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A doce sedução do ouro de Atahualpa: traições e desacordo sobre a voracidade das lagoas em Cajamarca, Peru
The sweet seduction of Atahualpa’s gold: betrayals and disagreement concerning the voracity of the lagoons in Cajamarca, Peru
Anuário Antropológico, vol. 48, núm. 3, pp. 269-285, 2023
Universidade de Brasília

Artigos


Recepción: 02 Marzo 2022

Aprobación: 06 Febrero 2023

DOI: https://doi.org/10.4000/aa.10769

Resumo: As relações entre os camponeses e as lagoas nas comunidades rurais de Cajamarca, norte andino do Peru, são ambíguas. As lagoas que estão situadas no alto das montanhas aparecem como entidades bravas nos relatos das pessoas, contudo, quando as fontes de águas foram ameaçadas por um projeto de mineração, os camponeses as defenderam com as suas próprias vidas. O objetivo aqui é realizar uma análise de narrativas que tratam das lagoas e da metamorfose de humanos quando são seduzidos por elas. Este documento se fundamenta em uma pesquisa etnográfica de campo entre os anos de 2013 e 2014 no povoado rural El Tambo, distrito de Bambamarca, província de Hualgayoc e na cidade de Celendín, província de Celendín. São duas localidades da região de Cajamarca nos Andes do Peru. Além desse período de pesquisa, novos relatos e testemunhos foram coletados em viagens curtas a ambas as localidades entre os anos 2016 e 2020. Algumas categorias articuladas, tais como bravo/manso, doce/salgado, voraz/disciplinado, apresentaram-se como indispensáveis na análise a fim de se chegar a uma compreensão da relação entre a sedução dos seres que habitam as lagoas e o repúdio à voracidade da mineração a céu aberto.

Palavras-chave: Voracidade, Mineração, Pactos, Presa.

Abstract: Relationships among the peasants and the lagoons in rural communities situated in the northern Andes in Peru are ambiguous. The lagoons, located at the top of the mountains, appear as ferocious entities in the stories of local people. However, when these waters were threatened by a mining project, the peasants defended these lagoons with their own lives. This work aims to analyse narratives concerning the metamorphosis of humans when they are seduced by these lagoons. The paper is based on ethnographic research conducted between 2013 and 2014 in the village of El Tambo, in the district of Bambamarca, Hualgayoc Province, and the town of Celendín, Celendín Province. Both localities are within the region of Cajamarca in the Peruvian Andes. Besides this period of research, new reports and testimonies were collected in both localities during short visits between 2016 and 2020. Certain categories, like wild/tame, sweet/savoury, voracious/self-controlled, are essential to the analysis in order to understand the relationship between the seduction of the beings that inhabit the lagoons and the repudiation of the voracity of open-pit mining.

Keywords: Voracity, Mining, Pacts, Prey.

1. Introdução

Na região de Cajamarca, norte andino do Peru, vive-se um cenário bastante agitado, já presente há cerca de dez anos. Nos anos de 2011 e 2012, algumas províncias da região foram submetidas a um estado de emergência. Desde o ano 2010, as lagoas Perol, Mala, Chica, Azul têm sofrido ameaça de morte por um projeto de mineração a céu aberto denominado Conga, na região do mesmo nome, que consistiria na ampliação de uma mina já operante, Yanacocha, que existe desde 1992/1993 e cujas reservas de ouro estão chegando ao fim. A compensação pela perda das lagoas residiria na construção de modernos reservatórios que, segundo a empresa, contribuiriam com uma melhor gestão das águas provenientes de chuva para as pessoas do campo.

Hoje, o projeto está paralisado em razão de uma greve organizada pelos habitantes locais, que expressaram o seu desacordo. Muitos camponeses e camponesas alegavam que mutilar as lagoas e montanhas e instalar lagoas artificiais era como amputar uma perna de um ser humano e colocar uma prótese. A forma como descreviam o território como um corpo também era atribuída às lagoas, que, para as mulheres camponesas, eram como os seios da terra por onde brota o que a alimenta. As lagoas são descritas aqui como seres que sentem, similar à pesquisa de De la Cadena (2015), no sul do Peru, sobre os seres-terra. Os seres-terra são entidades que emergem e desestabilizam o lugar que lhes foi imposto há 500 anos pela colonialidade e, nos últimos 200 anos, pelo Estado moderno, por não serem “só” natureza.

