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Todo mundo tem uma história para contar: Produção coletiva de livros e escrita etnográfica no Recôncavo da Bahia
Everyone has a story to tell: Collective book production and ethnographic writing in Recôncavo da Bahia
Todo mundo tem uma história para contar: Produção coletiva de livros e escrita etnográfica no Recôncavo da Bahia
Anuário Antropológico, vol. 49, núm. 3, e-12p53, 2024
Universidade de Brasília
Recepción: 22 Mayo 2024
Aprobación: 08 Octubre 2024
Resumo: Este artigo se baseia na experiência do projeto Cachoeiras: Mulheres escrevendo Recôncavo da Bahia, fruto de uma parceria entre a andarilha edições e o imuê – Instituto Mulheres e Economia. Contemplado pela chamada Engaged Research (2021) da Wenner-Gren Foundation, o projeto financiou a escrita e a produção de cinco livros de autoras das cidades de Cachoeira, São Félix, Muritiba e Conceição da Feira, na Bahia, entre 2022 e 2023. A metodologia de escrita coletiva dessas obras foi inspirada nos levantes poéticos (Barbosa 2020), encontros de rememoração e contação de histórias entre mulheres na cidade de Cachoeira, somados a pesquisas individuais, encontros online, trocas e circulação de textos. A produção coletiva desses livros como parte de um projeto de antropologia engajada é percebida aqui como uma experiência de contracolonização (Bispo 2015) que enseja uma reflexão sobre a produção de narrativas contracoloniais e a escrita coletiva como parte do fazer etnográfico. O objetivo deste artigo é mostrar como essa escrita coletiva permite tensionar e deslocar a maneira como se faz etnografia, como método e forma de escrita.
Palavras-chave: escrita etnográfica, mulheres, Recôncavo da Bahia, narrativas contracoloniais.
Abstract: This paper is based on the experience of the Cachoeiras Project: Women writing Recôncavo da Bahia, the result of a partnership between andarilha edições and imuê – Instituto Mulheres e Economia. Funded by the Wenner-Gren Foundation’s Engaged Research Call (2021), the project financed the writing process and production of books by five authors from Cachoeira, São Félix, Muritiba and Conceição da Feira, in Bahia, between 2022 and 2023. The collective writing methodology was inspired by the “poetic uprisings” (Barbosa 2020), remembering and storytelling meetings between women held in the city of Cachoeira, combined with individual research, online meetings and circulation of texts. The collective production of these books as part of a project of engaged anthropology is conceptualized here as an experience of counter-colonization (Bispo 2015), which makes it possible to build a reflection on the production of counter-colonial narratives and collective writing as part of the ethnographic practice. The aim of this paper is to show how this collective writing allows to produce tension and to displace the way that ethnography is done, as a method and form of writing.
Keywords: ethnographic writing, women, Recôncavo da Bahia, counter-colonial narratives.
Apresentação
O Recôncavo da Bahia é um território negro, onde um saber relacionado às religiões de matriz africana resistiu espiritual e epistemologicamente desde o período colonial (Vale 2018). Tal saber se diferencia do conhecimento grafado em livros e documentos históricos que contam sobre a região a partir dos tempos de glória portuguesa e de heróis que travaram guerra pela independência do Brasil (Albuquerque 1999, Amaral 1957, Kraay 1999, Leite 2005, Loureiro de Souza 1972, Ott 1996, Pinho [1946] 1982, Risério 2004, Rocha 2015, Santos 2010, Vilhena 1969). Se a narrativa oficial sobre a região é influenciada por uma vertente da historiografia brasileira do final do século XIX e início do século XX, que buscava a consolidação de um discurso de identidade nacional, baiana e cachoeirana, o conhecimento ensinado nas esquinas da cidade, nos bares da Praça 25, na beira do rio Paraguaçu ao pôr-do-sol, nas feiras aos sábados, nos terreiros em noite de festa ou durante os dias de trabalho fala dos perigos espirituais, cuidados corporais, memórias ancestrais e as diversas maneiras de se habitar esse território em movimento, som e dança.
A narrativa oficial parte de um conhecimento centrado em fatos, lugares históricos e pessoas importantes. Já as histórias daqueles que remanesceram nas cidades do Recôncavo podem ser vistas como parte de um exercício cotidiano de contracolonização da linguagem e do pensamento, como argumenta Antonio Bispo (2015). Segundo ele,
podemos afirmar que a guerra da colonização nada mais é que uma guerra territorial, de disputa de territorialidades. Nesse contexto, nós, povos contracolonizadores, temos demonstrado em muitos momentos da história a nossa capacidade de compreender e até de conviver com a complexidade das questões que esses processos têm nos apresentado. Por exemplo: as sucessivas ressignificações das nossas identidades em meio aos mais perversos contextos de racismo, discriminação e estigmas; a readaptação dos nossos modos de vida em territórios retalhados, descaracterizados e degradados; a interlocução das nossas linguagens orais com a linguagem escrita dos colonizadores (Bispo 2015, 97).
Para o filósofo quilombola, a interlocução de linguagens orais com a linguagem escrita dos colonizadores é, em si, uma prática de contracolonização. Tendo por base essa ideia, este artigo se propõe a tratar de uma dessas experiências contracoloniais: a produção coletiva de cinco livros de autoras da região do Recôncavo da Bahia como parte de um projeto de antropologia engajada. O Projeto Cachoeiras: Mulheres escrevendo o Recôncavo da Bahia contou com o financiamento da Wenner-Gren Foundation e foi desenvolvido entre março de 2022 e abril de 2023[1], em uma parceria entre o imuê – Instituto Mulheres e Economia e a andarilha edições[2].
Essa experiência nos permite refletir tanto sobre a produção de narrativas contracoloniais quanto sobre a escrita coletiva como parte do fazer etnográfico. Assim, de um lado, o artigo descreve os cinco volumes que compõem o que se tornou a Coleção Cachoeiras. Pautados pela reinvenção de memórias do Recôncavo da Bahia, os livros são baseados em uma perspectiva coletiva sobre os lugares e os segredos dessa região, suas festas, encontros, perigos e caminhos. O cotidiano de mulheres das cidades de Cachoeira, São Félix, Muritiba e Conceição da Feira permeia as histórias ali produzidas em contranarrativas de um lugar em geral contado a partir do ponto de vista econômico de uma elite herdeira de engenhos de cana-de-açúcar. De outro lado, o artigo reflete sobre o processo de pesquisa e escrita coletivas desenvolvido no Projeto Cacheiras entre 2022 e 2023. Com isso, busca-se mostrar como a produção coletiva de conhecimento permite tensionar e deslocar a maneira como se faz etnografia, como método e forma de escrita.
