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Recepción: 05 Agosto 2021
Aprobación: 23 Mayo 2022
DOI: https://doi.org/10.4000/aa.9727
Resumo: O artigo discute o Programa Criança Feliz (PCF), voltado à educação para a primeira infância, buscando compreender suas articulações com o Programa Bolsa Família (PBF), uma política social de transferência de renda condicionada. Ao analisar essas políticas, a partir de pesquisa etnográfica realizada em um município da Paraíba, nosso objetivo central é refletir sobre esses programas como tecnologias de governo tendo por base as implicações da relação entre políticas públicas, família e gênero. Trata-se de programas que têm por pressupostos a universalidade da categoria “infância” e a prática do cuidado como uma atribuição feminina. A principal ação do PCF são as “visitas domiciliares”, efetivadas a partir do trabalho das “visitadoras”, mulheres que acompanham as crianças em suas residências propondo atividades educativas para estimular o desenvolvimento infantil. Essa perspectiva permite relacionar o PCF com o PBF – um programa que responsabiliza mulheres pelo cuidado, por meios de uma série de condicionalidades. Ao mesmo tempo, indica as especificidades do PCF que, por meio das “visitas domiciliares”, procura desenvolver habilidades de crianças de 0 a 6 anos e de suas cuidadoras com a aposta de melhora de suas vidas – no futuro.
Palavras-chave: Etnografia do Estado, Programa Criança Feliz, Programa Bolsa Família, Gênero, Primeira Infância.
Abstract: The article discusses the Programa Criança Feliz (PCF) (Happy Child Program), aimed at early childhood education, seeking to understand its articulations with the Programa Bolsa Família (PBF) (Family Grant Program), a conditional cash transfer social policy. By analyzing these policies, based on ethnographic research carried out in a municipality of the State of Paraíba, our main goal is to reflect on these programs as government technologies based on the implications of the relationship between public policies, family and gender. We interpret these both programs as a government technology that presupposes the universality of the category “childhood” and the practice of care as a feminine attribution. The main action of the PCF is the “visitas domiciliares” (“home visits”), carried out from the work of the visitadoras (“visitors”), women who accompany the children in their homes, proposing educational activities to stimulate child development. This perspective allows us to relate the PCF with the PBF – a program that makes women responsible for care, through a series of conditionalities. At the same time, it indicates the specifics of the PCF that, through the “home visits”, the aim is to develop the skills of children aged 0 to 6 years and of their caregivers, with the aim of improving their lives – in the future.
Keywords: Ethnography of the State, Happy Child Program, Family Grant Program, Gender, Early Childhood.
Prólogo
Nosso primeiro contato com a equipe técnica do Programa Criança Feliz (PCF), em fevereiro de 2019, ocorreu durante o treinamento da nova equipe de visitadoras. Essa equipe iniciaria suas atividades na semana seguinte. A supervisora, que nos convidara a participar desse momento de formação em formato de uma roda de conversa, permitiu gentilmente que não apenas acompanhássemos a reunião, como pediu que as integrantes da equipe compartilhassem conosco o que vinham aprendendo ao longo da semana. Solicitou também que as participantes veteranas nos apresentassem o material que haviam desenvolvido para a realização das visitas.
Uma das visitadoras veteranas apresentou rapidamente o “livro sensorial” que havia confeccionado, um livro volumoso feito de material emborrachado e flexível (E.V.A) trazendo diversos materiais em cada página: letras, números, figuras com texturas, cores e sons. Outra integrante da equipe apresentou a “caixa surpresa”, que, de tamanho um pouco maior que uma caixa de sapatos, e colorida, tinha um buraco com tiras cortadas e coladas em torno desse círculo, que caíam para a parte interna da caixa. Ela nos ensinava que a criança deveria pôr a mão nessa abertura para pegar os objetos. Vimos um em formato de bichinhos, um guarda-chuva, dentre outros que ela retirava da caixa. A visitadora orientava: “A mãe deve pegar o objeto, dizer o nome dele e recompensar a criança, parabenizando porque ela pegou o objeto”.
A apresentação dos materiais fabricados foi o fechamento da atividade de formação. A pergunta lançada à equipe naquele momento foi: qual a importância do vínculo familiar? Dentre as respostas dadas pelas novas visitadoras em treinamento, pudemos ouvir: “crescer profissionalmente” e “crescer principalmente na escola”. Quando a supervisora perguntou se os cuidados na primeira infância seriam essenciais, ouvimos: “Sim. Principalmente para os mais carentes”, pois “quando a pessoa é pobre já chega em desvantagem no mercado de trabalho”.
Naquela reunião que durou cerca de uma hora, ouvimos repetidas vezes que as atividades a serem conduzidas deveriam contribuir para “estimular a criança” e fortalecer o “vínculo familiar”.
Das condicionalidades do Programa Bolsa Família ao Programa Criança Feliz – uma trajetória de pesquisa[1]
Antes de pesquisar o Criança Feliz, estávamos interessados em compreender a produção de enunciados sobre o Programa Bolsa Família (PBF) e suas condicionalidades, principalmente aquelas na área da saúde (Nascimento 2016). Em pesquisa realizada entre os anos 2013 e 2018, na mesma cidade, as condicionalidades do PBF foram compreendidas como tecnologias de governo utilizadas para o alcance de metas dos serviços de saúde. Mais que estímulo ao acesso a serviços, percebemos as condicionalidades serem utilizadas como estratégias de controle da população baseadas, sobretudo, na ameaça de corte do benefício (Nascimento e Lima 2018).
O Programa Criança Feliz ganhou centralidade em nossa análise pela diversidade de questões que articula em termos de gênero e de noções acerca do desenvolvimento infantil, e por estar, ao mesmo tempo, vinculado ao Programa Bolsa Família. Identificamos elementos de continuidade entre essas ações governamentais, como a importância dos serviços de saúde para o contato com as famílias participantes do programa e a moralidade que orienta as ações.
Buscamos compreender a articulação entre estes dois programas governamentais, tendo como foco os pressupostos que orientam as ações voltadas especificamente para as mulheres e as crianças. Consideramos, nesse processo, as ramificações do PCF em termos da compreensão global do que é a infância, a maternidade, e o lugar do cuidado para o desenvolvimento infantil, por meio do entendimento de que o “estímulo à criança”, promovendo o “vínculo familiar”, permite um “futuro melhor” para as crianças e suas famílias.
Neste artigo, nosso principal objetivo é refletir sobre o Programa Criança Feliz como uma tecnologia de governo tendo por base as implicações da relação entre políticas públicas, família e gênero. Ao analisar essas políticas, buscamos compreender como práticas de governo específicas estão comprometidas com certas moralidades relativas ao entendimento a respeito daqueles a que se dirigem: os pobres, as mulheres, as famílias, a população. Tecnologias de governos são aqui consideradas como:
[…] formas de intervenção orquestradas através de um agregado de forças (legais, profissionais, administrativas, orçamentárias), técnicas de implementação (capacitação, execução, avaliação) e conhecimentos autorizados cunhados para regular as decisões e práticas de indivíduos, grupos e organizações conforme determinados critérios (Fonseca e Machado 2015, 13).