Em pesquisa etnográfica entre 2013 e 2014, uma das canções de resistência que eu escutava contra tal projeto tem como título “Água sim, ouro não”, cujo início diz: “Não há, não mais diálogo, como enganaram a Atahualpa, que não se repita a história! O povo unido jamais será vencido. Hoje mais que nunca, Conga não vaiiiiiiiii!”[1]. A enganação e a traição expostas na canção eram associadas a Ollanta Humala, que foi Presidente do Peru no período de 2011 a 2016, quando não inviabilizou o projeto Conga como prometido em campanha eleitoral. Humala tinha agido tal qual fez o invasor espanhol Francisco Pizarro, que após ter aprisionado o último Inca, Atahualpa, na cidade de Cajamarca, concordou em libertá-lo se esse pagasse o resgate com abundância de ouro e prata. Pizarro recebeu as riquezas, mas traiu o acordado e matou o Inca. Tais processos implicam a emergência de um mundo que Guamán Poma de Ayala (2015) já havia relatado há séculos: “o mundo ao contrário” a partir da sua experiência vivida da colonização que passa por cima de protocolos importantes com a terra, as pessoas e os deuses e que pulveriza a “centralidade” da produção de vida. Assim, é importante considerar que essas “traições”, aquela de Pizarro a Atahualpa e de Ollanta ao povo bambamarquino, podem se articular da forma como Rivera Cusicanqui (1984) explica: articulações de memórias “longas” e “curtas”. Essa reflexão faz sentido ao pensar sobre o medo de potenciais contextos infelizes, caso o ouro seja retirado de seu lugar apropriado porque o Estado pactuou com grandes empresários pelas costas dos camponeses e camponesas.

No entanto, alguns dos meus interlocutores em Cajamarca me relataram que, sabendo que Atahualpa foi traído por Pizarro, os seguidores do Inca esconderam o ouro na lagoa El Perol, onde a empresa de mineração Yanacocha pretende instalar uma das cavas do polêmico projeto Conga. Outra versão deste relato também é exposto pelo professor de Bambamarca, Mejía Lozano (2013). Ele conta que desde que o ouro foi escondido na lagoa, ela adota filhos humanos. Os adotados sofrem uma transformação porque adquirem cornos de ouro e ganham a habilidade de transitar pelas águas que circulam por baixo da terra, saindo à superfície da lagoa para seduzir os humanos.

O anterior instiga a pensar que a defesa das lagoas por parte dos camponeses cajamarquinos durante o conflito está articulada a premissas importantes que têm relação com o desenho do seu mundo. Apesar destas lagoas serem temidas pelas pessoas por sua potência, a experiência de lutar por/com elas contra as intenções da empresa mineradora não parte do nada, do vazio, senão também de narrativas que evocam alguma ordem de mundo quando os seus projetos de vida se veem usurpados pelas múltiplas articulações não desejadas pela atividade econômica. Por isso a minha atenção aos relatos e às suas articulações ao novo contexto.

Assim, o objetivo deste trabalho é realizar uma análise de narrativas que tratam das lagoas e da metamorfose de humanos em não humanos quando são docemente seduzidos pelas mesmas fontes de água da região para chegar a uma compreensão do repúdio que expressam as pessoas à voracidade da mineração a céu aberto. Essa voracidade, que é atribuída aos não humanos, mantêm paralelos com a voracidade dos espanhóis, também descrito por Guamán Poma de Ayala (2015), de quererem o ouro sem respeitar os protocolos que os locais mantêm com as naturezas. E também, de Humala, não sendo o único, evidentemente, presidente do país a ter tal atitude. Vale mencionar que minha intenção não é aprofundar no conflito em torno do projeto de mineração – como discutido em outro contexto em que explico o importante efeito da perda das fontes naturais de água (Peñafiel e Radomsky 2021) – mas sim mostrar como as narrativas se tornam parte inextricável da luta.

Para a análise, articulo algumas categorias que se fazem presentes nos relatos: bravo/manso, salgado/doce, voraz/disciplinado. Estas categorias estão associadas a tempos/humanidades que estão em conflito, tema que busco explicar adiante. Este documento se baseia em uma pesquisa de campo etnográfica entre os anos de 2013 e 2014 no povoado El Tambo, distrito de Bambamarca, província de Hualgayoc e na cidade de Celendín, províncias de Celendín. As duas localidades estão na região de Cajamarca. Em todo esse período, visitei a Rede de Bibliotecas Rurais de Cajamarca, na cidade de Cajamarca, onde estão compiladas as memórias dos camponeses e camponesas desde o ano de 1971. Além disso, houve viagens curtas às localidades citadas entre os anos 2016 e inícios de 2020.