É importante ressaltar que os debates em torno da escrita etnográfica não são novos na teoria antropológica. Desde Writing Culture, a obra clássica de James Clifford e George Marcus ([1986] 2016) que se tornou um marco no debate pós-moderno na disciplina[3], diversas autoras se debruçaram sobre o tema e experimentaram com a escrita na antropologia. Vincent Crapanzano (1980), ao escrever com o marroquino Tuhami, aponta como a escrita se transforma na medida em que o próprio antropólogo também se transforma. Richard Price (1983), por sua vez, experimenta na escrita a visão histórica sobre os quilombolas Saramaka do século XVIII, no Suriname, ao deixar metade das páginas do livro com transcrições diretas de relatos orais e a outra metade com seus comentários e comparações teóricas.
Para além deste debate, experimentações mais radicais com a escrita surgiram muito antes na antropologia, como em Zora Hurston (2008), que escreveu ainda em 1935 em forma de contação de histórias (storytelling), seguindo o estilo narrativo de seus black folks no sul dos Estados Unidos, “destacando a sonoridade da fala por meio da grafia das palavras tal como pronunciadas” (Moreira 2020, n.p). Hurston (2008) performava assim “o estilo da contação de histórias” que “caracterizava a sociabilidade das comunidades negras do sul” (Moreira 2020, n.p). Anos mais tarde, Hubert Fichte (1987) propôs uma antropologia poética das religiões afro-americanas (Fichte 1987) e Kathleen Stewart (2007, 4) buscou escrever os afetos cotidianos em “um Estados Unidos capturado por um presente que começou há algum tempo” ao performar algo da intensidade e da textura que tornam tais afetos habitáveis em uma narrativa sem interrupções para explicações teóricas[4].
A intenção deste artigo, no entanto, não é retomar esse debate clássico, mas aproximar a experiência de produção de escrita coletiva a algumas discussões bibliográficas sobre produção de conhecimento, corpo e teoria quilombola. Como se verá mais adiante, trata-se de discussões pensadas em termos da geopolítica dos corpos (Figueiredo 2017), suas posicionalidades (Anzaldúa 2000; 2009) e as tecnologias sociais do comum (Júnior et al. 2021) na forma de se fazer conhecimento acadêmico, somadas a alguns debates sobre a produção de textos de mestras e mestres de comunidades tradicionais (Tugny 2022) e inspiradas ainda em reflexões como as de Glória Anzaldúa (2000, 234), que sugere uma escrita orgânica: “não é no papel que você cria, mas no seu interior, nas vísceras e nos tecidos vivos”.
A escrita aqui aparece como comum (Dardot e Laval 2017), um engajamento coletivo (Morawska et al. 2021) com o qual riscamosoutros conhecimentos (Rodrigues 2021) e contamos outras histórias (Haraway 2016). Catarina Morawska et al. (2021, 25) propõem “transformar a antropologia como prática de conhecimento em uma experimentação que se conecta ativamente com as experimentações em curso no mundo”. Assim, “importa menos respostas a questões previamente contidas em modelos teóricos do que a atenção a possibilidades de produção de questões comuns” (Morawska et al. 2021, 25). A experimentação etnográfica é, a partir dessa perspectiva, um procedimento para construir composições ao engajar-se com outras práticas de conhecimento, articulando diferentes modos de estar no mundo. Trata-se de uma aliança na diferença em que “a etnógrafa e o etnógrafo sintonizam a sua própria técnica com aquelas mobilizadas em lutas particulares, criando assim um novo corpo, na forma de um texto etnográfico, que possa se juntar a tais lutas” (Morawska et al. 2021, 23). Argumento que a experiência da escrita coletiva é um dos modos em que o fazer etnográfico pode potencialmente se aliar a narrativas contracoloniais.
Para tanto, o presente artigo se divide em duas partes, além da apresentação e considerações finais. Primeiro, descrevo o Projeto Cachoeira, esmiuçando reflexões sobre a escrita etnográfica que surgem a partir do engajamento coletivo que marcava o projeto. Em seguida, abordo a estética e histórias das diferentes obras para pensar narrativas contracoloniais sobre o Recôncavo feitas a partir de uma experiência coletiva, em que a história da região é contada não por fatos históricos e tempos de glória e guerra, mas em histórias feitas de encontros e relações cotidianas.
Assim como foi com o Projeto Cachoeiras, em que tecíamos textos com conjuntos heterogêneos de memórias e vivências, também este texto se faz na composição pela diferença, com conceitos e ideias que vêm de lugares diferentes e a partir de preocupações bem distintas. E assim como se faz entre as autoras do Recôncavo, que na costura e na contação de história conjuntas fazem cultura, com artefatos estéticos que afetam, atravessam e fazem sentir, também este texto se pergunta como fazer do conhecimento antropológico não um lugar da mobilização de conceitos bons para pensar, mas da produção de textos que afetem, atravessem e façam sentir através de histórias capazes de contar mundos vivos e fazer com que possamos manter-nos juntos, como convocam Annemarie Mol e John Law (2007), em corpos-que-fazemos ao longo da nossa vida.
Projeto Cachoeiras e o fazer etnográfico como engajamento coletivo
Durante minha pesquisa de doutorado na cidade de Cachoeira, quando dizia que queria trabalhar com as histórias da cidade, as pessoas automaticamente me indicavam historiadores locais e professores para entrevistar, todos homens (Vale 2018). Seu discurso oficial sobre a cidade ressoava o que também era dito em sessões solenes e momentos cívicos do calendário festivo cachoeirano, que se iniciava no dia 13 de março, com o aniversário do município, passando pelo 25 de junho para celebrar o início da guerra de Independência da Bahia e demais atividades relacionadas à liturgia católica. A história oficial pensava a cidade através de classificações, explicações e noções de fatos históricos e contava sobre os seus tempos de glória no período colonial, sua fundamental participação na Independência da Bahia, a riqueza dos seus engenhos. A história de um povo aguerrido, heroico e rico culturalmente. Se eram os homens os mais indicados para falar sobre a glória cachoeirana, ao longo dos anos, a minha rede de apoio ia sendo cada vez mais composta por mulheres.