Partimos da compreensão de que essas práticas de Estado, por não se dirigirem da mesma forma aos diferentes sujeitos, promovem a reprodução de desigualdades estruturadas em termos de gênero, raça e classe (Hirata 2014). Essas práticas contribuem para produzir e reproduzir representações e identidades de gênero comprometidas com certas moralidades que se inserem em um processo de politização da maternidade (Meyer 2005, Dal’igna, Klein e Meyer 2014) ou educação para a maternidade (Klein 2010), no qual moralidades maternas são aplicadas como práticas institucionais (Fonseca 2012).
Para este fim, nossos argumentos estão divididos em duas partes, além desta introdução. Em um primeiro momento, apresentaremos brevemente o Programa Criança Feliz do ponto de vista oficial, destacando sua criação e os princípios que o organizam. Apoiados na discussão antropológica sobre infância e família, discutiremos também o PCF a partir de pesquisa etnográfica em município da Paraíba, nordeste do Brasil[2], apresentando os caminhos da pesquisa e as principais questões relacionadas à forma local de organização do programa e sua dinâmica baseada, principalmente, na ação das visitadoras. Na segunda parte do artigo, refletiremos sobre as implicações da implementação programática do modelo universal de infância e sua ênfase no desenvolvimento infantil dos primeiros anos de vida e a relação estabelecida entre o Criança Feliz e os usos das condicionalidades do Bolsa Família feitos pela gestão local.
Situamos nossa análise no campo de estudos sobre políticas de Estado, os modos de governo e as práticas de poder em que o Estado é produzido em relações específicas nas quais racionalidade estatal e moralidades se mesclam na prática cotidiana (Ferguson e Gupta 2002, Castilho, Lima e Teixeira 2014, Fonseca e Scalco 2015). Esta perspectiva permite lidar com uma compreensão de Estado a partir de suas práticas cotidianas em que racionalidade e moralidade interatuam – tanto da parte do "Estado", como da parte dos sujeitos a que as políticas se destinam e seus múltiplos mediadores. A noção de coprodução desenvolvida por Sheila Jasanoff (2004) e utilizada por Fonseca e Machado (2015) colabora para essa compreensão que nos leva a considerar os diversos sujeitos envolvidos na produção daquilo que investigamos – gestores, crianças, documentos oficiais, materiais educativos, visitadoras, mulheres.
Buscamos, assim, aproximar-nos de uma abordagem metodológica focada em uma etnografia do Estado. Esta abordagem é orientada pela compreensão foucaultiana de governamentalidade (Foucault 2008a), que colabora para o entendimento das formas contemporâneas de governo das populações (Foucault 1988, 2005, 2008a, 2008b; Rabinow e Rose 2006; Fassin 2009). O conceito de governamentalidade, como nos dizem Fonseca e Machado, inclui mecanismos e racionalidades políticas e estatais que “administram e regulam populações, mas que, simultaneamente, convocam mentalidades e subjetividades, convidando o próprio sujeito, sob a tônica da autonomia, a participar ativamente na gestão e administração do poder”. Dessa forma, compreender as tecnologias de governo produzidas nessas relações implica em considerar como sujeitos são produzidos na própria formação do Estado (Fonseca e Machado 2015, 13).
Igualmente essa análise não prescinde de nossas percepções como autor e autora posicionados, orientados por uma perspectiva feminista de conhecimento situado, nos termos de Donna Haraway (1995), que não pressupõe uma separação irredutível entre essa posição e nossa prática de pesquisa.
Programa Criança Feliz: a primeira infância como agenda de Estado
O Programa Criança Feliz está diretamente relacionado ao Programa Primeira Infância Melhor (PIM), criado em 2003, em Porto Alegre. No ano de sua implantação, o secretário de Saúde do Rio Grande do Sul era Osmar Terra, que em 2016 assumiu, na gestão do Presidente Temer, o Ministério do Desenvolvimento Social, tornando-se ministro da Cidadania no Governo Jair Bolsonaro até janeiro de 2020. Em matéria veiculada em 2018, Osmar Terra afirmava que “transferência de renda sozinha não reduz a desigualdade”. Por esta razão, defendia a necessidade de o Programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) contarem com uma “ação de longo prazo voltada ao desenvolvimento humano" (Osmar Terra 2018).
O PCF foi instituído por meio do Decreto nº 8.869 em outubro de 2016, logo após Michel Temer assumir interinamente o cargo de presidente da República (Atos do Poder Executivo 2016). Esta foi a primeira medida do governo federal para atender ao Marco Legal da Primeira Infância, Lei nº 13.257 (Atos do Poder Legislativo 2016), elaborado no governo Dilma Rousseff. É definido como um programa de caráter interseccional que tem como finalidade a promoção do desenvolvimento integral de crianças na primeira infância, período que compreende a faixa etária de 0 a 6 anos.
Foram estabelecidos como objetivos do PCF a promoção do desenvolvimento da criança a partir do apoio e do acompanhamento do desenvolvimento infantil na primeira infância; o apoio à gestante e à família para o nascimento e os primeiros cuidados com o bebê; o fortalecimento de vínculos familiares e do desempenho na função de cuidar e de educar os filhos; e a mediação do acesso às políticas e serviços públicos pelos assistidos (Atos do Poder Legislativo 2016). A adesão dos municípios ao programa é voluntária (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário 2017), e as famílias também aderem voluntariamente ao programa, por meio do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS).
Contextualizando o Programa Criança Feliz
Antes daquele encontro com a equipe em fevereiro de 2019, descrito inicialmente, já tínhamos feito uma visita ao CRAS e outra à Secretaria de Assistência Social em busca de informações sobre o PCF até que fomos apresentados à supervisora do programa. O trabalho de campo foi realizado entre fevereiro e junho de 2019. Durante esse período também acompanhamos cerca de 23 visitas domiciliares. Ao todo foram 14 encontros presenciais: 6 com as equipes técnicas, quando nos encontramos apenas com servidoras da rede de assistência social e equipe do PCF (visitadoras e supervisora), e 8 encontros de acompanhamento de visitas, que nos colocou em contato com as visitadoras do PCF e as mulheres beneficiárias do programa. Esses encontros aconteceram, na maioria das vezes, durante um dos turnos, manhã ou tarde. Além do acompanhamento das atividades relativas ao PCF (reuniões com a equipe e visitas domiciliares), registradas em diário de campo, o material empírico da pesquisa etnográfica foi produzido também a partir da análise de documentos oficiais relativos ao programa, particularmente o Guia para visita domiciliar.
A escolha das equipes de visitadoras que acompanhamos foi feita pela supervisora do PCF. Contatávamos previamente (por chamadas telefônicas, mensagens de WhatsApp ou mesmo em conversas no final dos turnos de visita) a supervisora ou as visitadoras para agendar os encontros, tratando de negociar horários e dias que melhor se encaixassem nas suas agendas de trabalho. A praça central da cidade, a sede do PCF ou a entrada do campus IV da UFPB eram os locais onde geralmente nos juntávamos à equipe e éramos conduzidas aos domicílios das cuidadoras por um motorista da prefeitura no veículo a serviço do programa. Nossas interlocutoras do PCF foram a supervisora do programa, 2 visitadoras que trabalhavam no programa há pelo menos dois anos e 3 outras visitadoras que estavam na equipe ainda em formação.