Este artigo está dividido da seguinte forma. Posteriormente a esta introdução, faço a análise de dois relatos: um sobre a lagoa Mamacocha, que está compilado nas Bibliotecas Rurais de Cajamarca, e uma narrativa sobre a lagoa El Perol, que foi compartilhada e comentada por uma moradora do El Tambo em 2014 e que seria uma das lagoas sacrificadas para realizar uma das cavas da mina. Finalmente, exponho as conclusões, nas quais realizo associações da voracidade das lagoas com a “fome” indisciplinada daqueles que cobiçam o ouro.

2. Retornando a Cajamarca

Entre os anos de 2016 e 2020, realizei viagens curtas à região de Cajamarca quando estava pesquisando sobre percepções de alterações na densidade de névoas e nas chuvas na região. Na cidade de Celendín, me encontrei com o Xavier, que, entre os anos 2013 e 2014, foi um interlocutor importante enquanto pesquisava a relação entre as águas e a mineração a céu aberto, especificamente o projeto Conga.

Xavier me sugeriu conversar com Oswaldo. Na sua chácara, Oswaldo gentilmente nos recebeu e, após a conversa, quando eu estava me retirando junto com Xavier, Oswaldo nos chamou novamente a certa distância. Eu não conseguia escutar, mas Xavier respondeu para ele em voz alta: “outro dia ficamos para almoçar, estamos apressados”. Oswaldo insistiu e Xavier concordou. De retorno à chácara de Oswaldo, ele falou que sua esposa, que estava preparando a comida, perguntava porque estávamos “desprezando” a sua comida. Desprezar é uma palavra que precisa ser destacada aqui porque está associada nos Andes à avareza, como é observado na pesquisa de Caballero (2013). Contudo, o possível desprezo pode se relacionar a outros fatores, a que mais adiante retornarei.

Voltando à anedota, houve um silêncio, porém entramos na casa e nos sentamos à mesa para compartilhar as batatas. Quando estávamos almoçando, Oswaldo e Xavier iniciaram a conversa sobre a empresa de mineração Yanacocha. Não quis interromper a fluidez e a espontaneidade da conversa ligando o meu gravador, então exponho aqui o curto diálogo que permaneceu na minha memória:

Xavier: Por que as lagoas têm se amansado? Antes eram bravas.

Oswaldo: Não sei. Antes, pelas redondezas da lagoa apareciam uns tourinhos de ouro às pessoas que passavam pelo entorno. Mas quem pegava para levá-lo para a casa tinha que alimentá-lo com açúcar branco a toda hora. E se não o alimentava devidamente, o tourinho comia os familiares. Estes (os familiares) adoeciam, ficavam muito magros e morriam em poucos dias.

Pesquisadora: E como as pessoas sabiam que o tinham que alimentar com açúcar branco?

Oswaldo: Nos sonhos, o tourinho ameaçava a pessoa, que se não lhe dessem de comer, comeria os filhos. Extrairiam sua gordura e sangue.

Xavier: E dizem que as pessoas às quais se lhe aparecem esses tourinhos são pessoas de bom coração.

Pesquisadora: Por que seria?

Xavier: Não sei, talvez porque eles iriam saber cuidar deles e alimentá-los.

A voracidade é um tema que chama atenção. Ela é descrita como uma fome indisciplinada que desrespeita protocolos e que também aparece nas denúncias de Guamán Poma (2015) de Ayala em torno de 1600 sobre os invasores espanhóis que só pensavam em ouro. Tristan Platt (1996, 94) destacou a associação entre a voracidade e o que não é deste mundo ao analisar os protocolos do parto e os cuidados pós-natais das mulheres bolivianas para tornar seus recém-nascidos em gente: “a construção da pessoa índia andina surge, pois, da conciliação entre a voracidade dos antepassados pagãos e as disciplinas alimentares da sociedade andino-cristã”. Ou seja, humanizar implica controlar a fome indisciplinada daquilo que nasce para “este lado do mundo”.

