado em minha produção (Teixeira e Garnelo 2014). Foi assim que me dediquei aos manuais de formação de guardas sanitários e visitadoras sanitárias da Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP) – instituição que daria origem à Funasa em 1991, juntamente com a Sucam (Superintendência de Campanhas de Saúde Pública) (Teixeira C. C. 2008). E pude compreender as conexões de continuidade e ruptura entre aqueles guardas sanitários dos anos 1940 e os agentes indígenas de saneamento dos anos 2000. A mais relevante é, sem dúvida, a que diz respeito às ênfases distintas no saneamento do ambiente ou no saneamento das pessoas. Se nos anos 1940 o manual priorizava as técnicas necessárias à construção de equipamentos sanitários, nos anos 2000 o foco está no ciclo de transmissão das diferentes doenças relacionadas à falta de saneamento e no comportamento higiênico considerado inadequado de crianças e adultos indígenas. Os desenhos que ilustram o manual do agente indígena de saneamento repetem exaustivamente imagens de indígenas defecando em lugares inadequados, em detrimento da apresentação de orientações técnicas para pequenas obras e para ações de manutenção de equipamentos de tratamento de água, lixo e esgoto a serem desenvolvidas nos territórios indígenas marcados pela quase ausência dessa infraestrutura.

Tendo feito esta observação, retornei às reflexões sobre repugnância e nojo a partir do ângulo de suas conexões físico-político-morais para avançar na compreensão do que significam politicamente ações estatais que enfatizam a falta de higiene pessoal em detrimento do saneamento do meio físico reconhecidamente precário, como nos territórios indígenas. Desta perspectiva, analisei que a repugnância está entre as emoções que se distinguem por afetar diretamente os sentidos, em particular visão, olfato e tato, tendo sua intensa fisicalidade o poder de evocar o universo das verdades biológicas indisputáveis. Assim, aqueles que nos provocam repugnância (o repugnante é sempre o outro) estariam além da diversidade fisicamente suportável, afinal: como podemos aceitar e conviver com alguém cuja aparência, modos corporais ou odor nossos próprios corpos não suportam? É neste sentido que repulsa, repugnância e nojo me pareceram indicar a fronteira da diferença tolerada, na medida em que expressariam sentimentos, emoções e sensações corporificados, formados em e formadores de relações sociais, cujos interlocutores devem necessariamente ser higienizados, domesticados em sua alteridade para continuidade da interação ou evitados e postos à parte (Teixeira C. C. 2012). Quando tais sentimentos e sensações vêm relacionados a políticas de governo para o combate de epidemias têm o potencial de atualizar estereótipos e preconceitos decisivos na definição de quem deve ser cuidado e quem se pode deixar morrer, como o contexto atual dramaticamente nos lembrou (Teixeira e Dias da Silva no prelo).

A investigação de políticas de saúde e preceitos higiênicos constituiu-se em via de acesso privilegiada aos conflitos e consensos da política cotidiana por se tratar de políticas que têm sempre a retórica de estar sendo realizada em benefício do outro ou da coletividade (daí inclusive o uso frequente da expressão “beneficiário” para a população que é objeto dessas ações). E, deste modo, é eivada de práticas legitimadas por discursos da “benevolência” e da realização de “atos de humanidade” (Kelm 1998). A exploração tanto da dimensão simbólica quanto da dimensão organizacional destas políticas na vida diária permitiu compreender as interações entre elas bem como os mecanismos de tradução entre ambas. Tal abordagem se revelou analiticamente rentável também em outros contextos e políticas de governo (Silva 2008, Dias da Silva 2010, Pereira 2012, Chaves 2013, Godoy 2014, Alvarenga 2014).

Este tipo de análise, que articula documentos e pesquisa de campo, tem o mérito de possibilitar abordar mecanismos de exclusão e subordinação no cerne de políticas de governo democráticas que, como a política de saúde indígena, vêm sendo articuladas em prol da inclusão social e cívica, mas têm que lidar com a herança de um longo processo de colonização interna. Uma lembrança de que em configurações democráticas não é a violência física, mas a violência simbólica que se faz mais presente.

Tais elaborações sobre a violência simbólica foram amadurecidas na etnografia sobre a participação social na saúde indígena que realizei na CISI/CNS por quase dez anos. O mapeamento dos variados e complexos efeitos dessa participação requereu um olhar e uma escuta delicada para evitar reducionismos de diferentes matizes: instrumental, avaliativo ou normativo. A comparação com o contexto canadense, explorado em 2008 quando estive como visiting scholar na Simon Fraser University (BC), destacou a especificidade da atuação indígena em suas relações com o governo brasileiro para construção de sua autonomia. Há que se destacar que a escolha do contraponto comparativo já se fez baseada na antecipação de que o contraste envolvendo um ambiente político e legal que representa os povos indígenas como “nações”, tal como as First Nations no Canadá, com um ambiente em que os povos indígenas são constitucionalmente denominados “comunidades”, tal como no Brasil, potencializaria o mútuo estranhamento e, consequentemente, a construção de novas trilhas analíticas.

