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CRUZ, Ricardo Figueiró. Eu sou do Morro!. Guaíba: Palavreado, 2021. 216 p.
Eduardo Cristiano Hass da Silva
Eduardo Cristiano Hass da Silva
CRUZ, Ricardo Figueiró. Eu sou do Morro!. Guaíba: Palavreado, 2021. 216 p.
Anuário Antropológico, vol. 47, núm. 2, pp. 292-297, 2022
Universidade de Brasília
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CRUZ, Ricardo Figueiró. Eu sou do Morro!. Guaíba: Palavreado, 2021. 216 p.

Eduardo Cristiano Hass da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Anuário Antropológico, vol. 47, núm. 2, pp. 292-297, 2022
Universidade de Brasília
CRUZ Ricardo Figueiró. Eu sou do Morro!. 2021. Guaíba. Palavreado. 216pp.

Recepción: 07 Febrero 2022

Aprobación: 13 Mayo 2022

Evocando a letra do samba enredo de 2018, da Sociedade Recreativa e Esportiva Império Serrano, Ricardo Figueiró Cruz convida-nos a uma imersão no ciclo carnavalesco desta instituição, localizada na cidade de Guaíba/RS, propondo um estudo etnográfico sobre territorialidade negra. O autor é mestre em Processos e Manifestações Culturais, pela FEEVALE/RS, especialista nas áreas de conhecimentos da Educação, História e Antropologia. Graduado em Licenciatura em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Licenciatura em Pedagogia, Bacharel em Administração e Tecnólogo em Processos Gerenciais, pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI.

O livro apresentado resulta da dissertação de mestrado do autor, defendida em 2019, com o título Eu sou do morro: estudo etnográfico sobre territorialidade negra e o ciclo carnavalesco da Sociedade Recreativa e Esportiva Império Serrano, Guaíba/RS. O livro possui 216 páginas, divididas em cinco capítulos, e foi publicado pela editora Palavreado.

Ao longo de toda a obra, identificamos o cuidado do autor em articular os pressupostos teóricos e metodológicos que mobiliza com as diferentes fontes que produziu e identificou. Destacam-se memórias produzidas com integrantes da agremiação, notícias de jornais locais e, sobretudo, as anotações do diário de campo e as imagens fotográficas produzidas nas incursões realizadas.

Na Introdução, o autor delimita o seu estudo, destacando que tem o objetivo de “investigar não somente a forma como a Sociedade Recreativa e Esportiva Império Serrano realiza e apresenta o ciclo carnavalesco, mas também a formação de sua comunidade, além de sua territorialidade negra” (Cruz 2021, 8). Para tanto, apresenta a delimitação espacial em que a agremiação se encontra, oferecendo um recorte espacial do estado do Rio Grande do Sul, da cidade da Guaíba, e do bairro do Ermo. Ao longo da introdução identificamos que a pesquisa foi desenvolvida a partir dos aparatos teóricos e metodológicos da História e da Antropologia, os quais são colocados em diálogo pelo autor.

O segundo capítulo, “Construindo uma pesquisa em território negro”, é dedicado à delimitação da noção de território e de território negro. Para tanto, Cruz (2021) recorre aos estudos de Maria de Lourdes Bandeira (1991) e Ilka Boaventura Leite, (1991) dentre outros pesquisadores e pesquisadoras. A partir desses conceitos, o autor propõe uma narrativa histórica possível do Rio Grande do Sul em geral, e da cidade de Guaíba em específico, que centra na atuação das mulheres e homens negros. Sem ter a intenção de esgotar a temática, o autor passa a analisar a formação histórica e espacial do bairro Ermo, no qual a agremiação carnavalesca se insere. Nessa formação, o autor identifica e tensiona os estereótipos mobilizados para designar o Ermo, entendido como o lugar de difícil acesso, em meio à mata, no qual os escravizados libertos procuraram terras para morar.

Em “Rua e Clube: festa de Momo em Guaíba”, identificamos uma pesquisa de fôlego, que mobiliza fontes diversas na produção de uma narrativa sobre os carnavais. Cruz (2021) inicia de um plano macro, propondo uma análise da história do carnaval no Brasil, chegando até Guaíba, sendo que:

Historicizar o carnaval como maior festa popular brasileira, leva-nos a estabelecer o caminho percorrido por uma festa eu é legitimada como uma identidade nacional, sendo reconhecida como importante manifestação popular, dentro e fora do Brasil (Cruz 2021, 39).

Ao longo das análises, identificamos relações e tensionamentos entre o público e o privado, ruas e clubes, sagrado e profano. Sem negar a existência de lacunas na documentação, e assumindo um compromisso ético, o autor mobiliza esses elementos para pensar o Carnaval de Guaíba. Destaca a relação que essa festa possui com a cidade, com a rua, com o urbano, delimitando locais nos quais essa celebração se materializa. É para o carnaval de rua de Guaíba que suas análises se direcionam com maior fôlego, buscando por fragmentos que permitem a construção da sua narrativa.

No capítulo 4, “Império Serrano: minha história já fala por mim”, o autor faz uma análise densa sobre a agremiação e sua relação com a territorialidade negra. Ao juntar os indícios que possui para a construção da sua narrativa, identifica conflitos geracionais entre os integrantes da escola de samba, os quais tensionam a relação entre a tradição e o moderno. Cruz (2021) identifica a criação da agremiação em 30 de novembro de 1971, trazendo para sua escrita a relação com a territorialidade negra a partir da divisão estabelecida na cidade entre bairro e centro.

Recorrendo a análise documental histórica em paralelo com os registros do diário de campo, identifica uma proliferação de indícios, os quais são cuidadosamente articulados, analisados e utilizados na construção do texto. Notícias de jornais, fotografias, memórias produzidas a partir de entrevistas de História Oral, anotações, entre outros, se encontram na tecitura da narrativa.