De forma similar, Arnold e Yapita (2018) explicam que as mulheres da comunidade Qaqachaka na Bolívia aprendem desde pequenas a cultivar a habilidade de envolver, porque são elas as que envolvem nas suas barrigas o feto que nascerá para o mundo. O que nasce da envoltura das mães para “este lado do mundo”, conforme a interpretação de Pazarella (2017) do texto anterior, não deve ser desta humanidade, por isso, a importância de “humanizar” o que é parido da barriga da mãe. Agora, sobre a lagoa Mamacocha, que irei examinar na seguinte seção, ela também é uma Mãe: Mamacocha é Mãe Lagoa e o que sai dela também não deve ser deste mundo, como veremos.

2.1 Os paralelos entre os corpos das lagoas e das pessoas

Para poder entender os encantos da lagoa Mamacocha, uma das lagoas da região de Conga a que se referia Oswaldo, cabe considerar os encantados como entidades mais-que-humanas, como destacam Durazzo e Segata (2020), que estabelecem um vínculo com as pessoas locais por meio da habilidade de se transformar, ou seja, de adquirir características físicas de outros seres para se comunicar com a humanidade deste lado do mundo. Estes entes têm a capacidade de transitar entre os mundos, e as pessoas só se tornam encantadas caso aceitem comer da comida oferecida ou os presentes ofertados por seus anfitriões. Ao aceitar, a vítima permanece cativa no mundo do outro. Em Cajamarca, este é o grande temor dos camponeses e camponesas, já que as pessoas que respondem aos apelos não reconhecem mais os parentes, vizinhos e sua comunidade. As vítimas são “adotadas” por estas entidades. A intencionalidade destes seres que seduzem e fazem ver coisas que não são reais é associada à presença e às motivações de pessoas de fora – da capital, Lima, ou outra grande cidade, em geral – que seduzem e cativam os locais.

No povoado El Tambo, dentro do distrito de Bambamarca, província de Hualgayoc, os camponeses e camponesas alegam que a lagoa Mamacocha, que está em um dos pontos mais altos das montanhas, nutre as suas terras e os seus corpos com a mesma água com a qual ela se alimenta. A lagoa não está entre as que seriam diretamente alvo de intervenção, no entanto, os camponeses e camponesas do El Tambo alegam que Mamacocha “secaria” caso as outras lagoas, El Perol, Azul, Cortada e Mala, que estão localizadas na província de Celendín, sofram intervenção por parte da empresa mineradora. As pessoas também afirmam que se Mamacocha “secar”, as pessoas também “secariam”, ou seja, se tornariam pessoas muito magras e sem força para trabalhar a terra. E estes não são corpos desejados para as comunidades camponesas.

Todas as águas das lagoas circulam pelo corpo da montanha para serem distribuídas pelas nascentes d’água. Para que a água alimente a terra dos camponeses, as pessoas a guiam para as suas terras ao desenhar os canais artesanais nas terras e encostas. A circulação de fluxos permite alimentar os rios, a terra, as famílias, os corpos. Como visto por Dépaz Toledo (2015) ao analisar os Manuscritos de Huarochiri[2], ações humanas, tais como tecer, cantar, criar ou plantar, implicam dar continuidade ao curso do que vitaliza. Então, guiar as águas para nutrir as parcelas semeadas não pode ser traduzida como uma ação instrumental. Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Caballero (2019) explica que um corpo acostumado com certo tipo de clima, de comida ou bebida é um corpo transformado. Ou seja, voltando para o nosso caso no norte do Peru, um corpo nutrido pela água de Conga é um corpo diferente daquele que bebe água de outra fonte.

Assim como as pessoas de Bambamarca e Celendín têm defendido Mamacocha com as suas vidas, as lagoas não são confiáveis. As pessoas me contaram que durante as noites de vigília à Mamacocha nos meses de conflito, a lagoa seduzia as próprias pessoas que a estavam defendendo. Não era incomum os relatos sobre certos incidentes enquanto vigiavam a lagoa. Alguns contavam que, em alguma ocasião, tinham que puxar os seus colegas pelo poncho porque, em vez de transitar pelo entorno, estavam entrando nela, sem se dar conta. Para os que estavam se deixando encantar e foram salvos pelos seus companheiros um pouco antes, confessaram que eles viam um caminho e não percebiam que estavam entrando na lagoa.

