Resumo: Estamos com duas décadas de conquista da educação superior pelos povos indígenas e uma década e meia com os primeiros indígenas antropólogos formados. É pouco tempo de experiência se considerarmos os mais de cinco séculos de colonização, mas já possibilita ensaios preliminares sobre os primeiros achados teóricos, metodológicos e políticos no campo da disciplina. Com o crescimento significativo da presença de indígenas, vivemos tempos ricos, efervescentes, promissores e de muitas apostas, mas também de muitos desafios, dúvidas e incertezas.
Palavras-chave: comentário, Alcida Rita Ramos, debate.
Abstract: Two decades have passed since indigenous peoples began to have access to higher education in Brazil, and about fifteen years since the first indigenous anthropologists graduated. This is a short time, considering the weight of over five centuries of colonization. However, indigenous scholars trained in universities have already produced some essays on their first theoretical, methodological, and political findings in anthropology. Due to the substantial increase of indigenous professionals, we now live in rich, effervescent and promising times regarding future accomplishments, despite the many challenges, doubts and reservations.
Keywords: comment, Alcida Rita Ramos, debate.
PPGAS 50 Anos
“Intelectuais indígenas abraçam a antropologia. Ela ainda será a mesma?” Um debate necessário
Recepción: 15 Julio 2022
Aprobación: 19 Septiembre 2022
Nós indígenas, passamos séculos observando e tentando compreender silenciosamente os brancos antropólogos em nossas aldeias e territórios e fora deles. Algumas vezes chegamos e ensaiar relações de amizade, parcerias, alianças e assessorias em torno de interesses comuns, mas nunca havíamos aberto nossas mentes e corações para nos conhecermos e nos compreendermos um pouco mais, além das impressões, aparências e interesses imediatos. O texto “Intelectuais indígenas abraçam a antropologia. Ela ainda será a mesma?”, de Alcida Ramos, é um convite oportuno e corajoso para este diálogo e debate. O respeito e a honestidade com que a autora aborda as complexas questões que envolvem indígenas no campo da antropologia possibilita e encoraja a fazermos comentários e debates francos. A sensibilidade da autora, que faz jus aos anos de pesquisas e trabalhos colaborativos com povos indígenas, é mais do que importante e necessária para pensarmos o futuro da antropologia com indígenas ou mesmo o futuro dos indígenas na antropologia.
Iniciemos pela provocação se a antropologia será a mesma, a partir da entrada e da presença indígena nela. Em primeiro lugar, é importante registrar que essa entrada e presença indígena na antropologia e no mundo acadêmico como sujeitos antropólogos pesquisadores e profissionais é um processo muito recente e irreversível, uma vez que se trata de um direito de livre escolha e decisão coletiva e autônoma dos indígenas. Mas os indígenas sempre fizeram parte da história da disciplina desde o início, enquanto objetos, informantes, guias, tradutores, mateiros ou como repositórios de informações de interesse dos antropólogos não indígenas. Além disso, as transformações em andamento não são resultados unicamente da presença de indígenas no interior da disciplina, mas também das novas posturas e atitudes autônomas e proativas das comunidades, povos e organizações indígenas que não aceitam mais os modus operandi tradicionais da disciplina junto a eles ou em relação a eles, notadamente na relação político-metodológica de sujeito e objeto ou como meros e passivos guias e informantes, sem uma relação social, política e epistêmica minimamente respeitosa e politicamente confiável.
