Dossiê
Recepción: 18 Octubre 2022
Aprobación: 06 Enero 2023
DOI: https://doi.org/10.4000/aa.10539
Resumo: Cuidado, cuidando, cuidadora. Palavras carregadas, contestadas. Ainda assim, tão comuns na vida cotidiana, é como se o cuidado fosse natural, para além de alguma expertise ou conhecimento particular. A maioria de nós precisa do cuidado, sente o cuidado, é cuidada ou encontra o cuidado em uma ou outra forma. O cuidado é onipresente, inclusive através dos efeitos da sua ausência. Como um sentimento de falta que emana dos efeitos da negligência, ele passa dentro, através, por todas as coisas. Sua falta desfaz, permite que se desemaranhe. Cuidar pode nos fazer sentir bem; também pode nos fazer sentir péssimas. O cuidado pode fazer o bem; também pode oprimir. Seu caráter essencial para os seres humanos e os inúmeros seres vivos faz com que todas sejam suscetíveis a ceder a esse controle. Mas o que é o cuidado? É um afeto? Uma obrigação moral? Trabalho? Um fardo? Uma alegria? Algo que podemos aprender ou praticar? Algo que simplesmente fazemos? Cuidado significa todas essas coisas e coisas diferentes para pessoas diferentes, em situações diferentes. Assim, embora as formas de cuidado possam ser identificadas, pesquisadas e compreendidas concreta e empiricamente, o cuidado permanece ambivalente em seu significado e ontologia.
Palavras-chave: Antropologia dos cuidados, Bellacasa, Matters of care: speculative ethics in more than human worlds.
Cuidado, cuidando, cuidadora. Palavras carregadas, contestadas. Ainda assim, tão comuns na vida cotidiana, é como se o cuidado fosse natural, para além de alguma expertise ou conhecimento particular. A maioria de nós precisa do cuidado, sente o cuidado, é cuidada ou encontra o cuidado em uma ou outra forma. O cuidado é onipresente, inclusive através dos efeitos da sua ausência. Como um sentimento de falta que emana dos efeitos da negligência, ele passa dentro, através, por todas as coisas. Sua falta desfaz, permite que se desemaranhe. Cuidar pode nos fazer sentir bem; também pode nos fazer sentir péssimas. O cuidado pode fazer o bem; também pode oprimir. Seu caráter essencial para os seres humanos e os inúmeros seres vivos faz com que todas sejam suscetíveis a ceder a esse controle. Mas o que é o cuidado? É um afeto? Uma obrigação moral? Trabalho? Um fardo? Uma alegria? Algo que podemos aprender ou praticar? Algo que simplesmente fazemos? Cuidado significa todas essas coisas e coisas diferentes para pessoas diferentes, em situações diferentes. Assim, embora as formas de cuidado possam ser identificadas, pesquisadas e compreendidas concreta e empiricamente, o cuidado permanece ambivalente em seu significado e ontologia.
Abraçando essas bases ambivalentes, não sem hesitação, este livro convida para uma exploração especulativa do significado de cuidar e viver em mundos mais que humanos. Escolho tal expressão, dentre outras formas existentes de nomear os arranjos pós-humanistas, porque ela fala, em um mesmo fôlego, de sujeitos não-humanos e de sujeitos além do humano, como coisas, objetos, outros animais, seres vivos, organismos, forças físicas, entidades espirituais e humanos[2]. A cobertura desse escopo ontológico é vital e se tornou indiscutível, se é que alguma vez não o foi, que em tempos de união das tecnociências com as naturezasculturas[3], a subsistência e os destinos de tantos gêneros e entidades neste planeta estão inevitavelmente emaranhados. Certamente, esse termo continua a não ser satisfatório, por sua falta de especificidade conceitual e pelos conteúdos morais que nos convidam a “transcender” o humano por algo “mais do que”. O termo ainda parte de um centro humano, para depois chegar “além” dele. No entanto, ele funciona bem o suficiente como terreno incerto para a delicada tarefa de ampliar a consideração das vidas envolvidas nas agências de cuidado, que ainda são pensadas em sua maioria como algo que as pessoas humanas fazem. O cuidado é um problema humano, mas isso não faz do cuidado uma questão apenas humana/de interesse apenas humano[4]. Afirmar o absurdo de desemaranhar as relações humanas e não humanas de cuidado e as éticas envolvidas nelas requer descentrar as agências humanas, bem como permanecer perto das contingências e das heranças dos fazeres humanos situados.
Sinto-me enraizada e apoiada neste esforço por uma multidão de pensadoras[5], pesquisadoras e ativistas que talvez não endossem a presente tentativa, mas frente às quais, no entanto, estou em dívida. Parece reducionista tentar dar conta da riqueza dos trabalhos sobre o cuidado nesta introdução. Mas, pelo menos, uma nota deve ser feita para as leitoras que podem não estar familiarizadas com as heranças de um projeto que busca, mais uma vez, afirmar o cuidado apesar e por causa de seu significado ambivalente. Certamente, qualquer interpretação de que o cuidado é uma afeição calorosa e agradável ou uma atitude moralista de positividade[6] é tensionada pelas pesquisas e teorias feministas sobre o cuidado. Desde que a famosa e controversa obra de Carol Gilligan “Uma Voz Diferente”[7] fincou as origens de uma subjetividade ética carinhosa na relação entre mãe e filho (Gilligan 1982), a discussão sobre o valor moral e político do trabalho de cuidado, bem como a investigação completa das sociologias feministas sobre os diferentes trabalhos que envolvem e fazem o cuidado, foi ampliada e desafiada a partir de uma gama de perspectivas que vão muito além das atividades tradicionalmente e socialmente identificadas como trabalho feminino. As conhecidas discussões sobre a “ética do cuidado” são apenas uma pequena parte das conversas que reúnem uma ampla gama de interlocutoras que não necessariamente conhecem a voz umas das outras. Os trabalhos baseados em evidências têm desafiado a noção de cuidado há mais de trinta anos, através de estudos de enfermagem, sociologias da medicina, saúde e doença, ética e filosofia, bem como do pensamento político. Com ou além da ética do cuidado, práticas e princípios do cuidado têm sido explorados criticamente nos domínios da psicologia crítica (Noddings 1984), teoria política (Tronto 1993), justiça (Engster 2009), cidadania (Kershaw 2005; Sevenhuijsen 1998), migração e estudos trabalhistas (Boris e Rhacel 2010), cuidado na ética empresarial e economia (Gatzia 2011), decisões científicas para o desenvolvimento (Nair 2001), sociologias e antropologias do trabalho em saúde e das ciências da saúde (Latimer 2000; Mol 2008; Mol, Moser, e Pols 2010; Lappé, no prelo), no ativismo e estudos sobre deficiência (Sánchez Criado, Rodríguez-Giralt e Mencaroni, 2016), cuidados nos procedimentos de responsabilização (Jerak-Zuiderent 2015), políticas alimentares (Abbots, Lavis e Attala 2015), assim como na ética para os direitos dos animais (Donovan e Adams 2010) e nas práticas agrícolas (Singleton e Law 2013) – para não falar de pesquisas ancoradas nos ativismos de base (Precarias a la Deriva 2004; Barbagallo e Federici 2012), no trabalho social e sanitário e na política (Hankivsky 2004). Mais próximo das trajetórias específicas deste livro, o cuidado também é explorado como uma noção significativa para apreciar as dimensões afetivas e ético-políticas nas práticas do conhecimento e do trabalho científico (Rose 1983, 1994; Despret 2004; Muller 2012; Suzuki 2015; Perez-Bustos 2014) e como uma política em tecnociência (Martin, Myers e Viseu 2015) com um significado vital para a ecologia (Curtin 1993) e para as relações humanas e não-humanas em mundos naturaisculturais (Haraway 2011; Van Dooren 2014; Kirksey, 2015).
