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Resgatando o cuidado num terreno tóxico
Helena Patini Lancellotti; Claudia Lee Williams Fonseca
Helena Patini Lancellotti; Claudia Lee Williams Fonseca
Resgatando o cuidado num terreno tóxico
Reclaiming care in toxic terrains
Anuário Antropológico, vol. 48, núm. 3, pp. 134-152, 2023
Universidade de Brasília
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Resumo: A partir de uma etnografia realizada entre usuários de tornozeleiras no sistema de monitoramento eletrônico no Sul do Brasil, exploramos a noção da “infraestrutura do cuidado” para entender por que, em certos casos, o dispositivo não parece alcançar os objetivos projetados nem do sistema judiciário nem dos apenados. Nossa análise inspira-se no trabalho de Maria Puig de la Bellacasa, que encoraja pesquisadores a resgatar a noção de cuidado das garras de perspectivas idealizadas – isto é, de visões normativas descrevendo um trabalho abnegado por cuidadores perfeitos. No intuito de restituir seu pleno potencial político, abraçamos uma abordagem não inocente da noção de cuidado que adentra os terrenos tóxicos das dinâmicas de poder e exclusão. Olhando em particular para a organização das atividades domésticas, atentamo-nos para os atos e atores normalmente invisibilizados dos presos em regime do semiaberto. Perguntamos quais as práticas que facilitam ou, pelo contrário, travam as engrenagens do sistema que rege a vida desses usuários de tornozeleiras. Com isso, esperamos realizar três objetivos: sublinhar o caráter coletivo da estrutura do cuidado, aumentar a visibilidade de coisas e pessoas previamente negligenciadas, e finalmente acrescentar densidade à nossa apreensão das consequências reais de certo artefato tecnológico para o universo heterogêneo de apenados.

Palavras-chave: Cuidado, Tornozeleiras eletrônicas, Antropologia da infraestrutura, Monitoramento eletrônico, Sistema penal.

Abstract: Through the ethnographic study in Southern Brazil of prisoners in semi-liberty subjected to electronic monitoring, we explore the notion of “infrastructures of care” to understand why, in certain cases, the device does not seem to achieve hoped-for objectives -- neither those of the judicial system nor those of the prisoners themselves. Our analysis is inspired by the work of Maria Puig de la Bellacasa, who exhorts researchers to rescue the notion of care from the clutches of idealized perspectives – that is, from normative perspectives describing selfless work by perfect caregivers. In order to restore the notion of care to its full political potential, we embrace a “non-innocent” approach that penetrates into the toxic terrains involved in the dynamics of power and exclusion. Focusing mainly on the organization of the anklet-wearers’ domestic activities, we highlight the often “invisible” acts and actors that facilitate or, on the contrary, gum up the gears of the system that governs their lives. Altogether, ours is a three-fold objective, aiming to underline the collective nature of the structures of care, to enhance the visibility of previously neglected people and things, and finally to add new layers to our understanding of the real-life consequences of a certain technological artifact for the heterogeneous universe of inmates.

Keywords: Care, Electronic ankle bracelets, Anthropology of infrastructure, Electronic monitoring, Penal system.

Carátula del artículo

Dossiê

Resgatando o cuidado num terreno tóxico

Reclaiming care in toxic terrains

Helena Patini Lancellotti
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil
Claudia Lee Williams Fonseca
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Anuário Antropológico, vol. 48, núm. 3, pp. 134-152, 2023
Universidade de Brasília

Recepción: 18 Octubre 2022

Aprobación: 31 Enero 2023

I. Introdução

Entre 2009 e 2012, José[1] – um rapaz descrito em um laudo de seu dossiê judicial como “nem preto, nem branco” e com idade entre 22 e 23 anos –, recebeu três condenações por assaltos distintos. Quase dez anos mais tarde, apesar da natureza relativamente branda dos crimes (roubo, com arma branca, de R$17,00 junto com uma mochila com pertences diversos), do bom comportamento registrado ao longa da pena em regime fechado e do fato de que, nos momentos em regime semiaberto, tinha encontrado um emprego e formado uma família, o rapaz ainda estava numa porta giratória entrando e saindo da prisão. Com a progressão para a liberdade condicional, ele deveria ter deixado para trás há tempos a vida de cadeia, mas as violações com a tornozeleira eletrônica ocorridas no passado ainda pairavam no ar. O problema que parecia condená-lo a uma relação crônica com o presídio era que “não se adaptava à tornozeleira eletrônica”.

Nos diversos momentos de regime semiaberto com monitoramento eletrônico, José tinha vivido dezenas de incidentes quando o software do sistema o acusava de “fuga”. Tratava-se de momentos quando o sistema não captava mais nenhum sinal emitido pela tornozeleira – dando a crer que José, por algum motivo escuso, estava tentando evitar a vigilância pelas autoridades, ou mostrava o apenado num local fora de seu itinerário permitido. De fato, na grande maioria de casos, José tinha conseguido demonstrar que, longe de qualquer ato intencional de sua parte, a acusação era resultado de um erro técnico do sistema ou da própria tornozeleira. Mas, conforme o software do programa, a primeira classificação de qualquer irregularidade era “fuga” do apenado, produzindo este como eternamente suspeito. A cada vez, cabia a José produzir provas convincentes para afastar a suposição de culpa, e quando não conseguia, levava um “castigo” – isto é, uma estadia de 30 dias na cadeia. Assim, ironicamente, uma tecnologia pautada como instrumento por excelência para desafogar os presídios, facilitando a reintegração do apenado na sociedade, acabava prolongando, senão perenizando, a experiência deste no sistema prisional.

A história de José, encontrada nos arquivos do 2º Juizado da 2ª Vara de Execuções Criminais do Foro Central de Porto Alegre/RS, nos mergulha no tema deste artigo: a importância das “infraestruturas do cuidado” para o bom funcionamento de determinado dispositivo tecnológico – nesse caso, a tornozeleira eletrônica. Contamos a seguir os dramas de outras pessoas não muito diferentes de José que conhecemos entre 2017 e 2019 através de um trabalho de campo multissituado. São pessoas que têm em comum a convivência diária com esse artefato tecnológico e com seus scripts que definem, além dos limites de deslocamento do usuário, a organização de suas rotinas diárias mais mundanas. O acesso a essas histórias ocorreu a partir de incursões etnográficas na fila de atendimento da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Defensoria Pública[2] de Porto Alegre. A presença feminina era visível nesse espaço e grande parte das narrativas foram contadas por mulheres que buscavam o atendimento gratuito para seus companheiros/filhos/netos que estavam presos ou impossibilitados de sair de suas residências devido à tornozeleira eletrônica. Através das redes de contato das pesquisadoras, também foi possível chegar até as residências das pessoas que conviviam diariamente com esse objeto acoplado no corpo.