O escrutínio contextualizado da retórica da autonomia indígena nos relatórios das Conferências Nacionais de Saúde Indígena e em contextos de interação entre indígenas e gestores que pude acompanhar ao longo desses anos revelou que se há uma categoria que parece suscitar unanimidade nas discussões entre os diferentes atores políticos no campo das políticas públicas brasileiras para a saúde indígena, esta categoria é a de autonomia. Tal empreendimento revelou a capacidade de transformação dos sentidos da autonomia em seus usos estratégicos, sua metamorfose enquanto arma política capaz de criar um campo comum de significado e, a partir deste, expressar e constituir relevâncias distintas e por vezes antagônicas no embate concreto. Três sentidos da autonomia me pareceram expressar de forma mais central as tendências da constituição dos indígenas como sujeito coletivo político nas políticas de saúde: autodeterminação, participação e controle. Ainda, o manejo da autonomia em sua diversidade de compreensões contextualizadas permitiu ir além do mapeamento dos significados em jogo, apontando para deslizamentos relevantes na compreensão da atuação dos povos indígenas na construção da política pública de saúde no Brasil. É como se as estratégias indígenas se deslocassem ao longo de um contínuo assimétrico cujo polo subordinado fosse o da ação política pautada na autonomia como recusa da relação com os não-indígenas (autodeterminação), e o polo dominante, o da autonomia que afirmasse esta relação recolocada sob o “protagonismo indígena” (participação e controle). Em outras palavras, a autonomia como participação e controle refere-se à afirmação pelos indígenas da disposição para e da capacidade de ser parte de um processo decisório que lhes diz respeito prioritariamente, mas neles não se esgota. O predomínio deste polo expressaria uma consciência prática dos elos de interdependência nos quais os povos indígenas se inserem na sociedade nacional e da qual se sentem parte (Teixeira C. C. 2010).

Dando continuidade à investigação da participação indígena nas políticas de saúde em âmbito federal, refleti sobre os limites e possibilidades da chamada democracia direta nos espaços de participação social previstos nas instâncias estatais em nosso país (denominados na linguagem das políticas de governo de “controle social”). Quando falamos de controle social, estamos nos referindo aos diferentes mecanismos (conselhos, comissões e conferências) que até 2016 o governo brasileiro, em suas variadas composições políticas, havia criado para gerar o que atualmente é denominado na política de saúde “gestão estratégica e participativa”. Neste sentido, a autonomia dos povos indígenas nas políticas de saúde no Brasil, mas também em outras políticas setoriais, não passava pela construção de uma política de self-government ou de self-administration como observado no contexto canadense (Teixeira C. C. 2009, 2010, 2011). A atuação deu-se e com sucesso na ampliação de instâncias de participação e na ocupação de cargos técnicos e de assessoria à instituição responsável pela gestão da saúde e saneamento dos povos indígenas. Tal positividade, é fundamental observar, expressou-se também por meio da efetivação de políticas de saúde diferenciadas (em orientações políticas e estruturação político-administrativa) no âmbito do SUS; bem como por meio da função pedagógica que esta experiência propiciou (Teixeira, Simas e Aguilar 2013, Teixeira C. C. 2017). Refiro-me ao desenvolvimento de uma competência discursiva indígena nas negociações políticas com representantes de governo. Uma competência que tem se expressado na atuação das lideranças indígenas pela combinação: (i) do manejo das estatísticas, das normas legais e da experiência de vida nas aldeias com (ii) o conhecimento das possibilidades institucionais ao alcance do controle social; ambos confluindo para (iii) a construção de uma retórica sofisticada em que cidadania diferenciada, direitos humanos e biolegitimidade se apresentam hierarquizadas conforme o contexto (Teixeira e Dias da Silva 2015a). Com tais observações, quero enfatizar que a participação indígena no controle social é um instrumento para obtenção e efetivação de direitos na saúde, mas também, e não menos importante, um valor em si, na medida em que se constitui em um processo de aprendizado dos meandros da luta política na sociedade nacional, bem como de progressivo reconhecimento dos povos e dos líderes indígenas como sujeitos políticos legítimos .