Com Deisiane Barbosa, escritora e artista do Recôncavo da Bahia que já vinha experimentando uma produção literária pautada na ficcionalização de memórias afetivas (suas e de outras mulheres), por meio de um laboratório urbano e coletivo de performance (Barbosa 2020), nascia o sonho conjunto de realizar oficinas de escrita na região. A nós se somaram Lucineide Souza, produtora cultural e fundadora do Centro Cultural Santa Bárbara (CCSB), que já havia trabalhado com oficinas de escrita promovidas pela Irmandade da Palavra – a voz da mulher no Recôncavo, e Clara Amorim Duca, produtora cultural e professora que sempre afirmava em nossas conversas que eu escreveria sua história. Não tardou também o convite a Rose Miranda, educadora e comerciante, e a Any Manuela Freitas, sambadeira, gestora cultural e coordenadora da Casa do Samba de Roda de Dona Dalva.
O projeto Cachoeiras, portanto, foi gestado em anos de relações marcadas pela diferença racial e de classe entre as autoras e parceiras de campo, mulheres cis negras, e eu, primeiro como pesquisadora no meu doutorado, depois como coeditora da andarilha edições e da Coleção Cachoeiras, uma mulher cis branca. O Projeto só se tornou possível porque a diferença nunca foi obliterada do nosso cotidiano e textos, e porque tivemos tempo para construir afeto e confiança. O sonho que movia a todas nós era construído não a despeito da diferença, mas reconhecendo-a nesse projeto comum, o que incluía considerar a realidade de cada uma no processo de escrita.
Entre março e outubro de 2022, o projeto foi desenvolvido em uma dinâmica de encontros presenciais e escrita dos textos atravessada por impedimentos e obrigações diárias em vínculos empregatícios, cuidados com famílias, casa e filhos. Como inventar memórias e compartilhar sonhos em uma rotina capturada por obrigações generificadas? Clara Amorim Duca trabalhava três vezes na semana na comunidade quilombola de Santiago do Iguape e nos demais dias dava assessoria a uma escola na sede urbana de Cachoeira, além de cuidar de seu filho adolescente. Any Manuela Freitas tocava os projetos culturais do Samba de Roda de Dona Dalva e enfrentava questões de saúde na família, em Muritiba. Lucineide Souza trabalhava na prefeitura de São Félix e tinha um filho pequeno de 3 anos, além de cuidar da mãe com quem morava. E Rose Miranda cuidava de sua mãe idosa e também de seus sobrinhos, além de cursar Ciências Sociais na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em Cachoeira. Escrever em meio a tantos afazeres ressoava uma experiência sobre a qual Glória Anzaldúa (2000) já alertara:
As vozes de Maria e Cherríe chegam da cozinha e caem nestas páginas. Eu posso ver Cherríe andando em seu quimono, lavando os pratos de pés descalços, batendo a toalha de mesa, passando o aspirador. Enquanto sinto um certo prazer em observá-la fazendo estas simples tarefas, fico pensando, eles mentiram, não existe separação entre vida e escrita (Anzaldúa 2000, 233, grifos adicionados).
E ainda que vida e escrita se misturem, para perseguir o sonho de escrever era preciso conseguir recursos para que algumas horas da vida fossem dedicadas a isso. Suas rotinas atribuladas se misturavam com algo que elas carregavam desde muito cedo, uma sensação de estranhamento com relação ao lugar de escritoras. Para submeter a proposta à chamada Engaged Research (2021) da Wenner-Gren Foundation, era preciso apresentar como documentação de inscrição cartas daquelas que iriam participar da pesquisa engajada. Nelas, podemos ver como esse lugar não parecia natural aos seus corpos:
O grande sentido para mim em integrar esse projeto é deixar uma referência para os mais novos e uma lembrança aos mais velhos ocupando o lugar de autora/escritora. Sempre achei que jamais poderia escrever um livro. Integrar esse grupo de autoras me diz da importância em disseminar a voz literária feminina e baiana que não é valorizada pela nossa sociedade, onde prevalece a escrita de homens brancos como referência única e central. A partir desse projeto, poderei publicar o meu primeiro livro, resistindo no corpo de uma mulher negra nesse país tão desigual, patriarcal e racista, incentivando as minhas iguais e provando que podemos sim ser escritoras, falando de nós e do nosso território de vivência muitas vezes marginalizado com as verdades das entrelinhas que não contam quando falam sobre nós e não somos protagonistas(Lucineide Souza 2021)[5].
Naquele momento inicial, Lucineide Souza já anunciava um dos pontos principais que discutiríamos em nossos encontros: o fato de terem dificuldade em se ver como autoras. Era possível ver ali em algumas cartas também como a escrita muitas vezes engessava um modo de falar tão fluido. O desafio seria, por um lado, a transformação da fala e da escrita, criando um texto escrito coletivamente com ritmo de fala. E por outro, seria necessário que as autoras se apropriassem do lugar de autoria que parecia incompatível com suas rotinas sem tempo e silêncio para escrever, mas também com seus corpos de mulheres cis e negras que se diferenciam do lugar historicamente entendido como válido para a construção de conhecimento (Kilomba 2019).
Havia mais um passo a ser dado: pensar coletivamente sobre a necessidade de desenvolver uma metodologia de escrita para cada uma das autoras que produzisse ainda um encontro comum característico da coleção. A forma de fazer foi inspirada nos levantes poéticos produzidos por Deisiane Barbosa (2020). Dentro do campo artístico, Barbosa (2020) propõe encontros para a escrita coletiva de histórias através do que chama de “invenção de memórias e compartilhamento de sonhos”. Ao se reunir com mulheres da Ilha de Itamaracá e do quilombo Conceição das Crioulas, em Pernambuco, e da Ilha de Itaparica e da Ladeira do Milagre de Santa Bárbara, na Bahia, Barbosa (2020) buscou maneiras diferentes de contar narrativas de mulheres por meio de experiências compartilhadas e escritas em suportes materiais diversos, como lençóis e cartolinas.