Embora a supervisora tenha mantido a abertura para nossa participação na pesquisa e as visitadoras tenham gentilmente nos permitido acompanhar seu trabalho, percebemos, ao longo dos meses, que havia certo constrangimento por parte das visitadoras com a nossa presença, como se constituísse em mais um elemento de vigilância a seu trabalho, o que nos fez suspender essa atividade. No segundo semestre daquele ano, fizemos contato por telefone com a supervisora em diferentes momentos, mas não tivemos êxito em agendar um novo encontro, tanto para dar retorno da experiência da pesquisa já realizada como para planejar nova etapa. Nosso cronograma previa o início de uma nova fase de trabalho de campo no início de 2020, para estabelecer um diálogo direto com as beneficiárias fora do contexto das visitas domiciliares, e sem a mediação da equipe técnica, para que pudéssemos nos debruçar sobre a compreensão dessas mulheres sobre o PCF e as noções que ele articula, plano que foi interrompido pela pandemia da covid-19. Assim, é importante destacar que, embora tenhamos mantido contato regular com as mulheres beneficiárias do programa nas visitas, não foi possível aprofundar naquele momento, as perspectivas dessas mulheres sobre o funcionamento do programa e sobre as interpretações que trazemos neste artigo.
A equipe estava composta à época por uma supervisora com formação em psicologia e 11 visitadoras, nove mulheres e dois homens. Cinco dessas visitadoras trabalhavam desde a adesão da gestão municipal ao Criança Feliz, em 2017, enquanto os demais começaram a atuar em março de 2019 atendendo um total de 308 beneficiários. As exigências para contratação das visitadoras são: 1) ter concluído o ensino médio, 2) ter no mínimo 18 anos, e 3) passar por um processo de capacitação. Dado que a equipe é formada em sua maioria por mulheres, as nomearemos como visitadoras.
As visitadoras recebem um salário-mínimo por mês para atender ao menos 30 beneficiários. A orientação da supervisora é que mantenham o número de atendidos sempre acima da meta, pois os critérios para inclusão e permanência de “usuários” – como são referidos os integrantes do PCF – leva a uma constante rotatividade de famílias participantes. As crianças de famílias beneficiárias do Bolsa Família são desligadas do Criança Feliz ao completarem 3 anos. O desligamento também acontece quando a criança passa a frequentar uma creche ou pré-escola. A supervisão aplica um sistema de controle de visitas que poderia acarretar descontos no valor recebido pelas profissionais, operado por meio de listas que deveriam ser assinadas pela gestante ou a(o) responsável pela criança ao final do atendimento, a fim de atestar a realização da visita e evitar possíveis fraudes, de acordo com a supervisora.
As ações do Programa Criança Feliz são colocadas em prática centralmente por meio das visitas domiciliares. A metodologia utilizada é a CDC (Cuidados para o Desenvolvimento da Criança), desenvolvida e cedida pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) / OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), definida como uma metodologia “pautada na orientação e no apoio aos esforços das famílias sobre a vinculação e cuidados para o desenvolvimento da criança” (Ministério do Desenvolvimento Social 2017, 30).
Essas visitas consistem em recomendações de como as mulheres devem brincar e cuidar de suas crianças de acordo com os padrões propostos pela CDC para cada faixa etária do desenvolvimento na primeira infância. São fornecidas às visitadoras tabelas que indicam quais são as características gerais esperadas de uma criança com determinada idade. O Guia para visita domiciliar orienta que seja respeitado “o ritmo diferenciado de aquisições no desenvolvimento de cada criança” (2017, 64) e a importância do processo de perguntar e escutar a cuidadora para que se possa fazer um acompanhamento mais apurado e atividades apropriadas para o contexto em que vive (Ministério do Desenvolvimento Social 2017, 32). No entanto, durante as visitas pudemos observar que mesmo que a visitadora mantenha esse tipo de diálogo com a cuidadora, na maioria das vezes acabam por não conseguir manter um acompanhamento meticuloso de cada criança que atendem, seja por falta de tempo, de recursos, de sobrecarga de trabalho, como elas mesmas justificaram algumas vezes, e mesmo pela ausência de capacitação profissional adequada para esse tipo de trabalho, como veremos mais detalhadamente adiante.
A equipe era distribuída internamente em duplas para atender às diferentes localidades cobertas pelo programa no município. Ao chegar aos bairros, a dupla se dividia e cada visitadora se dirigia às casas das famílias que deveria visitar naquele dia, uma após a outra. Todas as famílias de um mesmo local eram atendidas de acordo com um cronograma estabelecido pelo programa, não podendo escolher o dia que melhor caberia em sua rotina para receber as visitadoras. A dificuldade de deslocamento até os locais das visitas, muitas vezes distantes uns dos outros e em áreas rurais, nos parece ser o fator condicionante dessa organização. As visitas domiciliares que acompanhamos tinham duração média de 20 minutos[3] e eram divididas pelas profissionais em 3 momentos: chegada, desenvolvimento da atividade e encerramento. Na primeira etapa, a visitadora era recebida pela cuidadora (termo utilizado pela equipe para se referir às mulheres encarregadas dos cuidados com as crianças) perguntando sobre seu bem-estar e do(a) filho(a). Em seguida questiona se a mulher reproduzira o brinquedo da última visita para dar continuidade à atividade, referida como “tarefa de casa”. Essa expressão é utilizada por algumas visitadoras para se referir à tarefa da cuidadora de reproduzir em casa os materiais e atividades propostos durante as visitas. Nas situações acompanhadas por nós, elas raramente reproduziam os materiais para as atividades fora do momento da visita. É importante salientar que o Guia destaca que “as atividades planejadas e propostas pelo(a) visitador(a) não são tarefas para o(a) cuidador(a), são recomendações” (Ministério do Desenvolvimento Social 2017, 36), porém pudemos perceber certa cobrança para que as cuidadoras dessem continuidade às brincadeiras no decorrer da semana.
No segundo momento, a atividade era proposta e a visitadora recomendava que a mãe a colocasse em prática com a criança. Enquanto a mulher cuidadora brincava com o(a) filho(a), a visitadora explicava sobre os objetivos da brincadeira: estimular a coordenação (motora) e/ou a fala, fortalecer o vínculo com os pais, reconhecer cores etc. As visitadoras costumam utilizar materiais de fácil acesso, como garrafas PET, sementes, tecidos, papel e lápis, entre outros.
O terceiro e último momento da visita geralmente era utilizado para o recolhimento da assinatura da cuidadora e para dar-lhe recomendações sobre a tarefa de casa da semana. Também era nesse momento que a família costumava informar alguma dificuldade para acessar serviços como saúde e assistência social, o que as visitadoras prontamente buscavam solucionar.