Em outros casos, eles diziam que quando estavam dormindo, acampando para vigiar, acordavam e enxergavam uma mulher muito bonita que os chamava para dentro da lagoa. Além desses relatos, alguns são ainda mais impressionantes: camponeses fiéis da igreja pentecostal e igualmente defensores das lagoas compartilharam comigo que eles defendem as lagoas para que elas não os levem mais, e seu dever era de proteger as almas que não enxergam serem moedas de troca entre o Diabo e o empresário da mineração (Peñafiel 2022).

Voltando ao diálogo que descrevi no início, a voracidade de Mamacocha girava em torno de que “antes” era brava e que, com o tempo, havia se acostumado às pessoas que começaram a habitar as alturas. Uma pista a seguir sobre o que significa ser “bravo” é o estudo de Nantes Cruz (2002) no Maciço Colombiano, onde os camponeses e indígenas yanaconas atribuem a qualquer entidade virgem os qualificativos de brava ou selvagem para habitar, povoar, semear, ou seja, amansar ou humanizar. Nas narrativas em Cajamarca, às vezes é utilizada a palavra “má” em vez de brava, assunto que não deve ser confundido com a dicotomia bem/mal trazida pelos invasores espanhóis e sim como a potência da entidade.

Ao mesmo tempo, para Nantes Cruz (2002), a categoria de “bravo” é também associada ao lugar onde residem os antepassados e outras entidades mais que humanas que são estranhas aos humanos. De acordo com a mesma autora, o bravo pode estar associado ao mundo dos anormais e dos compactuados, que são aqueles que apresentam condutas não aceitas pelas comunidades, como não compartilhar recursos e realizar pactos com o Diabo para ascender socialmente do dia para noite, como visto também em Glass-Coffin (2002). Na pesquisa realizada em Conchucos, Ancash, no Peru, Venturoli (2019) mostra como as relações entre os humanos e as montanhas, chamadas de awilitus[3], são reguladas pelas categorias selvagem e manso ou domesticado. A autora explica que a palavra awilitus remete aos antepassados e não está vinculada a uma família específica senão à comunidade. Podemos também ver que Mamacocha (Mãe lagoa) também não está associada a uma família específica, pois as mulheres camponesas do El Tambo me explicaram que a lagoa distribui a água igualmente às pessoas das comunidades – como faz uma mãe com seus filhos. Ela não deixa alguém sem ser nutrido por suas águas e por isso, vale ressaltar, é visto como insulto que alguém não deixe o outro irrigar a sua parcela de batatas com a água que é para todos.

Na mesma pesquisa, Venturoli (2019) explica que compartilhar comida, o lugar e a comunicação é importante, mas sempre considerando que essa relação não é simétrica. Os awilitus são os mais fortes e com quem se deve negociar. Interessante a ênfase que a autora dá ao lugar, já que tanto as pessoas das comunidades como as montanhas compartilham um projeto de vida juntos. Isso me faz recordar que uma vez em campo uma camponesa explicou-me que aqueles que não defendiam as lagoas em questão não se alimentavam das batatas nutridas pelas águas de alto das montanhas. Nesta visão, a posição alienada parece ser assumida quando se deixa de participar da regra da reciprocidade, como também visto em Taussig (2010), e colabora para tornar o mundo onde “tudo é comprado”, como descrito para mim pela interlocutora. Tal mundo não seria desejado porque naquele em que se vive, os alimentos nascem, crescem, estão disponíveis para as pessoas a partir da relação com o ambiente. O “nascer” é sumamente importante porque implica que o que vitaliza emerge da circulação da água, enquanto que a empresa de mineração propõe que as pessoas dependam da água bombeada por ela mesma por meio dos reservatórios.

Figura 01: Lagoa El Perol, agosto 2014. Fonte: Acervo da autora

Assim, valendo-me das pistas de Nantes Cruz (2002) e Venturoli (2019), apresento na seção seguinte duas narrativas sobre as lagoas de Conga. A primeira, uma narrativa que está exposta em Mires Ortiz (2008a), que se intitula “Todo encanta: La Mamacocha”. Depois, apresentarei o caso da lagoa El Perol, cujo relato foi compartilhado por uma moradora do El Tambo, Bambamarca.



Figura 01

Lagoa El Perol, agosto 2014.