Já há bom número de estudos documentando a injustiça do sistema penal no Brasil – isto é, a maneira como este sistema discrimina, em todas suas etapas, as pessoas pobres, negras, de baixa escolaridade e sem poder político (Carrara e Vianna 2006, Eilbaum e Medeiros 2016). Também existe uma literatura etnográfica importante descrevendo a exploração das mulheres – esposas, irmãs e filhas – chamadas a dar sustento moral e material aos homens encarcerados (Bassani 2011, Godoi 2015, Lago 2019, Lima 2013, Melo 2017, Santos 2014). É praticamente consenso nessa literatura que a mulher acaba por “puxar a pena” junto com seu parente preso. Neste artigo, aproveitando insights propiciados por abordagens dos estudos da ciência e tecnologia, da antropologia da infraestrutura, e das teorias de cuidado, esperamos acrescentar um novo elemento à discussão, pormenorizando as mediações que operacionalizam essa discriminação e essa exploração.

Consistente com os estudos de ciência, consideramos a tornozeleira eletrônica não como material inerte, e sim como “ator” numa rede sociotécnica que conecta pessoas, moralidades e racionalidades do processo penal. Procurando ir além da denúncia simplista, rastreamos o artefato em espaços institucionais e domésticos, procurando entender como a maneira particular em que é posto em prática, isto é, conforme determinada infraestrutura, reforça (ou não) as relações assimétricas de poder. Ao mesmo tempo, nossa abordagem inspira-se no trabalho de Bellacasa (2017), que insiste em resgatar a noção de “cuidado” das garras das visões idealizadas que falam exclusivamente de gestos amorosos e cuidadores perfeitos. Para restituir seu pleno potencial político enquanto noção analítica, caberia uma abordagem “não inocente” do cuidado, capaz de adentrar os terrenos tóxicos das dinâmicas de poder e exclusão (Haraway 1995).

Nesse caso, o terreno tóxico é o cenário de uma desigualdade escancarada, fruto da história racista e colonialista do sistema penal brasileiro[3], que seleciona certos territórios, corpos e crimes e não outros a serem filtrados pelo sistema (Sinhoretto 2014, 2018). Não pretenderemos que o “cuidado” consiga, nesse contexto, “re-apropriar” o terreno, transformando-o num lugar acolhedor. Pelo contrário, ao descrever em detalhe a grande relevância da infraestrutura de cuidado em torno da tornozeleira, adentramos os aspectos “desconcertantes” (unsettling) do cuidado (Murphy 2015). Isto é, adotamos uma abordagem que opera conscientemente um trabalho político de situar a “economia de afetos” e responsabilidades dentro de um contexto concreto de violência estrutural. Aqui, mesmo que o “cuidado” possa produzir sensações positivas (diminuindo o sofrimento por facilitar a cumplicidade com as normas), ele não deixa de aprofundar as assimetrias de poder, junto com a exploração do trabalho invisibilizado de sujeitos de menor prestígio. Em outras palavras, ao seguir as animações emaranhadas de cuidado que sustentam o artefato tecnocientífico em questão – tanto as mais “cúmplices” do poder hegemônico quanto as mais “resistentes” –, não queremos jamais perder de vista suas implicações geopolíticas.

Esperamos, com isso, realizar três objetivos que unem considerações analíticas e políticas: além de restituir a importância de coisas e pessoas previamente negligenciadas, queremos ressaltar a importância das infraestruturas do cuidado, demonstrando as limitações de percepções individualizantes da medida penal. Finalmente, esperamos acrescentar densidade à nossa apreensão das consequências reais do sistema de monitoramento eletrônico para o universo heterogêneo de apenados.

II. O cuidado: de terrenos tóxicos a infraestruturas

A noção de cuidado, tão central a discussões analíticas recentes, traz um componente chave para nossa reflexão. Tem sido usada para recuperar a importância de atividades cotidianas relacionadas com a limpeza e manutenção de corpos, espaços domésticos, corredores hospitalares e outras esferas tipicamente relegadas a mulheres e atores com pouco prestígio nas hierarquias políticas usuais (Mol 2008, Engel 2019, Fietz 2020, Guimarães, Hirata e Sorj 2020). Serve para revalorizar a centralidade de atos rotineiros embutidos nos modos de relacionalidade tantas vezes marginalizados e que, quando negligenciados, podem resultar em formas silenciosas de violência cotidiana.

Já não é novidade dizer que a noção analítica tal como se usa atualmente diverge do significado idealizado do senso comum, este associado a um trabalho de dádiva amorosa proferida por cuidadores abnegados (Molinier 2012). Porém, Bellacasa (2017) traz nova densidade ao debate. Em primeiro lugar, questiona o leque relativamente restrito de atividades visadas pelos estudos usuais de cuidado que tendem a privilegiar contextos domésticos e médicos. Conforme Bellacasa, essa limitação seria fruto de uma “perspectiva purista” que subestima o fato que vivemos em (e fazemos parte de) territórios eivados de “venenos” onde os gestos de cuidado estão à obra por toda parte. O desafio que se apresenta seria enfrentar essa realidade problemática, procurando ir além de denúncias simplistas, para acrescentar camadas de entendimento que, na medida do possível, nos permitem cuidar conscientemente uns dos outros – mesmo nos “terrenos tóxicos”. Seria um posicionamento próximo ao recomendado por Haraway (2017), de “permanecer com as encrencas” (stay with the trouble).

Ao focar na tornozeleira, certamente nos defrontamos com um objeto tecnológico de cuidado bem mais problemático do que, por exemplo, um leito hospitalar, uma cadeira de rodas ou uma bolsa canguru de bebê. A tornozeleira faz parte de uma estrutura penal já altamente discriminatória e que – como mostraremos aqui – produz “benefícios” nada evidentes. Entretanto, sem jamais minimizar o lugar da crítica radical às estruturas de discriminação, nossa proposta – de resgatar o cuidado num terreno tóxico – é de entender como os pequenos gestos de cuidado e manutenção implicados no uso da tornozeleira aliviam (ou não) o sofrimento, acentuam (ou não) as desigualdades. Nossa abordagem “não inocente”, longe de calar a perspectiva crítica, leva ela para dentro da vida real de pessoas em carne e osso, procurando maneiras de colocá-la a serviço de um mundo que possa ser parcialmente compartilhado em relação a “projetos praticáveis de liberdade finita, abundância material adequada, sofrimento reduzido e felicidade limitada” (Haraway 1995, 16). Dessa forma, o “cuidado”, como noção analítica, torna-se, mais do que nunca, um posicionamento político.