Repercussões
Além dos desafios pontuados até aqui, à época de seu lançamento o PCF foi questionado em diversos aspectos, que consideramos pertinente ainda trazer à tona antes de nos encaminharmos para a segunda parte de nossa argumentação. A articulação intersetorial proposta pelo Criança Feliz é um de seus pontos controversos e foi duramente criticada pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), que acusa a falta de diálogo do Governo Federal com a sociedade civil e com os conselhos das políticas de intersetorialidade do programa (CFESS 2017). De acordo com a análise feita pelo conselho, o PCF foi alocado à parte do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), do Sistema Único de Saúde (SUS), da educação infantil e das demais políticas públicas formuladas com base nos direitos sociais dispostos na Constituição Federal de 1988 (CF-88), além de prever parcerias com órgãos e entidades públicas ou privadas, movimento que abre caminho para investimentos do terceiro setor e para a desresponsabilização do Estado no financiamento e execução do programa.
A Confederação Nacional de Municípios (CNM), por meio de estudo feito por sua área técnica de Assistência Social, comparou o orçamento da LOA (Lei Orçamentária Anual) destinada ao Programa de Consolidação do Sistema Único de Assistência Social dos anos de 2016 e 2017, valores que são utilizados para manter a gestão e a execução dos serviços socioassistenciais e demais ações realizadas pelo SUAS, e identificou um corte de mais de R$ 471 milhões de reais no orçamento para cofinanciamento do SUAS em 2017. A CNM “acredita que há a possibilidade de o valor [...] ter sido utilizado/remanejado para custear a implantação e implementação do novo programa federal [Programa Criança Feliz]” (Confederação Nacional dos Municípios 2017a, 2), hipótese levantada também pela nota do CFESS mencionada anteriormente, visto que o valor destinado ao Criança Feliz (R$ 328 milhões) estaria próximo do valor do corte daquele ano.
Em outro documento, a CNM apresenta um estudo para avaliar os impactos orçamentários da adesão ao PCF sobre os municípios. A organização aponta que o valor destinado aos municípios não cobre nem a totalidade dos custos com a folha de pagamento das equipes, entre outras limitações (Confederação Nacional dos Municípios 2017b, 12). Alerta também para a instabilidade jurídica do programa que, até então, conta apenas com decreto e resoluções para orientar os municípios quanto à sua implementação e que não garantem a atualização dos valores dos repasses federais, a continuidade do programa, a possibilidade de algum cofinanciamento estadual e não são claros quanto à forma de contratação dos profissionais.
A focalização do Criança Feliz em uma faixa etária específica (0 a 6 anos) é outro ponto controverso, pois, segundo alguns de seus críticos, fere o direito de igualdade e universalidade dos direitos fundamentais da CF-88 e a definição de infância dada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), priorizando determinada faixa etária (SPOSATI 2017, 531).
Pode-se identificar certo consenso entre esses textos críticos ao Criança Feliz no que diz respeito à suposta inovação que o programa representaria: considerando-se a existência de uma estrutura técnica e de uma série de ações realizadas pela política de assistência social que já buscam alcançar objetivos similares aos propostos pelo PCF, como o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif), o programa não seria tão inovador como se anuncia, apresentando-se como uma versão subfinanciada e instável juridicamente de outras ações que já são operadas no âmbito SUAS.
Busca ativa e relação com outros programas e serviços locais
A convite da supervisora do PCF, acompanhamos a busca ativa por famílias feita pelas novas visitadoras e o processo inicial de aproximação com os beneficiários. Nessa busca, as visitadoras foram a um bairro da cidade identificado pelo grupo como “área de vulnerabilidade socioeconômica” e procuraram a Unidade de Saúde, pois, segundo a supervisora, são as agentes de saúde que conhecem os beneficiários e poderiam repassar as informações sobre as famílias com crianças e/ou gestantes.
As visitadoras e a supervisora buscaram no “boca a boca” as famílias com possíveis beneficiários, enquanto aguardavam os dados via agentes de saúde. Esse primeiro contato da equipe em formação servia para que dúvidas sobre o procedimento fossem sanadas, como, por exemplo, a possibilidade de cadastrar ou não uma família em que a criança completaria 3 anos dali a 5 meses. O entendimento era de se fazer o cadastro da família, mesmo nessa condição, pois depois poderia encontrar outra criança que pudesse substituí-la. Foi reforçada também a necessidade de cadastrar o máximo de crianças, dada a possibilidade de descontinuidade dos cadastros.
Naquela oportunidade, a equipe conseguiu que algumas famílias aderissem ao Programa, como uma mulher que aceitou receber o serviço para seus netos. Durante sua conversa com a visitadora, ela conta que está em vias de se aposentar e quando isso acontecesse seria desligada do PBF, por isso precisava que sua filha, mãe da criança, migrasse o benefício para seu nome. A conversa explicitava o medo da mulher em fazer essa mudança e assim perder o benefício, indicando o desconhecimento da parte dos beneficiários sobre as regras de funcionamento do Programa (Nascimento 2015, 2016, 2017; Nascimento e Lima 2018).
Posteriormente, em uma visita a três áreas rurais do município, as famílias reclamaram sobre não ter havido atendimento nas três semanas anteriores. As visitadoras justificaram que não conseguiram cobrir toda a área no turno marcado com as beneficiárias e ficamos sabendo depois, pela supervisora do Programa, que problemas de transporte impediram a equipe de chegar aos locais durante esse período. Algumas dessas famílias se mostraram preocupadas em perder o benefício do Bolsa Família em razão do não cumprimento das visitas por parte das profissionais, e outras fizeram perguntas sobre a relação do PBF com o PCF: buscavam saber se a participação no segundo seria uma condição para continuar a receber o valor referente ao primeiro. A precisão das informações dadas às famílias sobre a articulação entre os dois programas parecia variar de acordo com o conhecimento que as visitadoras tinham sobre eles e/ou a segurança que tinham em relação à permanência das famílias que atendiam: ao mesmo tempo em que algumas visitadoras, principalmente as mais experientes, diziam às beneficiárias que a participação no PCF não se configura como mais uma condicionalidade do Bolsa Família, uma profissional da equipe nova afirmava que o Programa oferece maior segurança para o recebimento do benefício.
Ao acompanhar o preenchimento dos formulários[4] de diagnóstico dos beneficiários, percebia-se certo receio das famílias em responder a perguntas sobre quais eram seus meios de transporte, quando possuíam algum, mesmo que a visitadora informasse, ao notar o nervosismo da pessoa, que os dados obtidos não seriam repassados à gestão municipal do Bolsa Família.
Para as famílias que moram em regiões mais afastadas do centro da cidade, onde está localizado o setor de cadastramento e gestão do Bolsa Família, as visitadoras e as agentes de saúde são mediadoras fundamentais para que esses beneficiários tenham acesso às informações sobre o programa. Certas compreensões de que “o Bolsa Família é só para famílias com filhos” e “se alguém da casa tiver carteira assinada não tem direito a receber, mesmo que tenham 10 pessoas na família” são informações repassadas pelas visitadoras que não condizem com o que o programa estabelece. Em uma das visitas, perguntamos se elas haviam recebido alguma capacitação sobre como funciona o PBF, visto que à época o PCF atendia exclusivamente as famílias beneficiárias do Bolsa, ao que elas responderam que não.