A lista poderia continuar e continuar a se expandir; até mesmo a tentativa de trazer essa amostra parece redutora. Todos esses engajamentos com o cuidado trazem contribuições específicas para a sua compreensão e os seus significados, revelando como o termo envolve diferentes relacionalidades, questões e práticas em diferentes contextos. Essas investigações podem não estar totalmente de acordo umas com as outras – nem deveriam – acerca do que o cuidado significa ou envolve. No entanto, investigações específicas sobre atualizações do cuidado também contribuíram e coexistem com uma discussão teórica do cuidado como um ato “genérico” de significado ontológico, como uma “atividade de espécie” com implicações éticas, sociais, políticas e culturais. Para Joan Tronto e Bernice Fischer, isso inclui tudo o que fazemos para manter, continuar e reparar “nosso mundo”, para que possamos viver nele da melhor maneira possível. Esse mundo inclui nossos corpos, nossos eus e nosso meio ambiente, tudo o que procuramos entrelaçar em uma teia complexa e sustentadora da vida (Tronto 1993, 103, grifos da autora).
Faço uma pausa sobre esta tão citada definição genérica de cuidado, porque ela irá ressurgir em vários momentos neste livro. Ela tornou-se, inadvertidamente, não apenas uma concepção à qual eu voltava, como um refrão tranquilizador que me permitiu tocar o solo ao longo dos meandros desta viagem especulativa, mas também uma provocação para sondar melhor os significados do cuidado para pensar e viver com mundos mais que humanos. O que está incluído no “nosso” mundo? E por que as relações de cuidado devem ser articuladas a partir daí?[8].
Mas antes de chegarmos em tais questões, quero desenvolver nesta introdução algumas das razões pelas quais tal definição de cuidado se tornou um ponto de partida. Joan Tronto dedicou seu livro Moral Boundaries [Fronteiras Morais][9] – ainda uma das obras mais influentes sobre cuidado, e uma peça marcante da filosofia política e da ética feminista – para desdobrar o significado político do termo aqui discutido. Nesse espírito, sua definição genérica de cuidado enfatiza uma noção ampliada das agências tocadas pelo conceito: ele é “tudo o que fazemos para”. Entre esses atos, ela diferencia e mantém fortemente unidos os aspectos de “manutenção” do cuidado – o que tradicionalmente é chamado de “trabalho de cuidado” – e o senso de uma ética e política de cuidado, a busca de uma vida “boa”, expressa pela noção afetivamente carregada “tão boa quanto possível”. Tronto também articulou as dimensões que se unem para gerar um ato “integrado” de cuidado: as disposições afetivas e éticas envolvidas na atenção, preocupação e responsabilidade pelo bem-estar das outras, tais como “se importar com” e “cuidar de”[10], precisam ser sustentadas por práticas materiais – entendidas convencionalmente como a manutenção ou trabalho concreto envolvido na atualização do cuidado, como “dar cuidados” e “receber cuidados” (Tronto 1993, 105-8; Sevenhuijsen 1998). A distinção não separa essas modalidades de agência. O que nos permite enfatizar que uma política do cuidado envolve muito mais que uma postura moral; envolve agências afetivas, éticas e práticas com consequências concretas e materiais. Outra dimensão crítica dessa concepção genérica é o cuidado como vital para o entrelaçamento de uma teia de vida, expressando um tema chave na ética feminista, a ênfase na interconexão e na interdependência, apesar da aversão à “dependência” nas sociedades industrializadas modernas que ainda dão valor primordial à agência individual. Embora esse campo esteja frequentemente focado em desvendar a especificidade do “trabalho de dependência” – necessário quando somos incapazes de cuidar de nós mesmos (Kittay 1999, Kittay e Feder 2002) – ele também sugere a interdependência como o estado ontológico no qual os seres humanos e inúmeros outros seres inevitavelmente vivem. Isso não significa que a dependência seja um valor absoluto em todas as situações – como bem expõem os críticos nos estudos sobre deficiência e as lutas pela vida independente (Kröger 2009) – nem mesmo que a dependência e a independência sejam antitéticas.
Cuidado não significa fusão; pode significar manter a distância certa (ver capítulo 3). Também não significa que cuidar deva ser uma obrigação moral em todas as situações, práticas ou decisões. Virginia Woolf falou de forma convincente do poder de cultivar a indiferença como uma forma de revolta silenciosa, o poder perturbador de escolher não se importar com o que nos é imposto (Woolf 1996). Significa, no entanto, que para seres interdependentes em arranjos mais que humanos, em algum lugar do substrato de cada mundo precisa existir alguma forma de cuidado para que a vida seja possível. E essa é uma maneira de ver as relações, mas não a única.
O cuidado, enquanto obra concreta de manutenção, com implicações éticas e afetivas e como política vital em mundos interdependentes é uma concepção importante herdada por este livro. Essas três dimensões de cuidado – ofício/trabalho, afeto/afeições, ética/política – não são necessariamente distribuídas igualmente em todas as situações relacionais, nem permanecem juntas sem tensões e contradições, mas são agrupadas e às vezes se desafiam mutuamente na ideia de cuidado com a qual estou pensando neste livro. Em vez de nos concentrarmos no lado afetivo do cuidado (no amor e no afeto, por exemplo), ou no cuidado como trabalho de manutenção [da vida], podemos permanecer com tais tensões não resolvidas: as relações entre essas dimensões nos ajudam a nos mantermos próximas do terreno ambivalente dos cuidados. Há situações em que o trabalho de cuidado envolve, de fato, uma remoção do afetivo – perguntamos, então, por que uma trabalhadora de cuidado remunerado teria que envolver afeto em seu trabalho? Isso é crucial porque temos que considerar como o cuidado pode se transformar em pressão moral para as trabalhadoras que poderiam querer preservar seu compromisso afetivo longe das explorações do trabalho assalariado. Mas se a manutenção [da vida] não envolve algum envolvimento afetivo – eu cuido, eu me preocupo (ou sou chamada a fazê-lo mesmo que eu não queira) – ainda se trata de cuidado? Em contraste, também se pode amar intensamente sem se comprometer com o “trabalho de amor”, sem se envolver na manutenção, às vezes enfadonha, de uma relação. O fato de fazermos tais perguntas revela que a afetividade – não necessariamente positiva – faz parte de situações de cuidado, como carga opressiva, como a alegria, como o tédio. Permanecer com essas tensões expõe que a manutenção vital não é suficiente para que uma relação envolva cuidado, mas que sem o trabalho de manutenção [da vida], a afetividade não compensa o cuidado e o mantém mais próximo de uma intenção moral, de uma disposição de “cuidar de”, sem colocar no trabalho o “se importar com”[11] (Tronto 1993). O mesmo aplica-se às questões éticas e políticas levantadas pelo cuidado, tais como indignações e condenações sobre sua ausência ou sobre o controle de políticas que regulam o que é considerado cuidado legítimo. Embora possa parecer que o cuidado não envolve necessariamente uma ética ou uma política, parece haver um posicionamento inerente que se dá por meio de engajamentos com o cuidado. Como enfatiza Annemarie Mol em sua elucidação de uma lógica de cuidado nas práticas médicas: “Articular o ‘bom cuidado’ ... é uma intervenção”, no lugar de uma avaliação factual ou um julgamento da prática (Mol 2008, 84). Neste livro, portanto, exploro o cuidado como sendo uma intervenção intrinsecamente ética e política que afeta também aqueles que estão pesquisando o cuidado. Porque falar de “bom cuidado” – ou mesmo de cuidado “tão bom quanto possível” – nunca é neutro. Porque o trabalho de cuidado pode ser feito dentro e para mundos que podemos achar condenáveis. Para que é dado o cuidado? Essas oscilações interrogativas expõem como a definição de cuidado de Tronto – ao manter as tensões entre o cuidado como um ato de manutenção e trabalho, engajamento afetivo e envolvimento ético-político – abre um terreno para explorar, em cada contexto, o pensamento sutil do cuidado, lendo essas dimensões umas por meio das outras.