Para o Projeto Cachoeiras, o Levante de Abertura se deu em março de 2022. Se em um primeiro momento o grupo de autoras que se encontrava pela primeira vez estava tímido, assim que a palavra circulou, desaguaram histórias de suas vidas e possibilidades de grafar essas experiências por meio de uma ferramenta, a escrita, que sempre lhes foi apresentada como algo alheio aos seus corpos. Deisiane Barbosa e Lucineide Souza eram exceção, pois a primeira começava ali a escrever seu quarto livro literário e a segunda já havia participado de oficinas de escrita criativa e publicado um conto na coletânea fruto de tais encontros (Prazeres e Uila 2019), mas sua rotina não lhe dava tempo para se dedicar à escrita como gostaria. Clara Amorim Duca, embora seja professora e escreva cotidianamente, nunca havia se imaginado escrevendo e publicando um livro. Any Manuela Freitas lida com projetos culturais já há alguns anos, mas achava difícil sair da escrita técnica para uma mais literária.
Já Rose Miranda, com seu jeito que mistura a sabedoria de uma família cachoeirana antiga de axé com as molequices de um erê, é capaz de passar pelo menos duas horas contando uma história em seus mínimos detalhes. Em uma das nossas reuniões individuais, ela contava sobre o dia em que seu marido foi embora de casa. Dias depois, ela, impedida por ele de trabalhar, não tinha como dar vencimento das contas que chegavam e foi atrás do “beleza” na casa de sua cunhada. Chegando lá, depois de muita discussão, ele teve o descaramento de lhe entregar “20 reais em duas notas de 10”. Mas quando chegava na escrita, Rose parecia deixar sua forma viva de contar detalhes, atenta à diferença entre dinheiro pegado e dinheiro miúdo que circula em sua cidade natal, para colocar palavras como “entretanto” e “diante do ocorrido” no início de suas frases e cortar sua narrativa tão ritmada.
Como os livros faziam parte de um processo de pesquisa, o trabalho como editora de seus textos, ideias, sonhos, gravações e lembranças ao longo de 10 meses exigiu que para cada um de seus estilos narrativos e rotinas, fosse preciso pensar em uma metodologia de criação coletiva – gravar conversas para serem transcritas, ler junto em voz alta e reescrever, instigar com perguntas e esperar o retorno escrito, mudar a ordem do texto. Todo o processo, portanto, demandou a criação de diferentes métodos para a produção de textos coletivos. A própria prática de transcrição aparecia aqui como coescrita, ao marcar a pontuação para dar um ritmo de fala ao texto. Escrever implicava assim transformar a fala em escrita, mas também a escrita em uma narrativa falada.
Tal processo foi também uma experimentação na forma de fazer etnografia ao repensar a produção de relatos e dados de campo de maneira coletiva e não individual. Cada autora, assim, fez sua própria pesquisa buscando e analisando fotos antigas, escrevendo memórias de suas vidas, entrevistando parentes e pessoas próximas, e recolhendo depoimentos de integrantes dos grupos culturais e de dança que povoavam suas escritas. A partir desse material transcrito e escrito por elas, fazíamos leituras coletivas e reorganizávamos o texto em capítulos. Assim, construímos o caminho de cada livro em reuniões semanais e revisando o que iam produzindo, primeiro dos relatos, depois dos textos já trabalhados.
O projeto gráfico e a diagramação foram elaborados por Deisiane Barbosa, e as ilustrações foram feitas pela artista de Santo Amaro, Maine Jesus. Todo o processo criativo foi realizado em diálogo com as autoras e a equipe editorial, e as escolhas das cores características de cada livro fazem parte da própria narrativa, daquilo que importa nas histórias contadas. Lucineide Souza, por exemplo, sempre enfatizava: “o meu não pode passar sem vermelho” – por conta da sua relação com Santa Bárbara. A estética da andarilha edições também marca a grafia em letras minúsculas e a atenção aos detalhes, desde uma impressão de capa que potencializasse as cores escolhidas até a costura de cada um dos 500 exemplares, feita cuidadosamente por Luana Oliveira, do Alinhavos[6].
Essa escrita experimentada e coletiva ensejava, assim, formas e estéticas diversas. Além da cor vermelha, Lucineide Souza pediu para que a imagem da capa fosse feita a partir de uma foto do batizado de seu filho, Naim, na Gruta de Santa Bárbara, na Ladeira do Milagre, cenário do seu livro (Souza 2023). Clara Amorim Duca (2023), que alternou sua própria rememoração com aquelas dos integrantes que fizeram parte de sua CIA DUANA’S DE RITMO, no início dos anos 2000, também teve a ilustração de sua capa inspirada em uma fotografia de seu acervo pessoal. A foto é de um dos tantos trança-fitas que organizou. Duca admirava essa manifestação cultural desde pequena e resolveu fazê-la no momento em que a CIA DUANA’S assumiu por alguns anos uma quadrilha no São João de Cachoeira.
A capa do próprio livro de Deisiane Barbosa (2023), casamendoeira, também veio de uma fotografia sua. A imagem da saia rodada de folhas de amendoeira tem o telhado da casa, que é sede da andarilha edições, como fundo. Casa e amendoeira narram a história da construção de moradas de adobe da família de Deisiane na zona rural de Conceição da Feira.
Por meio desses artefatos estéticos, que juntam narrativas vivas e atenção aos detalhes visuais, o processo de elaboração da Coleção levantou questões importantes sobre a construção de pesquisas etnográficas e, por consequência, sobre a autoria de trabalhos acadêmicos produzidos na universidade. Ao propor uma abordagem etnográfica de pesquisa para construção de composições coletivas na escrita e na formulação de estratégias de luta (imuê 2019), essa produção permitiu a experimentação de diferentes metodologias de escrita conjunta que resultaram em formatos e argumentos textuais diversos, dificilmente enquadrados como mero resultado de uma pesquisa individual.