Como muito bem destaca Alcida, a antropologia e a etnografia são por demais importantes e estratégicas para as lutas contemporâneas dos povos indígenas para ficarem somente nas mãos dos brancos. O interesse pela apropriação da antropologia faz parte de uma estratégia de empoderamento mais ampla dos povos indígenas que tem como primeiro objetivo impedir ou neutralizar que ela caia nas mãos dos inimigos. O segundo objetivo é apropriar-se do seu acervo de conhecimentos sobre os povos indígenas e sobre outros povos, em favor da defesa e da garantia dos direitos, na linha percebida pela Alcida como possibilidade de defesa e combate ao inimigo com as próprias armas do inimigo. Os conhecimentos produzidos sobre os povos indígenas revelam muito sobre o próprio mundo do branco, como destaca Alcida, ajuda a decodificar a mente do branco, antropólogo ou não. A antropologia nos ajuda a compreender o funcionamento do mundo do branco e também a compreender melhor a nós mesmos, nossos mundos, enquanto indígenas, a partir do que dizem sobre nós, submetidos à nossa reflexão mais profunda. Além disso, a antropologia é um espaço institucional estratégico e privilegiado para promover visibilidade aos saberes, às culturas, às realidades e às questões indígenas, assim como para esclarecer a sociedade mais ampla sobre as realidades e questões indígenas. O terceiro objetivo trata da necessidade de adequação apropriada da antropologia para atender a demandas, necessidades e interesses coletivos. A exemplo do que vem sendo feita com a escola, a antropologia está sendo apropriada em nossos termos, e se isso ainda não for suficiente, então que novas e outras antropologias sejam criadas.
Em segundo lugar, é natural que, uma vez dentro ou mesmo na periferia da disciplina, os indígenas imprimem formas próprias de compreender, de se apropriar e praticar a antropologia. Isso também é um processo natural, principalmente depois que os indígenas descobriram que a sociedade do branco, mesmo com todo o seu aparato cosmológico, sociopolítico, ideológico, religioso, econômico e acadêmico, não é impenetrável, indomável e nem imutável, como bem destacou Alcida. É nosso direito como indígenas falarmos o que pensamos sobre a ciência, sobre a ciência antropológica, a partir de nossas balizas epistemológicas, cosmovisões e experiências históricas de vida, assumindo também nossas legítimas posições de observadores e com as mesmas prerrogativas intelectuais dos antropólogos não indígenas.
Nesse sentido, já é possível percebermos mudanças iniciais no conceber e fazer antropologia pelos brancos. Percebemos uma relativização maior das antigas convicções e verdades sobre nós indígenas, uma vez que agora estamos analisando criticamente as teorias que produziram e produzem sobre nossos pensamentos e modos de vida e que nos são imputadas unilateralmente. Tudo o que já foi e será dito sobre nós passará pelo nosso crivo analítico e crítico, de estudantes, pesquisadores e estudiosos indígenas, antropólogos ou não. Não entendo isso como uma ameaça à antropologia, mas como uma oportunidade singular para ela se atualizar aos tempos atuais e se projetar para o futuro.
Experiências históricas pós-tutela, e com a superação pelo menos provisória do fantasma da extinção, indicam que os povos indígenas priorizam estratégias de protagonismo, autonomia e empoderamento para construção de possibilidades de alianças e parcerias colaborativas, e não de desconstrução ou de destruição de possibilidades. Foi o que fizemos com as missões religiosas que tanto mal nos fizeram e, não obstante, a decisão tomada foi a de domesticá-las e convertê-las a nosso favor, ainda que parcialmente e sob constante risco. A antropologia, mesmo considerando seu papel histórico de colonialismo, tem muito mais importância estratégica, com seu rico acervo de conhecimento sobre os povos indígenas e sobre o mundo do branco, além, é claro, de longa história de defesa dos direitos indígenas que, em muitos momentos, foi crucial e vital para a sobrevivência desses povos e para a conquista de seus direitos. O papel histórico de colonialismo a que me refiro está relacionado às contribuições que a antropologia deu aos impérios coloniais, seus financiadores originais, ao formular teorias, conceitos e categorias hierarquizadores e desqualificadores dos povos nativos tais como “selvagens”, “primitivos”, “tribos”, sociedades “simples”, “não civilizados”, “integrados e não integrados”, categorias estas que foram interpretadas e apropriadas pelos colonizadores segundo seus interesses como índios “não humanos” ou subhumanos. Também me refiro à propagação de um pensamento e de uma prática antropológica em que o outro (indígena), com suas concepções e teorias, é acolhido para aprender o que a ciência tem a lhe dizer. Tal pensamento e prática presente nas estruturas dos cursos com suas áreas disciplinares, no papel e na posição do professor e do aluno, nos mecanismos de avaliação e na orientação de pesquisas e produções monográficos, visa à aquisição de certa legitimidade e competência para olhar os outros de cima, para falar deles, para lançar sobre eles projetos epistêmico e civilizatórios (Santos e Dias Jr., 2009). Trata-se daquilo que Souza Santos (2006) classifica de monocultura do saber. Nosso interesse na antropologia é que ela seja adequadamente apropriada a nosso favor, a favor dos nossos direitos e interesses pessoais e coletivos. Sabemos que na sociedade dos brancos, os antropólogos historicamente formam um segmento social mais sensível, mais compreensível, mais solidário e mais colaborativo principalmente nos momentos mais difíceis da nossa história, como foi no período recente das tentativas de consumação do desaparecimento dos povos indígenas no Brasil, como nos lembra Alcida.