Esse “medo do corte” do benefício do Bolsa Família por parte das famílias que aderem ao Criança Feliz é uma constante, fruto da falta de informação em relação ao funcionamento e articulação dos dois programas. O que se mostrava como dado novo ali era o medo das visitadoras novatas de que as famílias desistissem dos atendimentos, decisão que poderia refletir futuramente em seus salários e que faria com que tivessem que procurar uma nova beneficiária para substituí-la. Além disso, essas formas discordantes de interpretação contribuem no processo de comparações e disputas acerca de quem se encontra no perfil e, assim, deveria ou “mereceria” fazer parte das atividades e ter acesso aos benefícios dos programas relacionados (Nascimento e Xaxá 2020).
Sobrecarga de trabalho e capacitação deficitária das visitadoras
Em um dos encontros com a equipe, foi-nos relatado que entre as novas visitadoras se encontravam uma oficineira e um oficineiro, responsáveis por conduzir as reuniões do grupo para elaboração de materiais. No decorrer da conversa, as visitadoras nos contaram que antes mesmo de produzir as atividades, que devem se adequar a cada fase de desenvolvimento da primeira infância, cada uma delas tem o dever de conversar com as mães que atendem para saber quais são as dificuldades que a criança enfrenta e quais são as brincadeiras que prefere. Esse planejamento é preconizado pelo Guia na sessão dedicada à metodologia das visitas:
É essencial a identificação de atividades comunicativas e brincadeiras apropriadas à criança, considerando a sua idade, o seu ritmo, o ambiente, deficiências e necessidades de estímulos e de cuidado. Durante a realização da atividade, onde o(a) cuidador(a) tiver dificuldades auxilie a olhar com mais atenção para o que a criança estiver fazendo e a responder diretamente/na hora. Explique ao cuidador(a) a importância de estimular o desenvolvimento da criança e informe que as brincadeiras e as atividades comunicativas ajudam o cérebro a crescer e estimulam o desenvolvimento de habilidades motoras, cognitivas, sociais e emocionais e que brincar e se comunicar com a criança vai ajudá-la a construir uma relação de vínculo por toda vida” (Ministério do Desenvolvimento Social 2017, 35–6).
Além do “livro sensorial” e da “caixa surpresa”, dos quais já falamos anteriormente, produzem artesanalmente outros materiais. Os chocalhos são destinados aos bebês que, assim como as atividades do “livro sensorial”, teriam como função “estimular a coordenação motora” e o “desenvolvimento dos sentidos”; fantoches são usados para a mesma faixa etária, para que as mães se “habituem a conversar com os filhos” e assim possam “estimular o vínculo familiar através da troca de olhares, da conversa”. De acordo com o desempenho da criança, as atividades vão se complexificando: brincadeiras para identificação de cores, vogais e numerais começam a ser trabalhadas.
O planejamento e a realização de cada visita domiciliar são de responsabilidade das visitadoras, que podem contar com o apoio e acompanhamento da supervisora (Ministério do Desenvolvimento Social 2017, 17). As visitadoras relatam-nos que fazer uma atividade que prenda a atenção das crianças é bastante difícil e precisam renová-las semanalmente. Contam-nos que boa parte de seu expediente de trabalho é dedicado ao deslocamento até os locais de atendimento às famílias, às visitas domiciliares em si, ao preenchimento dos relatórios individuais de cada beneficiária. Essa condição acaba levando as profissionais a elaborarem as brincadeiras e jogos fora do horário de trabalho, com materiais de fácil acesso que elas mesmas encontram em casa[5], quando falta material na sede, e utilizando como referência plataformas na internet como YouTube, Instagram e Pinterest. Ou seja, não são dadas condições para um planejamento aprofundado das atividades por parte das visitadoras o que pode estar prejudicando o acompanhamento das necessidades de cada criança.
Considerando que não apenas são mulheres a maioria das visitadoras, como são também majoritariamente as mulheres que acompanham as atividades de cuidado relacionadas ao programa, sempre nos chamou atenção como a dupla jornada de trabalho das mulheres aparecia nas discussões. Em uma conversa entre Sandra (visitadora) e Cláudia (mulher-mãe beneficiária do Criança Feliz e do Bolsa Família) no início de uma visita, eram enfatizadas as condições de trabalho dessas mulheres. Cumprimentávamos o marido de Cláudia, que estava sentado em uma cadeira de balanço na varanda, quando ela chega sorridente com a filha no colo ainda enrolada na toalha do banho. Enquanto desenvolve junto com a filha a atividade proposta pela visitadora, Cláudia nos conta que o marido está de férias durante aqueles dias, que por isso está em casa pela manhã e comenta em tom de brincadeira: “que mulher tira férias, né?!”. A visitadora, que também é mãe, concorda e diz que “a mulher além de trabalhar fora, tem que chegar em casa e cuidar de tudo!”.
Para além da sobrecarga de trabalho entre as visitadoras, é válido destacar também a capacitação, com duração de uma semana, que recebem ao ingressar no Criança Feliz. Propostas de atividades que envolvem numerais para crianças de dois anos de idade e de reconhecimento de vogais para as de um ano e oito meses são algumas das cenas que presenciamos durante as visitas. Acompanhá-las nos mostrou que, apesar do esforço da equipe técnica para criar atividades que possam ser capazes de “estimular” e “desenvolver” a criança e o “vínculo familiar”, as brincadeiras acabam por ser aplicadas na maioria das vezes de forma intuitiva, padronizada e verticalizada (das visitadoras para as mães). Em diálogo com uma das gestoras da assistência social da cidade, a profissional destacava a necessidade de uma capacitação continuada das profissionais que atuam no PCF, pois não acreditava ser suficiente a formação que possuem para alcançar os objetivos do Programa[6].
Produzindo crianças felizes?
Uma política voltada para uma criança – ainda – universal
A forma subjetiva como o programa é descrito, Criança Feliz, nos dá a entender que há uma intenção de tornar felizes as crianças pobres. Mas quais são os parâmetros utilizados para medir essa felicidade? O que torna uma criança feliz? Quais pressupostos acerca do que é uma criança e do que é uma família estão na base das propostas apresentadas?
Aprendemos com Ariès (1981) a reconhecer a infância como uma invenção da modernidade que, relacionada ao desenvolvimento da imprensa e da escola, tornou as habilidades para ler e escrever divisoras entre o mundo dos adultos e o mundo das crianças. O século XVIII teve seus contornos marcados por uma revalorização das tarefas educativas como forma de conservar as crianças burguesas (da “má-influência” oferecida pelas(os) serviçais e amas-de-leite): elas passam a receber cuidados de suas mães com o incentivo de um conjunto de conhecimentos e técnicas médicas e pedagógicas atrelados à higiene e aos cuidados na infância (Donzelot 1986). As famílias populares também passam por esse processo por meio da economia social (ou filantropia), que, preocupada com as “formas de direção da vida dos pobres com o objetivo de diminuir o custo social de sua reprodução, de obter um número desejável de trabalhadores com um mínimo de gastos públicos” (Donzelot 1986, 22), elege a mulher pobre como “instrumento privilegiado de civilização da classe operária” (Donzelot 1986, 36), com o dever de manter marido e filhos longe das “tentações do exterior” (Donzelot 1986, 42).