Contudo, as queixas de lideranças indígenas sobre a não efetivação das políticas e das negociações acordadas, aliadas às estatísticas de saúde dos povos indígenas que, embora tenham melhorado, permaneciam em um patamar bem inferior aos da sociedade abrangente, exigiram um olhar mais acurado para a experiência da participação social – e agora não apenas na saúde indígena, já que as queixas se verificaram também em outras instâncias de participação. A violência simbólica de deixar falar, negociar e não implementar revelou-se por meio da transformação do que é estruturante do jogo político em questão de caráter pessoal, ou seja, pela atribuição da causa desse processo aos gestores, que não respeitariam as deliberações dos conselhos e conferências. Assim, observa-se que o exercício da dominação cotidiana que é própria à burocracia (Weber 1994), quando suavizada em “gestão democrática”, passa a ser atribuída principalmente às qualidades morais ou interesses políticos e materiais daqueles que atuam na gestão; e que seriam responsáveis, portanto, por não efetivarem os princípios orientadores pactuados para a política de saúde indígena. Não é que as pessoas não importem no exercício das funções, sejam essas mais ou menos burocráticas ou políticas. O que merece destaque é que a ênfase nessa dimensão dificulta ver que é o próprio modelo de participação política, ainda incipiente, e suas condições institucionais que legitimam que os indígenas, já excluídos das instâncias formais de produção das leis e da distribuição de recursos e, não menos importante, das redes de relações pessoais que influenciam as autoridades em exercício, também o sejam da administração cotidiana que reproduz, acomoda e readéqua as relações de poder político e material dominante.

A violência simbólica seria, portanto, a forma gentil e invisível que se intensifica sempre que a aplicação direta da violência física ou econômica seja sancionada negativamente pelo grupo (Bourdieu 1989). Numa espécie de alquimia social, a violência simbólica opera a fabricação da autoridade legítima por meio da ênfase em relações pessoais nas quais trabalho, tempo, atenção, cuidado, inclusão e participação política – ou quaisquer outras atitudes moralmente afinadas com o ambiente ou grupo – logrem gerar valores considerados superiores a ideias ordinárias e irredutíveis à dimensão material do mundo. E, assim, tais práticas podem ser apreendidas como generosas, desvinculadas de interesses particulares e, sobretudo, comprometidas com ideais transcendentes (salvar vidas, fortalecer a democracia etc.) em uma configuração em que o confronto aberto deixa de ser gramatical. Em outras palavras, a reflexão (1) sobre em que termos se dá a definição das regras do jogo a ser jogado e do que pode ser dito e feito por quem e em que contextos político-institucionais; (2) sobre o lugar que o jogo participativo ocupa na hierarquia dos contextos político-institucionais, e os efeitos que estar nesse lugar produz, parece ser banida pela valorização do mecanismo da participação em si (tanto por indígenas quanto por autoridades) e pela personalização de seus eventuais insucessos (Teixeira e Dias da Silva, 2019). Tal reflexão foi possível pela articulação entre observações das relações vividas na atenção básica à saúde indígena e a participação dos representantes indígenas nos espaços de controle social em Brasília. Em termos de inspiração teórica, foi fundamental reelaborar o conceito de violência como um tipo de relação em que está em disputa a legitimidade dos argumentos e das acusações manejadas pelos envolvidos e cuja atualização assume a forma de violência direta e/ou simbólica, a depender do contexto.

Olhando retrospectivamente, observo que grande parte das reflexões que desenvolvi ao longo da minha trajetória foram produzidas a várias mãos, em diálogo com alunos e alunas, em orientações, em reuniões de pesquisa, em pesquisas feitas em equipe, organização de coletâneas e em coautorias em artigos e capítulos de livro. Também as disciplinas que ministrei na graduação e no PPGAS/UnB foram sendo redirecionadas para acompanhar os interesses que se enredavam e desdobravam ao longo desse percurso de investigação[15]. Ao recuperar nas listas de oferta as disciplinas que se seguiram ao longo desses anos, percebo claramente os programas incorporarem meus novos problemas de pesquisa e inspirações teóricas: estudos antropológicos da vida política dentro e fora do Legislativo, políticas de saúde e saneamento (água), saúde indígena, cidadania e participação social, práticas estatais e tecnologias de governo, etnografia das instituições. O mesmo pude observar nos laboratórios e grupos de pesquisa que criei e nas orientações que assumi, tanto na graduação quanto no mestrado e no doutorado. Mais recentemente passei a orientar um número significativo de estudantes que combinavam seus campos de pesquisa com sua inserção profissional em instituições variadas: SESAI, FUNAI, INCRA, IPHAN[16], entre outras. Uma vocação que o PPGAS/UnB um dia, quando da coordenação de Gustavo Lins Ribeiro, quis transformar em um mestrado profissional voltado para refletir sobre o Estado. Em meu percurso, contudo, consistiu em um desdobramento das investigações às quais passei a me dedicar em torno da etnografia das instituições e das práticas de poder e de meu retorno ao Congresso Nacional.