Outras mudanças silenciosas e gradativas, mas muito potentes e promissoras estão ocorrendo no campo teórico-metodológico, ou seja, nos modos de fazer pesquisa e produzir conhecimento. Pesquisadores ou etnógrafos solitários e individuais vão cedendo lugar a pesquisadores coletivos ou comunitários. De autorias individuais a autorias coletivas de teorias, monografias e teses. Ainda são experiências localizadas e pontuais, mas vão abrindo caminho dentro e fora da disciplina. Cada dia vai se consolidando novos procedimentos de diálogo e negociação dos pesquisadores indígenas e não indígenas com comunidades indígenas, para realização de estudos e pesquisas, por meio de consultas livres e informadas sobre os projetos de pesquisa junto às comunidades indígenas. Ao longo do processo de negociação, diálogo e de consulta, as partes chegam a novos termos, como, por exemplo, a necessidade de os pesquisadores assumirem compromissos de devolução dos resultados e de serem colaboradores ou assessores engajados, além do compromisso de considerarem a coautoria coletiva da comunidade no desenvolvimento da pesquisa e em seus resultados em formas de monografias ou teses. Houve casos em que essa nova forma de parceria colaborativa e de coautoria foi mais além, quando ocorre inversão de papéis, em que a comunidade passa a definir o tema de interesse da pesquisa, e se torna a pesquisadora principal, e, portanto, autoria coletiva, relegando ao etnógrafo o papel coadjuvante de coautoria. Essas experiências estão provocando um verdadeiro rebuliço dentro da academia, de como considerar oficialmente a coautoria ou a autoria coletiva no âmbito formal das peças de monografias e teses. O fato é que as Comissões Examinadoras e os Programas estão tendo que lidar com isso, encontrando formas inéditas e inovadoras, caso a caso. A título de exemplo, cito o caso recente de uma pesquisa doutoral realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação – Conhecimento e Inclusão, da Universidade Federal de Minas Gerais, tese defendida em 27 de maio de 2022 com o título bem sugestivo de Xi Hõnhã? E agora? Vamos ser pesquisadores: um fazer pesquisa Tikmũ´ũn entre múltiplos seres, saberes e fazeres. Trata-se de uma pesquisa em que a comunidade Xacriabá envolvida escolheu o tema e realizou a pesquisa coletivamente, ou melhor, comunitariamente, à revelia consentida da pesquisadora doutoranda e do programa. O Programa está em busca de como reconhecer oficialmente a autoria coletiva.
Neste sentido, é impossível ou mesmo indesejável que a antropologia continue sendo a mesma a partir da entrada e presença indígena. Na verdade, já não é a mesma há algum tempo. Por mais que se tente enquadrar os indígenas, estes absorvem, reinterpretam e se apropriam dela aos seus modos e segundo suas demandas e interesses pessoais e coletivos. Mesmo se a antropologia brasileira tivesse continuado com suas portas fechadas para os indígenas nessas últimas duas décadas, o que seria no mínimo muito estranho, ela sofreria fortes pressões internas e externas para acompanhar o processo de transformações que a Universidade e a Ciência Ocidentais vêm empreendendo no mundo inteiro.