A filantropia no contexto do final do século XIX surge, portanto, como uma associação que denunciava a decadência moral e física da população pobre e buscava resolver esses problemas de ordem política através da incitação da poupança, do aconselhamento e da assistência às mulheres e crianças para evitar gastos futuros do Estado. Percebe-se aqui uma “conexão sistemática entre a moral e a economia que implicará uma vigilância contínua da família, uma penetração integral em todos os detalhes de sua vida” (Donzelot 1986, 60). Nesse contexto, as visitas domiciliares tornam-se um instrumento de vigilância. Podemos identificar certa aproximação entre a proposta filantrópica descrita por Donzelot (1986), que priorizava o aconselhamento e a análise minuciosa do ambiente familiar para corrigir suas “faltas” e estimular sua autonomia, e as visitas desenvolvidas pelo PCF.
Para Hillesheim e Guareschi (2007), certos saberes produzidos por algumas disciplinas psi a respeito da infância pressupõem um desenvolvimento natural e linear dos indivíduos e acabam por produzir discursos que instituem formas normais e anormais de desenvolvimento infantil, sem considerar as significações sociais que a infância pode ter em diferentes contextos. Dessa forma, desconsideram outros marcadores “legitimando um estado ideal para a infância que exclui possibilidades de ser criança” (Hillesheim e Guareschi 2007, 85).
Estaríamos falando de uma psicologia do desenvolvimento assentada em uma perspectiva evolucionista (Brito 2019) que não leva em conta o que muitos estudos em grupos populares, por exemplo, colocam sobre as diversas possibilidades de ser criança e de organizações familiares (Fonseca 2002, 2005). Dando atenção à forma como essas compreensões são coproduzidas, Patrice Schuch, Fernanda Bittencourt Ribeiro e Claudia Fonseca (2014) analisam alguns dos estudos que colocaram em destaque o processo de “universalização da noção ocidental moderna da ‘infância’, marcada pela noção de ‘desenvolvimento’”, indicando que essas pesquisas revelaram:
[…] as maneiras diversificadas em que uma sensibilidade em relação à infância se objetivava em práticas diversas de gestão dessa população. Mais do que isso, os estudos etnográficos incorporaram como questões analíticas a própria circulação de conceitos e expertises no cenário internacional, destacando os modos como categorias legais, modos de intervenção, ciências e filosofias políticas são disputadas e negociadas em contextos de lutas por sentidos e autoridades (Schuch, Ribeiro e Fonseca 2014, 207).
A produção do entendimento de que o investimento nos primeiros anos de vida, a primeira infância, é central para o desenvolvimento, com impactos no âmbito econômico e social, tem a colaboração de diferentes especialistas em um processo em que intervenções estatais têm o aval científico em sua legitimação. A coprodução deste entendimento e sua aplicação em diferentes contextos foram analisadas por Claudia Fonseca que as definiu como tecnologias globais de moralidade materna (Fonseca 2012).
O acompanhamento do trabalho da equipe, particularmente das visitadoras, revelou o comprometimento dessas trabalhadoras com as pessoas que acompanham. Ao pôr foco nas fragilidades do Criança Feliz, nosso objetivo não é desconsiderar o trabalho que as profissionais desenvolvem nem negar que seja necessário investir em programas sociais para a primeira infância.
Buscamos analisar como essas fragilidades moldam localmente as ações do PCF que teriam por objetivo reduzir as desigualdades. O tom dado pelo programa à importância dos cuidados na primeira infância colabora para a compreensão de que se a criança não for estimulada adequadamente até os 6 anos, ela estará fadada ao “fracasso” escolar e profissional, permanecendo na pobreza. A líder da Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância no Congresso, Leandre Dal Ponte (PV/PR), ao criticar os cortes de recursos do programa em 2020, corrobora esse entendimento:
Eu entendo o contexto da pandemia, mas o governo, na necessidade de encontrar recursos para usar em algumas áreas, não pode tirar o dinheiro justamente da primeira infância. Isso geraria um impacto muito grande no futuro, como repetência nas escolas e baixa profissionalização. E também impacto no sistema socioeducativo (Câmara dos Deputados 2020).
A associação entre violência criminal e pobreza não é novidade e foi identificada também por Claudia Fonseca (2019), no texto que analisa a ênfase colocada na importância do “cérebro infantil” em certos estudos no campo das neurociências, aponta esse discurso como resultado do uso de evidências neurocientíficas e de vertentes populares das neurociências, muitas vezes controversas e que remetem às perspectivas lombrosianas, para fortalecer pressupostos discriminatórios a respeito das famílias pobres.
Compartilhando os resultados a que Carin Klein chega em sua análise do PIM (Klein 2010), a compreensão que se tem de família é resumida à relação mãe-bebê, o que acaba reforçando representações e identidades de gênero nas quais a mulher-mãe é responsabilizada pelos cuidados com a criança e produz uma maternidade específica a ser exercida por elas (Meyer 2005, Klein 2010). O homem-pai não é incentivado a compartilhar aquele momento junto a sua família e também não toma iniciativa nesse sentido, por mais que se mostre interessado, como pudemos observar em algumas situações, no diálogo que a visitadora estabelece com a mãe sobre a criança e os objetivos da atividade.
Além dessa questão, consideramos que a forma como o PCF se articula com o Programa Bolsa Família pode estar contribuindo para consolidar tecnologias de governo já identificadas em etapas anteriores da pesquisa. Como observamos, as dificuldades de compreensão sobre os mecanismos de funcionamento do Bolsa Família, somados aos usos que a gestão local faz das condicionalidades têm colocado como efeito direto uma permanente situação de insegurança e medo por parte das mulheres sobre a continuidade do recebimento do recurso do Bolsa Família – o “medo do corte”. O fato de muitas mulheres “usuárias” do Programa Criança Feliz serem beneficiárias do Bolsa Família tem nos apresentado frequentemente relatos de medo de que a não participação nas atividades do Programa Criança Feliz impacte na continuidade da condição de beneficiária do PBF.
Certamente esta não pode ser considerada a única, tampouco a principal, razão para a adesão das mulheres ao Programa Criança Feliz. A cobrança feita, por exemplo, como relatado acima, pela ausência das visitas em algumas semanas, além do compartilhamento, pelas mães, do entendimento da importância daquelas atividades para o desenvolvimento de suas crianças, não deve ser desconsiderado. A compreensão de que a formação do Estado se dá de forma articulada entre os diversos sujeitos envolvidos indica exatamente o fato de que não haveria apenas controle sem haver compartilhamento das crenças sobre a importância desses conteúdos – afinal a preocupação com o futuro das crianças não foi instituída, apenas, por uma ação governamental. Além disso, o investimento comprometido da equipe técnica e sua preocupação com o contexto de vulnerabilidade em que as famílias atendidas estão inseridas faz parte da avaliação positiva feita por algumas das mulheres contatadas no trabalho de campo.