Além disso, o caráter genérico dessa definição de cuidado também é particularmente estimulante para um projeto especulativo. Primeiro, porque expõe os domínios existenciais do cuidado como algo em aberto – eles referem-se a tudo o que fazemos. Segundo, porque aponta para as maneiras pelas quais a “ética” em uma ética do cuidado não pode ser compreendida como um reino de obrigações morais normativas, mas sim como um envolvimento denso, impuro, em um mundo no qual a questão de como cuidar precisa ser colocada. Ou seja, faz da ética um processo encarnado e contínuo de recriação de relações “tão boas quanto possível” e, portanto, um processo que requer uma abertura especulativa sobre o que essas possibilidades envolvem. Nesse sentido, o pensamento deste livro é movido por um apelo genérico de cuidado que o torna impensável como algo que pode ser separado de seu lugar e localização. Assim, embora este livro não seja uma investigação sociológica ou etnográfica sobre um domínio específico de agências de cuidado, ao me envolver especulativamente com os significados de pensar e viver com o cuidado, espero contribuir para um enriquecimento de seus significados de forma a convidar outras a considerar o cuidado – ou sua ausência dele – como um parâmetro de existência com significado para seus próprios territórios. Contudo, longe de um tratado geral sobre o cuidado, este livro tenta gerar uma situacionalidade própria na interação entre o genérico e o específico[12]. Cada capítulo apresenta e abre questões em torno do cuidado a partir de diferentes ângulos, perguntas e problemas, partindo de matérias[13] específicas do cuidado para que o genérico não se resolva em uma teoria fechada. Olhar para os problemas e territórios de pesquisa como questões de cuidado pode, então, se tornar também uma interrogação da pesquisa especulativa, como propõem as seguintes pesquisadoras: “A questão, então, não é ‘como podemos nos importar mais [care more]?’, mas perguntar o que acontece com nosso trabalho quando prestamos atenção aos momentos em que a questão de ‘como cuidar?’ é persistente, porém não encontra uma resposta fácil. Dessa forma, usamos o cuidado como uma forma de análise ou provocação, mais que um conjunto pré-determinado de práticas afetivas” (Atkinson-Graham et al. 2015).
Outro argumento central no livro, a conexão entre “especulativo” e “ético”, também pode precisar de alguns ajustes, embora idealize ser uma proposta bastante simples. A discussão sobre ética e obrigação perpassa o livro, mas a abordagem não visa a uma teorização ética sistemática (convido as leitoras intrigadas por essa “ética” a começarem a ler a partir do capítulo 4). A jornada é sobre ética porque ela levanta questões sobre os significados do cuidado para mundos tão bons quanto possível, mas também é marcada por uma trajetória que me levou a pensar no cuidado, primeiro, como um compromisso político. A dimensão especulativa, então, conecta-se a uma tradição feminista para a qual esse modo de pensar sobre o possível envolve provocar a imaginação política e ética no presente[14]. Contudo, as discussões éticas neste livro também são especulativas porque tentam evitar a definição de uma estrutura normativa: a dimensão do “tão bom quanto possível” desloca-se para os significados do cuidado em territórios onde poderiam entrar em conflito com os significados de um “bem” estabelecido. Nitidamente, afirmar o especulativo como orientação geral de alguma forma pressupõe uma abordagem crítica do presente. Por que alguém iria querer outros mundos possíveis se não há nada errado com esse daqui? Nesse sentido, ao longo de todo o livro é tecida uma busca hesitante pelo que significa pensar de forma crítica e especulativa. Contudo, afirmar o caráter especulativo da ética envolve uma abordagem crítica e hesitante, que não busca refúgio nas posturas que toma, mas que se torna consciente e apreciadora da vulnerabilidade de qualquer posição existente sobre a dimensão do “tão bom quanto possível”.
Finalmente, há uma razão mais “empírica” pela qual o significado do pensamento crítico especulativo se tornou parte dessa exploração do cuidado. O cuidado não é apenas ambivalente ontologicamente, mas também politicamente. Aprendemos das abordagens feministas que esta não é uma noção a ser abraçada inocentemente. O pensamento e o trabalho sobre o cuidado ainda têm que confrontar as bases complicadas da essencialização das experiências das mulheres (Hoagland 1991) e a ideia persistente de que o cuidado se refere, ou deveria se referir, a um reino ético saudável, agradável, não poluído. Mergulhar no trabalho feminista sobre o tema nos convida a nos envolvermos substancialmente com o cuidado como um território vivo que precisa ser constantemente recuperado dos significados idealizados, das evidências construídas que, por exemplo, associam o cuidado com uma forma de trabalho amoroso primário realizado por cuidadoras idealizadas. Re-engajamentos contemporâneos com o cuidado dão continuidade a essa perspectiva quando se engajam em seguir promovendo o cuidado ao mesmo tempo em que nos alertam contra uma visão excessivamente otimista de sua prática ao nos incitar a continuar "desestabilizando" o cuidado (Murphy 2015), ou como convidam Aryn Martin, Natasha Myers e Ana Viseu, prolongando o chamado de Donna Haraway, para “ficar com o problema” (Haraway 2016) na forma como nos comprometemos com o cuidado. Aquelas pessoas envolvidas em pensar em territórios criticamente complexos e lutas de cuidado por mais de quarenta anos podem achar que não há nada de novo nessas preocupações. Contudo, não podemos nos conformar com uma ideia de que essas discussões ficaram para trás. Uma colega me contou recentemente sobre sua reação à organização de um simpósio sobre cuidado e economia política: “Cuidado? Por que eu deveria me preocupar com o cuidado?” e, fazendo uma pausa, ela relatou como, ao se ouvir pensar dessa maneira, pensou: “provavelmente porque tudo me diz para não me preocupar com o cuidado”. Para além do ponto óbvio de que o que importa para uma geração não continuará a importar per se para o futuro, o cuidado é tão vital para o tecido da vida que permanece como uma questão de luta contínua e um terreno de constante apropriação normativa.
E é verdade que, apesar da tradição que fez do cuidado uma característica essencial do pensamento transformador, da política e de formas alternativas de organização, o cuidado também é um tema comum nos esforços morais do cotidiano, especialmente no Ocidente, ou no Norte Global. Uma revitalização hegemônica que valoriza o cuidado além dos domínios tradicionais poderia ser reforçada por um presente permeado por preocupações com o destino da vida a partir de todas as frentes de crise possíveis – meio ambiente, economia, valores. E, enquanto o sentimento de emergência se traduz em uma constante ansiedade, na expectativa de um evento catastrófico (Beuret 2015), uma outra violência como pano de fundo menos visível destrói lentamente, porém mais fundamentalmente, o tecido da existência cotidiana dos seres vivos em todas as escalas (Nixon 2011). Essa sensação de crise e a necessidade de nos importarmos mais[15] é enfatizada pela perspectiva de alguns poucos, embora poderosos, loci ontológicos que haviam se beneficiado de uma relativa sensação de “segurança” propagandeada como norma, enquanto “o restante” do mundo, em casa e além, poderia ser relegado ao descuido de um estado de exceção (Brown et al. 2012). Se, ao menos, todos e todas nós pudéssemos nos importar! É mesmo? E o que isso significaria?