Que a antropologia já não é mesma de antes da presença indígena nela, isso é um fato. O que ainda não está claro é o seu futuro, não no sentido de duvidar do futuro da disciplina, mas do futuro de que disciplina. Quanto a isso, pensamos em pelo menos duas possibilidades não excludentes. A primeira, seria uma antropologia renovada, atualizada, aberta, plural, inclusiva com a diversidade de outras formas de pensar e fazer antropologia, uma antropologia ecumênica nos termos da Alcida ou uma antropologia intercientífica, como denomina Little (2010). Prefiro a noção de intercientificidade, porque ela coloca o debate no centro do que é mais caro e profundo para a academia, a noção de Ciência, que neste caso, passa a reconhecer também as Ciências Indígenas e outras ciências. Nosso entendimento é de que a noção de intercientificidade instiga a possibilidade de diálogo interativo e de coexistência de sistemas de conhecimentos que não apenas se toleram, mas que interagem e se complementam.
Estamos afirmando que, a partir da presença de indígenas na antropologia como sujeitos, passamos a ter a coexistência real de diferentes e diversas antropologias, notadamente de antropologias indígenas. Isso remete à ideia de uma antropologia no plural de Peirano (1992), referindo-se a antropologia como sistema de conhecimento com várias versões; ou, como denominam Santos e Dias Jr. (2009), como antropologia no plural, simétrica e cruzada, referindo-se à necessidade de reconhecimento de uma outra variedade do conhecimento, de competências cognitivas e epistemológicas distintas da antropologia tradicional ocidental, mas a mesma natureza, o mesmo valor heurístico e diferentes formas. A antropologia no plural ou as diferentes antropologias não precisam renunciar às crenças adotadas tradicionalmente como parte da sociedade colonial eurocêntrica, mas precisam admitir e reconhecer outras crenças. Algumas dessas crenças ou teorias são fundantes das sociedades humanas, como é o caso do lugar do ser humano no mundo ou, mais precisamente, na natureza. A própria denominação “antropologia” indica uma cosmovisão muto particular das sociedades ocidentais europeias que criaram a disciplina, destacando ou mesmo isolando como hierarquicamente superior, a posição sociocósmica do ser humano. Essa superioridade e exterioridade do ser humano do resto do cosmo ou da natureza gerou uma percepção perigosa da necessidade de desvendar e conhecer a natureza para então dominá-la e destruí-la, utilizando-se dos produtos da ciência e da tecnologia, como vem acontecendo, e pondo em risco o futuro do planeta e junto, o do homem.
O pensamento indígena é muito distinto, pois nele o ser humano é parte intrínseca, orgânica e dependente da natureza. Assim, o termo “antropologia” não contempla, suficientemente, o debate sobre o ser humano indissociável da natureza. Conceitos como “cosmologia” ou “cosmopolítica” são mais palatáveis, audíveis e significativos para nós indígenas. Isso ilustra de entrada os desafios que uma antropologia pluriepistêmica há de enfrentar. Uma antropologia pluriepistêmica seria aquela promotora de prática simétrica entre o conhecimento científico acadêmico e o conhecimento tradicional-indígena e estaria dentro da ideia de uma antropologia no plural, de Peirano, uma antropologia com as diferentes antropologias, com suas diversas matrizes epistemológicas e bases culturais e cosmológicas. Enfim, uma antropologia pluriepistêmcia ou intercientífica seria aquela resultante da superação da ciência antropológica monoepistêmica e monocultural, que considera os conhecimentos indígenas e tradicionais como pré-científicos ou mesmo não científicos, e seus sujeitos como meros informantes ou objetos de pesquisa.
Uma antropologia plural, intercultural, ecumênica e intercientífica ou pluriepistêmica seria o ideal, mas de difícil concretização pelo menos em curto e médio tempo, pelo fato de requerer uma profunda transformação na matriz epistêmica e metodológica da disciplina. Para tal mudança, inclusive curricular, ainda não percebemos sinais de disposição e vontade suficiente, por parte da grande maioria dos antropólogos brancos, encapsulada pelo temor de perda de qualidade ou de status científico da disciplina, ou mesmo pela indisposição de realizar tarefas indigestas de revisão teórico-metodológica das bases epistêmicas, políticas, culturais e civilizatórias que fundamentam e sustentam a disciplina como ciência eurocêntrica, desde sua criação.