Acervo da autora

2.1.2 El Perol: o mal-entendido e o pacto perigoso

Sobre a lagoa El Perol, uma moradora do El Tambo, dona Vila, compartilhou um relato em 2014 no mesmo dia em que íamos vigiar as lagoas. Perdi a comunicação com ela posteriormente porque as pessoas do El Tambo suspeitavam de que ela tinha pactuado secretamente com a mina Yanacocha, já que seus parentes tinham terras na região de Conga. Mas quando recém nos conhecemos e sabia que eu iria até Conga junto a uma delegação de camponeses, Vila não quis que eu fosse sem comer. Foi quando estava saboreando suas batatas que ela me relatou que quando era pequena, morava perto de uma das lagoas da região de Conga e que em algumas ocasiões a lagoa “puxava” pessoas para dentro. Além disso, pelo depoimento de Vila, a lagoa podia também “confundir-se” com quem comia ou ainda “tentar” quem se aproximava. Abaixo, nas suas palavras:

Vou lhe contar sobre os empregados do patrão de Cajamarca. Minha avó me contava que ele empregava camponeses, como não havia muita gente antes, ele criava os seus muitos animais. Próximo à lagoa El Perol, havia uma única casa. Lá, eles moravam e foram os trabalhadores levar as batatas e a junta de touros para Cajamarca. Pela lagoa, passando por aí, a névoa os tapou, e depois se abriu e olharam para uma macieira. Olharam para a [árvore de] maçã e um começou a puxar, os outros a recolher. Desapareceu a maçã e [também] o senhor que puxava. A maçã era de ouro. O trouxeram de volta com quatro cavalos. O patrão trouxe três curandeiros de Huancabamba para retirar o senhor porque este saía de vez em quando com [auxílio de] cordas. O senhor contava que a água da lagoa estava em uma panela de ouro. Por dentro, é um povoado. É muito lindo. Na lagoa, há um cerro, nas terças e sextas-feiras abre as suas portas, as pedras gigantes são movidas e, para dentro, tudo é ouro. Não é para qualquer um. É para quem tem o seu dom ou algo assim. Antes, ninguém se aproximava da lagoa porque não saíamos [mais], as vacas iam tomar água e desapareciam. […]. Se você tem sorte, a montanha te dá. Um dia estava com meu pai. Ele me dizia que não se olha para as lagoas, senão elas poderiam me fazer ficar. Abriu-se uma nuvem e apareceu uma galinha com pintinhos. Eu avisei meu pai, mas ele me disse para não falar. E a galinha desapareceu. Tem que esperar passar, e aí era para nós, mas ele tinha que dar açúcar (Dona Vila, El Tambo, janeiro de 2014).

Ela ainda contou que há outras lagoas com semelhantes características na região, tal como a Cortada Chica, que comeu muita gente. Cerca de cinquenta desaparecidos são mencionados, e ninguém fala disso.

Existem vários aspectos a serem destacados no relato. A lagoa provoca, põe coisas tentadoras à disposição da pessoa para que sejam recolhidas. Em outra narrativa compilada em Mires Ortiz (2008b), o ouro é descrito como a própria entidade que “come” e por isso quando as pessoas levam os objetos de ouro para sua casa, elas mesmas vão secando, ou seja, ficando sem gordura, sem sangue, ficam amarelos como o ouro. Isto não é diferente de um dos trabalhos clássicos de Nash (2008). A autora relata a experiência de trabalhadores das minas de estanho em Oruro, Bolívia. Nela, analisa como os mineradores sentiam os seus olhos e pulmões serem comidos pela mina enquanto eles obtinham o mineral do subsolo, em troca de um salário estável.

No relato sobre a lagoa El Perol, Vila explicita que só havia uma casa. Portanto, a lagoa não estava acostumada com a presença humana, então o atributo “selvagem” se aplicaria à região de Conga.

Nesta narrativa aparece outro elemento importante: a névoa. Segundo o estudo de De la Torre (1986), a névoa está impregnada de perigos porque pode deixar alguém tonto e torná-lo mais vulnerável a responder ao apelo das entidades do submundo. A névoa também desvia a vítima do caminho certo, algo sempre exposto nos relatos, e a pessoa se distrai porque algo chama sua atenção, ou seja, responde ao chamado. Nos textos de Mires Ortiz (2001, 2008a, 2008b), a névoa é descrita como algo que sai caminhando pelas quebradas e rios, como se fosse um rebanho de ovelhas que vai avançando pelas montanhas.