Um segundo ponto que nos interessa é a exortação de Bellacasa para que nossas análises vão além de visões individualizantes (estas, calcadas numa moralidade neoliberal) para contemplar as maneiras em que o cuidado se inscreve em formas de agir por e para coletividades. No bojo dessa recomendação, a noção de “infraestrutura” – vista aqui como rede de informações, pessoas e objetos projetada para facilitar um objetivo organizacional (Star 1999, Larkin 2013) vem a calhar. Nessa visão, eminentemente relacional, a tornozeleira jamais poderia ser entendida como objeto independente. Por um lado, ela é parte integrante da infraestrutura do processo penal. Por outro lado, ela mesma só existe graças ao suporte de um elaborado sistema infraestrutural. Além do próprio artefato material, as empresas, os softwares, a eletricidade, a transmissão telefônica, assim como um conjunto de pessoas mais e menos qualificadas, são todos elementos de uma rede de apoio vitalmente necessária para o funcionamento do monitoramento eletrônico. Tal como outras infraestruturas, esta dá a impressão de transparência democrática ao mesmo tempo que encerra processos invisibilizados que falam de mundos estratificados crivados de contendas éticas e políticas.

Analistas sugerem que a infraestrutura, até recentemente um tema relativamente negligenciado na literatura acadêmica, só passa a ser problematizada quando ocorre um mal funcionamento, provocando uma quebra de rotina (Bowker e Star 1999). O recente exemplo do deputado federal Daniel Silveira sugere que a problematização de certa infraestrutura requer um elemento a mais: a importância social ou política da rede atingida[4]. Silveira, que teve dúzias de “violações” registradas no uso de sua tornozeleira, tentou justificar que problemas técnicos o impediram de respeitar as regras do sistema. Assim, durante boa parte de tempo de sua medida, conseguiu se esquivar da vigilância das autoridades. Como veremos a seguir, os problemas que Silveira diz ter enfrentado ocorrem de forma rotineira com muitos dos apenados que fazem uso da tecnologia, mas os tribunais geralmente fazem ouvidos moucos quanto às queixas destes. Assim, torna-se evidente como, para nós pesquisadores, resgatar a infraestrutura do esquecimento, dando devida “cidadania” até para seus elementos aparentemente mais banais, é uma maneira de aprofundar nossa compreensão de processos altamente relevantes à justiça social.

III. A tornozeleira como ator-rede

Neste artigo, a tornozeleira apresenta-se como muito mais do que um objeto inerte que apenas operacionaliza a execução de uma pena definida de antemão. Aparece, antes, como um ator-rede cujos componentes heterogêneos acabam exercendo uma influência nada mecânica sobre o próprio percurso da pena. Tornozeleiras eletrônicas têm sido a principal tecnologia utilizada na execução do monitoramento eletrônico de presos e presas no Brasil. Esse objeto é instalado com promessas de uma vigilância durante as 24 horas do dia. Funciona a partir da coleta e envio de informações acerca da localização e horário via GPS[5] e GPRS[6] para as centrais/divisões onde ocorre a monitoração eletrônica. Começaram a ser utilizadas em caráter experimental no país em 2007, a partir de iniciativas locais entre agentes públicos e empresas privadas. Em 2010, após discussões na Câmara e Senado, foi aprovada a Lei 12.258/2010[7] para fins de regulação do monitoramento eletrônico. Dentro do conjunto dos benefícios esperados, estão a redução da superpopulação carcerária, a ampliação das possibilidades de ressocialização, a redução de custos e a intensificação da vigilância.

Apesar da tentativa de uniformização do monitoramento eletrônico pela Lei Federal, a literatura no campo das Ciências Sociais (Campello 2014, 2019, Maciel 2014, Lopes et al. 2019, Sampaio 2020) aponta para a diversidade de combinações entre o monitoramento eletrônico e contextos locais[8]. Para Rafaelle Souza et al. (2019), utilizar a tornozeleira eletrônica para presos provisórios, no contexto de Minas Gerais (Belo Horizonte), tem funcionado mais como um “mecanismo tradicional de punição” – devido ao caráter estigmatizante do objeto e do controle exercido em pessoas que não foram condenadas – do que uma grande inovação tecnológica e com fins de ressocialização. Caminhando nessa direção de análise, Ricardo Campello (2019) entende o monitoramento eletrônico como um “ornitorrinco[9] punitivo”, no qual se reúnem duas lógicas normalmente consideradas opostas: “a promessa humanitária da supervisão penal tecnocientífica e a perpetuação dos massacres em prisões superlotadas” (Campello 2019, 107).

É importante lembrar que as tornozeleiras são produzidas por diferentes empresas comerciais – pelo menos três sediadas no Brasil (propagandeadas como “tecnologias nacionais”), mas incluindo outras do exterior (e.g. Suíça). Competem entre si em licitações estatais por contratos de duração determinada. Cada companhia fabrica um estilo diferente de tornozeleira – com materiais, fechos, espessuras e pesos distintos –, o que em si já ocasiona um número maior ou menor de complicações (as queixas de que certa tornozeleira gera muitas “violações” – a pulseira rompe com facilidade ou descarrega muito rapidamente etc. – podem justificar a não renovação de um contrato.) Mas, além das diferenças na tornozeleira, as empresas promovem, cada uma, um sistema tecnológico próprio – mais ou menos funcional – incluindo softwares, computadores e, às vezes, os próprios agentes-monitores.

Esses sistemas são alimentados conforme os mandados judiciais definidos pelo conjunto de magistrados das varas de execuções criminais/penais, para a posterior personalização de possibilidades de circulação pelos territórios. O software é organizado para indicar na tela do computador quem está descumprindo essas regras, indicando as “violações”. No Rio Grande do Sul, o trabalho de monitorar é realizado por agentes penitenciários, servidores do próprio estado alocados na Divisão de Monitoramento Eletrônico (DME) e que passaram por uma capacitação intensa antes de saber lidar com as sutilezas do sistema. Quando, por outro lado, a pessoa que inicialmente monitora a tela do computador é um empregado da empresa comercial (como no Paraná), a informação se organiza de outra maneira. Em um primeiro momento, o que os funcionários da empresa visualizam na tela do computador são números e não pessoas, pois não são profissionais habilitados para atuarem na área criminal. A informação produzida pelo sistema sobre as “violações” é repassada então da empresa para os agentes penitenciários alocados na Central de Monitoração do Paraná, onde números na tela se transformam em identidades. Essas acusações são distribuídas entre os profissionais, conforme suas funções laborais, para análise posterior e contato com as pessoas monitoradas.