Uma antropologia inclusiva e acolhedora da diversidade e da pluralidade de cosmovisões e epistemologias requer necessariamente uma releitura crítica, e sobretudo honesta e justa, sobre sua própria história e suas principais teorias que contribuíram, para o bem ou para o mal, com o processo violento e racista da colonização, que massacrou povos indígenas inteiros, mas também com importantes e cruciais contribuições na luta pela sobrevivência dos povos indígenas e pela conquista de seus direitos.
Sem este reconhecimento e compromisso com outras antropologias, particularmente com as antropologias feitas por indígenas, fica difícil para os indígenas antropólogos se sentirem partes orgânicas e sistêmicas da disciplina. Com relação a isso, é importante afirmar, a título de exemplo, que nós indígenas quando lemos os antropólogos, principalmente os clássicos de ontem e de hoje, não temos como evitar imbróglios no estômago, com raras exceções, quando descobrimos, como estes, ao se referirem a nós, criaram noções, conceitos, categorias e teorias que fundamentaram e ainda fundamentam toda prática de racismo e preconceito contra nós. Isso explica o inconformismo de jovens indígenas antropólogos. Isso explica a necessidade de uma (re)leitura reparadora, honesta e justa do que foi produzido e dito sobre nós até aqui, capaz de limpar o terreno e traçar novos caminhos e horizontes, desta vez, com os indígenas, enquanto sujeitos, autores e antropólogos. Nossa preocupação não é com o mundo do branco ou com o que os brancos dizem de si mesmos e como apresentam suas sociedades, pois isso está no direito e na legitimidade das autonomias e alteridades societárias deles, mas com o que dizem ou deixam de dizer sobre nós, que precisa de uma (re)leitura atenta, cuidadosa e profunda.
A segunda possibilidade é a construção de distintas antropologias como vem sendo ensaiada em alguns contextos, por meio das denominadas antropologias indígenas. Esta é uma alternativa provisória diante da dificuldade de uma antropologia ecumênica, intercientífica ou pluriepistêmica. O fato é que os indígenas antropólogos estão buscando um lugar para os seus sistemas de conhecimentos com suas epistemologias (de seus povos) e não encontrando na antropologia vigente e dominante é mais do que natural e necessário que criem espaços institucionais e disciplinares próprios, ainda que marginal, mas dentro da disciplina. Esta possibilidade não é ideal nem desejável, na medida em que não agrega, não acolhe, não complementa, não interage e nem enriquece as partes, quando muito continua na lógica da tolerância hierarquizadora ou mesmo mutuamente negadoras de realidades, saberes e experiências humanas. Entendemos que, nessa perspectiva, a antropologia dominante, defensiva, tímida e cautelosa é que tende a perder mais, pois nós indígenas continuaremos muito interessados e determinados em conhecer e apropriar-nos, cada vez mais, dela e de todo o seu patrimônio acumulado em termos de conhecimentos, como já dissemos, em favor de nossas lutas e projetos societários.
A existência de distintas antropologias não representa necessariamente um problema, mas pode limitar processos dialógicos interativos, colaborativos e complementares, ou nas palavras de Alcida, uma comunicação intercultural e intercientífica, se processos de concorrências, de disputas e de mútuas deslegitimações forem empreendidas. Por isso, entendemos que nossa prioridade deveria ser de construir solidariamente uma antropologia verdadeiramente plural, ecumênica e pluriepistêmica, coexistindo diversas antropologias, dentre elas, as antropologias indígenas. E se há algum consenso sobre isso, entre nós indígenas antropólogos e os antropólogos não indígenas, então deveríamos criar condições concretas para que esse diálogo aconteça e prospere de forma franca, honesta, sistêmica e institucional. Sendo assim, este diálogo e debate a partir do texto provocador, que julgo ser na melhor das intenções de Alcida, é um salutar começo e largada de um novo caminho da antropologia, que promete ser longo e desafiador, mas que não custa nada sonhar. De nossa parte, estamos dispostos e confiantes em continuar e aprofundar este debate.