Os chamados ao cuidado estão por toda parte, desde a comercialização de produtos verdes, em que as empresas competem para mostrar o quanto elas se importam, até a compra de itens reciclados, pelos quais nós consumidoras mostramos que nós nos importamos (Goodman 2013, Goodman e Boyd 2011). Além desse brilho moral de marketing, mais profundo e preocupante é como a governança neoliberal tem feito do próprio cuidado de si um mandato generalizado de moralidade biopolítica individualizada. As pessoas são convocadas a cuidar de tudo, mas principalmente de “nosso” eu, nosso estilo de vida, nosso corpo, nossa aptidão física e mental, ou de “nossas” famílias, reduzindo o cuidado à sua caricatura mais “paroquial” (Tronto 1993). As pessoas consideradas como cuidadoras tradicionais – mulheres em geral – ou como cuidadoras profissionais típicas – enfermeiras e outras trabalhadoras marginalizadas, não remuneradas ou com baixa remuneração – são constantemente moralizadas por não se importarem o suficiente, por não se importarem ainda mais, ou por terem “perdido” alguma capacidade “natural” para o cuidado[16]. E não são apenas os usos atuais dessa ideia, mas também os usos passados do cuidado que poderiam ser reexaminados. Michelle Murphy mostra, em suas pesquisas sobre o movimento da saúde da mulher, coisa que muitas de nós ainda prezamos como modelo de reapropriação dos nossos meios de reprodução, como projetos impulsionados por uma noção de cuidado podem também servir a projetos colonizadores (Murphy 2015). O cuidado pode, também, ser instrumentalizado em nível político global. Em uma forte crítica às campanhas humanitárias em contextos de migração que promovem “regimes transnacionais de cuidado”, Miriam Ticktin mostra como, em nome de uma ideia universalista de alívio do sofrimento – e o que Tronto teria chamado de cuidado paternalista – essas ações estão perpetuando as desigualdades e ainda impedindo as mudanças coletivas que poderiam fazer a diferença para as vidas das pessoas migrantes (Ticktin 2011).
Embora não exista nada de novo nos vínculos do cuidado com regimes hegemônicos – podemos somente pensar em todas as formas em que a mãe cuidadora é historicamente reverenciada tanto quanto confinada e seu corpo cuidador é alistado para a nação – diferentes configurações situadas exigirão compromissos críticos daquelas pessoas que têm tentado valorizar o cuidado como absolutamente vital na tecelagem da existência e que não irão simplesmente se regozijar com a popularização dessa palavra. Algumas pessoas poderiam preferir deixar de lado essa noção, demasiada prevalecente nas ordens morais estabelecidas. Ainda assim, há muitas razões para tratar a reducionista apropriação do cuidado nos contextos das ideologias éticas do Norte Global mais com atenção do que com desprezo. Em tal mundo, uma gama de diferentes entendimentos e apropriações do cuidado se fizeram possíveis e precisam ser problematizadas. Isso acrescentará camadas de complexidade às visões feministas do cuidado e nos permitirá evitar simplificações reducionistas relativas aos benefícios e aos problemas do termo. As imagens construídas desde as bases são sempre mais difusas, e os engajamentos contemporâneos com os cuidados em novos territórios continuam a indicar isso. As etnografias no mundo do cuidado mostram como é absurdo separá-lo do seu caos cotidiano. Annemarie Mol aponta como uma lógica de cuidado e uma lógica da escolha estão em constante fricção nas práticas médicas (Mol 2008), Sonja Zerak Juiderent expõe formas de cuidado situado que persistem dentro de lógicas vinculadas a procedimentos de prestação de contas que aparentemente “submetem o cuidado” a normas abstratas (Jerak-Zuiderent 2015), Kris Kortright levanta práticas de cuidado no coração do trabalho de uma nova revolução verde vinculada aos Organismos Geneticamente Modificados[17] (Kortright 2013), e Wakana Suzuki expõe como um ethos de atenção cuidadosa é explicitamente mobilizado como parte de uma disciplina nos laboratórios de biomedicina que ela observou (Suzuki 2015). Expandir os locais e circunscrições em que pensamos com o cuidado pode contribuir com novos modos de atenção e problemáticas. Portanto, ao invés de desistir do cuidado porque ele é agenciado em propósitos que julgamos lamentáveis, precisamos debater seus significados, desembalando-os e reencenando-os de forma que seus compromissos respondam às demandas do presente.
O cuidado é importante demais para ser largado às reduções que dele faz a ética hegemônica. Pensar no mundo envolve reconhecer nossos próprios vínculos com a perpetuação dos valores dominantes, em vez de nos abrigarmos na posição confortável de um outsider iluminado que sabe melhor. Pode um pensamento ser conectado se ele finge estar fora dos mundos que queremos ver transformados, mesmo daqueles que preferimos não apoiar? Minha intenção neste livro não é encenar um confronto desapegado com as noções gerais de cuidado, nem mesmo desconstruir ou policiar sentimentos sobre ele como algo que aquece corações e relações – como dita a expectativa de que o cuidado traz o bem – mas sim, propor modos de contribuir para sua rearticulação, reconcepção e “reencenação” (King 2012)[18]. Isso requer participar da tarefa contínua, complexa e elusiva de reivindicar o cuidado não a partir de suas impurezas, mas sim das tendências que tentam suavizar suas asperezas – seja idealizando-as ou negando-as. Certamente, recuperar significa muitas vezes reapropriar-se de um terreno tóxico, um campo de dominações, tornando-o novamente capaz de nutrir, aberto para as sementes transformadoras que desejamos semear. Evoca também o trabalho de recuperação de territórios antes negligenciados. Contudo, algo importante para a abordagem do cuidado neste livro é que a recuperação requer o reconhecimento dos venenos próprios dos territórios que habitamos, no lugar de esperar encontrar uma alternativa externa, intocada por problemas, um equilíbrio final – ou mesmo uma crítica definitiva. Recuperar significa aqui tudo, menos purgar e “limpar” uma noção; ao contrário, tal ação envolve considerar as ambições puristas – sejam elas morais, políticas ou afetivas – como a atitude mais venenosa. O ato de recuperar como trabalho político aponta para um esforço contínuo dentro das condições existentes, sem aceitá-las como dadas. Implica não se afastar do que é importante para nós apenas porque foi “apropriado” pelo poder, ou pelas novas tendências. Esse esforço é para mim uma tentativa de prolongar um estilo de pensamento aprendido através dos esforços feministas na direção de fomentar solidariedades entre posições divergentes sem apagar tensões insolúveis (Puig de la Bellacasa 2013, 2014). Enquanto a análise materialista feminista do cuidado expôs a dependência da sociedade frente ao cuidado – a sua importância –, também revelou os meandros do trabalho feito pelas pessoas que cuidam, mostrando como as relações de dependência podem ser cruéis tanto quanto amorosas, desdobrando o que de fato é feito em diferentes situações sob a categoria guarda-chuva do cuidado. Recuperar o cuidado é mantê-lo enraizado em compromissos práticos e condições materiais situadas que muitas vezes expõem tensões. No lugar de procurar um envolvimento em discussões sobre o cuidado em suas diferentes configurações específicas e conhecimentos especializados, este livro herda das contínuas conversas sobre o tema, o pressuposto de que os significados e a relevância situada do cuidado não podem ser tidos como dados. Partindo do pressuposto de que o cuidado é intrínseco ao tecido cotidiano de mundos problemáticos, procuro não o prender somente a uma de suas dimensões ontológicas – afetivas, práticas, ético-políticas – abraçando seu caráter ambivalente. Inspirada pela abordagem subversiva de Leigh Star às exclusões, aos silêncios e violências implícitos nas evidências de nomear, fixar e classificar (ver, por exemplo, Leigh Star 1991), resisto a categorizar o cuidado, mas procuro enfatizar seu potencial para perturbar o status quo desatando algumas das rigidezes morais do questionamento ético.