Outro componente que pode tornar o sistema de vigilância mais ou menos operacional são as normativas estabelecidas pelo judiciário local sobre os deslocamentos permitidos do sujeito em regime semiaberto. Em Curitiba, por exemplo, a depender do juiz, o usuário de tornozeleira para apenados no regime semiaberto pode sofrer restrições de horário no período noturno. Porém, dentro do horário permitido para saídas, não há imposição quanto aos limites territoriais. Em Porto Alegre, por outro lado, os monitorados do mesmo regime devem – além de observar horários específicos de circulação – restringir-se a determinados itinerários geográficos. O sistema emite um alerta de “violação” não só quando a tornozeleira está descarregada, quando deixa de emitir um sinal ou quando há uma suspeita de tentativa de retirá-la, mas também quando revela que o monitorado se aventurou fora da área ou do horário previsto. Se por algum motivo o apenado precisar se afastar mais de 300 metros desses caminhos, deve primeiro solicitar e receber uma autorização dos agentes penitenciários ou do Juizado.

O que todos os sistemas têm em comum, contudo, é certo “design discriminatório” .Benjamin 2019., isto é, o software é programado para classificar como “violação” qualquer informação emitida pela tornozeleira indicando desvio do comportamento esperado. Por exemplo, em Porto Alegre, ao reparar o alerta de violação no software, o agente penitenciário deve disparar um e-mail para o Judiciário relatando que o monitorado está em “fuga”. Além do envio de um alerta para o próprio monitorado. Apesar de nossas observações sugerirem que muitos, senão a maioria, dos alertas sejam resultado de erros[10] de funcionamento da própria tecnologia, a linguagem rotineira do programa não reconhece outra possibilidade além da violação (subentendido, ação intencional). É como se fosse mais provável as pessoas usando tornozeleiras cometerem uma infração do que a maquinaria apresentar um defeito. Cabe ao apenado “se mexer” se quiser provar o contrário – tentando fazer contato com a central de monitoramento, respondendo à convocação do Tribunal, e apresentando evidências convincentes (receitas médicas, atestado de emprego etc.) para corroborar sua narrativa de inocência. Aguarda então a decisão judicial inspirada nas análises geradas a partir da expertise de quem compreende as minúcias do sistema do monitoramento: os trabalhadores das centrais (Campello e Alvarez 2022).

Aliás, o sistema não apenas retrata quem utiliza a tornozeleira como eterno suspeito, mas também tende a confirmar essa previsão ao propiciar o encarceramento daqueles que não se adaptam ao dispositivo eletrônico. Entre os ingressos dos presídios (pelo menos em Porto Alegre), há sempre um contingente de usuários de tornozeleiras – não porque cometeram mais delitos (revelados pelo monitoramento eletrônico), mas porque não aprenderam a lidar adequadamente com o equipamento, e assim geraram “castigos” na forma de períodos adicionais de encarceramento.

Vemos, então, que existem muitos “atores” no sistema que podem facilitar ou dificultar o bom funcionamento da tornozeleira eletrônica. Nos parágrafos a seguir, pretendemos ilustrar essa afirmação, demonstrando com dados etnográficos como o uso bem-sucedido desse artefato depende de muito mais do que mediações técnicas ou a obediência mecânica ao que reza o manual. Depende daquilo que chamamos uma infraestrutura de cuidado – uma rede de apoio que inclui não só saberes e instrumentos adequados, mas também o engajamento dedicado de certos “cuidadores”.

IV. Pessoas como infraestruturas

Considerar a rede infraestrutural que facilita a vida de uma pessoa usando tornozeleira significa ir além de pensar exclusivamente nos seus termos físicos, como se se tratasse de “sistemas articulados de rodovias, canos, fios ou cabos” (Simone 2004, 407). Para a pena “funcionar”, não basta apenas que o indivíduo seja responsável pelos “termos físicos” e que saiba gerir seus limites de território e horário; deve haver uma colaboração entre diversos atores – não humanos e humanos – que acabam afetados pela pedagogia da tornozeleira. É nesse sentido, de apreender sujeitos normalmente invisibilizados, que adentramos a noção das próprias “pessoas como infraestrutura” (people as infrastructure).

Cunhada por AbdouMaliq Simone (2004), a partir de observações sobre os habitantes na cidade de Joanesburgo na África do Sul, essa noção chama atenção para a necessidade fundamental de determinadas figuras humanas nas redes de relações que facilitam (ou barram) certos fluxos urbanos, isto é, nas “plataformas que fornecem e reproduzem a vida” (Simone 2004, 408). Chelcea e Iancu (2015) aproveitam a ideia de “pessoas como infraestrutura” no seu trabalho etnográfico sobre a circulação do tráfico urbano na capital de Romênia. Mostram como os “parcagii” (guardadores de carro) organizam o fluxo e o estacionamento dos carros, ao mesmo tempo em que ampliam seu próprio leque de relações com o comércio local e com os donos dos automóveis. Em outras palavras, é graças à sua necessidade de compensar rendas instáveis e empregos precários com as atividades de flanelinha que se garante o fluxo do trânsito urbano.

Embora as análises de Simone (2004) e de Chelcea e Iancu (2015) sejam centradas no fenômeno urbano, encontramos paralelos com as “plataformas” que dão sustento ao universo de usuários de tornozeleiras lutando por uma vida digna. Ao pensarmos em “pessoas como infraestrutura” no sistema de monitoramento eletrônico, tornamo-nos sumamente conscientes das coletividades envolvidas na sua sustentação (Danholt e Langstrup 2012, Langstrup 2013, Weiner e Will 2018). Ao estender essa abordagem para incorporar “infraestruturas do cuidado” (Langstrup 2013), nosso propósito é deslocar o foco analítico de seres humanos, autônomos e distantes, para as práticas que revelam claramente o quanto “os seres humanos estão enredados com materialidades, tecnologias e outros elementos” (Langstrup e Danholt 2012, 525). Esperamos, em particular, tornar visível a maneira como práticas frequentemente lidas como “autocuidado” (self-care) estão permeadas de relações de dependência que desempenham um papel fundamental no alcance de determinados objetivos programáticos.