O fazer etnográfico aparece aqui, portanto, como uma produção coletiva e compartilhada por corpos e cotidianos marcados pela diferença racial e de classe que comumente atravessa as relações de pesquisa antropológica (Ferraz de Lima e Vale 2019). O reconhecimento da geopolítica dos corpos na construção de conhecimento acadêmico (ou literário), como conceitua Ângela Figueiredo (2017), e a posicionalidade e experiências daquelas que misturam fronteiras bem delimitadas, sejam acadêmicas ou nacionais, como faz Glória Anzaldúa (2000; 2009), são fundamentais para a reflexão sobre uma forma coletiva de se fazer pesquisa e a falta de autorreconhecimento das autoras da Coleção Cachoeiras enquanto escritoras no início do projeto. No processo coletivo de escrita desses livros, passamos a entender a própria escrita como comum(Dardot e Laval 2017, Júnior et al. 2021), ou seja, a contação de histórias como uma tecnologia social comunitária, cujo vetor é o princípio político do comum, que parte do coletivo para ocupar lugares hegemônicos. Com a Coleção, afirmamos que tal escrita se dá com corpo e no pretuguês de tanta gente, teorizado por Lélia Gonzalez (1983), e marcada por uma divisão racial do espaço que naturaliza o lugar do negro em favelas, cortiços e alagados e o lugar do branco nos centros, prédios altos e seguros de cidades grandes (Gonzalez 1983), locais em que se torna escritor e se produz conhecimento acadêmico.
Assim, o esforço em reconhecer as epistemologias do comum carrega a possibilidade de transformação da própria produção acadêmica do conhecimento. Nesse sentido, há uma crescente preocupação não apenas em resgatar autoras apagadas pela história[7], mas também aquelas que escreveram a partir de formas criativas de narrativas, como é o caso de Zora Hurston (2008). A contação de histórias, ao ser tomada como forma de pensar e prática contracolonial, se faz como possibilidade de se nomear em lugares historicamente negados (Lucineide Souza 2021), e a escrita torna-se o lugar de uma teoria que permite que os territórios sejam contados na confluência (Bispo 2015), com as pessoas que nele habitam.
Como então pensar um fazer etnográfico que possa se engajar com narrativas contracoloniais? Como buscamos fazer no Projeto Cachoeiras, é preciso abdicar de uma perspectiva academicista que parte de algum autor ou modelo específicos para falar sobre o mundo, e pensar os procedimentos a partir dos quais se faz pesquisa, como engajamento, que possibilitam “a produção de questões comuns, que resultam em artefatos cada vez mais diversos e criativos: além de etnografias, também filmes, eventos, laudos e relatórios técnicos, mapas, documentos administrativo-burocráticos” (Morawska et al. 2021, 22), ou mesmo livros autorais, como no caso aqui tratado.
Se Morawska et al. (2021) nos convocam a pensar as composições textuais que emergem dos engajamentos em pesquisas de campo, Anzaldúa (2000), Haraway (1995) e Pereira (2020) nos convidam a escrever a vida explicitando uma posição marcada e desequilibrar, romper imagens confortáveis, mantendo vivo o espírito da revolta. É preciso, portanto, assumir “a racialização que sempre marcou o lugar do outro” na antropologia para poder assumir também “o aspecto fundamentalmente relacional da produção de sentido, não apenas de identidade, mas sobretudo de conhecimento”, pois “não é mais possível às ciências sociais brasileiras habitarem este lugar da universalidade ocidental” (Pereira 2020, 11). É importante, assim, “juntar-se a outro”, mas “ver junto sem pretender ser outro” (Haraway 1995, 26), situar-se, pois uma visão parcial nos possibilita conexões e aberturas inesperadas: “o único modo de encontrar uma visão mais ampla é estando em algum lugar em particular” (Haraway 1995, 33). Uma vez que operar a partir de modelos totalizantes recai no perigo de “ser muito universal e humanitário e invocar o eterno ao custo de sacrificar o particular, o feminino e o momento histórico específico” (Anzaldúa 2000, 233).
A experimentação etnográfica feita a partir de pesquisas engajadas, assim, nos leva a uma construção de conhecimento que não busque classificar diferentes modos de vida ou povos, mas narrar com as pessoas as diversas formas de viver e habitar mundos. No caso do Projeto Cachoeiras, a experiência da escrita coletiva mostra como o fazer etnográfico pode potencialmente se aliar a narrativas contracoloniais, como se verá a seguir.
Escritas coletivas para guardar a memória
Ao comentar o livro A escola da reconquista, de Maria José Muniz Andrade Ribeiro, a mestra Mayá, escritora, educadora e líder espiritual e política do povo Pataxó Hã Hã Hãe, Rosângela Tugny (2022), ressalta a importância das histórias que precisam ser enunciadas e transmitidas:
É no processo permanente de nomeação desta espiritualidade que Maria Muniz funda também seu método educativo. Era necessário, junto com as famílias dispersas e expulsas do território, contar as histórias que lhes foram tomadas. A falta de espaço físico para as escolas deu ensejo a uma prática nômade da escuta de histórias que precisavam ser enunciadas e transmitidas (Tugny 2022, s.p.).
Como uma das editoras do livro, Tugny (2022) reflete sobre a escrita contra-historiográfica das autobiografias indígenas, de mestras e mestres de comunidades tradicionais, e como ela possibilita um novo estilo literário em que biografia e teoria se intercalam, “ao mesmo tempo em que trazem as vozes de protagonistas notáveis de histórias apagadas na narrativa majoritária da História de nosso país, intervindo, rasurando, recolocando os termos e as direções desta narrativa” (Tugny 2022, s.p.).
A produção coletiva de cinco livros no Projeto Cachoeiras foi fruto de uma experiência reflexiva conjunta que também possibilitava um novo estilo literário que, a todo tempo, fazia ver a geopolítica dos corpos envolvidos e desestabilizava posições naturalizadas. Neste caso, a escrita aparece como um território de disputas em que é preciso se nomear, para que “o racista não nos dê um nome”, como sempre afirmava uma das autoras do projeto, Lucineide Souza. E também como lembra Grada Kilomba, ao escrever, “eu me torno narradora e escritora da minha própria realidade, a autora e a autoridade da minha própria história” (Kilomba 2019, 28), e Glória Anzaldúa: “escrevo para registrar o que os outros apagaram quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você” (Anzaldúa 2000, 232).