Minha abordagem, que propõe o deslocamento do cuidado envolvendo-o em temas e debates nos quais ele não tem sido abordado, com frequência, posiciona-se dentro das reorientações críticas contemporâneas, mas não tanto por meio de uma crítica ao cuidado. Estou pensando no cuidado em si como um ato criticamente perturbador que pode se abrir a reconfigurações “tão boas quanto possível” engajadas com presentes problemáticos. Assim, de forma crítica, porém especulativa, o presente livro abraça o potencial transformador do cuidado apesar e por causa da ética hegemônica, de sua atual mercantilização, apesar e em virtude da importância inescapável do cuidado, coisa que o torna suscetível de ser transformado em um poderoso veículo de moralização normativa. Permanecer com o potencial perturbador do cuidado não envolve (apenas) tornar visíveis atividades negligenciadas que queremos ver mais “valorizadas” – como, por exemplo, atividades “produtivas” com um valor econômico que deve ser reconhecido. Requer ainda o envolvimento com reconhecimentos situados da importância do cuidado que operam deslocamentos em hierarquias de valor estabelecidas, assim como a compreensão de como modos divergentes de valorizar o cuidado coexistem e coproduzem uns aos outros de forma não inocente. Portanto, se este livro pode contribuir para o significado do cuidado, espero que seja acrescentando camadas às percepções de cuidado, evitando o alisamento de seu potencial disruptivo. É a partir deste solo ambivalente, mas firme na convicção obstinada do significado existencial e ontológico do termo, que tento expandir o pensamento sobre o cuidado, deslocando a investigação de seus significados para um terreno em sua maioria desconhecido: os significados do cuidado para saber e pensar com mundos mais que humanos na tecnociência e nas naturezasculturas.
Deslocando o Cuidado
Um panorama geral do pensamento pós-humanista inclui trabalhos que, cada vez mais nos últimos vinte anos, questionam os limites que tentam definir a dimensão do humano (frente ao outro em relação ao humano, bem como a humanos posicionados como o outro), para consagrar o caráter separado e excepcional da humanidade e, intencionalmente ou não, para sujeitar todo o restante a essa suposta superioridade. As fronteiras borradas por essas formas de pensar e os movimentos sócio-materiais que as impulsionam são bastante conhecidos agora: entre natureza e cultura, sociedade e ciência, tecnologia e organismo, seres humanos e outras formas vivas. O pensamento em jogo é transdisciplinar desde a raiz, envolvendo uma ampla gama de perspectivas e metodologias nas ciências sociais e humanas que formam também campos relativamente novos: estudos da ciência e da tecnologia, estudos animais, filosofia e ética pós-humanista, humanidades ambientais. Os desafios culturais, políticos e éticos são colossais e a busca por alternativas continua. Neste livro, tento, modestamente, contribuir para esses esforços.
Poder-se-ia dizer simplesmente que as reflexões aqui apresentadas basicamente deslocam os significados habituais do cuidado porque são ativadas em torno de problemas que rompem os limites clássicos com os quais as políticas feministas de cuidado têm maioritariamente trabalhado na sua tarefa de reivindicar o significado do termo no mundo social. Contudo, esse trabalho envolve também fazer alguns movimentos não óbvios. O primeiro, apresentado na Parte I, consiste em uma transferência de significado que carrega o tríptico do cuidado como “ética-trabalho-afeto” para o terreno de uma política do conhecimento, para as implicações de pensar com o cuidado. John Dewey, brincando com as afinidades semânticas do cuidado e da “mente”, do cuidado e da atenção, disse lindamente que[19] “a mente denota cada modo e diversidade de interesses e preocupações com as coisas … Em relação às situações, aos eventos, aos objetos, às pessoas e aos grupos ... significa memória … atenção … propósito … A atenção é o cuidado” (Dewey 1958, 263)[20]. Essa é uma noção cativante, pela qual o caráter relacional do pensamento (a mente) é oferecido como cuidado. Mas pensar e saber muitas vezes não envolve cuidado, nem mesmo atenção, nem o cuidado através do saber e do pensar são esforços não problemáticos. Com estas considerações em foco, a Parte I propõe discussões sobre políticas de conhecimento em um pensamento que se envolve além das agências humanas. A Parte II busca deslocar as perguntas que têm sido feitas, principalmente sobre o cuidado como algo que os sujeitos humanos fazem – e algumas pessoas substitutas, tais como não-humanos considerados capazes de agência e emoção intencionais. O que significa cuidado quando pensamos e vivemos interdependentemente com seres que não são humanos, em mundos “mais que humanos”? Podemos pensar no cuidado como uma obrigação que atravessa a bifurcação natureza/cultura sem simplesmente reinstalar os binarismos e o moralismo da ética antropocêntrica? Como o engajamento com o cuidado pode nos ajudar a pensar “obrigações” éticas em cosmologias descentradas do humano?
A fim de começar a expor como tais questões podem ser abordadas, é hora de entrar em mais detalhes sobre como esses dois deslocamentos se desdobram neste livro. A Parte I, Política do Conhecimento, começa com a definição das motivações iniciais para expandir os significados ético-políticos do cuidado. Por meio dos três capítulos da Parte I, opera uma preocupação com a política do conhecimento em tecnociência. Assim, o livro começa com discussões do campo da ciência e da tecnologia[21] que abordam os “mundos mais que humanos” dos arranjos de objetos sócio-técnicos como “coisas” vivas politicamente atravessadas.
Esses três capítulos são marcados pelo contexto do meu próprio encontro com a noção de cuidado através de trabalhos feministas que não são tipicamente identificados com as discussões sobre cuidado. O pensamento marxista feminista e materialista do final dos anos 1980, muitas vezes conhecido como “teoria feminista da situacionalidade”[22], explorou a possibilidade de uma epistemologia feminista e enraizou a perspectiva auspiciosa de formas alternativas de conhecimento na materialidade das experiências cotidianas das mulheres e de outras pessoas marginalizadas. Uma discussão, reencenação e prolongamento parcial dessas discussões desdobra-se nos três primeiros capítulos. Foi no confronto relacional com a manutenção cotidiana da vida que outras formas de conhecimento foram postas como possíveis, formas que podem compreender profundamente a importância das mediações materiais em oposição às abstrações do pensamento “masculino”, estabelecidas com desapego a respeito dessas atividades desvalorizadas (Hartsock 1983, Smith 1987, Collins 1986, Harding 1991). O cuidado é apresentado aqui como parte daqueles trabalhos que mediam com o mundo material, em particular os trabalhos domésticos e familiares, o “reino” tradicional e confinamento existencial das mulheres, especialmente daquelas de classes e origens raciais não privilegiadas. Um texto particular associado a tais discussões me marcou. “Mão, Cérebro e Coração: Uma Epistemologia Feminista Para as Ciências Naturais”[23], da socióloga feminista da ciência britânica Hilary Rose, quem explorou o significado político do cuidado para subverter o complexo industrial-militar-científico (1983, 1994). Ela falou de movimentos feministas como o Greenham Common Women’s Peace Camp contra as armas nucleares, que usou símbolos de cuidado para criar rupturas, jogando meias de bebê em cercas com arame, mas também deslocou a identidade das mulheres como mães cuidadosas para uma esfera pública de ação direta contra as armas nucleares – mulheres que foram tristemente desqualificadas como más mães por abandonarem as famílias para realizarem tais tarefas. Rose também falou dos trabalhadores aeroespaciais que passaram da participação na fabricação de tecnologias de guerra para a concepção de tecnologias socialmente benéficas. Como outras, Rose viu o cuidado como fundamentado nas condições materiais do trabalho reprodutivo das mulheres e associou o cuidado à dimensão de trabalho do amor, mas a essência de seu projeto foi trazer a obrigação de cuidado como uma forma de contestar as formas dominantes de produção de conhecimento e ciência em tecnociência. Desta forma, ela revelou o potencial do significado genérico do cuidado para enfrentar e interromper a dinâmica destrutiva do conhecimento científico que separa cérebro e mão, intelecto e prática, do “coração”.