A seguir, descrevemos situações em que a rede de relações se mostra central ao bom funcionamento da tornozeleira. Para o usuário de tornozeleira procurando aceder a um emprego remunerado, um antigo empregador com quem mantém contato mesmo depois do período de encarceramento faz toda a diferença. Para o infrator se digladiando com as idiossincrasias burocráticas do monitoramento eletrônico, o sucesso do regime semiaberto pode depender de um vizinho que possui número de telefone fixo ou uma irmã disposta a ficar horas no telefone para, em nome do apenado, justificar uma aparente violação ou marcar audiência. À medida que nos aproximamos das situações etnográficas, torna-se evidente como o trabalho rotineiro de cuidado realizado principalmente por mulheres – irmãs, avós ou companheiras – através de afetos, aconselhamentos, a garantia de uma renda mínima, ou cuidados realizados com a própria tornozeleira - assume os contornos de uma infraestrutura essencial para o “bom cumprimento” da pena.

a. Elton e Gilmar: Quando a infraestrutura dá mais ou menos certo

Começamos pelas histórias Elton e Gilmar, dois residentes de regiões distantes do centro de Porto Alegre que, não obstante trajetórias pessoais bem distintas, tiveram experiências bem-sucedidas com a tornozeleira. Gilmar, cuja experiência nos foi narrada pela companheira enquanto ela aguardava atendimento na fila da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Defensoria Pública em Porto Alegre, tinha cumprido uma pena de um ano e sete meses em regime fechado. Elton, solteiro, na faixa dos 40 anos de idade, entrevistado em sua casa, tinha ficado em regime fechado por dez anos. Mas tinham em comum o fato de que, ao saírem da unidade do fechado, receberam uma relativa “liberdade” em regime semiaberto mediante uso da tornozeleira eletrônica. Na época de nossa investigação de campo, cada um tinha vivido com o artefato acoplado no corpo há mais de um ano. A experiência dos dois homens era semelhante, antes de tudo, em relação ao mundo do trabalho. Apesar de ostentar a marca visível de uma categoria criminal estigmatizada – a tornozeleira –, ambos gozavam de uma ocupação fixa com renda garantida.

Como tinham conseguido essa façanha? Certamente, as relações e capacidades desenvolvidas já antes do encarceramento tinham um papel importante. Quando Gilmar foi preso, já havia passado mais de dez anos desde o crime pelo qual estava sendo autuado. Gozava de uma vida “estruturada”, com mulher, filhos e emprego, de carteira assinada, trabalhando num frigorífico. O tempo de cadeia não rompeu com a sua possibilidade de voltar para essa vida. É a mulher de Gilmar que nos relata com orgulho como o antigo chefe de Gilmar o aceitou de volta, e o juiz responsável, confiando nos relatórios das assistentes sociais, deu seu aval. Agora, sob o olhar vigilante da esposa, Gilmar acorda todos os dias às 5h da manhã para carregar a tornozeleira antes de sair. A van, em serviço fornecido pela empresa, segue uma rota bem definida para chegar ao trabalho em uma cidade próxima e “quando um motorista novo decidiu fazer outro trajeto, meu marido ligou na hora [para a Divisão de Monitoramento] para avisar e para arrumar a permissão”.

A natureza do trabalho de Elton é algo diferente. Exerce a profissão autônoma de tatuador desde antes do encarceramento. Seu local de trabalho é a sua própria casa. Assim, não foi necessário pedir a permissão da Central para se deslocar em busca de um ofício ou entrar nas filas burocráticas para autorizar deslocamentos diários para chegar ao serviço. Ele comenta, com certa ironia, que provavelmente consta nas estatísticas da Divisão de Monitoramento Eletrônico como “desempregado”. Apesar de não ter precisado dessas autorizações, Elton é obrigado a acionar sua rede de apoio familiar (principalmente feminina) para sobreviver nas circunstâncias impostas pela tornozeleira. A compra de itens necessários para suas atividades rotineiras – como tintas para as tatuagens e até itens de supermercado – exige deslocamentos que extrapolam os 300 metros permitidos pelo juiz. Aí que vemos como seu trabalho “autônomo” depende da ajuda fundamental de sua mãe e de sua irmã.

O interessante é que Gilmar e Elton tinham encontrado as mesmas dificuldades em lidar com o dispositivo que outros apenados. Gilmar enfrentou um período quando seu aparelho emitia um alerta quase diário nas telas de monitoramento de que estava “sem bateria”. Elton falou de como o sistema o acusava de violar os limites de território quando, de fato, não havia saído de seu espaço domiciliar. Mas, nenhum dos dois tinha a experiência de ter recebido um “castigo”, ou regressão da pena por ter violado as regras do monitoramento eletrônico. Com a ajuda sustentada de suas parentes e de uma expertise para lidar com elementos burocráticos e tecnológicos, tinham conseguido demonstrar que as supostas violações eram resultado não de um ato intencional deles, e, sim, de erros do sistema. Conseguiram manejar o sistema e tinham acesso a tecnologias -- como celulares smartphonee acesso à Internet – para facilitar a comunicação e o envio de comprovantes à DME.

A centralidade das pessoas enquanto infraestrutura de cuidado fica ainda mais evidente quando adentramos nas minúcias da gestão do espaço domiciliar. Em primeiro lugar, alguém tem que garantir o sustento de casa. Especialmente no caso de homens que não conseguem emprego por causa dos constrangimentos (legais e sociais) da tornozeleira, essa responsabilidade toca geralmente para as mulheres. Dona Maria, por exemplo, uma simpática senhora no auge dos seus 70 anos de idade, teve a experiência de conviver durante mais de seis meses com seu genro e neto, ambos com tornozeleira. Na época, os homens não encontravam emprego e a filha adulta de Dona Maria estava ocupada em tempo integral cuidando de seu recém-nascido. Assim, cabia a Dona Maria intensificar seu trabalho de faxineira para pôr comida na mesa. Apesar das dificuldades, ela comenta que achava a vida mais fácil nessa época do que quando os “rapazes” estavam presos em regime fechado, pois, naquela época, ela “deixava de comer para levar a sacola para eles [na cadeia]”.

O sustento da casa foi realizado também por Rosa – mulher de 23 anos de idade, mãe de duas crianças –, que buscava atendimento para o companheiro na fila da VEC. Rosa conta como, já que a tornozeleira impedia o companheiro de conseguir emprego, ela foi obrigada a dobrar seu turno de trabalho como cuidadora. Além de intensificar o ritmo de suas atividades profissionais, Rosa cuidava da tornozeleira, que parecia nunca completar a carga: “Estava com problema, ela não carregava, mas não fomos reclamar porque ficamos com medo deles prenderem meu marido”. Para este não ser acusado de “fuga” ou pegar “castigo”, Rosa diz que passava o seu turno de trabalho noturno ligando a cada meia hora para o companheiro. Queria que ele acordasse e verificasse se o carregador estava funcionando como deveria. Também, ajudava seu marido a improvisar soluções técnicas envolvendo, por exemplo, o acesso a um cabo de extensão para poder carregar o aparelho enquanto se locomovia pela casa, ou (quando, posteriormente, este conseguiu um trabalho) a compra de carregadores portáteis que pudesse usar enquanto trabalhava de cobrador de ônibus circulando por rotas definidas pela cidade.