No entanto, consideramos pertinente atentar para os possíveis cruzamentos entre as duas ações governamentais aqui abordadas – Bolsa Família e Criança Feliz – como indicador da forma como essas práticas se atualizam localmente. Uma possível linha de interpretação é que se antes cabia às agentes de saúde fazerem o monitoramento e a chamada ao cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família, agora, no contexto do Programa Criança Feliz, esse cumprimento não depende apenas de uma prática indireta daquela profissional, mas passa pela adesão da própria mulher-mãe a um programa que tem por objetivo exatamente aquilo que elas mais desejam – o desenvolvimento de seus filhos.
Ao contrário do Bolsa Família, cujo resultado direto da adesão é o recebimento de um valor financeiro, no Criança Feliz não há recebimento de dinheiro. O capital recebido seria um conhecimento específico que a habilitaria a um cuidado qualificado para o desenvolvimento de seus filhos. Um conhecimento que, como vimos no texto do cartaz que abre este artigo, é “comprovado pela ciência”, particularmente as neurociências e a economia.
Claudia Fonseca, no artigo citado anteriormente (Fonseca 2012), analisa o processo em que iniciativas da natureza do Criança Feliz apostam na relação familiar e, sobretudo, no cuidado da mãe, como elementos centrais para o desenvolvimento infantil. Ao citar críticas feministas a esse tipo de iniciativa, a autora observa que foi “especialmente com as políticas de austeridade dos anos 90 que a retórica sobre a centralidade de cuidados maternos passou a ser generalizada” (Fonseca 2012, 260). Além disso, observa como não apenas o desenvolvimento das crianças, mas o crescimento econômico e social das nações passa a ser tomado como efeito direto do investimento nos anos iniciais da criança. A ampliação do escopo dessas políticas se dá no momento em que a economia, junto à neurologia, alcança lugar central na definição desses programas frente às agências de desenvolvimento, embora não haja consenso sobre o entendimento dessas questões. Está em jogo nessa orientação programática a opção por ações com foco no fortalecimento do vínculo familiar – leia-se mãe-bebê –, em países em desenvolvimento, em lugar de políticas universais, como garantia de trabalho e acesso a creches, por exemplo.
Essa compreensão está em consonância com a teoria neoliberal do capital humano, analisada por Foucault (2008b), na qual o salário do trabalhador é a renda de seu capital, e o capital é o conjunto de todos os fatores físicos e psicológicos que tornam uma pessoa capaz de ganhar este ou aquele salário (Foucault 2008b, 308). Essa é a lógica que parece estar sendo aplicada pelo PCF ao adentrar o espaço doméstico das famílias para tornar as mulheres competentes para educar e tornar as crianças capazes de ter, no futuro, um bom emprego e uma boa renda (Dal’igna, Klein e Meyer 2014). O indivíduo mulher cuidadora é colocado na posição de empresária de si, responsável por seu próprio futuro e pelo futuro econômico e social da nação (Foucault 2008b), tendo em vista que a família é um segmento privilegiado de governo da população.
Esse imperativo moral como constitutivo do cuidado está presente no cotidiano das mulheres, produzindo as classificações sobre quais são as “boas mães”. Soraya Fleischer, ao discutir a “circulação de esperança” seguindo mulheres cuidadoras de crianças afetadas pela Síndrome Congênita do Vírus Zika, no Recife, mostra como as ações do presente estão, de diferentes formas, assentadas em visões de futuro:
Considero essa intensa circulação como um investimento no presente visando o futuro, como um cálculo moral entre as atribuições esperadas da maternidade e as expectativas de que tudo se converta, de alguma forma, para o bem-estar e desenvolvimento da criança (Fleischer 2020, 328-9).
Esse investimento no presente visando ao futuro que, no caso aqui analisado, não envolve necessariamente o cenário da deficiência, apresenta elementos em comum com muitos outros contextos etnográficos[7].
A família, resumida à relação mãe-bebê, passa a ser responsabilizada pelas suas necessidades e é convocada a ter uma maior atuação na sua proteção social, responsabilização que, de acordo com Arcoverde et al. (2019), pode ser encarada como culpabilização, tendo em vista que é promovida junto com a desproteção social dessas pessoas. A atribuição de um significado universal (entendido como desenvolvimento natural, linear) sobre infância e desenvolvimento infantil (Hillesheim e Guareschi 2007, Brito 2019), e sobre família (Fonseca 2005) aplicado pelas políticas públicas de inclusão social contribui para produzir e reproduzir representações e identidades de gênero comprometidas com certas moralidades que se inserem em um processo de politização da maternidade (Meyer 2005, Dal’igna, Klein e Meyer 2014) ou educação para a maternidade (Klein 2010, Pires 2013)[8]. Essas políticas continuam a tratar as mulheres como cuidadoras principais, tomando-as como mais habilitadas ao cuidado, a despeito de evidências etnográficas – já antigas – da inexistência de uma capacidade inata de resposta na criação do vínculo entre crianças e suas cuidadoras (Vicedo 2017, Keller et al. 2018)[9].
Dada a sua permanência como fonte de concepções científicas para iniciativas como o Programa Criança Feliz, consideramos importante discutir, de forma sucinta, uma de suas expressões mais difundidas, a Teoria do Apego (Attachment Theory), que está na base das “tecnologias globais de moralidade materna” (Fonseca 2012) referidas acima. Desenvolvida pelo psiquiatra britânico John Bowlby, em relatório para a Organização Mundial da Saúde, em 1951, afirma que a relação mãe-filho tem uma base biológica e que um vínculo seguro é necessário para um adequado desenvolvimento psicológico. Considera, assim, que cuidado materno e amor é algo essencial ao desenvolvimento emocional apropriado das crianças (Vicedo 2017, 1). Sobretudo a partir dos desdobramentos das pesquisas da psicóloga Mary Ainsworth, que fornece material empírico para dar suporte à tese de Bowlby, essa teoria segue atual no campo da psicologia do desenvolvimento (Vicedo 2017, 1–2). A tese central de Ainsworth é que, embora haja vários fatores significativos para o desenvolvimento do vínculo mãe-bebê, “o ponto determinante é a conduta e sentimentos da mãe , principalmente a sua sensibilidade em responder aos sinais do bebê”[10] (Ainsworth 1967 citada por Vicedo 2017, 5, grifos nossos).
De acordo com Vicedo, entre os anos 1950 e 1980, as críticas feitas aos estudos de Bowlby não foram consideradas por seus seguidores. Algumas dessas primeiras críticas foram feitas por Margaret Mead, em artigo de 1954, no qual ela considerava que essa teoria aumentava a importância de um único fator na criação do laço mãe-bebê, além de colocar a mãe como única figura na vida da criança. Mead também criticou que, dado o foco na díade mãe-bebê, “muitos autores exageraram os efeitos prejudiciais nas crianças da separação – mesmo por breves períodos – de suas mães” (Vicedo 2017, 3)[11]. Entre as várias críticas, podemos dizer, seguindo Vicedo, que um ponto central, além de apontarem incorreções empíricas da abordagem[12], é que essa perspectiva, considerada reducionista e atomística, levaria os psicólogos a tomarem “a criança como uma unidade de estudo, mais do que considerá-la como parte de um sistema mais complexo de relações e redes de influências” (Vicedo 2017, 10)[13], ignorando o contexto de seu desenvolvimento (Vicedo 2017, 6-7). Afirma que estudos transculturais também deixaram claro que, “ao contrário do foco da teoria de apego na díade mãe-bebê, a criação dos filhos é muitas vezes um empreendimento cooperativo[14]” (Vicedo 2017, 10)[15].