Foi a visão de Rose que me iniciou em um caminho para pensar o cuidado como política do conhecimento no coração de mundos naturaisculturais e tecnocientíficos. A concepção de Hilary Rose é marcada tanto por uma política radical do conhecimento feminista quanto pelos movimentos da “ciência radical” (Rose e Rose 1976). Como parte das primeiras sociologias contemporâneas da ciência, este trabalho entende que as ciências e tecnologias são permeadas pela política e pela ética até o cerne e não, como tradicionalmente concebido, em sua aplicação ou “uso/abuso” pela sociedade. Mas, especificamente, esse tipo de trabalho sustentou um ataque firmemente crítico às exclusões e violências generalizadas, inerentes à tecnociência. Nesse tipo inicial de “estudos científicos radicais" do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, a política foi mais do que um parâmetro analítico de investigação sociológica; ela contemplou um compromisso e posicionamento frente ao conhecimento que nós produzimos para “mundos tão bons quanto possível”. Esse impulso político contrasta com a predominância de abordagens mais “neutras” da política e da ética desenvolvidas desde o florescimento das análises centradas na tecnociência, que convergiram na formação do impreciso campo interdisciplinar dos Estudos de Ciência e Tecnologia (STS). Alguns argumentaram que a crítica da ciência simplesmente se tornou “acadêmica” e o compromisso com a intervenção crítica desapareceu (Martin 1993; para um argumento semelhante mais recente, ver Mirowski 2015). Outra leitura disso é que o campo foi qualificado como descritivo – na esteira da Teoria Ator-Rede, que se propõe a “seguir” os atores no campo – e não normativo (ou seja, ética ou politicamente orientado para prescrever um “dever ser” ideológico). Embora essas críticas sejam, sem dúvida, precisas em alguns aspectos, os julgamentos gerais a respeito da despolitização também tendem a desconsiderar que a discussão sobre formas de envolvimento ético e político em abordagens da tecnociência nunca esteve completamente fechada; é um tema recorrente e que permaneceu particularmente vivo em influentes contribuições feministas no campo (ver, por exemplo, Mayberry, Subramaniam e Weasel 2001; Star 1995; Suchman 2007a) e outras abordagens explicitamente posicionadas (Hess 2007; Winner 1986; ver Sismondo 2008 e 2010 para uma visão geral).
E hoje é possível perceber um renovado interesse por formas mais “explícitas” de engajamento com a política de produção de conhecimento em tecnociência. Aqui, uma noção de cuidado também se tornou uma forma de nomear uma prática ético-política e um engajamento afetivo na produção de conhecimento sobre a tecnociência. Noções como “radicalização” do cuidado e “política do cuidado” abordam a natureza da “implicação” e da “relevância” (Savransky 2014) do trabalho intelectual e de pesquisa enquanto intervenção[24] (24). O cuidado também se torna um meio de falar sobre engajamentos críticos de produtores de conhecimento, para além das divisões polarizadas sobre os significados de pesquisas sociais e politicamente “úteis” (Metzger 2013, 2014). Uma das motivações iniciais e contínuas para escrever este livro está parcialmente situada nessa reconstituição coletiva de um conhecimento comprometido enquanto uma forma de cuidado. Há um entusiasmo renovado nesses movimentos que é relevante não apenas para um reinvestimento em uma crítica da tecnociência contemporânea, mas, mais importante para o presente livro, para uma busca por prolongar um conhecimento transformador, uma vez que está envolvido em mundos conturbados, após a lição fundamental das STS contemporâneas: não apenas que o conhecimento e a ciência são questões semióticas, materiais e com consequências fortemente políticas e éticas, mas que uma concepção descentrada da agência humana expõe relações com objetos e coisas; animais, organismos e formas não humanas enquanto política em sua própria ontologia.
Pensar sobre e com cuidado é atraente nesse contexto, porque oferece possibilidades de pensar o compromisso e a obrigação como formas não normativas de engajamento ético que poderiam estar mais em sintonia com a descentralização da agência e privilégio humanos no pensamento contemporâneo da tecnociência e das naturezasculturas. Mas essa suposição é apenas um ponto de partida. Reconectar uma política de compromisso e de obrigação ética com uma ontologia de mundos mais que humanos, sem cair nas categorias clássicas de pensamento humanista, requer um esforço especulativo. Esforço que levanta especificamente a questão da compatibilidade entre a agência distribuída e a descentralização do sujeito humano com obrigações e compromissos éticos situados. O fato de que esse é um problema complicado é bem pontuado por Lucy Suchman, quem nos lembra que quando nos envolvemos com montagens tecnocientíficas, “o preço em reconhecer a agência de artefatos precisa não ser a negação da nossa própria agência" (Suchman 2007b, 285). Nesse sentido, a discussão sobre o cuidado neste livro, em última análise, se relaciona com a forma como concebemos o ethos crítico ou político no pensamento pós-humanista, de um pós-humanismo insurgente (Papadopoulos 2010). Na verdade, a recuperação do cuidado em abordagens de mundos mais que humanos marcados pela tecnociência é um projeto político que desafia os limites éticos tradicionais que marcaram o pensamento crítico. Seguir a tropa do cuidado em um “país inesperado” (Haraway 2011) de limites confusos – tanto morais quanto materiais – requer a abertura de seus possíveis significados.
A partir dessas discussões, a Parte I envolve-se com a política de pensar e saber nos mundos mais que humanos da tecnociência – principalmente envolvendo "coisas" e objetos ou, em termos gerais, agências material-semióticas mobilizadas pela ciência e tecnologia (enquanto a Parte II atende às relações de cuidado em ecologias vivas mais que humanas). Localiza as discussões dentro da tecnociência, entendida basicamente como um mundo e um tempo em que o conhecimento científico e a produção material de tecnologias são indissociáveis dos processos e imaginários sociopolíticos, inclusive os de mercantilização. A tecnociência como o mundo onde o conhecimento é inseparável dos mundos materiais – onde o conhecimento está envolvido em fazer as coisas importarem – é aqui concebida tão literalmente quanto possível: agência material-semiótica na matéria dos mundos. Como Karen Barad observa, é por meio de agências e práticas emaranhadas de matéria e significado que os mundos tecnocientíficos “tornam-se matéria de interesse-preocupação”[25] (Barad 2007). Assim, à medida que os três primeiros capítulos se desdobram, as questões sobre a política do conhecimento na tecnociência se aprofundam cada vez mais nas questões éticas levantadas por nossa proximidade e envolvimento com os efeitos materiais de nosso pensamento. Os mundos vistos através do cuidado acentuam um senso de interdependência e envolvimento. Que desafios são colocados ao pensamento crítico por uma maior consciência aguda de suas consequências materiais? O que acontece quando pensar sobre e com os outros é entendido como viver com eles? Quando os efeitos de cuidar, ou não, são aproximados? Aqui, o conhecimento que estimula o cuidado para com as coisas negligenciadas coloca-se em tensão entre uma postura crítica contra a negligência e o fomento do compromisso especulativo de pensar como as coisas poderiam ser diferentes.