Nesse capítulo, o autor identifica a forte relação entre a agremiação e um terreiro de religião de matriz africana, sendo que ambos dividem o mesmo espaço. Para Cruz (2011, 82),

outro ponto a observar, além da presença negra no espaço, é a religiosidade, pois esses componentes distintos o caracterizam – ao mesmo tempo que é um espaço profano, também é sagrado. Foi possível observar, em diferentes situações elementos religiosos na formação na agremiação. Como nota-se ao longo de vários a trajetória também é religiosa, e está presente na rotina das pessoas dentro da agremiação.

No último capítulo, “‘Não podemos desistir, né?’: ciclo carnavalesco”, o autor mobiliza o conceito de “ciclo carnavalesco”, de José Sávio Leopoldi (2010). Nesta perspectiva, entende o ciclo carnavalesco como o momento situado entre dois carnavais consecutivos, período que resulta em um ano. O período é dividido em três fases: a primeira fase é o descanso, que inicia logo após o término do carnaval, caracterizando-se pela retração das atividades. A segunda fase, o fazer carnaval, tem início a partir dos ensaios da escola. A terceira fase tem início pelos meses de novembro/dezembro, estendendo-se até o grande dia do desfile.

De forma cuidadosa, as fases propostas por Leopoldi (2010) são articuladas ao Ciclo Carnavalesco proposto por Liliane Stanisçuaski Guterres (1995), também entendido a partir de três fases: Pós-carnaval, Pré-carnaval e Carnaval. O autor articula o Pós-carnaval ao período de “descanso”, o Pré-Carnaval ao período de “fazer carnaval”, e o Carnaval à terceira fase.

Considerando o período de inserção do investigador no campo, identificamos que ele deu conta de pesquisar e analisar um ciclo carnavalesco completo da agremiação Império Serrano. Dessa forma, no Pré-Carnaval, Cruz (2021) identifica que, para além das atividades carnavalescas, a agremiação é perpassada por diversas outras atividades, as quais criam e reforçam laços de sociabilidade, ao mesmo tempo em que podem criar rivalidades e desavenças entre os seus membros.

Dentre as jantas, festas e ensaios identificados no Pré-Carnaval, merece destaque o Baile de Escolha da Corte Gay. Cruz (2021) traz para a discussão elementos que, para além da territorialidade negra, demonstram a preocupação com as questões referentes à diversidade de gênero. O autor preocupa-se em ouvir Bruna Bastos, a transexual que organiza e apresenta o evento, a qual afirma que “[...] este evento tem que ser diferente dos outros que a escola faz, o Império é Império. Precisamos lotar essa quadra e mostrar que aqui se respeita a diversidade. Travesti não é bagunça!” (Cruz 2021, 137).

O autor identifica ainda a função social que a agremiação exerce no bairro do Ermo, especialmente em momentos como Páscoa, Dia das Crianças e Natal. A partir do diário de campo, podemos visualizar momentos em que a comunidade, mesmo com suas dificuldades de âmbito socioeconômico, encontra formas de congregar com outros bairros periféricos.

O ápice do capítulo está em “60 minutos”: o Carnaval”, no qual o autor analisa o momento central, quando a agremiação atravessa a avenida. Os registros do diário de campo permitem identificar a imersão do pesquisador, que vivencia cada momento, participando, sofrendo, torcendo, celebrando, questionando. Cada ala, cada fantasia, cada momento são cuidadosamente registrados pelas suas anotações e pelo olhar da câmera que leva durante o desfile.

O olhar da câmera permitiu ao autor finalizar o capítulo de forma instigante e inspiradora. Cruz (2021) constrói uma fotoetnografia do carnaval de 2018 da Império Serrano. Para compor a etnografia, o autor entende que: “uma narrativa fotográfica deve ser construída por uma série de fotos que estejam relacionadas entre si, que componham uma sequência de informações visuais e que não sejam intercaladas por texto algum” (Cruz 2021, 188). A partir dessas concepções, apresenta três narrativas fotoetnográficas: Concentração: antes de pisar na avenida; Desfile: o grande momento; Dispersão: dever cumprido.

De forma geral, somos contemplados por um texto farto em fontes e análises cuidadosamente articuladas aos referenciais teóricos mobilizados. É um trabalho que propõe aproximações entre Antropologia e História, estabelecendo diálogos que, para além do ciclo carnavalesco da Sociedade Recreativa e Esportiva Império Serrano, apresentam elementos para pensarmos sobre a territorialidade negra no Rio Grande do Sul, bem como sobre as relações sociais que envolvem uma agremiação carnavalesca.

Trata-se de uma leitura que avança na produção do conhecimento científico, possui relevância acadêmica e social, bem como pode ser mobilizada como um bom exemplo de produção textual. É uma boa indicação para todas e todos que queiram aventurar-se pela temática do carnaval ou pela produção fotoetnográfica.

Material suplementario
Referências
Bandeira, Maria de Lourdes. 1991. Terras Negras: invisibilidade expropriadora. Textos e Debates. Florianópolis: Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas.
Cruz, Ricardo Figueiró. 2021. Eu sou do Morro!. Guaíba: Palavreado.
Guterres, Liliane Stanisçuaski. 1995. “Sou Imperador até morrer”: um estudo sobre identidade, tempo e sociabilidade em uma Escola de Samba de Porto Alegre. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
Leite, Ilka Boaventura. 1991. Territórios de negros em áreas rural e urbana: algumas questões. Textos e debates. Florianópolis: Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas.
Leopoldi, José Sávio. 2010. Escola de Samba, ritual e sociedade. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ.
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