Estes autores consideram que, na base da teoria do apego está o pressuposto da criança como um sujeito independente e com desejos que seus pais precisam respeitar para que sejam considerados sensíveis. Nessa perspectiva, uma paternagem sensível baseia-se na perspectiva de que as crianças aprendem primeiro sobre si mesmas e em segundo lugar sobre os outros. No entanto, em muitas outras partes do mundo, boa parentalidade é compreendida de forma diversa:
[...] uma boa paternagem significa apoiar o bebê a ter a perspectiva dos outros, ajudando-os a aprenderem a considerar as necessidades e desejos dos outros. Isso significa que cabe ao bebê a responsabilidade de compreender os outros, e não o contrário. Os bebês não recebem status quase igual ao dos cuidadores. Para os bebês em algumas comunidades, as relações sociais têm uma estrutura hierárquica e os bebês devem aprender sua posição na hierarquia social, que pode mudar com o tempo. (...) Em muitas comunidades não-ocidentais, de maneiras diferentes, mas complementares, os bebês aprendem principalmente as opiniões dos outros em seu ambiente social e, de forma secundária (se é que aprendem), sua própria opinião (Keller 2018, 8-9).
Apesar de todas as críticas e evidências da importância do contexto, Vicedo (2017, 7) considera que muitos autores continuam pessimistas sobre a forma como a psicologia do desenvolvimento continua a atuar sem levar em conta seriamente a diversidade cultural. Tampouco consideram que a expectativa de uma capacidade de resposta sensível (sensitive responsiveness) é uma especificidade de cuidadores em um estilo da classe média ocidental (Keller et al. 2018, 14). Os argumentos que trazemos neste artigo nos fazem manter o mesmo tom.
Comentários finais – da desresponsabilização do estado à responsabilização materna
Além de desconsiderar o que já foi feito em termos da rede de assistência social, como vimos em parte nas críticas dirigidas à época da criação do PCF, este programa, baseado em compreensões específicas de família e criança, segundo as quais as crianças são o centro, desconsidera a realidade das redes de cuidado que não se reduzem ao binômio mãe-bebê, assim como visões específicas do que é uma criança. O Estado é, portanto, desresponsabilizado de sua função de oferecer políticas universais de acesso à educação pública, creches de qualidade e oportunidades de trabalho não precarizado, utilizando metodologias formuladas por especialistas das áreas econômicas, das neurociências e disciplinas psi para elaborar programas de educação alternativa focalizadas nas famílias pobres e na primeira infância, com custo bem inferior ao que teria se optasse pela expansão da educação básica (Fonseca 2012).
As razões pelas quais essa forma de atuação do Estado – que privilegia o ambiente familiar em detrimento de ações com foco em outras formas de educação e políticas de espectro mais geral – se estabelece como regra para a definição de políticas públicas é uma pista instigante a ser seguida, como sugere Claudia Fonseca:
Assim, da mesma forma que existe uma hierarquia de classes para educação infantil no Brasil (creches para a classe alta, educação a domicílio para os pobres), existiria uma diferença lógica de políticas de educação infantil para os países mais e menos desenvolvidos [...]. Para os primeiros, investimentos pesados para assegurar creches e pré-escolas de qualidade. Para os segundos, com a orientação entusiástica de organizações internacionais (UNESCO, UNICEF, Banco Mundial), programas “não-formais”, “alternativos” e “não-institucionais”, com alta instabilidade e parcos recursos públicos, usando equipamentos e materiais disponíveis “na comunidade” – programas que estimulam a permanência da criança junto à mãe como modelo ideal de cuidado (Fonseca 2012, 268–9).
Além de poderem ser interpretadas como uma “solução pobre para os pobres”, as iniciativas que focalizam o ambiente familiar acabam por delegar responsabilidades a uma equipe formada majoritariamente por mulheres que, usando os “equipamentos e materiais disponíveis”, acumulam atribuições que, não é difícil associar, são muito próximas do cenário de precariedade das condições de trabalho vivenciado pelas agentes comunitárias de saúde e aumentado com as novas atribuições trazidas pelo Programa Bolsa Família, após serem delegadas como responsáveis por monitorar o cumprimento das condicionalidades do PBF.
Ao mesmo tempo, como esperamos ter deixado claro ao longo deste texto, os questionamentos apresentados não pretendem negar a importância de investimentos na infância. Tampouco negar o quanto é fundamental que se possa ter um ambiente favorável para o convívio com suas cuidadoras e seus cuidadores. Concordamos ser possível um “consenso” relacionado a princípios básicos do desenvolvimento infantil, como nos diz Claudia Fonseca no texto já citado sobre os “cérebros infantis”:
[…] Crianças tendem a se desenvolver melhor em ambientes seguros onde podem interagir com outras crianças e adultos carinhosos; a extrema pobreza, via de regra, não faz bem à saúde e pode dificultar a aprendizagem de comportamentos sociais e capacidades emocionais adequados a certos papéis adultos (Fonseca 2019, 7).
Os desafios que discutimos estão mais relacionados a um direcionamento que, além de desconsiderar as possibilidades múltiplas de famílias, mães, crianças, cuidadores e vínculos, acabam colocando a responsabilidade do cuidado exclusivamente nas mãos das mulheres. Por diversas vezes, em etapas anteriores da pesquisa sobre o Bolsa família, ouvimos mulheres dizerem: “agora eu não estou mais trabalhando fora porque eu tenho de cuidar das crianças” – preocupadas que estavam que seu afastamento de suas crianças as impedisse de serem vistas como “boas mães”. Esse processo de responsabilização das mulheres, como vimos, assentado na produção de subjetividades neoliberais, cria espaço para que as mães se sintam cada vez mais compelidas a dar, sozinhas e em tempo integral, toda a assistência que se fizer necessária a seus filhos, independente das contingências de todas as ordens, e da precariedade dos serviços ofertados.
Não nos parece, igualmente, que falar em “futuro” das crianças seja uma questão necessariamente equivocada ou apenas de teor populista. Ainda mais quando essa é uma preocupação central das mulheres, como vimos em diferentes pesquisas trazidas aqui (cf. Dalsgaard 2006, Fleischer 2020). O que se sobressai, em nossa interpretação, é como se os discursos institucionais se referissem a “futuro sem presente”, uma vez que as apostas em uma vida melhor, no futuro, não encaram firmemente as necessidades colocadas hoje, que extrapolam o limite do que uma mãe, uma família podem fazer.
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Notas