Reflexões finais: etnografia das instituições, mentiras e segredos na política

A produção bibliográfica que resultou das investigações aqui alinhavadas concentrou-se em universos empíricos institucionais do Estado e problemas teóricos que articulavam práticas de poder, valores, emoções e linguagem em ação. Uma articulação que foi, a partir do início dos anos 2010, adensada em reflexões sobre a especificidade de se pesquisar elites diversas e, em particular, as elites políticas e burocráticas. Neste encadeamento de traçados possíveis, deu-se o convite de técnicos de planejamento e pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) para que eu ministrasse dois minicursos para eles: Metodologia e Técnicas de Pesquisa Qualitativa e Etnografia das Instituições (em 2011 e 2011/12 respectivamente). Tais experiências engendraram o interesse por parte de alguns pesquisadores do Ipea em realizar uma etnografia de seu próprio Instituto. Foram mais de dois anos de pesquisa, com uma equipe no Ipea-Brasília (sede) e outra no Ipea-Rio de Janeiro, resultando em artigos (Teixeira e Lobo 2018) (Nunes 2018), uma tese de doutorado (Nunes 2017) e um livro (Teixeira e Castilho 2020), várias apresentações em eventos científicos dentro e fora do país – além do fortalecimento de uma rede de pesquisadores nacional e latino-americana[17] que já vinha se atualizando em eventos, participação em bancas, coautoria de artigos, organização de coletâneas e que agora podia também se realizar em torno de projetos de pesquisa.

O desafio produtivo que enfrentamos se desenhava à medida que construíamos caminhos que articulavam criativamente: pesquisar entre pesquisadores, por meio de etnografia das interações face a face e dos documentos, em uma instituição que é parte da estrutura executiva do Estado, mas sem poder de decisão política e administrativa, e na qual há um elogio da autonomia, da diferença e da diversidade intelectual como virtudes, mas em permanente tensão com o exercício de produzir conhecimento para “assessorar o Estado” – foi o que chamamos de pesquisa como função de Estado (Teixeira e Lobo 2018). Pudemos, assim, sistematizar e avançar em conexões teórico-metodológicas já esboçadas, mas agora renovadas a partir das especificidades desse campo de pesquisa[18].

Nesse percurso, rastreamos as linhas de força da produção abarcada pelo guarda-chuva “etnografia das instituições e das organizações dentro e fora do Brasil” e apontamos ênfases distintas segundo os contextos nacionais (anglo-saxões, francês, português e brasileiro). Sobretudo, aí observamos o predomínio da etnografia de organizações em detrimento da etnografia dos processos de institucionalização. Procuramos, então, articular essas duas dimensões em um vai-e-vem entre observações, conversas e entrevistas em campo e pesquisa de documentos e memórias a fim de: (1) compreender a configuração contemporânea da instituição (organização, relações, formas de trabalho, produção, valores); mas também (2) os marcos do processo de construção dessa instituição (que nasce junto com o regime militar), tendo em consideração os diferentes momentos em que esses registros foram feitos (para quem falavam, quais os valores em vigor, intencionalidades em disputa, mas também as condições materiais e de poder do espaço social em que se inseriam).

Assim, seguimos a metáfora de que o Ipea seria um think tank – explicitada pelos nossos interlocutores e por seus fundadores em registros memorialistas – e logramos qualificar o Ipea como uma instituição em devenir. Mapeamos que o trânsito e a movimentação dos ipeanos se davam de forma complexa em meio a organizações diversas que, só para efeito de clareza, foram classificadas em campos sociais – com ênfase nos campos da política e da produção de conhecimento. Tal enquadramento nos permitiu compreender que a especificidade do Ipea seria justamente gozar de ambos os reconhecimentos: é parte das redes políticas e das acadêmicas; e manobra mediações distintas para se inserir em cada uma delas, afastando-se momentaneamente da outra. Sua força parecia advir não de uma “cultura organizacional” coesa ou de uma unidade moral, mas sim do manejo das diferenças por meio do elogio à diversidade e da habilidade em não transformar tensão em confronto ou embate direto, possibilitando que criassem conexões diversas por meio de linguagens científicas e políticas[19]. E, por essa dinâmica, se alternassem nas instituições centrais do governo executivo de acordo com as afinidades dos diferentes pesquisadores com a política de governo em tela. De tal forma que as relações de poder interna e externa à instituição se expressaram intrínsecas à noção de ethos: uma teia de significados tecida desigualmente ao longo do tempo, apenas provisoriamente estabilizada e sempre disputável.