Essa recusa de permanecer em um lugar de não protagonismo (Lucineide Souza 2021) se mostra uma marca de mulheres ladino-amefricanas (Gonzalez 2020)[8] na criação de um porvir quilombola (Ratts 2021). A partir de modos de conhecer cotidianos, transmitidos de geração em geração, o porvir é uma ocupação aquilombada de territórios e espaços hegemônicos:
Mais do que entrever, salta aos olhos o conhecer, o saber, o fazer, uma história territorial e uma geo-grafia: a inscrição de um passado e um porvir quilombola nos corpos e nos espaços. Merece destaque o protagonismo das mulheres no local e fora dele, algo que se tornou uma marca da Afro-Latino-América (Ratts 2021, 12).
As autoras da Coleção Cachoeiras contam uma história territorial e uma geo-grafia muito distinta da história oficial do Recôncavo da Bahia. Junto com as pessoas que fizeram parte da CIA DUANA’S, Clara Amorim Duca relata o cenário de cultura e dança em Cachoeira nos últimos 20 anos (Foi um prazer estar em sua companhia, 2023). Por meio de personagens históricos de sua família e da cidade de São Félix, Lucineide Souza traz contos da Ladeira do Milagre e da Gruta de Santa Bárbara que misturam as lembranças encantadas de uma menina e os confrontos religiosos entre católicos e candomblecistas (Memórias de uma menina da ladeira, 2023). A luta pela patrimonialização, transmissão e preservação do samba de roda como bem imaterial ganha vida através da história do surgimento do Samba de Roda de Dona Dalva e sua relação com a trajetória de mulheres negras do Recôncavo nas palavras de sua neta, Any Manuela Freitas (O samba do pé e da palma delas, 2023). É também essa luta do samba de roda que inspira a arte de Maine Jesus para a ilustração da capa amarela de Any Manuela.
Já Deisiane Barbosa dá voz narrativa a duas personagens principais: a amendoeira e a casa de adobe construídas-plantadas pelo seu avô, que contam as histórias de uma família que habita um recôncavo-casa de farinha, pouco mencionado pela literatura que fala do Rio Paraguaçu e do porto que conectava a capital, Salvador, ao sertão baiano (casamendoeira, 2023). Por fim, Rose Miranda se distancia de vez de uma narrativa heroica e masculina para rememorar o caminho de uma mulher com fome de conhecimento que enfrentou um casamento que não lhe permitia abrir as asas (Ninguém fica no silêncio, 2023). E com sua doçura, fez ver em palavras a menina carregando folhas e flores desenhada por Maine Jesus.
Nessas narrativas, a região do Recôncavo passa a ser contada por meio daquilo que não cabe na história oficial da cidade, que cria a figura de um povo aguerrido marcada muitas vezes por uma imagem freyriana do brasileiro como amálgama do português, indígena e negro (Vale 2018). O cotidiano aqui é marcado por um saber feito nas relações afetivas e nos conflitos. Clara Amorim Duca sempre me disse que, por ela, os prédios portugueses de Cachoeira poderiam cair, pois quem remanesceu na região foram as pessoas descendentes dos africanos levados à força até lá. O que importa aqui não é a arquitetura colonial tombada, mas as histórias daqueles que ali ficaram, mantendo o Recôncavo vivo. O saber trazido por seus ancestrais e que ali remanesceu é também o que contrasta com as imposições de religiões e conhecimentos hegemônicos, como podemos ver no livro de Lucineide Souza (2023).
Um conhecimento cotidiano relacionado às religiões de matriz africana está presente mesmo para aquelas pessoas que não são do candomblé, caso de Dona Lucinha, mãe e personagem de Lucineide Souza (2023). Já o pai, Seu Natinho, era de santo, mas guardava isso em segredo. Em suas memórias, a autora recorda sempre dos embates entre o padre da Igreja de Santa Bárbara, na Ladeira do Milagre, e o povo de terreiro que subia em dezembro para a festa da santa que dava nome à igreja:
Contava que era dia de procissão e tava uma consumição danada, o padre queria toalha branca e as beatas seguiam o padre, mas o pessoal do candomblé e os romeiros queriam que botassem a vermelha ou as duas cores, mas sem vermelha não poderia ficar. Nisso, o tempo foi passando, o horário do cortejo sair foi chegando e nada da missa começar. A filarmônica União Sanfelixta já a postos, Eduardo Macedo, o então prefeito, com o rosto avermelhado de tão agoniado, junto da primeira dama, Dona Cleuza, reclamava da demora. De repente, do seu balcão ele só avistou o clarão, eram as velas pegando fogo na gruta e lá vai lá vai, correu imediatamente para apagar, não podia jogar água senão piorava mesmo, o correto era terra e então haja terra para apagar.
Cessado o fogo na gruta, foi que ele lembrou que havia deixado os filhos despachando na barraca e quando voltou só viu os foguetes que vendia, do nada pegando altura e explodindo, foi fumaça pra todo lado. Levou a mão na cabeça e ali do meio da rua gritou – marminino, tá vendo vocês, com a agonia de vocês, sobrou até para mim, a criatura agora se danou e tocou fogo em tudo! Então, fogo né vermelho? Bota a toalha vermelha mesmo, seu padre. Valei-me, minha Santa Bárbara, não tenho o que a ver com isso! (Souza 2023, 36-37).
Nessa relação entre diferentes formas de cultuar a santa, podemos ver as entrelinhas de um evento que move a cidade de São Félix, envolvendo prefeitura, igreja, romeiros e povo de santo. Vemos também os atritos que atravessam relações de poder, advindas de um encontro colonial marcado pela invasão. Tal encontro também é narrado por Deisiane Barbosa:
então tudo começa porque há uma estrada. caminho de pó, terra pura, atalho pelo meio do que talvez um dia fosse tudo mata densa. depois foi propriedade privada, pasto, rodovia que corta o brasil ponta a ponta na bainha do litoral. dono tinha, mas fizeram vista grossa, ou antes somente fosse. fizeram guerra e muito sangue (Barbosa 2023, 21).