A seguir, o que seduz os trabalhadores é uma fruta que não cresce em Cajamarca, são maçãs cultivadas na costa do Peru. Seguindo com o relato, as maçãs eram de ouro e o ouro engole. A vítima sai de vez em quando amarrada pelas entidades que habitam a própria lagoa, fato semelhante à história anterior, e isso implica o vínculo perigoso entre a lagoa e a vítima da narrativa. Vila explica que o ouro, podendo estar na forma de maçãs, como no caso, arrasta as pessoas, as captura, as agarra, mas essa captura também pode ser entendida pelo desvio da pessoa em sociedade, já que se tornou gulosa, ávida, imoral, com desejo ardente de possuir coisas.

Dona Vila esclareceu um pouco mais a partir de seu relato. Ela disse que seu pai, que era curandeiro, podia mediar os desejos de cada entidade do cosmos. Viveiros de Castro (2002) já tinha definido o xamanismo amazônico como a habilidade de certas pessoas de cruzarem deliberadamente as barreiras corporais e adotar a perspectiva de subjetividades específicas, de modo a administrar as relações entre estas e os humanos. Dona Vila, ao explicar-me sobre a habilidade do pai, disse que ele sabe “decifrar” os pactos, o que tinha que se dar em troca, como rejeitar para não ser seduzido, e como saber se algumas coisas são realmente para certa pessoa, por exemplo, um presente, sem ter que dar alguma coisa em troca, além do açúcar. O pai, como curandeiro, sabe como manipular essa situação politicamente com a lagoa. Vila explicou que seu pai sabe que as coisas que aparecem no caminho não são colocadas para se recolher “sem permissão”, pois geralmente aquilo implica alguma troca. É por isso que o pai dela sempre deixava “doces” (ou açúcar branco) como resposta aos apelos da lagoa, e, ao mesmo tempo, deixando explícito que ele mesmo não seria a oferenda a ser dada em troca, mas que oferecia o doce em troca do seu presente.

Como no relato anterior, vemos aqui que alguém responde aos apelos da lagoa e é agarrado e mantido em cordas para seguir em cativeiro. Veja-se bem que o curandeiro aparece como mediador na história de Dona Vila e que é ele que consegue romper esse vínculo vicioso.

3. Considerações finais

As relações apresentadas a partir da análise dos relatos sobre as lagoas Mamacocha e El Perol sinalizam a possibilidade de um "mundo ao revés” onde a potência do tempo passado se atualiza para dar coerência a uma situação a ser enfrentada: a voracidade da mineração a céu aberto.

Os relatos discutidos no texto advertem sobre as possíveis consequências quando as regras de reciprocidade não são honradas. Temos aqui uma versão forte no caso de Mamacocha: os pais retêm a filha em idade núbil e ela, ao andar em território bravo, ficou exposta a ter seu corpo raptado pelos habitantes de lagoa. Nessa nova relação, um dos sinais de transformação é que a vitima vai ganhando novos hábitos alimentares provenientes do seu captor. Para os pais, a filha morre; para a lagoa e a entidade que aparece junto, trata-se da transformação de um outro em filha de Mamacocha.

Ou, as pessoas desaparecem, como é o caso do relato do El Perol, quando ao aceitarem aquilo que “aparentemente” está à disposição, abre um caminho para a produção de uma nova relação onde quem respondeu ao convite se torna cativa de um outro mundo.

Contudo, o caso da mineração se torna muito mais perigoso porque não se trata da perda de uma filha amada ou de um trabalhador, senão de interromper vínculos sociais de comunidades inteiras cujo dinamismo constituem o coletivo. A mineração torna a situação mais grave porque parece contar com mediadores poderosos para poder acumular as toneladas de ouro que se propõem a extrair das entranhas da terra. Essa mediação, que envolve um pacto que Taussig (2010) e Nash (2008) descrevem como diabólico, é escondida das pessoas locais; justamente elas, então, ao final chegam a ser os objetos de troca dessa negociação. Quer dizer, com a mineração moderna, o pacto é mais caro e o resultado da traição consiste em uma destruição muito mais agressiva.