A partir da consideração das relações de poder e da temporalidade na noção de ethos, pôde-se avançar na elaboração de alguns marcos indicativos dos processos de institucionalização (enquanto cognição, moralidade e prática): uma versão compartilhada sobre a história de construção da organização (“mitos racionalizados” de origem e de percurso); certa forma de definir o mundo (normas, valores, relações, mas também, sua produção de modelos, estatísticas, indicadores etc.) que é tomada como a própria realidade; conformidade entre demandas de eficiência técnica e eficácia simbólica (entre meios e finalidades); e, por fim, sua resiliência a desafios instrumentais, ou seja, a análises que busquem desautorizá-la a partir de argumentos que se baseiam no modo de fazer e nas técnicas.

O passo seguinte foi construir um projeto de investigação sobre o processo de institucionalização não de uma organização, mas de um campo de conhecimento: a antropologia em Portugal[20]. Uma escolha que teve como comparação implícita a antropologia no Brasil, por um lado, no lugar que a antropologia ocupou na chamada CPI da Funai e do Incra e que tive a possibilidade de acompanhar como diretora regional da ABA e como orientadora (Dalla Costa 2019); e, por outro, nas reflexões provocadas pela ABA sobre o campo da antropologia brasileira (Trajano Filho e Lins Ribeiro 2004, Teixeira e Dias da Silva 2015, Teixeira C. C. 2018, 2018a).

Os primeiros esforços de organização e interpretação do material produzido têm se desenvolvido no sentido de contribuir para a compreensão do processo de institucionalização recente da antropologia em Portugal a partir da atuação da Associação Portuguesa de Antropologia (APA) e em torno da mesma: os seus congressos, as suas redes e articulações. Toma-se por base pesquisa documental nos arquivos da Associação situados no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e no seu Website, entrevistas a antropólogos de diferentes gerações e com afiliações institucionais diversas, levantamento dos registos dos congressos da APA (e participação observante nos congressos de 2013 e 2019), bem como levantamento bibliográfico sobre a antropologia feita em Portugal. Com esse objetivo, esbocei uma sinopse da forma como antropólogas e antropólogos portugueses contam a história da disciplina (marcos, tensões e relação com a construção de Portugal como nação-império), para então situar a APA enquanto coprodutora desse percurso (Teixeira C. C. 2021).

Contudo ao mesmo tempo em que enveredava pela etnografia das instituições nos termos acima descritos (de organizações e de processos de institucionalização), voltei-me a refletir sobre a especificidade de pesquisar os políticos[21]. O retorno aos cadernos de campo da pesquisa do início dos anos 1990 tinha como foco, inicialmente, pensar as dificuldades de acesso aos parlamentares e a alguns espaços do Congresso Nacional. Um itinerário que me levou a refletir não sobre as barreiras físicas, mas sobre as dificuldades do próprio antropólogo em compreender o ponto de vista nativo quando os “nativos” são moralmente abjetos – como os políticos que estudara. O que se desdobrou, por sua vez, em ponderações mais gerais sobre o fazer pesquisa de campo com um tipo de sujeito que socialmente se antecipa que irá mentir, dissimular e omitir na interlocução com o pesquisador e com seus pares em espaços abertos ao escrutínio do antropólogo (Teixeira C. C., 2014).

Neste horizonte propus, no que concerne à primeira reflexão, considerar que o que antes era interpretado como uma dificuldade advinda do sujeito e do ambiente institucional investigado poderia ser resultado da interação de mútua rejeição entre pesquisador e pesquisado. No sentido de que com relação a certas elites, diferente do que fazemos com os chamados subalternos, podemos nos sentir desobrigados de entender a recusa a serem pesquisadas e também de empreendermos esforços para tornar a pesquisa interessante nos seus termos. Quanto à segunda ponderação, procurei levar a sério, nesse regresso ao parlamento, as inspiradoras elaborações de Simmel (1964) sobre o segredo e a mentira, nas quais afirma que: “As estruturas sociais variam profundamente de acordo com a medida de mentira que nelas operam”; bem como as reflexões de Weber (1999) e Arendt (2006) sobre as relações entre verdade e política. Não imaginava nesse momento o quanto o futuro próximo nos reservaria sobre produção de segredos, mentiras e verdades na política, o que se tornou mais visível a partir das eleições de 2014 e do processo de impeachment de Dilma Roussef em 2016.