O mesmo acontecia com Marta, cujo marido estava com tornozeleira eletrônica há seis meses, e havia vivenciado uma série de problemas, cada vez que o aparelho deixava de emitir um sinal regular: “tem que cuidar toda hora para ver se está ligada”. Marta, assim como Rosa e Dona Maria, era responsável pelo sustento da casa, pela vigilância cotidiana da tornozeleira e pelos aconselhamentos e tentativas de acalmar os ânimos quando o usuário da tornozeleira perdia a paciência: “Eu converso bastante com ele... tem dias que ele está nervoso e diz que vai dar uma marretada nela [a tornozeleira]. Daí eu digo que não”. O marido da Marta estava no seu terceiro dispositivo, mas nunca tinha cumprido um “castigo”, já que sempre conseguiam demonstrar que o problema era devido a um erro técnico do sistema ou um defeito na própria tornozeleira. Na visão de Marta, isso ocorria porque a SUSEPE[11] colocava “tornozeleiras usadas” nas pessoas.

Além de acompanhar o companheiro nessas aventuras por trocas de tornozeleira e vivenciar a tensão de possíveis “castigos”, era Marta quem resolvia as questões de papelada do seu processo e quem se dirigia à Defensoria para obter informações sobre sua pena. De fato, seu marido só estava prestes a se livrar da tornozeleira porque Marta estava empenhada em convencer as autoridades de que tinha esgotado o tempo da medida que tinha sido originalmente estipulado na Justiça.

Através dessas narrativas, constatamos a centralidade do apoio das pessoas – especialmente o trabalho de cuidado protagonizado pelas mulheres – e redes para realizar o uso protocolar da tornozeleira. Resta a pergunta: o que acontece quando falta esse elemento na infraestrutura de cuidado?

b. Manoel e Alcides: as fragilidades nas redes de apoio

Manoel e Alcides habitam em territórios periféricos da cidade de Porto Alegre. Homens solteiros na faixa dos 50 anos, cada um mora sozinho em residências de apenas uma peça. Tiveram em suas trajetórias um longo tempo de encarceramento – Manoel preso durante dez anos, Alcides durante mais de vinte anos – e, na hora de nosso encontro, cada um estava com a tornozeleira eletrônica há menos de um ano. Agora, em regime semiaberto, ambos se queixavam de que não encontravam emprego. Manoel, com apenas a capacitação fornecida pelo sistema prisional, denominava-se artesão. Alcides sem nenhuma formação particular, dizia-se atrapalhado pelo estigma do passado prisional. Eles também sofriam com os conflitos entre facções rivais, tendo que evitar certos territórios da cidade.

Manoel, diferente de Alcides, tinha certa infraestrutura de relações. Morava próximo de uma prima e de sua sobrinha e era apoiado por trabalhadoras da assistência social. Essa rede de mulheres o acompanhava ao hospital e comprava alimentos para sua subsistência, garantia passagens de ônibus e enviava comprovantes através do e-mail para o monitoramento eletrônico quando necessário. Porém, a precariedade de sua situação, assim como a de outras pessoas de sua rede, deixava furos na sua organização de rotina. Consideremos, como exemplo, o simples acesso a um número de telefone.

De acordo com Manoel, para qualquer “saída” fora da trajetória predefinida, é necessário ligar para a Divisão de Monitoramento Eletrônico um mês antes para agendar o que é conhecido como “passeio”. Quando a saída é autorizada, a pessoa pode circular pela cidade sem restrições de território e horário, o que facilita, por exemplo, ir atrás de um trabalho. “Eu consegui um [passeio], mas eu não sabia que tinha conseguido. Liguei para eles [na DME] pedindo uns três dias e eles não me retornaram. Eles têm o telefone da minha sobrinha, mas ela não me passou as informações. Então eu perdi esses dias [e, subentendido, a possibilidade de um emprego]”. Complicando mais ainda sua vida, Manoel reclamava de dificuldades em agendar um novo passeio, pois suas ligações para a Divisão não eram atendidas. Com um celular antigo que operacionalizava apenas ligações e SMS (sem acesso à Internet), simplesmente não conseguia realizar os procedimentos básicos do sistema.

Alcides, por sua vez, aparentemente não tinha nenhuma rede de apoio. Era separado da mulher, não tinha mais contato com o pai e não tinha autorização para visitar a filha por falta de pagamento de pensão. Na sua visão, a tornozeleira estava “atrapalhando a sua vida”, pois não conseguia emprego e muito menos reinserção na vida social. Reclamava em especial de toda a burocracia envolvida em conseguir um trabalho estando vinculado ao monitoramento eletrônico:

Eles colocam comprovante pra tudo. Tu já viu a carta de emprego deles? Tem um monte de regras e tu precisa do comprovante todo dia... todo dia seu patrão vai ter que assinar um comprovante falando que tu esteve lá. Quem vai querer essa responsabilidade? Além de que tem uma vistoria que eles fazem antes de tu começar a trabalhar... Quem vai querer se expor assim?

Havia realizado dois “bicos”: em um deles queimou o seu braço enquanto limpava exaustores de um restaurante, mas – como ele destaca – não foi indenizado nem pago pelo proprietário do local. No segundo, para um serviço de pintura, foi pago apenas 40 reais. Sem conseguir outro serviço, sua rotina era passar os dias em casa: “Fico em casa o dia todo, sem fazer nada. Não consigo outra coisa”. Tinha se matriculado em um curso à distância, mas não iria conseguir fazer porque não tinha dinheiro e muito menos computador para seguir os estudos. Além disso, não conseguia realizar um tratamento de saúde devido aos limites impostos pelo sistema de monitoramento: “Tenho problemas de saúde e perdi a data dos exames que deveria ter feito porque não consegui liberação para ir. Tentei ligar para eles (na Divisão de Monitoramento), mas não consegui. Não consigo nem ir às minhas consultas”.

Acionamos essas duas narrativas para destacar como redes de apoio fragilizadas ou mesmo inexistentes trazem uma série de empecilhos que dificultam o objetivo principal (pautado nos discursos oficiais) da tornozeleira eletrônica, a saber, a ressocialização. Nem Manoel nem Alcides conseguem encontrar um trabalho fixo. Manoel está em conflito constante com a burocracia, sendo o desencontro de informações o que levou à perda da relativa liberdade à qual tinha direito. O fato de Alcides estar sozinho na fila da Defensoria – enquanto tantos outros usuários de tornozeleira têm mulheres para acompanhar ou mesmo substituí-los – já indica certa fragilidade na sua rede de relações. Nem um nem outro consegue trabalho, cursos de capacitação ou sequer tratamentos de saúde. Têm, ao contrário, contas para pagar, uma moradia caindo aos pedaços e alguns “bicos” com pagamento irrisório ou que nem chega a suas mãos. A falta de infraestrutura pré-existente de cuidado torna o efeito da tornozeleira inócuo senão contraproducente. Passamos agora a considerar casos em que a tornozeleira em si pode ser um empecilho para a manutenção das redes frágeis que existem.

c. Ana, Bruna, Mário e Rodrigo: Impedidos de cuidar dos outros

As redes de cuidado são o sine qua non da tornozeleira, no sentido de que criam as condições de possibilidade para os apenados sobreviverem, mesmo com os limites impostos pelo monitoramento eletrônico. Cabe acrescentar, no entanto, que este artefato também pode agir para romper os circuitos de reciprocidade, colocando em perigo a própria manutenção das relações. Arguiremos que, dependendo da atuação dessa infraestrutura, a tornozeleira – longe de promover os objetivos ostensivos do sistema – pode se tornar um impedimento à reinserção social do usuário, inclusive fragilizando as relações de cuidado existentes.