Os capítulos 1 e 2 abordam essas questões por meio do que pode ser entendido como um contraste entre duas leituras atentas dos trabalhos de Bruno Latour e Donna Haraway. O pensamento, os conceitos e os objetos de pesquisa, mas principalmente a política do conhecimento desses autores, são terrenos para pensar especulativamente sobre o que a política do conhecimento com cuidado pode significar em mundos mais que humanos. Falar de contraste aqui não pretende criar uma oposição, mas descompactar proposições que divergem e se comunicam por meio de preocupações conectadas. O Capítulo 1, Assembling Neglected “Things” [Agregando coisas negligenciadas], trata da política e da agência das coisas nos estudos de ciência e tecnologia. Ele é articulado em torno de um comentário e prolongamento da noção de Latour de “matérias de preocupação”[26]. O capítulo explicita a noção que dá título a este livro, “matérias de cuidado”, como aquela que inscreve o cuidado na materialidade de coisas mais que humanas. Ele herda de uma tradição agora bem estabelecida que rejeita a representação da ciência, da tecnologia e da natureza como “matérias de fato” despolitizadas, como verdades incontestáveis. Trago para o centro dessas interrogações a pesquisa feminista e o pensamento nos estudos de ciência e tecnologia como um trabalho que permanece crucial para estimular um ethos do cuidado não apenas ao pensar os processos de construção de agenciamentos sociotécnicos, mas como uma atitude ético-política no fazer cotidiano de práticas de conhecimento. A renomeação de matérias de fato para "matérias de preocupação" feita por Latour atrai a atenção para os efeitos ético-políticos de relatos construtivistas em estudos de ciência e tecnologia, à medida que tentam fazer as coisas terem importância, “reapresentando-as”. A preocupação nos aproxima de uma noção de cuidado. No entanto, há uma vantagem “crítica” do cuidado que as políticas de fazer as coisas importarem como conjunto de preocupações tendem a negligenciar. Contra esse pano de fundo, exploro o que significaria pensar as matérias de fato e os agenciamentos sociotécnicos como matérias de cuidado. Uma maior consciência das preocupações pode favorecer a promoção do cuidado na tecnociência contemporânea? Uma preocupação ético-política afetiva, como cuidar, pode se tornar um padrão de pensamento ao se engajar com a ciência e a tecnologia? Este capítulo tenta responder a essas questões sem buscar uma resposta normativa e tendo como base o conhecimento feminista, políticas e teorias do cuidado, bem como comentários sobre a pesquisa empírica no campo dos estudos de ciência e tecnologia que expande e reafirma a importância e os significados do cuidado. Leio esses trabalhos não tanto para desenvolver ou discutir a substancialidade de suas contribuições – isto é, suas pesquisas sobre casos específicos de cuidado –, mas em busca de formas de pensar que envolvam o cuidado. O posicionamento para o cuidado surge como uma prática de oposição que tanto cria problemas no conjunto democrático de preocupações articuladas quanto gera possibilidades: nos lembra de exclusões e sofrimentos e fomenta envolvimentos afetivos alternativos com os devires da ciência e da tecnologia. Em vez de definir parâmetros morais para esses posicionamentos, faço uma pergunta especulativa "como cuidar?" sobre as formas como as “coisas” são construídas, apresentadas e estudadas, especialmente quando o cuidado parece ser dispensável.
O Capítulo 2, Thinking with Care [Pensando com o Cuidado], investiga mais a fundo a imaginação de como um estilo de pensamento pode contribuir para o pensamento cuidadoso ao viver com não-humanos. Se o processo de fazer o cuidado importar[27] começou no capítulo anterior como um requisito para o conhecimento que visa reapresentar as coisas, aqui o conhecimento é posteriormente concebido como embutido na materialização dos mundos. Esse capítulo expande a premissa de que pensar e saber são processos essencialmente relacionais que requerem cuidado. Com base nessa concepção relacional de ontologia inspirada pela teia de cuidado de Tronto, eu exploro “pensar com cuidado” como um requisito denso e não inocente do pensamento coletivo em mundos interdependentes. Essa exploração especulativa de assuntos sobre pensar com cuidado se desdobra por meio de uma leitura da obra de Donna Haraway, especificamente sua visão sobre o caráter situado do conhecimento. Uma noção de pensar com cuidado é articulada ao longo do capítulo como uma série de movimentos concretos: pensando com, discordando dentro e pensando para. Enquanto entrelaçar o pensamento e as práticas de escrita de Haraway com o tropo do cuidado oferece uma compreensão particular da política do conhecimento desta autora, a tarefa de cuidar do conhecimento também surge como mais desafiadora. Explorar a noção genérica de cuidado por meio de um confronto com os mundos mais que humanos em que “ficar com o problema” aparece como a única opção ética para o conhecimento que importa [knowledge mattering] (Haraway 2016) mostra novamente o potencial do cuidado para criar problemas nas lógicas estabelecidas, bem como possibilidades.
O pensamento do cuidado precisa resistir a uma versão idealizada da política do conhecimento. O capítulo 3, Touching Visions [Visões que Tocam], baseia-se nessa compreensão ao ler o pensamento cuidadoso e o conhecimento como toque. O tato, ou tátil, poderia ser o universo sensorial que melhor explora as ambivalências de conceber o saber do cuidar como uma intensificação do envolvimento e da proximidade. O toque é também a metáfora sensorial que melhor expõe os escrúpulos em torno da materialidade do pensamento e seus efeitos consequentes: pensamos, logo tocamos. Porém, essa exploração do toque tenta ser em si um exercício de cuidado com as potencialidades especulativas das visões hápticas. Em outras palavras, (meus) esforços ao reivindicar o toque – ou conhecimento íntimo e próximo – como uma forma negligenciada de conhecer precisa resistir a uma versão idealizada de conhecer-tocar. Essa discussão é herdada tanto dos trabalhos da política do conhecimento feminista quanto das concepções de ciência e tecnologia que problematizam distâncias epistemológicas – entre sujeitos e objetos, conhecimento e “o mundo”, e ciência e política. Nessa direção, o toque expressa um senso de relacionalidade materializada que aparentemente evita abstrações e distanciamentos que têm sido associados a epistemologias dominantes de conhecimento como visão. O toque torna-se uma metáfora do conhecimento transformador ao mesmo tempo em que intensifica a consciência das importações do pensamento especulativo. Em outras palavras, o háptico rompe a proeminência da visão como uma metáfora para o conhecimento distante, bem como a distância da crítica, mas também exige um questionamento ético. O que é toque com cuidado nesse contexto? Aqui, de forma paradoxal, pensar o toque com cuidado perturba os desejos de proximidades imanentes como suscetíveis de reproduzir a negação das mediações e a não evidência da reciprocidade ética. O terreno em torno do qual articulo esses argumentos é a reavaliação do sentido do tato, da teoria cultural aos mercados em expansão de tecnologias hápticas. Instâncias de fascinação háptica expõem não apenas o potencial de pensar com significados literais e figurados de toque, mas também as tentações de idealizar a materialidade. No entanto, engajar-se especulativamente com experiência, conhecimento e tecnologia como toque nos permite explorar uma possível transformação de ethos que poderia ser trazida por visões tocantes mais cuidadosas e as formas de obrigação ética que elas acarretam. Em particular, a qualidade única de reversibilidade do toque, ou seja, o fato de ser tocado por aquilo que tocamos, coloca a questão da reciprocidade no cerne de pensar e viver com cuidado. Além do mais, a reciprocidade de cuidado raramente é bilateral, a rede viva de cuidado não é mantida por indivíduos que dão e recebem de volta, mas por uma força disseminada coletivamente. Assim concebida, a complexidade da circulação do cuidado parece ainda mais onipresente quando pensamos em como ela é sustentada em mundos mais que humanos. O cuidado é uma força distribuída por uma multiplicidade de agências e materiais e apoia nossos mundos como uma densa malha de obrigações relacionais.
A Parte II, Speculative Ethics in Antiecological Times [Ética Especulativa em Tempos Antiecológicos], move-se através desta malha viva enquanto se envolve com ecologias cotidianas de sustentar e perpetuar a vida por seu potencial de transformar relações arraigadas com mundos naturais enquanto recursos[28]. Se o foco dos primeiros capítulos foi a tecnociência, aqui as questões de cuidado dizem respeito às teias relacionais nas naturezasculturas. Embora distinguir tecnociência de naturezasculturas seja, de muitas maneiras, sem sentido nas ecologias políticas contemporâneas, outras questões ético-políticas e afetivas de cuidado emergem quando envolvem humanos e outras espécies (ver Latimer e Miele 2013), bem como não humanas (embora entidades não livres de humanos), como energias e elementos biofísicos.