A reocupação de um território invadido, que enseja o porvir quilombola, pode ser também uma refloresta, como escreve a autora de casamendoeira:
sítio tapera foi o nome escolhido. ainda homem, o velho já sabia que palavra é coisa forte, desde o dizer mesmo, de boca, até o grafar. palavra convoca a espiritualidade duma coisa. na raiz tupi de tapera evoca-se uma aldeia ida, fruto da junção de tawa [taba, aldeia] e pwera [que foi, extinta].
a mulher corpoeta prontamente desconfia, muito além do que diz certos livros, tapera é mais que uma casa simples, em ruína, abocanhada pelo mato. há uma versão suprimida apontando um aldeamento não necessariamente abandonado, como sugere a variação do verbete. se existe algo tomado na raça, não foi uma casa pelo mato, simplesmente, mas antes houve usura de explorar toda uma mata, usurpando-a, rasurando dali sua povoação nativa.
o velho homem já supunha. a mulher que escreve toma tento e se espanta com a noção da poesia. teria ele tomado no ouvido o cicio da história massacrada, assinalando já no nome um enredo, prenúncio de passado e memória dum futuro rascunhando? urdidura de ontem e amanhã, para dali reflorestar uma terra encruzilhada (Barbosa 2023, 22-23).
Em outra experiência de encontro entre comunidades tradicionais, universidade e movimentos sociais na produção de narrativas contracoloniais, Maria Aparecida Rodrigues (2021, 25), liderança quilombola do norte do Tocantins, associa a luta pela titulação da terra do Quilombo Grotão ao conhecimento ali produzido: “Mas, tá como o dizer: ‘estamos lá’. Estamos resistindo! Porque o território quem vai remarcar somos nós. Não vamos esperar governo marcar, não, porque se nós formos esperar... Primeiro nós temos que riscar e ir por onde o risco do nosso conhecimento passa. É isso a luta”. É com a prática contracolonizadora que mistura linguagens orais com a linguagem escrita (Bispo 2015) que podemos riscaro conhecimento (Rodrigues 2021) dessas autoras e fazê-lo ocupar os espaços acadêmicos, ainda que suas vidas corridas não lhes deem muito tempo. Rose Miranda (2023) fala disso ao finalizar o seu livro:
Essa é a história e, como já falei, narro não porque é das melhores, mas porque damos a volta por cima. E se houver também outras pessoas a contar seus enredos, a tentar fazer um balanço da sua vida e buscar o melhor do melhor para viver, que possa também se encorajar. É como diz Conceição Evaristo, né? A nossa vida é sempre uma história, cada uma escreve do jeito que quer. Mesmo que eu não tenha muito tempo de sentar, assim, para ler e beber da fonte de mulheres que espalham suas escrevivências pelo mundo, porque minha vida é muito corrida, eu quero aprender de tudo! Agora mesmo, eu vou aprender a costurar. Quero costurar na máquina de costura, quero fazer tricô, quero bordar. E essa cabeça guenta tanta coisa? E como guenta!, porque uma coisa é certa, quando Rose chega em um ambiente, ninguém fica no silêncio (Miranda 2023, 57).
Partir desse desejo de ocupar esses espaços e aprender é também entender a escrita como comum, é riscar, com dona Aparecida, e escolher contar outras histórias (Haraway 2016) em busca de especulações indígenas, quilombolas, camponesas, sertanejas, mais que humanas, ficcional-científicas e outras, que revelem modos de viver que são simultaneamente constituintes e contraditórios ao projeto capitalista. A escrita, assim, é um ato político, como pontua Any Manuela Freitas ao trazer o cotidiano de duas tataravós, a formação do Samba de Roda de sua avó, o seguimento de sua mãe e dela própria no livro que compõe a Coleção Cachoeiras:
Organizar um grupo de Samba de Roda é um ato político, assim como escrever sobre os métodos de transmissão de sua prática. Esta escrita de muitas gerações propõe também uma reflexão sobre os obstáculos presentes na manutenção de patrimônios culturais e desafios enfrentados por grupos de Samba de Roda. Embora caminhemos com um legado vindo de longos passos, ainda estamos distantes de reconhecimentos sólidos para a nossa sobrevivência e preservação da sabedoria cultural (Freitas 2023, 14).
Enunciar e transmitir histórias que precisavam ser contadas (Tugny 2022) são estratégias de guardar a memória do que não se é escrito oficialmente. Tais escritas coletivas são, assim, um ato político. Ao contar sobre a formação da CIA DUANA’S, Clara Amorim Duca (2023) fala sobre a falta de financiamento para projetos sociais em Cachoeira e de como aquele espaço se tornou uma família, “composta por muitas pessoas que tinham sonhos” (Duca 2023, 129):
Muitos dos que acompanhavam sugeriam lugares para ensaiarmos, entendendo que as acomodações não eram adequadas e que também havia ali uma invasão de privacidade por parte do projeto [os ensaios se davam na sala de sua casa]. Mal sabiam que não era tão simples de lidar com o poder público ou privado quando o assunto é um “bando de jovens fazendo dança de rua”. Como as experiências que tive nesse sentido não deram muito certo, preferia me organizar por ali, o que talvez fosse um tipo de orgulho. Mas a realidade é que, infelizmente, a arte no nosso país não é vista como algo que se alicerça na educação de base, certamente por isso seja tão revolucionária. Não precisamos de favores, mas é isso que se acredita fazer por nós, pois sempre que se dá algum apoio, precisamos de uma moeda de troca, como se nosso processo criativo autônomo precisasse de assistencialismo para se estabelecer.
A cultura e a arte precisam, sim, de suporte, apoio e incentivo, mas como projeto e programa estruturados de governo, não como favor de ninguém. O que nos espantava era: como não valorizar um grupo de jovens dedicados a um projeto artístico já bem-sucedido e reconhecido pela comunidade? (Duca 2023, 92-93).
Seja como ato político (Any Manuela Freitas), seja como projeto social (Clara Amorim Duca), a arte era a base das propostas do Projeto Cachoeiras que permitia tensionar lugares historicamente naturalizados por aqueles que não têm dúvidas de que são escritores. Além da escrita no espaço acadêmico, por se tratar de um projeto de antropologia engajada, portanto, também seguimos os passos de Deisiane Barbosa (2020) para repensar os próprios livros como artefatos. Como desdobramento de sua pesquisa de mestrado, para além da dissertação, ela produziu um videoarte e intervenções itinerantes[9]. Inspirada em muitas autoras, especialmente Conceição Evaristo e sua escrevivência como modo de fazer literatura alinhavando memórias afetivas, Barbosa (2020) parte de reflexões sobre livro de artista, livro-objeto, obra-livro, que pensam o livro como suporte experimental (Derdyk 2012) e poético. Segundo Edith Derdyk (2012, 166), essa forma ampliada de se fazer livro entende seu suporte como algo que expande, estende, estica a sua habitação (Derdyk 2012). A ideia de guardar a memória de maneira estendida por meio das narrativas de mulheres contadoras de história guiou o processo de escrita coletiva, ao pensar os livros escritos como habitados e expandidos pelo cotidiano do Recôncavo da Bahia, em suas histórias e suas formas materiais.