Ana e Bruna, amigas na faixa dos 30 anos de idade, aguardam a sentença de um crime de roubo que teriam realizado juntas em uma cidade da região metropolitana. Ficaram dois meses presas no presídio feminino da capital antes de conseguir a tornozeleira eletrônica graças à intervenção de um advogado particular. Estão há seis meses com o aparelho no tornozelo, sem complicações ou “castigos”. Bruna vive com seus dois filhos, tem o auxílio financeiro da irmã para sobreviver e frequentemente toma as refeições na casa dela. Ana mora na casa da sogra, com sua filha de dois anos e o companheiro. No dia da conversa, ele recém havia instalado a tornozeleira após três meses de espera e estava nervoso porque o carregador do aparelho já apresentava defeito.

Mesmo tendo experiência como funcionárias terceirizadas (fazendo “serviços gerais” em instituições de saúde) antes da prisão, nenhuma das mulheres conseguia emprego. Diziam enfrentar muito estigma nas empresas de cadastro de vagas laborais, onde ouviam frases como: “está de tornozeleira, a firma não quer ex-detenta”. Na fala de uma como da outra, a dificuldade de conciliar suas obrigações maternas com os limites impostos pela tornozeleira eram recorrentes. Ana não conseguiu cuidar do filho mais velho, fazendo-lhe companhia quando passou a noite no hospital, pois não podia sair de casa depois das 20h. Bruna, por sua vez, optou por deixar seu bebê (com poucos meses de vida) morando com uma tia, justamente porque tinha receio de ocorrer alguma emergência, sem que ela conseguisse se deslocar para providenciar ajuda. A tornozeleira também tinha levado elas a perderem reuniões familiares – por exemplo, para comemorar o aniversário de 15 anos de uma parente ou para participar das festas do Natal. Além de todos os outros problemas, queixavam-se da dificuldade em ajudar com as tarefas básicas da vida doméstica. Por exemplo, num bairro em que a falta de água era um problema cotidiano, nunca tinham certeza de poder encher seus baldes num bico (torneira) dentro do território permitido pelo sistema de monitoramento. Ana resumiu sua experiência com a tornozeleira dizendo que era “igual uma prisão”; a líder comunitária e amiga que estava acompanhando nossa conversa complementou: “Presa na senzala”.

Essas dificuldades em cumprir as obrigações mínimas de cuidar dos outros foram também compartilhadas por Juliana e seu companheiro Mário – casado há mais de três anos com Juliana, e na espera do primeiro filho. Assim como em tantas outras histórias relatadas acima, era Juliana quem sustentava a casa, acompanhava o marido em todas as etapas do processo penal, além de auxiliar no cuidado da sogra. Era justamente a saúde delicada dessa mulher idosa que tinha sido causa do primeiro “castigo” de Mário. Ao socorrer a sua mãe, que parecia estar sofrendo um Acidente Vascular Cerebral (AVC), saiu de casa de madrugada – o que despertou um alerta no sistema, assinalando uma violação de horário. O juiz não aceitou a justificativa de Mário e, assim, ele acabou cumprindo um “castigo” de um mês na Cadeia Pública de Porto Alegre.

Na vez que os encontramos, o casal estava na Defensoria para justificar uma segunda violação acusada pelo aparelho: Mário constava como foragido porque tinha atrasado 20 minutos do tempo previsto para o retorno para casa. Juliana estava ansiosa na espera do encaminhamento judicial, porque caso a juíza não aceitasse a justificativa, Mário poderia retornar para a cadeia para cumprir um novo “castigo”. Ela tinha receio de dar à luz sozinha no hospital, sem ter alguém para cuidar dela e da criança, pois sua família extensa mora no interior. O seu maior medo era “precisar sair correndo para ter o neném e ele não poder ir”.

De maneira semelhante, Rodrigo, acompanhado de sua irmã, buscou o serviço da Defensoria para justificar uma violação de território assinalada pelo sistema de monitoramento quando sua filha pequena estava internada com problemas respiratórios. Ele tinha conseguido a autorização para se deslocar até o hospital. Porém, no retorno para casa, passou no Posto de Saúde para pegar medicamentos para a garota, se dando conta, tarde demais, que o lugar estava fora dos limites permitidos. O sistema já tinha disparado um alerta de “foragido”. Rodrigo não trabalhava formalmente, apenas realizava alguns “bicos” na vizinhança, mas era destacado pela sua irmã como uma presença essencial na sua casa: “ele quem cuida das filhas e da mãe idosa, que tem hérnia e está com problemas de cabeça”. Visto que sua companheira – e mãe das crianças – tinha se afastado da família, as atividades domésticas de Rodrigo envolviam funções como cozinhar, levar as filhas na escola (dentro da sua rota permitida) e dar remédio para a mãe.

Posteriormente soube que Rodrigo havia sido apreendido novamente para cumprir um “castigo”. Ele estava há sete anos em um vai e vem entre sua casa e a prisão devido às violações que ocorriam regularmente em relação à tornozeleira eletrônica e os “castigos” incorridos por causa do não cumprimento de algumas regras. Na tentativa de justificar a falta, havia recorrido diversas vezes à Defensoria – como na vez que encontramos ele com a irmã. Porém, mesmo com um documento favorável assinado pelo defensor, o “castigo” ainda pairava sem trégua no horizonte.

Reflexões finais

Cartilhas definindo os bons usos da tornozeleira anunciam como seus vários elementos – os sinais luminosos, aconselhamentos e recomendações realizados por profissionais da segurança etc. – são projetados para trabalhar em conjunto na formação de um sujeito autônomo, responsável e gestor dos seus riscos: um carcereiro de si (Campello 2019). Contudo, na prática, a autonomia do sujeito – o que poderia aproximá-lo de uma racionalidade neoliberal – é mediada por múltiplas dependências: das relações de trabalho estabelecidas antes do cumprimento da pena, das permissões administrativas para autorizar uma suspensão momentânea das restrições de trajetória, do equipamento (telefone, carregador, extensão, etc.) para garantir o funcionamento adequado da maquinaria, das redes de telefonia para transmitir os sinais para a central de monitoramento, dentre outros. Antes de tudo, essa rede sociotécnica deve incluir aliados humanos prontos para sustentar a casa, produzir aconselhamentos, procurar produtos necessários e acompanhar o apenado nas várias etapas burocráticas – solicitações, notificações e justificações – do cumprimento de sua pena. Por mais que existam esforços na construção de subjetividades individuais, os ajustes e enjambres para cumprir com as determinações do monitoramento eletrônico são práticas coletivas.