Enquanto a Parte I se envolve com o trabalho conceitual, abordando o pensamento e a pesquisa de outros pensadores, assim como seu fenômeno cultural, seus materiais, suas matérias de cuidado, os dois últimos capítulos trazem minha própria pesquisa experimental em dois terrenos sobrepostos da ética ecológica: as práticas do movimento da permacultura e a transformação das relações humano-solo em torno de uma noção do solo como vivente. Essa ordem manifesta uma direção subjacente no livro que não pretende ser uma proeminência hierárquica que coloca conceitos e pensadores em primeiro lugar e a substância em segundo (ou que vai da teoria às práticas). A verdade é mais biográfica e expõe um engajamento com o conceito de cuidado que evoluiu a partir de minha inserção nas filosofias da ciência e na política do conhecimento (afetado por minha formação filosófica e por me tornar uma estudiosa em meio à explosão do debate epistemológico no início dos anos 1990) e posterior absorção pelos estudos da ciência, um campo rico em etnografias situadas que me instigaram a querer contar histórias. Talvez, inadvertidamente, meu trabalho também tenha seguido uma “virada ontológica” (Lezaun e Woolgar 2013) que afetou o próprio campo e relegou o interesse epistemológico ou, em termos mais generosos, rematerializou-o. Assim, embora o pensamento na Parte II permaneça conceitual, as intervenções são mais “empiricamente” fundamentadas – como se a necessidade de tratar o cuidado de modo situado se intensificasse à medida que agregou mais camadas de significado e, portanto, ficou mais próximo de ser apresentado por meio de “terrenos”. No entanto, os esforços de pensamento aparecem em seu aspecto mais especulativo – como se os limites do que posso pensar com (minhas) noções éticas disponíveis se tornassem mais agudos quando confrontados com arranjos relacionais emergentes reais que exigem que o cuidado seja central sem restabelecer uma centralidade humana. O que significa pensar nas agências de cuidado em termos mais que humanos? Envolvido de forma mais substancial e profunda em contar histórias em torno de terrenos experiencialmente observados e pesquisados torna as complexidades de pensar com cuidado ainda mais intrincadas. Em todo caso, minha relação com esses mundos permanece abertamente movida por um compromisso de tratar as questões emergentes como matérias de cuidado e, portanto, tenta contar histórias envolvidas, nem teóricas nem descritivas, abertas a leituras alternativas, mas situadas.
O capítulo 4, Alterbiopolitics [Alterbiopolíticas], propõe uma abordagem especulativa para uma ética do cuidado naturalcultural, conforme ela se manifesta nas práticas cotidianas promovidas pelo movimento ecológico internacional conhecido como permacultura. Defendo que, para compreender a contribuição específica dessas formas de engajamento ético, sem reduzi-las a ideais de “volta à natureza” ou a uma questão de ética de estilo de vida, é necessário deslocar os entendimentos tradicionais do ético. Apesar do que pode ser lido como um uso pouco sofisticado de conceitos familiares à teoria ética, o capítulo baseia-se em abordagens éticas pós-convencionais e pós-estruturalistas que expandiram os limites da discussão ética. Esses movimentos nos permitem pensar a ética envolvida na continuação da vida, do bios, não tanto como uma questão de moralidade individual, mas como um modo de engajamento pessoal-coletivo no cotidiano que é mais sobre a transformação do ethos do que sobre uma moralidade normativa. As discussões sobre a ética na biopolítica são aqui uma porta de entrada para o deslocamento da ética de seu status como uma edificação de uma moralidade superior. Mas, para entender a relevância de uma ética como a da permacultura, embutida nos aspectos básicos de sustentar e promover a vida em seus níveis mais corpóreos de interdependência naturalcultural – biológica e física –, também precisamos questionar o foco na perpetuação da vida como humana.
Para isso, exploro as maneiras pelas quais a noção de “obrigação ética” muda de significado, de compromissos éticos decorrentes de princípios morais – como contratos ou promessas – para serem incorporados em forças materiais vitais envolvidas nas obrigações diárias para a manutenção da vida. O cuidado problematiza e abre questões também aqui. Conectar as práticas da ética da permacultura como fazeres ecológicos cotidianos com uma noção feminista de cuidado desloca moralidades biopolíticas, permitindo-nos visualizar a alterbiopolítica como uma ética de empoderamento coletivo que coloca o cuidado no centro da busca das lutas diárias pelo florescimento esperançoso de todos os seres, da bios entendida como uma comunidade mais que humana.
O capítulo final do livro, Soil Times[Tempos do Solo], examina as transformações contemporâneas nas relações humano-solo que acontecem na interface das concepções científicas de solos e práticas ecológicas e que estão transformando o solo de uma substância e recurso inertes e úteis em um mundo vivo do qual os humanos são, também, parte. Baseia-se em uma revisão da literatura das ciências do solo e pesquisas em domínios relacionados à produção de conhecimento em torno do solo, incluindo a permacultura. Minha leitura é orientada pelo projeto especulativo de olhar para aqueles deslocamentos onde se está fazendo a diferença nas formas de cuidar do solo. A relação humana dominante para com o solo tem sido de organizar o ritmo de sua fertilidade com a demanda de produção. Mas a consideração pública atual pelos solos está mudando, em meio a preocupações de que eles tenham sido maltratados e negligenciados pelo impulso produtivo. Os solos são percebidos como ecologias ameaçadas de extinção que precisam de atendimento urgente, e as advertências sobre seu esgotamento são marcadas por preocupações com um futuro sombrio que nos levam a agir agora. Esse capítulo introduz um novo tema na discussão, o das temporalidades do cuidado. O ritmo exigido pelas relações ecológicas com os solos pode estar em desacordo com as respostas aceleradas e orientadas para o futuro, características do ritmo da inovação tecnocientífica. Aqui, o tempo de cuidado aparece como uma ruptura de temporalidades antropocentradas. Temporalidades contrastadas, mas interconectadas, estão em ação nas concepções contemporâneas de cuidado do solo na pesquisa científica e em outros domínios da prática do solo. Estão surgindo ecologias de cuidado práticas, éticas e afetivas alternativas que perturbam a direção tradicional do progresso e a velocidade das intervenções tecnocientíficas, produtivistas e orientadas para o futuro. Entre elas estão as tendências atuais nas concepções científicas de solo que problematizam uma noção de terra como recurso e receptáculo para a produção agrícola, enfatizando sua condição de mundo vivo. Nesse contexto, um modelo de “teia alimentar” de ecologia da terra tornou-se um símbolo de envolvimento corporificado e cuidadoso com os solos. Focar na experiência temporal desse cuidado em jogo nessas concepções revela uma diversidade de temporalidades interdependentes de seres e coisas no coração das escalas de tempo futuristas predominantes de expectativas tecnocientíficas.
O capítulo abre para as conclusões do livro, com reflexões sobre o caráter intempestivo do cuidado nas atuais economias políticas da tecnociência produtiva e orientada para o futuro. Fazer tempo para cuidar aparece como um esforço material por compromissos éticos especulativos em mundos mais que humanos marcados por relações tecnocientíficas e naturalculturais. Tentei no livro abordar as tensões sem sucumbir a oposições fáceis, engrossando os significados do cuidado como um ethos não inocente, mas necessário, de implicações sempre situadas. Ao chegar ao fim, o leitor verá, espero, como a noção genérica de cuidado com a qual essa jornada começa se ampliou, mas também foi desafiada. Suas ambivalências se aprofundaram sem diminuir a necessidade de manter as práticas de cuidado dentro de nosso espectro de pensamento ao buscar maneiras de viver juntos da melhor forma possível. Do ponto de vista das relações humano-não-humanas na tecnociência e nas naturezaculturas, visões não problemáticas de cuidado – seja como uma exploração de seres éticos superiores, uma atividade produtiva comercializável ou mesmo uma moralidade recuperada para rejeitar – não só seriam sem sentido, como também poderiam ser fatais. Não podemos nos dar ao luxo de obscurecer as condições reais, mais laboriosas e situadas, nas quais o cuidado ocorre e pelas quais suas agências circulam de forma mais interdependente do que em teias relacionais humanas. Assim, à medida que o argumento deste livro avança, um sentimento agudo também se intensifica: que uma reorganização ética das relações humano-não-humanas é vital, mas o que isso significa em termos de obrigações de cuidado que poderiam levar a formas não exploratórias de união não pode ser imaginado de uma vez por todas. E, portanto, espero que a leitora me perdoe se este livro mais abrir perguntas do que oferecer respostas.
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Notas