Foi justamente o processo de impeachment de 2016 que me trouxe de volta à investigação no Congresso Nacional, o lugar onde começara minha trajetória em Brasília, mas agora com essas novas preocupações. O exercício reflexivo inicial deste retorno tomou o que havia apreendido sobre a categoria de decoro nos processos de cassação de mandato parlamentar como parâmetro para compreender a especificidade da categoria de crime de responsabilidade acionada nos processos de impeachment em nosso país – engendrando um segundo movimento comparativo entre os impeachments de Collor de Melo e de Dilma Roussef[22].

Em um segundo momento, a conclusão do processo, em agosto de 2016, possibilitou a leitura cuidadosa dos diversos documentos neste produzidos, dos registros impressos e audiovisuais e da cobertura jornalística; e o adensamento da percepção de que em situações de crise como um impeachment, portas se fecham e poucos querem falar (quando o fazem, em geral, a entrevista rende pouco). O que me levou a postular como mais produtiva certa abordagem transversal ao evento, no caso, via o embate documental por meio de documentos políticos (textos da acusação e da defesa, depoimentos, relatórios etc.) e por documentos considerados técnicos (do TCU, MPF e da consultoria do Senado). Uma proposição que trazia implícita a afirmação de que o método de observação participante não era o mais adequado para muitos contextos contemporâneos. Somava-me, assim, a vários antropólogos e antropólogas que vinham refletindo nesta direção, mas trazia uma elaboração própria a partir da situação de pesquisa em que me inseria com a seguinte indagação: quais as condições de possibilidade de produção de verdade num processo de impeachment?

Sob tal enquadramento, compreendi que, diferente dos processos por decoro parlamentar que são exclusivamente políticos, o processo de impeachment parece engendrar uma armadilha na medida que se baseia em uma categoria de crime (o de responsabilidade), mas é julgado e jogado por políticos dentro do Senado Federal, transformado temporariamente em tribunal de um tipo particular: um tribunal político. Nestes casos, a dimensão legal e factual na produção de provas, embora não possa estar ausente, revelou-se sempre englobada pela dinâmica política da persuasão. Pôde-se observar, ainda, que a produção de verdade, seja em termos factuais ou jurídico-processuais, parecia de difícil alcance nesse tipo de processo quando, como no caso de 2016, nada se configurava como parâmetro compartilhado ao embate de opiniões: nem fatos, nem normas e a produção do consenso político estava contida por regras (as jurídicas) que lhes são estranhas. Tal composição de dispositivos políticos e jurídicos mostrou, assim, sua dimensão paradoxal quando não se logrou fabricar uma concordância sobre as condições, as formas e as regras de produção da verdade sobre os crimes de responsabilidade cometidos pela presidente. Nem tampouco se conseguiu obter sucesso pela arte de persuadir que distingue a construção retórica da verdade tão cara à vida política – diferente do que havia ocorrido no processo de Collor de Melo em 1991.

Não houve, em 2016, uma versão ou interpretação concertada pelos políticos, como parlamentares considerados portadores do direito de dizer a verdade por terem sido eleitos e, portanto, representarem e expressarem a vontade da maioria da sociedade (ela própria profundamente dividida); nem arranjos formais ou jurídicos do processo nos quais procedimentos, testemunhos e pareceres técnicos obtivessem reconhecimento de todos na construção factual. Nesta lacuna, que se deu em conteúdo e forma e na relação entre ambos, o tecido social e o mundo comum se esgarçaram e o julgamento político-jurídico se apresentou como inconsistente para muitos, inclusive, para os que votaram a favor do impeachment, mas assumiram ter assim agido por razões de governabilidade do país e não pela existência de crime de responsabilidade.

Esse processo também possibilitou compreender, discordando dos que privilegiam os “bastidores do poder” na compreensão da política, como num estado democrático de direito o embate público é fundamental. Ser capaz de criar politicamente uma variedade de documentos, trazer à luz ou enterrar relatórios (através de documentos técnicos com conclusões opostas) e produzir registros abundantes (escritos e audiovisuais) sobre rituais legais de tomada de decisão podem ter efeitos decisivos em um mundo herdeiro da modernidade onde ver é saber e, como bem lembraram os Comaroff (2003), no qual a eficácia e a influência na política residem principalmente no controle da capacidade de revelar e ocultar, fazer a "realidade" aparecer e desaparecer.