A essas alturas, cabe voltar ao caso do deputado Daniel Silveira. Preso em fevereiro de 2021, tinha passado pouco tempo na prisão quando o Tribunal autorizou sua ida para a prisão domiciliar mediante uso de tornozeleira eletrônica. Inicialmente, o aparelho parecia vir a calhar, servindo como substituição do encarceramento. Seu advogado arguiu, porém, que o equipamento era intolerável: estava sujeito a falhas, não foi verificado, e parecia ter “vida própria”, produzindo “vibrações e estranhos ruídos” sem nenhum motivo aparente. Foi só depois de ele ter cometido mais de 30 violações da tornozeleira eletrônica – entre as quais, quatro relacionadas ao rompimento da cinta/lacre, 22 pertinentes à falta de bateria e cinco referentes à área de inclusão – que Silveira foi enviado de volta para regime fechado[12]. Podemos perguntar: se para um deputado federal com uma vasta infraestrutura de apoio tecnológico e humano, a tornozeleira é intolerável, o que será para as Anas e Alcides da vida? É evidente que o fato de acumular nada menos de 30 violações no sistema antes de sofrer um “castigo” também sublinha o papel fundamental dos atributos de prestígio, dinheiro e poder na interação com o sistema de monitoramento eletrônico.

Graças a nossas experiências etnográficas, foi possível neste artigo contar histórias de presos comuns – histórias em que as questões de raça, gênero e classe são evidentes, em que o próprio design da tornozeleira acentua as suspeitas que pesam constantemente sobre o comportamento de pessoas pobres, de baixa escolaridade e geralmente não brancas. As pessoas que acessam o atendimento gratuito da Defensoria são aquelas que moram em peças ou bairros marcados pela falta de luz e água, que se desdobram em mais de um trabalho, e que são obrigadas a peregrinar por burocracias cujas regras lhes são confusas, senão completamente opacas. Sua necessidade de uma “infraestrutura de cuidado”, incluindo amigos e parentes com condições mais vantajosas, é enorme. É a base dessa rede de apoio que deve se esforçar para se adequar ao sistema de monitoramento eletrônico para não pegar mais “castigos”, e assim perpetuar sua presença no sistema penal. Contudo, a ironia é que os seus “cuidadores” são frequentemente tão desamparados quanto os usuários de tornozeleira.

Foi a aproximação etnográfica da experiência de quem usa tornozeleira que nos convenceu de que o sucesso ou fracasso dessa inovação tecnológica não deve ser entendido exclusivamente em termos dos elementos técnicos e muito menos de uma atitude individual de obediência ao que indica os manuais. Aquilo que chamamos uma infraestrutura de cuidado – redes de apoio, incluindo pessoas (em particular, mulheres) com saberes e instrumentos adequados, além de uma abnegada dedicação – é central para o bom funcionamento do sistema. A insuficiência dessa infraestrutura pode tornar a tornozeleira um estorvo na vida do apenado, pondo em risco as tênues conexões e redes de cuidado existentes. Em suma, a apreciação da experiência vivida por esses tantos usuários de tornozeleira nos levou a reconhecer a importância de refletir sobre esse “terreno tóxico do cuidado”, justamente para jogar luz sobre as engrenagens miúdas de poder e exclusão que tanto pesam sobre o sistema penal atual.

Material suplementario
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Notas
Notas
[1] Todos os nomes utilizados neste artigo são fictícios.
[2] A Vara de Execuções Criminais (VEC) da Defensoria é um espaço de atendimento gratuito em que apenados/as criminais e/ou seus familiares buscam para serem incluídos (ou incluir alguém) na lista de visita de uma unidade prisional, para informações processuais, para pedir prisão domiciliar (por questões de saúde e idade) ou para solicitar sair do monitoramento eletrônico. Também é recorrente indivíduos acessarem este espaço para uma mediação com o juiz responsável pelos processos, para justificar, por exemplo, as violações acusadas pela tornozeleira eletrônica ou motivos de evasão de alguma unidade penitenciária.
[3] Sobre a discussão acerca das práticas prisionais e sociedade escravista, ver Koerner (2001). Sobre a discussão das relações raciais e de gênero no sistema prisional brasileiro, ver Teixeira e Rodrigues (2021).
[4] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/06/24/daniel-silveira-e-preso-de-novo-por-desrespeitar-uso-da-tornozeleira-eletronica.ghtml. Acesso em: 5 jul. 2022.
[5] Global Positioning System - Sistema de Posicionamento Global
[6] A sigla diz respeito ao General Packet Radio Service – Serviço de Rádio de Pacote Geral.
[7] Lei Federal 12.258/2010: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12258.htm. Acesso em: 8 jan. 2023
[8] A diversidade de usos do monitoramento eletrônico tem relação com sua característica camaleão (Nellis et al. 2013). Uma tecnologia que surge nos Estados Unidos e atualmente é utilizada ao redor do mundo, podendo ser adaptada para os mais diversos fins e nos mais distintos sistemas de justiça, assim como nas mais diversas fases da justiça criminal, como antes ou depois das sentenças judiciais.
[9] Campello explica que a referência do ornitorrinco é originária da obra de Chico de Oliveira (2013), enquanto uma “Alegoria da sociedade brasileira à semelhança de um ornitorrinco – um animal improvável no interior de uma razão dualista que opõe precariedade e desenvolvimento como dois polos estanques na escala social evolutiva” (Campello 2019, 107).
[10] Para Ricardo Campello e Marcos Alvarez (2022), esses erros não têm a ver com a não operacionalização do sistema. Eles são inerentes à própria constituição e performance do monitoramento eletrônico: tornam o funcionamento deste conjunto tecnológico nebuloso tanto para operadores do Direito quanto para as pessoas monitoradas.
[11] A SUSEPE (Superintendência dos Serviços Penitenciários) é o órgão responsável por planejar e executar a política penitenciária do Rio Grande do Sul.

Maiores informações em: http://www.susepe.rs.gov.br/conteudo.php?cod_menu=185. Acesso em: 5 jun. 2022.

[12] https://noticias.r7.com/brasilia/defesa-de-daniel-silveira-diz-que-tornozeleira-tem-vida-propria-e-emite-ruidos-estranhos-29062022. Acesso em: 5 jul. 2022.
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