Ao seguir esta proposta de ativar a imaginação quilombola contracolonial a partir de escritas coletivas em um território negro, as cinco autoras do Projeto Cachoeiras incitaram a apropriação da linguagem hegemônica da palavra escrita para produzir narrativas pautadas por uma perspectiva em geral silenciada quando se trata da história oficial da região. Quem são os personagens que se mantêm na memória dos que ali se criaram? Como a memória da escravização dos antepassados emerge nos corpos a todo tempo refeitos e reinventados? Quais saberes de cura, nascimento e morte guardam as mulheres daquelas cidades? Como podemos pensar e criar juntas tecnologias sociais comuns dos territórios como narrativas contracoloniais? Tais questões se tornam cada vez mais centrais para projetos de antropologia engajada que, como busquei argumentar, tensionam a ideia do sujeito de conhecimento no fazer etnográfico.
Considerações finais
Toda vez que vai falar de seu livro, Rose Miranda respira profundo e fica em silêncio. Vez em quando os olhos marejam. Para ela, “todo mundo tem uma história para contar”. Ao longo do processo de escrita, as autoras passaram a se chamar de irmãs de livro. A feitura coletiva desses artefatos estéticos, entre irmãs, nos ensina sobre as possibilidades de organização de textos, trechos, argumentos que um processo de editoração faz emergir e que tensiona o próprio exercício da escrita, que idealmente prevê silêncio, racionalização e tempo livre:
(...) pessoas como Davi Kopenawa e a mestra Maria Muniz, (...), não disporiam de mais tempo para redigir seus livros. É algo que iria muito além de dominarem ou não a escrita alfabética dos países em que se encontram. Suas vidas estão atravessadas de urgências de toda ordem, cerimônias de cura, incursões na mata, participações em reuniões, assembleias, preparação de rituais, trabalhos na roça, enfrentamentos, mobilizações. É então necessário que a etnologia se decida a transcrever e promover as publicações autobiográficas neste cenário de lutas e visibilidade dos movimentos indígenas em tempos de cólera. Imaginemos o quanto conhecer tais histórias mudaria o currículo das instituições de ensino de todos os níveis (Tugny 2022, s.p.).
Assim como etnógrafos fazem com falas e cenas que produzem em seus trabalhos de campo, mexer nos textos das autoras junto com elas foi também recortar e construir uma narrativa que levanta questões caras às nossas pesquisas antropológicas em diferentes formatos. No caso dos livros da Coleção Cachoeiras, desde temas clássicos nas ciências sociais como a cena cultural de Cachoeira e a relação entre street dance e danças tradicionais da região; a patrimonialização do samba de roda; as não raras relações de violência em casamentos heteronormativos; a espiritualidade que mistura candomblé e catolicismo, marcada por conflitos; a retomada de territórios ancestrais; a agroecologia e a construção de casas de adobe; as relações de trabalho na região e as desigualdades que marcam os corpos até sensibilidades etnográficas.
Um dos jovens que participou da CIA DUANA’S DE RITMO diz que Duca era uma coreógrafa intuitiva: “Ela parava, ligava o som nas alturas, lá no salão da casa dela, e fechava os olhos, sentia o que a música queria transmitir e montava ali os movimentos” (Duca 2023, 50). Lucineide conta que nasceu com a marca de fumo em sua barriga, sinal de toda criança filha de mulheres charuteiras que trabalharam até o fim de suas gestações nas fábricas de charuto da região. E Any traz as falas de sua avó, Dona Dalva, rememorando a infância, a presença de línguas africanas no seu cotidiano e as mulheres africanas que fundaram a Irmandade da Boa Morte:
Vovó falava nagô, era bem preta. Morou na casa que Glória morou. Você viu Dona Glória da Boa Morte? Vovó era a mesma coisa. Teve uma barriga de dois, uma barriga de três e uma barriga de quatro, mas muitos não vingou... Eu fui a primeira neta, me chamava de Cidavi. Ô Cidavi, e eu que não atendesse... Era negociante, vendia maniçoba, sarapatel, cocada. Na Boa Morte, passou por todos os cargos (Freitas 2023, 17).
A proposta deste artigo foi contar sobre a produção coletiva de contranarrativas (Bispo 2015) históricas do Recôncavo da Bahia a partir da importância de se riscar o conhecimento de povos quilombolas (Rodrigues 2021) ao compor engajamentos coletivos (Morawska et al. 2021) e escrever o comum (Dardot e Laval 2017), como princípio e ato político (Freitas 2023). Os modos como nossos textos são feitos também se encontram com os modos com que são contados, conservando o estilo narrativo de suas autoras. São relatos em que os modos de contar estão imbricados nas práticas cotidianas de fazer a vida e suas práticas de cuidado. Eles guardam a memória por meio de narrativas habitadas, estendidas, expandidas pelo cotidiano, e deslocam a forma como se produz conhecimento acadêmico e literário. Elas fazem sentir e nos permitem que possamos manter nossos corpos juntos e em luta (Mol e Law 2007).
A costura narrativa, que articula um argumento com dados etnográficos e dialoga com outras autoras, se deu desde as cartas que escreveram em resposta ao convite para participar do projeto que já era gestado por Deisiane, Lucineide, Duca e eu, até o posicionamento das cadeiras, esteiras e laço feito de capulana na amendoeira no dia do lançamento da Coleção. Fizemos juntas e criamos coletivamente, assim, como se faz ao escolher as folhas para a preparação de um amaci, banho de limpeza em terreiros de candomblé. É preciso conhecer as folhas certas, coisa que se aprende com o tempo e escutando as mais velhas. Pedir licença aos donos das folhas, como Ossain e Oxóssi. Colher na hora certa, porque depois das 18h não se tira folha. Macerar com as mãos banhadas de água e de rezas.
Há quem ensine, quem mostre como se faz, quem colha as folhas, quem as macere e quem dê a licença.
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Notas