Com relação à dimensão teórico-metodológica, destaco ainda as considerações sobre o valor da antropologia e da etnografia nas quais argumentamos que este reside em sua ambição de explorar os processos que constituem e transformam mundos particulares, que dão forma, reciprocamente, aos sujeitos, aos objetos e aos ambientes que permitem que certas coisas sejam ditas e feitas. Para tanto há que fazer o esforço de reunir fragmentos de eventos e preencher lacunas (silêncios, omissões, segredos, acusações de mentira etc.) para compreender como determinados desfechos são produzidos e que desafios colocam ao fazer antropológico – com observação participante ou não. Sem dúvida, muitas decisões e negociações ocorreram a portas fechadas. No entanto, seria errado concluir que esse era o lugar do poder. As manifestações de poder nos debates parlamentares representam e constituem simultaneamente a luta entre forças políticas que se atualizam em vários espaços; e em cada um deles, a luta se apresenta de uma maneira diferente.

Desta perspectiva, argumentamos que foi em virtude da forma como as disputas em torno do impeachment da presidente foram política e publicamente construídas dentro e fora do parlamento (embora este tenha sido o foco), que Dilma Rousseff se tornou agente de um crime de responsabilidade e perdeu o mandato ao longo desse processo. As regras do impeachment e as definições legais do crime de responsabilidade podem ter fornecido os termos retóricos e o enquadramento nos quais se argumentava a favor e contra, mas a verdade do crime se deu com esses significantes em ação num campo de produção simbólica e prática material permeado pelo poder de modos complexos. O que se observou, então, foi a fabricação de arranjos políticos metamorfoseados em evidências factuais históricas (Teixeira, Cruvinel e Fernandes 2020). Foi a disputa de interesses de diversos tipos que constituiu esse desfecho no qual fatos e opiniões foram borrados em sua distinção, mas não pelos manejos da ambiguidade da linguagem – como no caso das “bravatas” do deputado federal Sérgio Naya (Teixeira C. C. 2001). Estavam em confronto práticas e valores políticos, econômicos e ético-morais e cabe aqui uma lembrança: as relações teóricas com o valor a que me referi ao falar inicialmente da teoria de valor em Weber pressupõem que o confronto de valores não pode ser resolvido por meios científicos. Compreender esse processo, que agora vem a meu ver equivocadamente sendo chamado de “pós-verdade”, é o desafio a que me proponho nos próximos anos, em articulação com a institucionalização do falseamento dos fatos e da mentira na política. Um processo histórico, afinal, do qual fazemos parte e, infelizmente, não apenas como observadores ou sujeitos aos seus efeitos, mas também como agentes: ao apontarmos para as relações de poder na construção da verdade nas ciências contribuímos, inadvertidamente, para torná-la mais disputável em termos que nem de longe conseguimos antecipar. Reinscrevermo-nos neste processo é parte das condições para compreendermos esse mundo que eticamente rejeitamos, mas que historicamente integramos e ajudamos a criar. Um movimento cujo caminho talvez passe, essa é a minha aposta, por reelaborar a textura da experiência de construção dos fatos em termos que sua realidade empírica e material seja tão fundamental quanto os valores e poderes em disputa; buscando reunir assim o que a modernidade e a pós-modernidade, cada uma a seu modo, separaram.