O que demostra esta pesquisa é que as premissas de mundo expostas nos relatos de Mamacocha e El Perol são evocadas na experiência do medo e da possibilidade de perder autonomia na “mediação” com as lagoas, que apesar da sua potência brava, fornecem a vitalidade ao corpo dos andinos: a água proveniente das lagoas da região de Conga. Como mencionei na Introdução, estes relatos fazem lembrar a ordem de mundo cajamarquino diante da ameaça e não é à toa que as pessoas, como dona Vila, tenham compartilhado estas histórias em um momento tão crítico. Os relatos são a evidência de que a possibilidade do mundo ao revés está mais próximo do que nunca, ao se aceitarem as propostas da mina.

A sedução que o doce provoca afeta não somente os camponeses e camponesas como também Humala, ex-presidente antes citado, e outros presidentes do Peru que ao responder aos apelos das empresas de mineração se tornam, além de retentores, traidores. Em sua campanha eleitoral, Humala professava a água em vez do ouro; uma vez presidente, passou a falar que queria ambos, a água e o ouro, sendo que para os camponeses isso seria impossível. A fome é indisciplinada: não importa quantas pessoas irão comer o projeto de mineração. Comer aqui se refere ao sentido dado por Taussig e Nash, visto que a mineração vai consumindo o corpo das pessoas e os torna em corpos transformados: bebem água de fonte desconhecida, não se importam com os vínculos sociais, não reconhecem os vizinhos e rompem com as regras de reciprocidade. Da mesma forma, o presidente não distinguia mais quem realmente o apoiou em sua candidatura presidencial. Parecia, então, ser muito tarde para humanizá-lo ou amansá-lo. Havia se tornado tão guloso como Pizarro e Yanacocha.

Referências

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Arnold, Denise. 1997. Más allá del silencio: Las fronteras de género en los Andes. La Paz: Ciase.

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Notas

[1] ¡Manam Kachu, no más diálogo, como engañaron a Atahualpa, que no se repita la historia!¡ El pueblo unido jamás será vencido. Hoy más que nunca, Conga no vaaaaaaa!
[2] Deuses e Homens de Huarochiri é um manuscrito em quéchua composto entre os séculos XVI e XVII. Trata das deidades e as suas relações com os humanos na província de Huarochiri, região de Lima, antes da chegada dos europeus. Estas narrativas foram recolhidas por ordem do espanhol Francisco de Ávila, com a finalidade de extirpar idolatrias.
[3] Articulação do quéchua da palavra em espanhol abuelitos, que seria o diminutivo de avós.
[4] Original: Todo encanta. La Mamacocha. Antes la laguna era muy brava. Había una mitaya que se iba todos los días a pastear sus borregas cerca de la Mamacocha. Se iba bien madrugadito y volvía oscuro, ya cuando la oración se cerraba. Llevaba no más que avenita o canchita con su chancaca para comer. Un día ya no se asomó a su choza ni las wishas a su huatana. Sus papacitos la buscaron días, lloro, lloro y no lo encontraban. Una mañana de sol, el papá de la mitaya estaba sentado en una huecadita y de pronto se para, lo ve peinándose con una gringa al canto de la laguna y después se zambulleron las dos. Entonces, el señor contrató cuatro hombres con su soga cada uno y se escondieron tras de una piedra. Cuando asomaron las mujeres le echaron lazo a la mitaya no más y lo llevaron corriendo porque la laguna se cerró de niebla y comenzó a llover. La mitaya gritaba: - ¡Mamacocha, Mamacocha, no me dejes! Después la amarraron a un palo. Pero no comía nada de lo que le daban. Su cuerpo dizque estaba purito pelos y los pies parecían cascos. Decía que su Mamacocha le daba solo caramelos y frutas. No duró ni ocho días, se murió diciendo que la dejen ir a su Mamacocha (recolhido por Manuel Angulo León, de Asunción, Cajamarca).
[5] Vale mencionar que essa transformação em que a pessoa não reconhece os seus, também é similar à como as pessoas de Cajamarca me descreveram aqueles que pactuaram com as minas. Os beneficiados pelas minas são descritas como pessoas que quando crianças brincavam com os demais e, agora, não reconhecem os da comunidade, não cumprimentam, não querem sentar nem comer junto. Além disso, foi comentado que a primeira coisa que fazem ao receber o dinheiro da mina é comprar camionetes similares aos que usam os engenheiros. E, ainda, em vez de oferecer carona aos outros que não obtiveram compensação e dependem de transporte coletivo para ir até a cidade de Cajamarca, lhes cobram passagem. Só reconhecem o dinheiro.


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