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Notas

[1] Refiro-me ao Memorial para progressão a professora titular, apresentado ao Departamento de Antropologia da UnB em 23 de setembro de 2020.
[2] Refiro-me ao Grupo de Trabalho permanente na ALA denominado Antropologia do Estado e das Instituições, no qual desempenho, desde sua instituição em 2018, a coordenação nacional para o Brasil. Para maiores informações sobre sua composição e atividades realizadas, consultar https://www.asociacionlatinoamericanadeantropologia.net/index.php/2016-03-16-03-49-05
[3] Tratava-se da disciplina ofertada pelo historiador e antropólogo Ricardo Benzaquen no início dos anos 1980.
[4] O estudo mais recente de Bonetti (2009) sobre o Fórum de Mulheres de Pernambuco indica padrão similar de exclusão dos homens.
[5] Martha, pseudônimo que adotei para tentar preservar sua autonomia, entrara para o Fórum por meio de uma conhecida que o integrava, mas que, de certa maneira, compartilhava algumas de suas ideias como, por exemplo, a necessidade de incluir os homens na luta feminista.
[6] Para as/os interessadas/os neste debate em sua diversidade sugiro as já clássicas reflexões sobre feministas e antropólogas de (Strathern 1987), bem como a diferença de argumentos entre (Simião 2006) e (Machado 2010) e a consulta aos periódicos especializados como o Cadernos Pagu https://www.scielo.br/j/cpa/
[7] Exceção na época foi a dissertação de mestrado de Maria Filomena Gregori, defendida em 1988. Desenvolvida no grupo SOS-Mulher de São Paulo, aborda de uma perspectiva crítica e a partir de densa etnografia os efeitos de sua forma de organização, do atendimento prestado e das atitudes e valores das feministas que o compunham (Gregori 1992).
[8] Levantamento realizado no Scielo em 28/04/2020. Das 97 referências encontradas na WoS área temática Antropologia, nenhuma apresentava abordagem afim.
[9] Sem falar que um filho estava a caminho, o que, nos meus cálculos, dificultaria pesquisa de campo prolongada em locais distantes.
[10] As publicações produzidas pelos pesquisadores do NuAP podem ser consultados em http://nuap.etc.br/ (Acesso em: 1º set 2021).
[11] Pesquisa recente de Maíra Moraes no Congresso Nacional sobre fake news aponta que a honra parlamentar nesse novo contexto guarda sentidos de distinção, aproximando-se de uma “democracia aristocrática” (Moraes 2021).
[12] Embora a expressão “decoro parlamentar” seja utilizada em instituições legislativas de outras democracias representativas modernas, nesses contextos adquire sentidos marcadamente distintos aos da experiência brasileira.
[13] Além de relatório de pesquisa (Aquere, Teixeira e Bernardes 2007) e artigo (Teixeira e Dias da Silva 2011), essa experiência foi registrada em um pequeno vídeo por mim gravado para a comemoração dos 60 anos da UnB e pode ser visto em UnB nos 60 anos de Brasília - Professora Carla Costa: Departamento de Antropologia - YouTube (Acesso em: 1º set. 2021).
[14] O LASS existiu até 2013, quando foi transformado em Laboratório de Etnografia das Instituições e das Práticas de Poder (LEIPP/DAN/UnB) devido às políticas de água e saneamento terem se tornado um dos eixos e não mais o foco das investigações em desenvolvimento pelos pesquisadores vinculados. No percurso de existência do LASS destaco: o projeto “Percepções e Usos da Água em Pequenas Comunidades: uma abordagem antropológica” (Edital Funasa 2003); a Oficina de Antropologia da Saúde (Convênio Xavante UnB/Funasa, realizada para equipe de saúde Xavante em 2006); o projeto: “Indigenous Sanitation and Health Policies: a comparative perspective between Brazil and Canada” (pesquisa exploratória em 2008 com recursos International Council of Canadian Studies-ICCS, Canadian Embassy; e em 2009-2010 na Simon Fraser University ,CA com recursos CAPES).
[15] Em 1999, pouco depois que ingressara como professora permanente, o primeiro curso na pós-graduação foi sobre Simmel e Schutz – recuperando interesses que dominaram minhas preocupações antropológicas iniciais. Um curso que lembro com saudade e do qual resultou a publicação de uma coletânea com os trabalhos das alunas, dentre as quais várias hoje são minhas colegas de departamento: Andréa Lobo, Juliana Dias, Kelly Silva e Soraya Fleischer (Teixeira C. C. 2000). Esse curso teria outras versões e seria adaptado com sucesso também para a graduação.
[16] A orientações concluídas com essa característica foram (Stibich 2019, Dalla Costa 2019, Reis R. A. 2015) e em andamentos são (Rabelo 2018, Dianovsky 2017, Tardelli 2018).
[17] Destaco a formação do Grupo de Trabalho permanente “Antropologia do Estado e das Instituições”, que congrega instituições argentinas, mexicanas, colombianas e brasileiras, no qual exerço a direção para o Brasil. Ver https://www.asociacionlatinoamericanadeantropologia.net/index.php/2016-03-16-03-49-05
[18] Esse empreendimento foi compartilhado com Andréa Lobo (DAN/UnB) e Sérgio Castilho (ICS/UFF), que coordenaram as equipes locais em Brasília e Rio de Janeiro que precisavam por mim ser articuladas como coordenadora geral do projeto – sem os quais essa investigação não teria sido possível.
[19] Em pesquisa recente, Márcio Queiroz investigou a Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) em Sâo Paulo e, sob inspirações de nossas reflexões sobre o Ipea, pode reconhecer posicionamento similar desta instituição nas fronteiras internas da estrutura estatal (Queiroz 2021)
[20] Essa pesquisa realizei como investigadora visitante no Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, durante o ano de 2019 – tendo para tal recebido uma bolsa CNPq.
[21] Agradeço o convite feito por Antonio Carlos de Souza Lima (MN/UFRJ) para apresentar tais considerações na Mesa “Fazendo Estado: reflexões antropológicas sobre processos de formação estatal” na IX Reunião de Antropologia do Mercosul em 2011.
[22] Tal argumento interpretativo resultou em uma apresentação no Fórum “Entre o Legislativo e o Judiciário – a política brasileira em debate”, organizado pela direção da ABA na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, ainda durante o processo de impeachment em 2016.


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